2. Oh! como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vão discurso humano!
Vai se gastando a idade e cresce o dano;
perde se me um remédio, que inda tinha;
se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.
Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde, e da esperança.
3. Vocabulário:
1. peregrinação: longo percurso
2. vão: inútil
3. discurso humano: passagem pela vida
Oh, como se me alonga, de ano em ano, 4. dano: mal, sofrimento
A peregrinação cansada minha! 5. se por experiência se adivinha: se a
Como se encurta, e como ao fim caminha experiência permite prever o futuro
Este meu breve e vão discurso humano! 6. bem: felicidade
7. falece: falta (capacidade de atingir um fim)
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; 8. parece: aparece
Perde-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.
Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece,
Mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda parece,
Da vista se me perde e da esperança.
4. Tema:
A DESILUSÃO DE VIVER
Oh, como se me alonga, de ano em ano,
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha Uma reflexão sobre a sua vida
Este meu breve e vão discurso humano! suscita no poeta sentimentos
contraditórios: o cansaço de
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; viver e pena de caminhar
Perde-se-me um remédio, que inda tinha; para o fim.
Se por experiência se adivinha, Lamenta ao mesmo tempo o
Qualquer grande esperança é grande engano. prolongamento e a brevidade
da sua vida. O tempo
Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece, passa, as mágoas crescem e
Mil vezes caio, e perco a confiança. desvanecem-se as últimas
esperanças.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda parece,
Da vista se me perde e da esperança.
5. Tema: Desconcerto Pessoal
Oh, como se me alonga, de ano em ano,
Passagem do tempo (peregrinação) e
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
mudança para pior, que leva à perda
Este meu breve e vão discurso humano! da confiança.
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
Perde-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiência se adivinha, Assunto: Fala sobre a esperança que o
Qualquer grande esperança é grande engano. sujeito poético teve ao longo da sua
vida e respetivas consequências
Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece,
Mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda parece,
Da vista se me perde e da esperança.
6. O sentido trágico da vida
Os poetas maneiristas, dentre eles
Oh, como se me alonga, de ano em ano, Camões, confrontados com a crise geral que
A peregrinação cansada minha! se abate sobre o homem e a sociedade pós-
Como se encurta, e como ao fim caminha renascentista, “os maneiristas passam a
Este meu breve e vão discurso humano! integrar obsessivamente o sentimento
trágico da vida, a postura melancólica e
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; saturniana, a contemplação da morte.” Essa
Perde-se-me um remédio, que inda tinha; atitude existencial que subjaz à lírica
Se por experiência se adivinha, maneirista tem ampla conexão com a
Qualquer grande esperança é grande engano. convicção dos poetas acerca da
predestinação do homem à dor e ao
Corro após este bem que não se alcança; sofrimento, a uma vida transitória e
No meio do caminho me falece, infeliz, que apenas serve como um doloroso
Mil vezes caio, e perco a confiança. hiato entre o berço e o túmulo. Toda ela
transcorrida em agonias, em dores, em
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, pranto e em desventuras, a vida, para os
Se os olhos ergo a ver se inda parece, maneiristas, só oferece tormentos
Da vista se me perde e da esperança. físicos, morais e espirituais. Daí o lamentoso
canto camoniano, no qual o poeta tece
reflexões acerca da sua dolorosa trajetória
existencial.
7. Oh, como se me alonga, de ano em ano, Nesse soneto, é nítido o sentimento
A peregrinação cansada minha! trágico da vida, tipicamente maneirista.
Como se encurta, e como ao fim caminha Ano após ano se vai alongando a cansada
Este meu breve e vão discurso humano! peregrinação do poeta pelo mundo e se
vai aproximando o fim de sua vida, que ele
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; sente ter vivido inutilmente. Regida pela
Perde-se-me um remédio, que inda tinha; tirania de Cronos, que a todos e a tudo
Se por experiência se adivinha, metamorfoseia e destrói, em seu fluir
Qualquer grande esperança é grande engano. contínuo, a vida humana é concebida pelo
poeta como uma dolorosa via crucis, sem
Corro após este bem que não se alcança; sentido, vã. É uma caminhada num mundo
No meio do caminho me falece, de enganos, sempre à espera de uma
Mil vezes caio, e perco a confiança. esperança que nunca chega. Com o passar
dos anos, veio-lhe o cansaço, cresceu-lhe o
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, desgosto, ele perdeu a esperança,
Se os olhos ergo a ver se inda parece, chegando à velhice despojado da
Da vista se me perde e da esperança. confiança e perdido.
8. Oh! como se me alonga, de ano em ano,
1º momento: a peregrinação cansada minha!
O poeta está cansado de viver em busca da Como se encurta, e como ao fim caminha
felicidade. Mas, apesar de ter cada vez menos este meu breve e vão discurso humano!
esperança de encontrar o que busca, lamenta que
o fim da vida se aproxime. Vai se gastando a idade e cresce o dano;
O que é verdadeiramente doloroso é a frustração perde se me um remédio, que inda tinha;
de ter lutado por algo que não alcançou e sentir se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.
que toda a sua vida foi em vão.
Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiança.
2º momento:
A sua vida consiste numa busca incessante da
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
felicidade, “um bem que não se alcança”.
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde, e da esperança.
9. Recursos de Estilo
Paradoxo: ”Como se me alonga/Como se encurta”
Oh, como se me alonga, de ano em ano,
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano!
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
Perde-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.
Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece,
Mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda parece,
Da vista se me perde e da esperança.
10. Na primeira estrofe, o sujeito poético manifesta
desalento em relação à vida.
1. Refere as duas formas de designar a vida.
1. «peregrinação»; «vão discurso humano».
Oh, como se me alonga, de ano em ano,
1.1 Explicita o seu sentido.
A peregrinação cansada minha! 1.1 «peregrinação» -percurso de vida, caminhada
Como se encurta, e como ao fim caminha difícil, com sofrimento; «vão discurso humano» - tempo
Este meu breve e vão discurso humano! inutilmente gasto.
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; 1.2 Interpreta a expressividade do aparente contraste
Perde-se-me um remédio, que inda tinha; entre «se (...) alonga» (v. 1) e «se encurta» (v. 3).
Se por experiência se adivinha,
2. 1.2 À medida que o tempo passa («alonga»), o «eu»
Qualquer grande esperança é grande engano. poético fica mais velho e consequentemente mais perto
do final da sua vida («se encurta»), da morte.
Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece,
Mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda parece,
Da vista se me perde e da esperança.
11. Oh, como se me alonga, de ano em ano,
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano!
Atenta na segunda estrofe.
2.1 Explica o sentido do primeiro verso.
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; 2.1 O desgaste físico e psicológico originam a
Perde-se-me um remédio, que inda tinha; intensificação do sofrimento do «eu»,
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano. 2.2 O sujeito poético afirma que se perde «um
remédio, que inda tinha» (v. 6). Clarifica o significado
Corro após este bem que não se alcança; do vocábulo «remédio».
No meio do caminho me falece, 2.2 O remédio remete para a juventude.
Mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda parece,
Da vista se me perde e da esperança.
12. Oh, como se me alonga, de ano em ano,
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano! 3. Das últimas duas estrofes, transcreve as
expressões que transmitem a ideia de luta e de
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; busca do bem desejado.
3. «Corro após este bem que não se alcança» (v. 9);
Perde-se-me um remédio, que inda tinha;
«Mil vezes caio» (v. 1); «Se os olhos ergo a ver se
Se por experiência se adivinha, inda parece» (v. 13).
Qualquer grande esperança é grande engano.
3.1 Refere o nome das figuras de estilo presentes
Corro após este bem que não se alcança; nos versos 10 e 11.
No meio do caminho me falece, Esclarece a sua expressi-vidade.
Mil vezes caio, e perco a confiança. 3.1 Metáfora e hipérbole. Metáfora - «No meio do
caminho» - percurso de vida; hipérbole - «Mil vezes
caio» vida cheia de obstáculos, dificuldades que o
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, «eu», persistentemente, tenta ultrapassar/vencer.
Se os olhos ergo a ver se inda parece,
Da vista se me perde e da esperança. 4. Identifica o tema do soneto.
4. Balanço de vida.
13. Oh, como se me alonga, de ano em ano,
A peregrinação cansada minha! Aprecia o ritmo da composição
Como se encurta, e como ao fim caminha poética, relacionando-o com o
Este meu breve e vão discurso humano! desenvolvimento do tema.
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; O ritmo é lento nas duas primeiras quadras e
Perde-se-me um remédio, que inda tinha; rápido nos dois tercetos.
Se por experiência se adivinha, Nas quadras, o balanço do eu poético realiza-
Qualquer grande esperança é grande engano. se de modo claramente denso, revelando um
pesado desânimo e pessimismo em relação à
Corro após este bem que não se alcança; sua vida.
No meio do caminho me falece, Nos tercetos, o ritmo é rápido, concretizado
Mil vezes caio, e perco a confiança. através de vocábulos com menor número de
sílabas e de sentido dinâmico.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, Note-se, contudo, que o último verso
Se os olhos ergo a ver se inda parece, recupera o ritmo lento inicial com a palavra
Da vista se me perde e da esperança. «esperança», pois que a sua conotação
positiva é anulada pela forma verbal «perde».
14. Tendo em conta o seu esquema
estrófico, classifique esta composição
Oh, como se me alonga, de ano em ano,
poética.
A peregrinação cansada minha!
O poema é um soneto, pois é constituído
Como se encurta, e como ao fim caminha
por duas quadras e dois tercetos.
Este meu breve e vão discurso humano!
Atente na estrutura formal do texto.
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; Apresente o seu esquema rimático e
Perde-se-me um remédio, que inda tinha; classifique as rimas que o integram.
Se por experiência se adivinha, O poema apresenta o seguinte esquema
Qualquer grande esperança é grande engano. rimático: ABBA / ABBA / CDC / CDC. A rima
é interpolada (A__A) e emparelhada (_BB_)
Corro após este bem que não se alcança; nas quadras e cruzada nos tercetos.
No meio do caminho me falece,
Mil vezes caio, e perco a confiança. Faça a escansão do primeiro verso e
classifique-o.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, “Oh!| Co|mo| se| me a|lon|ga,| de a|no
Se os olhos ergo a ver se inda parece, em| a|no” – Trata-se de um verso de dez
Da vista se me perde e da esperança. sílabas métricas; é, portanto, um decassílabo
(verso decassilábico).