O documento apresenta um poema de Fernando Pessoa intitulado "Às vezes, em sonho triste" e realiza uma análise estilística e temática do mesmo através de perguntas. O poema descreve a nostalgia do eu lírico por um país onde seria possível ser feliz simplesmente sendo feliz, sem desejos ou vontades, comparando-o a uma infância sem fim. A análise destaca o recurso da hipálage no primeiro verso e a ideia de que o sonho representa uma felicidade inacessível da infância.
4. A expressão «sonho triste» constitui
uma hipálage, já que o adjetivo «triste»,
que, numa interpretação gramatical
(denotativa), modifica o nome «sonho»,
caracteriza, no fundo, o sujeito poético
(o «proprietário» do sonho) no momento
em que sonha. Ao longo do texto
percebe-se que o sonho em causa até
concretizaria uma vivência «suave» (v.
19), onde se seria «feliz» (v. 4); é a
tristeza presente do eu que o faz desejar
o sonho (v. 2).
5. Muito característica do estilo de Eça é
a hipálage, figura de estilo em que se
transferem caracterizações humanas
para as partes do corpo, para tecidos
ou vestidos, para objectos, etc. (Vê
também a definição no glossário da
Antologia, p. 297.) Por exemplo, em
8. • as tias, fazendo as suas meias
sonolentas [vs. meias, sonolentas]
• lenta humidade das paredes fatais
do Ramalhete
• chá respeitoso
• o peixe austero
• as lojas loquazes dos barbeiros
• saias ligeiras e ilegítimas
• raspar espavorido dos fósforos
9. O advérbio e o adjetivo acentuam o
afastamento do mundo sonhado pelo
sujeito lírico relativamente ao mundo real.
Fica assim mais demarcada, e inacessível,
a felicidade que envolve o sonho.
10. O sonho — ou a felicidade que conota
— é identificado com a infância (e, ao
contrário da verdadeira, «sem fim»). Ao
mesmo tempo, o sujeito poético tem
noção de que esse paraíso (esse «jardim»)
é «impossível» (v. 20).
11.
12. «Às vezes, em sonho triste»
(Fernando Pessoa / Beto Betuk)
Às vezes, em sonho triste
Nos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.
13. Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.
14. O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.
15. Nem se sonha nem se vive:
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.
16.
17. 1. Identifique o recurso estilístico
presente no primeiro verso da primeira
estrofe.
1. O recurso estilístico presente no
primeiro verso da primeira estrofe é a
apóstrofe. («Ó sino da minha aldeia»)
18. 1.1. Retire do texto elementos deíticos que
nos remetam para a concretização de um
diálogo.
1.1 Os elementos que evidenciam a
existência do diálogo entre o sujeito
poético e o sino são os pronomes pessoais
na primeira pessoa «me, mim», os
determinantes possessivos «tua, teu» e as
formas verbais «tanjas, soas».
19. 2. Faça o levantamento das características do toque do sino.
2. O toque do sino é dolente, lento, triste
e vibrante.
20. 2.1 Explique o seu efeito no sujeito
poético.
2.1 O toque do sino não é indiferente ao
sujeito poético, atingindo-o no âmago —
«Cada tua badalada / Soa dentro da minha
alma». Assim, cada badalada desperta no
sujeito poético reminiscências e nostalgia
de um passado distante, real ou
imaginário — «Sinto mais longe o
passado, / Sinto a saudade mais perto».
21. 3. Há um processo de identificação entre o
toque do sino e o sujeito poético.
Explique-o.
3. A caracterização que o sujeito poético
faz do sino corresponde ao seu estado de
espírito, daí haver uma identificação entre
os dois. Tal como o toque do sino, o
sujeito poético sente-se dolente, triste e,
apesar de errante, tem sempre presente
cada badalada. O som do toque do sino élhe tão familiar que «a primeira pancada /
Tem um som de repetida».
22. 4. Explicite a relação existente entre o
sino e o sonho na terceira estrofe.
4. Entre o sino e o sonho estabelece-se
uma relação de comparação. Assim, o
toque do sino remete o sujeito poético, tal
como o sonho, para um tempo distante,
de tal forma que o toque que ele ouve não
é o físico, mas o do seu sonho.
23. 1.1 O sentido que a evocação do sino
desperta no sujeito poético é
a. a audição.
b. a visão.
c. o tato.
24. 1.2 O modificador do nome apositivo
usado para qualificar o sino, na primeira
quadra, funciona como
Ó sino da minha aldeia, dolente na tarde
calma, cada tua badalada soa dentro da
minha alma.
a. metáfora da cadência do sino.
b. hipálage do sujeito poético.
c. hipérbole da calma da tarde.
25. 1.3 Com os versos «Soa dentro da minha
alma» (v.4) e «Soas-me na alma distante»
(v. 12) o sujeito poético destaca
a. as consequências de cada «badalada»
na sua orientação na «aldeia».
b. os efeitos da audição do sino na sua
conceção do tempo psicológico.
c. os resultados da audição do sino na
sua perceção do tempo cronológico.
26. 1.4 Na segunda estrofe, o eu lírico afirma
que «[...] a primeira pancada / Tem um
som de repetida» (vv. 7-8), pois
a. desperta as suas memórias,
propiciando uma vivência «repetida» pela
lembrança.
b. produz eco na sua cabeça.
c. suscita-lhe sempre o mesmo
pensamento.
27. 1.5 No contexto em que ocorre, o adjetivo
«errante» (v. 10) concorre para a
caracterização do sujeito poético
enquanto alguém que
a. comete continuamente os mesmos
erros.
b. possui uma natureza inconstante e sem
rumo na vida.
c. procura uma orientação para a sua
existência.
28. 1.6 A aliteração de sons nasais ao longo do
poema [«dolente», «dentro», «lento»,
«som», «tão», «pancada», «tanjas», «tem»,
«sem-pre», «errante», «mim», «distante»,
«quando»,«vibrante», «sinto», etc.] contribui
para
a. reproduzir a intensidade das badaladas
do sino.
b. transmitir de forma suave o estado de
espírito do sujeito da enunciação.
c. sugerir linguisticamente a envolvência
provocada pelo toque cadente do sino.
29.
30. «Ó sino da minha aldeia»
(Fernando Pessoa / Popular [«Fado das horas»])
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
31. E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
32. Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
33. A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
34. TPC — Lê os textos expositivos «O
rosto e as máscaras da heteronímia» (p.
142); «O Dr. Ricardo Reis, Estoico Epicurista» (p. 110).