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"Gato que brincas na rua"
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama
Invejo a sorte que é tua
Por que nem sorte se chama
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa
Não sei ser triste a valer
Não sei ser triste a valer
Nem ser alegre deveras.
Acreditem: não sei ser.
Serão as almas sinceras
Assim também, sem saber?
Ah, ante a ficção da alma
E a mentira da emoção,
Com que prazer me dá calma
Ver uma flor sem razão
Florir sem ter coração!
Mas enfim não há diferença.
Se a flor flore sem querer,
Sem querer a gente pensa.
O que nela é florescer
Em nós é ter consciência.
Depois, a nós como a ela,
Quando o Fado a faz passar,
Surgem as patas dos deuses
E ambos nos vêm calcar.
'Stá bem, enquanto não vêm
Vamos florir ou pensar.
http://arquivopessoa.net/textos/154
https://sites.google.com/site/apontamentoslimareis/ser-aquele
Cansa Sentir Quando se Pensa
Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.
Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.
Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.
(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo -
Ah, nada é isto, nada é assim!)
Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'
Arte poética pessoana (ortónimo) - A dor de pensar
A procura constante de racionalidade, por parte do ortónimo, leva, no entanto, o poeta a viver uma
tragédia íntima que o dilacera: o querer sentir de forma racional. Este drama está explicitado em
poemas como:
"Ela canta, pobre ceifeira," - O poema caracteriza o drama interior do sujeito poético por oposição à
felicidade da ceifeira, tendo em conta as seguintes dualidades: consciência / inconsciência; felicidade
/i infelicidade; euforia /disforia; sentir / pensar.
Num primeiro momento, o sujeito poético evoca o canto da ceifeira, evidenciando:
 a suavidade;
 o carácter inconsciente da alegria da voz;
 a pureza;
 a harmonia;
 o contraste entre a dureza da "lida" do campo e a leveza do canto.
Posteriormente, a partir da quarta quadra, o sujeito poético exprime os sentimentos que o canto da
ceifeira despertam nele, retomando o seu drama interior:
 desejo de permuta com a ceifeira;
 ânsia de ser inconsciente, mas preservando a consciência de o ser;
 vontade de intersecção - "Ah, poder ser tu, sendo eu!";
 desejo de dispersão.
O poema sintetiza, assim, a dor resultante do processo de racionalização permanente: ao contrário
da ceifeira, o sujeito poético não atinge a felicidade, porque, nele, tudo é pensamento.
"Gato que brincas na rua" - Pessoa parte de uma imagem-símbolo, o gato, para chegar a uma
reflexão:
 a imagem-símbolo é o gato que brinca na rua, de forma instintiva e natural - "Como se fosse
na cama";
 o sujeito poético inveja esse viver instintivo do gato, a sua irracionalidade e,
consequentemente, a sua felicidade;
 a inevitável consciência da fragmentação interior domina o sujeito lírico - "vejo-me e estou
sem mim";
 o processo de auto-análise é permanente - "Conheço-me e não sou eu".
"Cansa sentir quando se pensa." - O poema expõe, uma vez mais, a dor resultante do pensar,
presente através de aspectos como:
 a incapacidade de conciliar o sentir e o pensar - "Cansa sentir quando se pensa";
 a solidão e a tristeza - "Há uma solidão imensa / (...) Neste momento insone e triste / (...)
Pesa-me o informe real que existe";
 a indefinição - "Em que não sei quem hei-de ser";
 a constatação da incapacidade de viver - "E não poder viver assim. / (...) Ah, nada é isto,
nada é assim!";
 a incapacidade de relacionamento com os outros e com o mundo - "Mas noite, frio, negror
sem fim, / Mundo mudo, silêncio mudo".
"Não sei ser triste a valer" - O sujeito poético refere, através da analogia entre o florir das flores e a
inevitabilidade do pensar, a sua dor e angústia. Atente-se em aspectos como:
 a indefinição - "Não sei ser triste a valer / Nem ser alegre deveras";
 a constatação de que não sabe ser - "Acreditem: não sei ser.";
 o prazer de "não sentir" - "Com que prazer me dá calma / (...) Florir sem ter coração!";
 a identificação entre "florir" e "pensar", porque ambos são superiores à "vontade" das flores e
dos homens - "O que nela é florescer / Em nós é ter consciência. / (...) Vamos florir ou pensar.";
 a inevitabilidade da morte - "Surgem as patas dos deuses / E a ambos nos vêm calcar".

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Gato que brincas na rua

  • 1. "Gato que brincas na rua" Gato que brincas na rua Como se fosse na cama Invejo a sorte que é tua Por que nem sorte se chama Bom servo das leis fatais Que regem pedras e gentes, Que tens instintos gerais E sentes só o que sentes. És feliz porque és assim, Todo o nada que és é teu. Eu vejo-me e estou sem mim, Conheço-me e não sou eu. Fernando Pessoa Não sei ser triste a valer Não sei ser triste a valer Nem ser alegre deveras. Acreditem: não sei ser. Serão as almas sinceras Assim também, sem saber? Ah, ante a ficção da alma E a mentira da emoção, Com que prazer me dá calma Ver uma flor sem razão Florir sem ter coração! Mas enfim não há diferença. Se a flor flore sem querer, Sem querer a gente pensa. O que nela é florescer Em nós é ter consciência. Depois, a nós como a ela, Quando o Fado a faz passar, Surgem as patas dos deuses E ambos nos vêm calcar. 'Stá bem, enquanto não vêm Vamos florir ou pensar. http://arquivopessoa.net/textos/154 https://sites.google.com/site/apontamentoslimareis/ser-aquele
  • 2. Cansa Sentir Quando se Pensa Cansa sentir quando se pensa. No ar da noite a madrugar Há uma solidão imensa Que tem por corpo o frio do ar. Neste momento insone e triste Em que não sei quem hei de ser, Pesa-me o informe real que existe Na noite antes de amanhecer. Tudo isto me parece tudo. E é uma noite a ter um fim Um negro astral silêncio surdo E não poder viver assim. (Tudo isto me parece tudo. Mas noite, frio, negror sem fim, Mundo mudo, silêncio mudo - Ah, nada é isto, nada é assim!) Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro' Arte poética pessoana (ortónimo) - A dor de pensar A procura constante de racionalidade, por parte do ortónimo, leva, no entanto, o poeta a viver uma tragédia íntima que o dilacera: o querer sentir de forma racional. Este drama está explicitado em poemas como: "Ela canta, pobre ceifeira," - O poema caracteriza o drama interior do sujeito poético por oposição à felicidade da ceifeira, tendo em conta as seguintes dualidades: consciência / inconsciência; felicidade /i infelicidade; euforia /disforia; sentir / pensar. Num primeiro momento, o sujeito poético evoca o canto da ceifeira, evidenciando:  a suavidade;  o carácter inconsciente da alegria da voz;  a pureza;  a harmonia;  o contraste entre a dureza da "lida" do campo e a leveza do canto. Posteriormente, a partir da quarta quadra, o sujeito poético exprime os sentimentos que o canto da ceifeira despertam nele, retomando o seu drama interior:
  • 3.  desejo de permuta com a ceifeira;  ânsia de ser inconsciente, mas preservando a consciência de o ser;  vontade de intersecção - "Ah, poder ser tu, sendo eu!";  desejo de dispersão. O poema sintetiza, assim, a dor resultante do processo de racionalização permanente: ao contrário da ceifeira, o sujeito poético não atinge a felicidade, porque, nele, tudo é pensamento. "Gato que brincas na rua" - Pessoa parte de uma imagem-símbolo, o gato, para chegar a uma reflexão:  a imagem-símbolo é o gato que brinca na rua, de forma instintiva e natural - "Como se fosse na cama";  o sujeito poético inveja esse viver instintivo do gato, a sua irracionalidade e, consequentemente, a sua felicidade;  a inevitável consciência da fragmentação interior domina o sujeito lírico - "vejo-me e estou sem mim";  o processo de auto-análise é permanente - "Conheço-me e não sou eu". "Cansa sentir quando se pensa." - O poema expõe, uma vez mais, a dor resultante do pensar, presente através de aspectos como:  a incapacidade de conciliar o sentir e o pensar - "Cansa sentir quando se pensa";  a solidão e a tristeza - "Há uma solidão imensa / (...) Neste momento insone e triste / (...) Pesa-me o informe real que existe";  a indefinição - "Em que não sei quem hei-de ser";  a constatação da incapacidade de viver - "E não poder viver assim. / (...) Ah, nada é isto, nada é assim!";  a incapacidade de relacionamento com os outros e com o mundo - "Mas noite, frio, negror sem fim, / Mundo mudo, silêncio mudo". "Não sei ser triste a valer" - O sujeito poético refere, através da analogia entre o florir das flores e a inevitabilidade do pensar, a sua dor e angústia. Atente-se em aspectos como:  a indefinição - "Não sei ser triste a valer / Nem ser alegre deveras";  a constatação de que não sabe ser - "Acreditem: não sei ser.";  o prazer de "não sentir" - "Com que prazer me dá calma / (...) Florir sem ter coração!";  a identificação entre "florir" e "pensar", porque ambos são superiores à "vontade" das flores e dos homens - "O que nela é florescer / Em nós é ter consciência. / (...) Vamos florir ou pensar.";  a inevitabilidade da morte - "Surgem as patas dos deuses / E a ambos nos vêm calcar".