O documento discute a importância do tempo livre e do brincar para o desenvolvimento das crianças. Aponta que as crianças precisam de tempo para brincar livremente, usar a imaginação e resolver problemas por si mesmas, mas que esse tempo livre tem se tornado um luxo. Defende que manter as crianças ocupadas em excesso com atividades estruturadas pode prejudicar a criatividade, curiosidade e habilidades sociais.
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
Tempo para brincar livremente é essencial para o desenvolvimento infantil
1. O tempo livre da criança e o tempo ocupado livremente
O tempo livre das crianças está a tornar-se um luxo, com riscos para o seu
desenvolvimento. Elas precisam de tempo, espaço e liberdade para brincar e para
não fazer nada. Tal como precisam de ar para respirar.
Mãe, não tenho nada para fazer!” A observação, quase sempre acompanhada de
uma expressão de aborrecimento e de súplica, pode até fazer-nos sentir
responsáveis pelo “problema” e levar-nos a agir, inventando “qualquer coisa” para
os entreter: uma sugestão de brincadeira, um filme de animação na TV, um jogo no
tablet… Na verdade,a urgênciaem mantê-los ocupadosnão só édesnecessáriacomo
pode ser contraproducente.
As crianças precisam de tempo para não fazer nada, para se aborrecerem,
porque é esse confronto com o tempo livre que lhes dá a oportunidade de explorar
o seu mundo interior e exterior, estimulando a criatividade e a imaginação,
aprendendo a resolver problemas e desenvolvendo competências motivacionais. Se
os mantemos demasiado ocupados com atividades estruturadas ou entretenimento
tecnológico, dificilmente vão descobrir as suas paixões e interesses.
É preciso dar-lhes tempo, espaço e liberdade para que possam criar, inventar,
descobrir-se… Tempo para observar os insetos na rua, para escrever uma história
2. ou uma canção, para construir uma fortaleza no quintal, para organizarem um
torneio de futebol com os amigos do bairro. Ou seja, explorar a tal sensação inicial
de aborrecimento, que os motiva a encontrar algo de estimulante, pode ser
exatamente o que a criança precisa de “fazer”. O verdadeiro problema é que este
tempo livre está a tornar-se um luxo, com riscos para o seu desenvolvimento.
“Faz-lhes falta tempo para ‘nãofazer nada’. Defacto,quersejapelosseus pesados
horários escolares, com pouco tempo de atividade nos recreios, quer seja pelos
horários de trabalho dos pais, com avós que (ainda) trabalham, as crianças acabam
por ficar muitas horas em contexto escolar”, aponta a psicóloga Inês Marques,
coordenadora da área infantojuvenil da Oficina de Psicologia. Contexto esse “tantas
vezes preocupado commetasde aprendizagemquese esquecemda importância das
horas de recreio, para o desenvolvimento global da criança”, refere a especialista,
sublinhando que “num recreio a criança cresce de forma completa e plena, nas suas
dimensões cognitiva, emocional, social e física”. Mas hoje em dia, “mesmo que não
seja dentro da escola, muitas crianças têm agendas tão ou mais preenchidas que os
seus pais, com horários ‘fechados’ para as mais diversas atividades estruturadas,
como a natação, o piano e o inglês, por exemplo. E onde fica a mais importante - o
brincar? Onde fica a possibilidade de se deitarem no chão do quarto ou na relva do
jardim e olharem para o céu a sonhar? Onde fica o tempo para se brincar
livremente?”
O tempo dos porquês
Está na hora, então, de repensar a agenda dos mais pequenos e não a preencher
em demasia comatividades estruturadas,está naaltura de deixardeosentretercom
DVDs ou jogos de vídeo durante as viagens decarro ou as refeições em restaurantes,
é tempo de lhes proporcionar a oportunidade de escolherem e inventarem as suas
próprias brincadeiras. Por que isso permite-lhes crescer e desenvolverem-se.
A criança aprender a fazer escolhas (jogo ou leio um livro? Brinco sozinho ou
procuro companhia?), usa a criatividade quando pouco ou nada de estruturado lhe
é oferecido (como me vou entreter?), desenvolve o seu raciocínio, explora o mundo
e o espaço, o seu ‘eu’ interior e a sua relação com os outros...”, É o tempo das
perguntas e das respostas, porque nas ditas atividades mais estruturadas não há
3. tanto espaço parao questionar.”Porisso, o “não fazernada” éfazermuito! “Um fazer
muito que é gerado pela criança, consoante os seus gostos e interesses, consoante a
sua disponibilidade e vontade do momento.
Se não brinca, asfixia
O problema, relaciona-se mais com a quantidade de atividades em que as crianças
se envolvem e não tanto com as atividades em si, que na sua maioria até
desempenham importantes papéis no desenvolvimento de áreas específicas do
crescer. Por isso é essencial perceber se a criança tem tempo para brincar com
os seus brinquedos, com as suas coisas. Se ela se queixa de que não tem, então
talvez brincar de forma livre esteja a ser um luxo para ela… E brincar nunca poderá
ser um luxo para uma criança. Com o risco de criarmos crianças formatadas,
contidas, que questionam menos, crianças menos curiosas, menos criativas, menos
desenrascadas.
Brincar é uma necessidade, é como respirar. Se as privamos de respirar estamos
a asfixiá-las. Também se morre asfixiado por não brincar. É preciso compreender
isso”, alerta Maria José Araújo, explicando que esta asfixia vê-se no comportamento
irreverente: no choro compulsivo, no cansaço, nas birras, na impertinência, no mau
4. humor, nas dificuldades de aprendizagem na escola e fora dela, nas respostas
inadequada.
E como se resolve esta situação? Com bom senso, criando condições para que
brinquem umas com as outras. Na escola, na rua, com os primos, no parque… O
importante é que brinquem e muito, porque brincar e jogar é uma atividade muito
completa mas que precisa de treino. Brincar implica “estar com outros, saber
conviver com eles, criar uma relação, experimentar, criar, inventar, explorar,
imaginar.... E se não treinarem essas competências com o seu grupo de pares (umas
com as outras) e com os adultos que estão com elas, depois não o saberão fazer.
Por outro lado, a preocupação em manter as crianças ocupadas, muitas vezes faz
com que os pais agendem programas ao fim de semana que parecem não ter fim. E
pelo meio perde-se algo tão importante e que as crianças realmente valorizam, que
é o tempo de partilha: a interação entre pais e filhos pode acabar por não ser tão
nutrida quando o foco é‘apenasfazercoisas,paradepoislembrarqueo quese ganha
do ponto de vista emocional numa sessão de cócegas ou guerra de almofadas, numa
tardede histórias efantoches,num bolo feito portodos,num jogo de tabuleiro, entre
tantas outras possibilidades, é incomensurável... E tudo isto sem hora marcada na
agenda.