O documento discute os conflitos de interesse na área da saúde entre médicos e a indústria farmacêutica. Apresenta exemplos de como relacionamentos com a indústria podem influenciar prescrições médicas e diretrizes clínicas, ainda que de forma inconsciente. Defende uma abordagem não-punitiva para o debate, focando em testar soluções e mudar a cultura para maior independência e transparência nas relações.
2. Há pelo menos 15 anos, não
possuo nenhum tipo de
relação direta com indústrias
de medicamentos ou
dispositivos de uso em
pacientes. Não mais recebo
sequer visitas de
propagandistas.
DECLARAÇÃO DE
CONFLITOS DE
INTERESSE
3.
4. Conflitos de interesse
“Um conjunto de condições em que o julgamento
relacionado a um interesse primário (bem estar do paciente
ou validade de uma pesquisa) pode ser influenciado por um
segundo interesse (ganho financeiro, status)”.
adaptado de Thompson, DF
5.
6. Conflitos de interesse
“Um conjunto de condições em que o julgamento
relacionado a um interesse primário (bem estar do paciente
ou validade de uma pesquisa) pode ser influenciado por um
segundo interesse (ganho financeiro, status)”.
adaptado de Thompson, DF
7. Roteiro
• Motivações pessoais
• Conflito de interesse: por que a discussão é relevante?
• Um problema dos outros apenas?
• Influência / interferência da indústria:
– Na relação direta com os médicos;
– Em guidelines e outras publicações;
– Na educação médica continuada
• Possíveis fontes de reflexões / soluções
8. • Como diretor da AMERGHC
já fiz festas e torneios
esportivos financiados por
laboratório em troca de
“atividades científicas”.
• Já colaborei na organização de evento médico
de importante sociedade médica, em parceria
com a indústria farmacêutica, para mais de
5000 participantes, na sua maioria estudantes
de Medicina, depois médicos do interior. Na
época, entrou propaganda indevida na grade
oficial do evento: Olmesartana...
9. Schwocho LR et al. J. Clin Pharmacol 2001;41:515-527
Olmesartana medoxomila
COOH
de-esterificação na
parede intestinal
Olmesartana medoxomila olmesartana
O
CH3
O
COCH2
C
CH3
OH
H3C
H3CH2CH2C
CH2
O
O
N
N
N
N
N NH
C
CH3
OH
H3C
H3CH2CH2C
CH2
N
N
N
N
N NH
10. Eficácia anti-aterosclerótica da Olmesartana
via redução de estresse oxidativo
Redução de aterosclerose e estresse oxidativo com
olmesartana em ratos deficientes de apo-E
Suzuki J et al. Am J Cardiovasc Drugs 2005;5:41-50
Olmesartana atua sinergisticamente com
estrógenos para inibir atividade da NAD(P)H
oxidase e o estresse oxidativo
Tsuda M et al. Hypertension 2005;45:545-51
Olmesartana melhora a resistência à insulina em
ratos insulino-resistentes alimentados com frutose
Okada K et al. Hypertens Res 2004;27:293-9
12. • EGDT trial, New England Journal of Medicine, by
Rivers et al, 2001
• Pacientes teriam “desaparecido” do estudo após
processo de randomização.
• As denúncias, antes de se tornarem públicas,
foram discutidas com os líderes maiores do
hospital de Rivers, que não deram importância.
• No momento da publicação do ECR em 2001, o
hospital era quem detinha os direitos da
tecnologia usada no grupo EGDT. Rivers havia
recém transferido os direitos à instituição.
• O NEJM, no momento do lançamento do trial, não
publicou nenhuma referência à qualquer possível
conflito de interesse.
• Rivers e seu hospital receberam pelo menos
$404.000 da Edwards Lifesciences nos anos
subsequentes.
• Várias evidências posteriores passaram a
questionar elementos do pacote de Rivers!
Minhas experiência como EGDT-Boy
13.
14. • Não sou contra as indústria farmacêuticas, sei da sua
importância e reconheço que existirão sempre
conexões entre laboratórios e médicos - e que inclusive
muitas podem (e algumas devem) existir.
• O que defendo é separação entre farmacêuticas e
médicos para educação médica e para tomada de
algumas decisões estratégicas mais independentes.
Tenho, em parceria com entidades e muitos colegas,
demonstrado que é possível. Ainda assim, aceito
posicionamentos intermediários, ao menos mostrando
para os membros das sociedades médicas algum
esforço transparente na tentativa de assegurar
independência científica (lançar evento com
programação completa antes da comercialização?).
15. Folha de São Paulo: Médico faz evento sem verba de
laboratórios em Florianópolis - 16/11/2010
https://medicinahospitalar.blogspot.com/2011/02/impressoes-e-comentarios-sobre-o.html
16. Conflitos de Interesse na Saúde
• Enquanto alguns médicos consideram que as
preocupações são justas e que discutir o assunto é
necessário, a maioria se ofende ao simplesmente
observar esta discussão vir à tona (“é uma afronta a
nossa integridade e põe em cheque a ética
profissional de toda a corporação”).
• Esses indivíduos acreditam que sua devoção a
Medicina e aos pacientes (que efetivamente costumam
ter) os protegem de influências externas.
• Entretanto, esta visão pode se basear em falta de
compreensão ou entendimento incompleto da
psicologia humana.
17. • “ Lapsos éticos quase nunca
são casos de pessoas ruins,
tomando atitudes ruins, por
motivos ruins. Ao contrário,
são boas pessoas, fazendo
coisas ruins, por bons
motivos.”
Marcia Angell
18. O cérebro ético na Medicina
(o eu ético - o outro não)
• Estudos em neurociência e psicologia sugerem que toda
pessoa pode ser um pouco mais influenciável do que
costuma pensar que seja. Não é surpreendente que
médicos pensem que conflitos de interesses não os afetam,
apenas aos outros.
• Reforça um paradoxo atual do brasileiro: cada um de nós,
individualmente ou em grupos organizados, tem a crença
de estar muito acima de tudo que aí está. Ninguém aceita,
ninguém aguenta mais, nenhum de nós pactua com o mar
de lama. O problema é que, ao mesmo tempo, o resultado
de todos nós juntos é precisamente tudo o que aí está -
estamos muito aquém da somatória das nossas
autoimagens individuais ou corporativas.
19. GUIDELINES
Relationships between authors of clinical practice guidelines
and the pharmaceutical industry
• Avaliados autores de diretrizes
clínicas apoiadas por sociedades
norte-americanas e européias,
sobre doenças comuns em adultos e
publicadas entre 1991-99.
• Questionário estudou as interações
dos autores com a indústria
farmacêutica.
JAMA, Feb 2002; 287: 612 - 617
20. A RELAÇÃO
Relationships between authors of clinical practice guidelines
and the pharmaceutical industry
87
64
53
38
6
0
20
40
60
80
100
A
ny
relationshipSpeaking
H
onorarium
TravelfundingEm
ployee/C
onsultant
Equity
%authors
JAMA, Feb 2002; 287: 612 - 617
21.
22. Do relationships influence treatment
recommendations?
7
19
0
10
20
30
40
50
60
70
Personal Recommendations Colleague Recommendations
%authors
JAMA, Feb 2002; 287: 612 - 617
24. O PRESENTE
• Estudantes de medicina:
– 85% considera inadequado que políticos
recebam presentes de corporações.
– 46% acha que os médicos não devem receber
presentes da indústria farmacêutica.
J Gen Intern Med 2005; 20: 777-86.
29. Periódico científico
"The Open Information Science Journal“
aceita publicar trabalho fake
• A revista aceitou publicar um artigo científico sem sentido, gerado por computador por dois
pesquisadores brincalhões.
• O periódico teria informado aos dois "autores" que seu manuscrito já havia passado por
"peer-review" (revisão por pares), processo pelo qual artigos científicos são avaliados por
pareceristas independentes.
• Em seguida, teria cobrado deles US$ 800 de taxa de publicação.
• Acontece que tudo no artigo, intitulado "Desconstruindo Pontos de Acesso", era falso. A
começar de seus autores, David Philips e Andrew Kent, pseudônimos do doutorando em
comunicação científica Philip Davis, da Universidade Cornell (EUA), e de Kent Anderson,
executivo do periódico de acesso fechado "New England Journal of Medicine". No artigo de
gozação, os autores se intitulavam pesquisadores de um certo Center for Research in Applied
Phrenology, ou Crap ("titica"), na sigla em inglês. Davis e Anderson produziram seu artigo
usando um programa de computador criado no MIT (Instituto de Tecnologia de
Massachusetts) que gera randomicamente artigos científicos.
• "Eu queria ver se esse artigo passaria por "peer-review'", disse Davis à "The Scientist". "[Ele]
tem a aparência de um artigo, mas não faz sentido nenhum", afirmou.
FSP, 2009
31. Commercial Medical Education?
• Apropriação da Educação Médica Continuada:
“CME is now so closely linked with the marketing of pharmaceuticals that
its integrity and credibility are being questioned.”
“The pharmaceutical industry provides a substantial proportion of the
several billion dollars spent on CME annually and uses that support as a
marketing tool.” Arnold S. Relman. JAMA. 2001;285(15):2009-2012.
• Indústria e Sociedades de Especialidades umbelicalmente ligadas;
• Speakers da indústria já não mais em simpósios satélites, mas na grade
principal de congressos - BMJ 2008;336:416-417;
• Informação de qualidade questionável.
33. • Pesquisa feita com médicos 6 meses após a
participação deles em cursos patrocinados
pela indústria sobre medicamentos;
• Foi solicitado uma média de prescrições dos
medicamentos abordados nos cursos,
comparando-se antes e depois.
Changes in drug prescribing patterns related to commercial company
funding of continuing medical education
34. Changes in drug prescribing patterns related to commercial
company funding of continuing medical education
Course 1 (sponsor nifedipine)
48
22
30
54
26
20
0
10
20
30
40
50
60
Nifedipine Diltiazem Verapamil
%ofprescriptions
Before
After
35. Changes in drug prescribing patterns related to commercial
company funding of continuing medical education
Course 2
(sponsor metoprolol)
14
30
25
27
32
18
0
5
10
15
20
25
30
35
Metoprolol Atenolol Propanolol
%ofprescriptions
Before
After
36. Revista Ser Médico – CREMESP
Como podemos avançar nesta discussão a
partir de 5 diferentes perspectivas....
Descriminalização do
debate
Foco no problema
Menos críticas e mais
hipóteses, em busca por
soluções.
Mais ciência e menos
“achismo”: testar, avaliar,
rediscutir, modificar.
Mudança de cultura em
todos os níveis
37. Descriminalização do debate
Para lugar nenhum iremos quando se busca somente e
obsessivamente os “médicos corruptos”. Isto apenas aumenta a
cortina de fumaça sobre o tema.
É preciso compreender como efetivamente as relações de dão no
varejo.
A cadeia de causalidade que vai do patrocínio à prescrição é
longa, complexa, difícil de delinear e compreender e, se jogada
no terreno da moralidade, geradora de barreiras cognitivas que
tornam os profissionais impermeáveis ao debate.
Necessitamos de fóruns de discussão e avaliação de caráter não
punitivo. Que AJUDEM os médicos a compreender e administrar
eticamente estas relações. A mediar conflitos de interesse que,
per se, não podem ser caracterizados como antiéticos ou imorais,
sob pena de criminalização do cotidiano das relações humanas.
38. Foco no problema
Tem sido freqüente a instrumentalização desse debate
por ativismos de todo tipo (anti-capitalismo, anti-
Medicina, anti-medicações, anti-psiquiatria, e suas
contrapartes), produzindo um cenário confuso, que
inviabiliza a construção de um espaço de “ética
possível”, como se houvesse uma condição ideal a
priori da qual não se pode abrir mão.
39. Menos críticas e mais hipóteses,
em busca por soluções.
Qual o valor e a eficácia das declarações de conflitos?
Quais as interfaces eticamente admissíveis? Quais os limites de cada
interface e da relação delas com o todo?
Como garantir Diretrizes de maior qualidade e credibilidade?
E na educação médica (básica ou continuada) e nos congressos,
simpósios satélites, e áreas de exposição, o que pode e o que não pode?
Como verdadeiramente garantir que essas orientações sejam efetivas?
Precisamos de novos modelos de financiamento para os eventos?
Fundo único para os eventos anuais das sociedades oficiais e que
emitem pontuação para a recertificação do título de especialista?
Como pontua aquele profissional que deseja atualização profissional
mais independente da indústria?
O principal conflito de interesse a ser trabalhado entre os médicos é
realmente o financeiro, ou o que envolve facilidades para
reconhecimento e status?
40. Mais ciência e menos “achismo”:
testar, avaliar, rediscutir, modificar.
Experiências com a indústria farmacêutica
Experiência com o PASHA2010
Experiência com Portal de Educação Continuada
41. Mudança de cultura
em TODOS os níveis
Quem ocupa cargos de lideranças teria
automaticamente maior capacidade de gerenciar
conflitos de interesse ?
A regulação tem que começar por quem tem mais
poder e transbordar para o dia-a-dia do médico
mais comum.
É um equívoco supervalorizarem o efeito do presente
recebido pessoalmente do laboratório, em detrimento
dos grandes financiamentos “institucionais”.
42. CONFLITO DE INTERESSE NA SAÚDE
“ ...dizer em público o que muitos conhecem no
isolamento e na privacidade não é supérfluo.
Justamente o fato de alguma coisa estar sendo
escutada por todos confere a tal coisa um poder e
um brilho que confirmam sua existência real.”
Hannah Arendt
Podemos optar por sermos vistos como parte da
solução, ao invés de, indiferentes, sermos
inevitavelmente considerados parte do problema, ou o
que é pior, o problema em si.
Guilherme Barcellos
gbbarcellos@gmail.com
OBRIGADO!