O documento discute a Lei 13.438/2017 que obriga a aplicação de protocolos para detecção de risco para o desenvolvimento psíquico em crianças de até 18 meses. Vários autores criticam a abordagem de "detecção de risco" e defendem que a promoção da saúde deve considerar os determinantes sociais, focando na equidade e participação comunitária, não na medicalização precoce. A experiência do Centro de Orientação Infantil de Paris mostra a importância de considerar as demandas ocultas e contextos familiares das
1. I FORUM INTERNACIONAL
“NOVAS ABORDAGENS EM SAÚDE
MENTAL INFANTOJUVENIL”
SÃO PAULO, ABRIL DE 2018
Ricardo Lugon
ricardolugon@gmail.com
2. AS MUITAS VOZES DAS LUTAS E RESISTÊNCIAS
EM TORNO DA DISCUSSÃO DA LEI 13.438/2017
ILANA KATZ, MARIA APARECIDA MOYSÉS, CECÍLIA COLLARES,
BIANCHA ANGELUCCI, BÁRBARA COSTA, LUCIANA SURJUS,
MARIA DE LOURDES ZANOLLI,
CRISTINA VENTURA ET ALLI
A vida é a arte do encontro
embora haja tanto desencontro pela vida
Vinícius de Moraes
3. O CONTEXTO DO DEBATE:
Lei 13438/2017 que altera o art. 14. do ECA:
O Sistema Único de Saúde promoverá programas de
assistência médica e odontológica para a prevenção das
enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e
campanhas de educação sanitária para pais, educadores e
alunos.
(...)
§ 5º É obrigatória a aplicação a todas as crianças, nos
seus primeiros dezoito meses de vida, de protocolo ou
outro instrumento construído com a finalidade de facilitar
a detecção, em consulta pediátrica de acompanhamento
da criança, de risco para o seu desenvolvimento
psíquico.
4. Defensores da lei assim argumentaram:
“a referida lei contribui na promoção de
saúde permitindo detectar dificuldades na constituição
psíquica de 0 a 18 meses, que tornem possível a
intervenção quando necessário, antes de que as
mesmas possam se tornar uma psicopatologia
específica” (grifo meu)
Revisitando termos e suas genealogias
Promoção em Saúde
Risco
Rastreamento ou vigilância?
(termos implícitos)
5. HÁ MAIS DE 20 ANOS, SAÚDE NÃO É MERA
AUSÊNCIA DE DOENÇA...
Em sentido amplo, a saúde é a resultante das
condições de alimentação, habitação, educação,
renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra
e acesso aos serviços de saúde. Sendo assim, é
principalmente resultado das formas de
organização social, de produção, as quais podem
gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. (III
Conferencia Nacional de Saúde, 1996)
“A Reforma Sanitária é um Projeto Civilizatório”
(Sergio Arouca)
“Completo bem estar, físico, mental e social”????
6. DETERMINANTES SOCIAIS EM SAÚDE
As desigualdades decorrentes das condições
sociais em que as pessoas vivem e trabalham são
injustas e inaceitáveis, e por isso são denominadas
iniquidades:
probabilidade cinco vezes maior de uma criança morrer
antes de alcançar o primeiro ano de vida pelo fato de
ter nascido no Nordeste e não no Sudeste.
chance três vezes maior de uma criança morrer antes
de chegar aos cinco anos de idade pelo fato de sua
mãe ter quatro anos de estudo e não oito.
8. MODELO CONCEITUAL DOS
DETERMINANTES SOCIAIS
Para combater iniquidades em saúde,
precisamos:
conhecer melhor as condições de vida e
trabalho dos diversos grupos da população
estabelecer as relações dessas condições de
vida e trabalho, por um lado, com determinantes
mais gerais da sociedade e, por outro, com
determinantes mais específicos próprios dos
indivíduos que compõem esses grupos
definir, implementar e avaliar políticas e
programas que pretendam interferir nessas
determinações
9. PROMOÇÃO DE SAÚDE
(FERREIRA, CASTIEL E CARDOSO, SD)
Promoção neoliberal
Nasce no contexto que buscava menor intervenção do Estado na
economia em nome do livre mercado: quanto menor sua
participação, maior o poder dos indivíduos e, assim, mais
rapidamente a sociedade pode se desenvolver e progredir para o
bem dos cidadãos
cidadãos são atores racionais, autônomos e que o Estado deve
intervir o mínimo possível nos assuntos privados e no bem-estar
dos cidadãos em nome da felicidade individual, somos
encorajados a nos tornar ‘sujeitos de nós mesmos’ (Lupton,
2003)
Ideário da Promoção de Saúde
Ênfase na importância dos determinantes sociais, econômicos,
culturais e políticos da saúde
“A Promoção da Saúde defende o esforço coletivo para se
alcançar saúde. Os governos, por meio de políticas públicas, têm
uma responsabilidade especial em garantir condições básicas
para uma vida saudável e fazer com que as escolhas mais
saudáveis sejam as mais fáceis” (WHO, 1984, p.3)
10. Documentos importantes: “promoção neoliberal”
Informe Lalonde (Min Saude Canadá)
Conceito de ‘campo da saúde’ , onde a biologia humana, o
meio ambiente e o estilo de vida sobem ao mesmo nível de
importância da assistência médica.
a noção de risco é muito mais fortemente associada à
categoria estilo de vida do que à de meio ambiente
Relatorio Healthy People, EUA, 1979
“A promoção da saúde começa com pessoas basicamente
saudáveis e visa o desenvolvimento de medidas comunitárias
e individuais que possam ajudá-las a desenvolver estilos de
vida que possam manter e melhorar o estado de
bemestar” [grifo nosso] (U.S. Department of Health,
Education, and Welfare, 1979).
PROMOÇÃO DE SAÚDE
(FERREIRA, CASTIEL E CARDOSO, SD)
11. Documentos importantes: Ideário da Promoção de
Saúde
Conferencia de Alma Ata (1978): Saude para todos no
ano 2000
Saúde como um direito fundamental, a defesa da
democratização na tomada de decisões na área da saúde,
da redução das desigualdades e a vinculação da saúde aos
determinantes políticos:
PROMOÇÃO DE SAÚDE
(FERREIRA, CASTIEL E CARDOSO, SD)
12. PROMOÇÃO DE SAÚDE
Documentos importantes: Ideário da Promoção de Saúde
Conceitos e Principios da Promoção em Saúde (OMS,
1984)
“(1) envolve a população como um todo em sua vida cotidiana,
em vez de focalizar grupos de risco para determinadas doenças;
(2) voltada para a ação sobre determinantes ou causas da saúde;
(3) combina métodos ou abordagens diversos, porém
complementares: comunicação, educação, legislação, medidas
fiscais, mudanças organizacionais, desenvolvimento comunitário
e atividades locais espontâneas contra as ameaças à saúde;
(4) visa particularmente à efetiva e concreta participação pública;
(5) é atividade dos campos social e da saúde, e não um serviço
médico, logo: os profissionais da saúde – particularmente os da
atenção primária – têm um importante papel a desempenhar em
estimular e possibilitar a Promoção da Saúde” (WHO, 1984, p.2).
13. DIFERENÇA ENTRE PREVENÇÃO E PROMOÇÃO:
PEQUENA MAS RADICAL
(CZERESNIA, 2003)
Promoção e prevenção, ambas fazem uso do conhecimento
científico e de seus conceitos clássicos: doença, transmissão
e risco. Entretanto, não basta conhecer o funcionamento das
doenças e encontrar mecanismos para seu controle.
Discurso preventivo:
conhecimento epidemiológico moderno controle da
transmissão de doenças infecciosas e/ou a redução do risco de
doenças degenerativas ou outros agravos específico
Divulgação de informação científica e de recomendações
normativas de mudanças de hábitos.
Promoção em Saúde
“Buscar a saúde é questão não só de sobrevivência, mas de
qualificação da existência (Santos, 1987). É algo que remete à
dimensão social, existencial e ética, a uma trajetória própria
referida a situações concretas, ao engajamento e
comprometimento ativo dos sujeitos, os quais dedicam sua
singularidade a colocar o conhecido a serviço do que não é
conhecido na busca da verdade que emerge na experiência
vivida (Badiou, 1995).”
14. RISCO
Hoje, a relação entre a vida biológica do indivíduo e o
bem estar da coletividade é colocada em prática a partir
de uma série de estratégias que buscam identificar,
tratar, gerir ou administrar aquelas pessoas, grupos ou
ambientes onde o risco é considerado alto (Rose, 2001)
Hipertensão arterial; vários eventos na gravidez justificam o
encaminhamento para um regime de vigilância
A prioridade é reconhecer a identificação dos indicadores
de “riscos” e intervir precocemente
Processos de medicalização redução do coletivo ao
particular
15. O RISCO DO RISCO
A “Medicina Social” (das populações) nasce junto com
a constituição dos estados modernos:
Medicina Urbana Francesa: redesenha as cidades
Staatswissenschaft (estatística) + Medizinichepolizei
(polícia médica alemã
“Medicina dos Pobres” inglesa: “acesso universal ao
atendimento médico”
Noção de “Caso”: individualiza o fenômeno coletivo da
doença e faz integrar no interior de um campo coletivo
os fenômenos individuais, apagando singularidades e
instaurando processos de normalização e
padronização. (FOUCAULT, 2008)
16. O RISCO DO RISCO
A estatística enquanto análise da distribuição dos
casos tornaria possível identificar a propósito de cada
individuo ou de cada grupo individualizado – etário,
territorial, ocupacional – qual o risco de cada “um”
(supondo todos “iguais”), seja de pegar uma doença,
seja de morrer dela, seja de se curar.
Risco e caso silenciariam, para Foucault, as
demarcações entre doentes e não-doentes, como que
fazendo supor uma população sem descontinuidade,
sem ruptura, que pode ser reduzida a uma curva de
distribuição normal.
17. RISCO
A questão do risco nasce com as empresas de seguros
de vida, na Inglaterra do seculo XVIII, que cobrava taxas
extras para portadores de gota, hérnia e sem história de
sarampo
Estudo de Framingham sobre doenças cardiovasculares
Se nos seguros o risco segue um gradiente, na saúde
ele é do tipo TEM/NÃO TEM
Os discursos sobre fatores de risco envolvem a
distribuição de responsabilidade/culpabilização pois
concebem risco como consequência de escolha de
estilos de vida feita por indivíduos e enfatizam a
necessidade de auto controle
18. Com quais lentes estamos olhando
para a questão do “risco” nos bebês??
19. LÓGICA DA PROMOÇÃO:
MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFÂNCIA
Art. 4o As políticas públicas voltadas ao atendimento dos
direitos da criança na primeira infância serão elaboradas e
executadas de forma a:
IV - reduzir as desigualdades no acesso aos bens e serviços que
atendam aos direitos da criança na primeira infância, priorizando
o investimento público na promoção da justiça social, da
equidade e da inclusão sem discriminação da criança;
V - articular as dimensões ética, humanista e política da criança
cidadã com as evidências científicas e a prática profissional no
atendimento da primeira infância;
“Art. 11. É assegurado acesso integral às linhas de cuidado
voltadas à saúde da criança e do adolescente, por intermédio
do Sistema Único de Saúde, observado o princípio da
equidade no acesso a ações e serviços para promoção,
proteção e recuperação da saúde.
Garantia de Direitos = Receber Atendimento?
20. EXPERIENCIA INSPIRADORA: O DOCUMENTO
P
A experiência do Centre de Guidance Infantile do
Institut de Puericulture no 14º Distrito de Paris
(Michel Soule)
“Modo como emergem as demandas ocultas”
“Não esperar pela demanda explícita, buscar
reconhecer as maneiras pelas quais o sofrimento, a
incapacidade, o conflito e o luto são expressos“
“As pessoas em torno da criança podem ter
dificuldades em conciliar as demandas da criança
com as suas próprias e com as restrições
socioeconomicas às quais estão submetidas”
21. EXPERIENCIA INSPIRADORA: O DOCUMENTO
P
Periodo Prenatal
Antecedentes obstetricos
Antecedentes psiquiatricos
Antecedentes pessoais: familias
“partidas”, viver em instituição
Situação parental: mãe solteira ou
com crises conjugais
Idade materna
Mãe em situação de rua, em uma
pensão, condições precárias de
vida
Condições extenuantes (trabalho,
morar longo do trabalho)
Descobrir tardiamente a gravidez
Abandonos prévios de outras
crianças
Não ter planos para a criança que
vai nascer
Não ter seguro social
Busca por meios abortivos que foi
mal sucedida
Periodo Posnatal
Nascimento prematuro
Experiência ruim durante o parto
Relacionamento ruim com a
criança “espontaneamente”
Depressão puerperal ou psicose
Descoberta de fatores sociais de
risco (desemprego, sit de rua)
Primeiro parto na França de
refugiada/estrangeira
Não receber visitas
Não preparaçao para a chegada
do bebê
Nascimento anônimo ou
problemas legais com a
aceitação
Saída precoce ou tardia da
maternindade
23. LÓGICA DO RISCO: “DETECÇÃO PRECOCE”
Objetiva identificar pessoas sob risco.
Diferenciar “diagnóstico” de “classificação diagnóstica”: toda
constatação que é enunciada é um “diagnóstico”, embora
nem sempre seja feita em termos nosográficos
Detecção de um problema de saúde em sua fase inicial,
(desde de que tal identificação precoce traga mais
benefícios que prejuízos aos indivíduos). “mais cedo
é sempre melhor”?
Baseia-se na premissa de que algumas doenças têm
maiores chances de cura, sobrevida e/ou qualidade de
vida do indivíduo quando diagnosticadas o mais cedo
possível.
Onde está o foco? Na doença abstrata ou nos sujeitos
concretos?
24. RASTREAMENTO OU VIGILÂNCIA?
Rastreamento: algum teste, protocolo, ou instrumento é
aplicado para todos os indivíduos, indiscriminadamente,
independentemente de haver queixa ou preocupação
Triagem auditiva neonatal, fenilcetonúria etc. Maior chance
de falsos positivos, depende de um bom planejamento e
das especificidades do problema a ser rastreado
(causalidades menos complexas)
Vigilância:
Enquanto procedimento: aplicação de um protocolo quando
há preocupação manifesta resultados mais confiáveis
para os processos mais complexos
Enquanto processo: acompanhamento longitudinal dos
determinantes do processo saúde-doença de uma
população
25. RASTREAMENTO DE BEBÊS ABAIXO DE 18
MESES: REINO UNIDO
http://legacyscreening.phe.org.uk/autism
A própria contestação desta recomendação,
divulgada no site, afirma:
Entre as ferramentas que podem ser usadas por pais
ou cuidadores, o M-CHAT parece ser promissor, por
oferecer valores preditivos positivos razoáveis (desde
que as crianças rastreadas tenham pelo menos
DOIS anos
26. ABAIXO DE 18 MESES:
EUA#1
U.S. Preventive Services Task Forc:
Screening for Autism Spectrum
Disorder in Young Children: A
Systematic Evidence Review
Revisão de vários estudos incluindo
mais de 130.000 crianças
“Evidencias indiretas sugerem que os
estudos voltados para as faixas etárias
abaixo dos 16 meses apontam tanto
sub-identificação (baixa sensibilidade e
valor preditivo positivo) quanto sobre-
identificação (baixa especificidade).
Alguns instrumentos (p ex M-CHAT)
ainda nao foram exaustivamente
estudados em populações muito
jovens, logo as características a
respeito do seu desempenho ainda
não estao disponíveis
27. ABAIXO DE 18
MESES: EUA # 2
Recomendações da
Academia Americana
de Pediatria e
endossadas pelo CDC
2: Realizar vigilância
quando houver
irmã(o) com autismo
e/ou houver
preocupação/
“queixa” dos
cuidadores
Só aplica ferramenta
específica se houver
“queixa” e/ou tiver mais
que 18 meses
28. ABAIXO DE 18 MESES:
EUROPA
Revisão de Garcia-Primo
et alli, 2014
Mais de 70.000 crianças
rastreadas
Nenhum país europeu
aplica rastreamento
universal
Quanto menor a idade,
maior o número de falsos
positivos e mais difícil
diferenciar de outros
atrasos do desenvolvimento
A prevenção de doenças compreende três categorias: manutenção de baixo risco, redução de risco e detecção precoce.
15
RASTREAMENTO
a) Manutenção de baixo risco tem por objetivo assegurar que as pessoas de baixo risco para problemas de saúde permaneçam com essa condição e encontrem meios de evitar doenças.
b) Redução de risco foca nas características que implicam risco de moderado a alto, entre os indivíduos ou segmentos da população, e busca maneiras de controlar ou diminuir a prevalência da doença.
c) Detecção precoce visa estimular a conscientização dos sinais precoces de problemas de saúde – tanto entre usuários leigos como em profissionais – e rastrear pessoas sob risco de modo a detectar um problema de saúde em sua fase inicial, se essa identificação precoce traz mais benefícios que prejuízos aos indivíduos. Ela baseia-se na premissa de que algumas doenças têm maiores chances de cura, sobrevida e/ou qualidade de vida do indivíduo quando diagnosticadas o mais cedo possível. Alguns tipos de câncer, as doenças cardiovasculares, o diabetes e a osteoporose são alguns exemplos.
A detecção precoce pode ser realizada tanto nos encontros clínicos – em que o paciente procura o serviço por algum motivo – quanto nos encontros em que não há demanda por cuidado, como: atestados e relatórios, acompanhamento de familiares, vacinação, coleta de Papanicolau etc. Em ambos os casos, os profissionais de saúde precisam estar receptivos e atentos para, além das atividades em foco (o motivo principal do encontro), observar possíveis sinais de doenças e, se necessário, tomar as providências para detectá-los precocemente.