O documento discute os conceitos de autonomia e como promovê-la no cuidado em saúde mental. A autonomia é vista como uma capacidade inerente aos seres vivos e um princípio da Reforma Psiquiátrica. Sua promoção depende de condições externas e da participação do sujeito. O texto lista práticas que podem desenvolver a autonomia dos usuários e ressalta que ela só se cria por meio do exercício.
Autonomias possíveis: práticas e desafios em saúde mental
1. Autonomias possíveis:
práticas e desafios em saúde mental
Carla Maciel
Residência Médica em Psiquiatra - HUPE UERJ
Mestrado em Atenção Psicossocial - IPUB UFRJ
Pós-Graduanda em Preceptoria no SUS - Hospital Sírio Libanês SP
2. Perguntas disparadoras para debate
Partindo do olhar para as suas práticas cotidianas,
• Quais as questões relacionadas com a autonomia dos usuários vocês
identificam durante o processo de cuidado?
• Quais os desafios vocês encontram no trabalho de construção de
autonomia junto aos usuários de saúde mental que vocês
acompanham?
• Em quais atividades realizadas por vocês e/ ou sua equipe de saúde
mental a autonomia aparece como uma dimensão importante do
trabalho proposto? De que maneira isso ocorre?
3. Autonomia
• Autos (próprio, si mesmo) e nomos (norma, lei) – origem grega
• Iluminismo: relacionada às ideias de liberdade, individualidade e razão
(livre-arbítrio).
• Democracia: incorpora o direito à diversidade, liberdade de expressão
e comportamento, impondo-se os limites dos danos a terceiros
(FLEURY-TEIXEIRA et al., 2008).
• Reforma Psiquiátrica: Paradigma de cuidado que investe na aquisição e
promoção da autonomia dos cidadãos como princípio e diretriz para
assistência em saúde mental. (DUTRA et al., 2017)
4. Autonomia e os seres vivos
• Autonomia como condição inerente da vida
• Seres vivos: produzem a si mesmos de maneira constante
• Organizações autopoiéticas autônomas: ser e fazer são inseparáveis
• Subordinam suas mudanças à conservação de sua própria
organização, produzida por meio da produção de seus próprios
componentes, sob contínua perturbação e compensação.
• Situa-se completamente na rede de relações entre relações
(MATURANA e VARELA, 1997)
5. Autonomia e pedagogia
• O essencial nas relações é a reinvenção do ser humano no
aprendizado de sua autonomia.
• Saber: melhor e mais autêntico à medida que for capaz de construir
minha autonomia em respeito à dos outros.
• Inconclusão do ser que se sabe inconcluso.
• “O respeito à autonomia e à dignidade humana de cada um (e cada
uma) é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não
conceder uns aos outros”
(FREIRE, 2006)
6. Autonomia e co-criação
• Capacidade de lidar com sua rede de dependências.
• Processo de co-constituição de uma maior capacidade dos sujeitos
compreenderem e agirem sobre si mesmos e sobre seu contexto
• Depende do próprio sujeito/ indivíduo ou coletividade
• Depende de condições externas, ainda que a pessoa participe da
criação destas circunstâncias (Leis, funcionamento da economia, das
políticas públicas, de valores, da cultura, do acesso à informação)
• O sujeito é sempre co-responsável por sua própria constituição e pela
constituição do mundo que o cerca.
(ONOCKO-CAMPOS; CAMPOS, 2006)
7. Psicopatologia e autonomia
• Aquele que goza de autonomia e liberdade seria aquele com capacidade
plena de autodeterminação.
• Não existe independência absoluta do sujeito em relação à sociedade
• Somos seres sociais desde a origem: o mundo somos nós mesmos
• Stanghellini (2004): Liberdade - capacidade de pôr entre parênteses a
representação preestabelecida do mundo (conhecimento do senso
comum) sem perder a articulação com o mundo comum (pertencimento).
• Construção de atividades e ações que dialoguem com a experiência vivida
(descrita como psicopatológica) e com as dificuldades produzidas nas
relação com o mundo.
(LEAL, 2006)
8. Práticas possíveis
• Grupos GAM / Grupos de Medicação
• Ouvidores de vozes
• Ajuda Mútua
• Geração de renda
• Assembleias e espaços de controle social
• Participação em eventos (congressos, fóruns, oficinas, cursos...)
• Usuários como educadores
• Atividades expressivas e artísticas
• Práticas de cuidado centrado na pessoa
9. “O desenvolvimento da autonomia é ao
mesmo tempo alvo e meio para as
intervenções, pois a autonomia só se cria
exercendo-a.”
(CAMPOS et al., 2013)
10. Referências
• CAMPOS, G. W. S., et al. Práxis e formação Paideia: apoio e cogestão em saúde. Rio de
Janeiro: Hucitec, 2013.
• DUTRA, V. F. D.; BOSSATO, H. R.; OLIVEIRA, R. M. P. D. Mediar a autonomia: um
cuidado essencial em saúde mental. Escola Anna Nery, v. 21, n. 3. 2017.
• FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra. 2006.
• LEAL, E. M, et al. Psicopatologia da autonomia: a importância do conhecimento
psicopatológico nos novos dispositivos de assistência psiquiátrica. Rev. latinoam.
psicopatol. fundam., v. 9, n. 3, p. 433-446, 2006.
• MATURANA, H.; VARELA, F. De máquinas e seres vivos. Porto Alegre: Artes Médicas,
1997.
• ONOCKO-CAMPOS, R. T.; CAMPOS, G. W. S. Co-construção de autonomia: o sujeito em
questão. In Tratado de Saúde Coletiva. Editora Hucitec/Fiocruz; Campos, G. W. S.;
Minayo, M. C. S.; Akerman, M.; Drumond Júnior, M.; Carvalho, Y. M. 2006.