O documento descreve a anatomia da maxila e classifica as fraturas da maxila de acordo com Le Fort, incluindo os tipos I, II e III. Também discute a avaliação clínica e exames de imagem necessários para o diagnóstico, com foco em radiografias como a de Waters, e o tratamento cirúrgico das fraturas por meio de acessos intra-orais ou pela pálpebra inferior.
1. Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa de Misericórdia de São José do Rio Preto
Regente : Dr Valdemar Mano Sanches
FRATURAS DA MAXILA
Dr Brunno Rosique Lara
ANATOMIA:
O maxilar é um osso duplo, formado pela junção das duas maxilas na linha média, cujo crescimento é
responsável pelo alongamento vertical da face entre os 6 e 12 anos de idade. No interior de cada maxila
encontramos uma cavidade de paredes delgadas, denominado seio maxilar, a qual apresenta interior reves tido
por mucosa. Esta cavidade esta em comunicação com o meio externo através do óstio maxilar, localizado no
interior do meato médio da cavidade nasal, por meio do hiato semilunar. São os maiores dos seios paranasais.
O osso maxilar apresenta ainda o forame infra-orbital, situado abaixo da órbita, a aproximadamente 2,5
cm da linha média da face, por onde se exterioriza o nervo infra-orbitário (além dos vasos),que é responsável
pela sensibilidade da região central do terço médio da face. De uma maneira geral, podemos definir a maxila
como uma estrutura de formato piramidal, que unidas formam o maxilar superior. A maxila apresenta 4
processos,através dos quais faz conexão com outros ossos da face,compondo os chamados pilares verticais
da face. (processo alveolar, processo frontal ou ramo montante da maxila, processo zigomático e processo
palatal).
O processo alveolar, ou rebordo alveolar, é constituído pelas criptas alveolares onde se localizam os
dentes.O processo frontal participa do esqueleto nasal lateralmente, articulando-se com os ossos frontal,nasal
e lacrimal. É um elemento importante na composição do pilar medial da face. O processo zigomático da
maxila articula-se com o osso zigomático constituindo, juntamente com o osso zigomático, o anel médio da
face (segundo classificação de Sturla), na linha do rebordo orbitário. O processo palatal articula-se
posteriormente com o osso palatal, que constitui o anel inferior da face em seus componentes superficial
(setor dento-alveolar da maxila) e profundo (lâmina horizontal dos ossos palatais).
A maxila apresenta ainda pontos de sutura com ossos da base do crânio como etmóide, esfenóide, além
do zigomático e lacrimal na órbita; o processo pterigóide do esfenóide na fossa pterigopalatina.
2. A vascularização da maxila é feita predominantemente pela artéria maxilar, que é um ramo terminal da
carótida externa. O suprimento sanguíneo é feito então pelos ramos terminais da artéria maxilar, sendo a mais
importante a artéria esfeno palatal. Na região do septo nasal anterior encontra-se a zona hemorrágica de
Kiesserlbach, onde uma rica rede anastomótica comunica a carótida externa, através de ramos terminais da
artéria maxilar, com a carótida interna, através de ramos etmoidais anterior e posterior da artéria oftálmica.
A inervação da maxila é feita pelo ramo maxilar do nervo trigêmeo (NC V). Exterioriza-se do crânio pelo
forame redondo, atravessa a fissura orbitária inferior e corre por um curto canal na borda orbitária inferior,
saindo deste canal pelo forame infra-orbitário. Apresenta como principais ramos os nervos alveolar ântero-
superior, inervando dos incisivos ao primeiro molar, e nervo alveolar posterior, que inerva os molares. Os
nervos alveolares superiores são responsáveis pela sensibilidade das mucosas da gengiva, serio maxilar e
septo nasal. Este nervo é responsável ainda pela sensibilidade cutânea da região central do terço médio da
face, como parede nasal lateral, região cutânea localizada sobre a maxila e metade ips ilateral do lábio
superior.
A musculatura presente no terço médio da face não apresenta elemento de interferência quando há fratura
da maxila, não sendo responsável por deslocamentos de fragmentos ósseos, contrariamente á importância da
ação muscular nas fraturas de mandíbula.
CLASSIFICAÇAO DAS FRATURAS DE MAXILA
Os estudos de Le Fort (1901) determinou as áreas de fraqueza da maxila, e originou a classificação de Le
Fort:
3. 1- Fratura Transversa Baixa (Le Fort I, Guerin, Duchange):
Atribui-se a Guerin a primeira descrição desta fratura em 1866. Nesse tipo de fratura, mais conhecida
como Le Fort I, descrita em 1901, observa-se o traço de fratura que tangencia a margem inferior do seio
piriforme, estendendo-se lateralmente pela parede anterior do seio maxilar até a tuberosidade da maxila,
seguindo para processo pterigóide, causando fratura deste ou disjunção pterigomaxilar.
2- Fratura Piramidal (Le Fort II):
Caracteriza-se por linha de fratura que se inicia na região nasofrontal, desce pela apófise frontal da maxila,
correndo lateralmente através dos ossos lacrimais e assoalho da órbita, rebordo orbitário inferior e sutura
zigomaticomaxilar até a parede lateral da maxila, completando posteriormente em direção á fossa
pterigomaxilar, com fratura ou disjunção do processo pterigóide. Nos casos mais graves pode ocorrer
deslocamento posterior severo do segmento, com lesão associada da área etmoidal, septo nasal, ducto
lacrimal e alargamento do espaço interorbital.
4. 3- Fratura de Disjunção Craniofacial (Le Fort III):
Linha de fratura que se inicia na sutura nasofrontal, estendendo-se lateralmente através das paredes
medial e inferior da órbita, atravessando as suturas zigomático-frontal e arco zigomático, terminando,
posteriormente, atingindo o processo pterigóide. Resulta, portanto, na completa separação da face do
crânio.
4- Fratura Mediana da Maxila (Lannelongue):
Caracteriza-se pela disjunção mediana da maxila, provocando clinicamente um diastema dos incisivos
centrais e laceração da mucosa palatal no mesmo sentido da lesão.
5- Fratura de Walthers (em quatro fragmentos):
Eventualmente pode ocorrer, além da fratura mediana da maxila, um traço de fratura transverso no palato,
freqüentemente na sutura maxilopalatal, próximo ao primeiro e segundo pré-molares, configurando
quatro fragmentos ósseos. No tratamento desse tipo de fratura encontra-se dificuldade para a
estabilização dos fragmentos posteriores.
6- Fratura de Richet:
5. Configura-se por linha de fratura mediana, que se estende unilateralmente como um traço de fratura
transversa baixa (tipo Le Fort I), geralmente associada á rotação posterior do fragmento e mordida
cruzada, devido à força de impacto.
7- Fratura da
Borda
Alveolar:
Geralmente
conseqüência do
impacto localizado nos
dentes, com báscula
do dente e fratura da
parede contraria do
alvéolo dentário, causa
lesão dos elementos
dentários e na
estrutura óssea
alveolar da maxila.
8- Fraturas
Complexas
da Maxila:
Como fraturas
complexas podemos
considerar aquelas em que há uma combinação dos tipos de fratura descritos ou, também, envolvimento
de outras estruturas do esqueleto craniofacial.
AVALIAÇÃO CLÍNICA:
Todo paciente politraumatizado deve, inicialmente, receber atendimento efetivo e objetivo com a
finalidade de garantir a vida (ATLS). Completando o atendimento inicial e controladas as funções vitais,
tem prosseguimento a avaliação específica multidisciplinar. Para os pacientes vítimas de trauma de face,
deve ser realizado o exame clínico, seguindo-se sempre as seqüências clássicas de historia clínica,
observação estática, observação dinâmica, exame físico, propedêutica armada e exames de imagem.
A obtenção de uma breve historia clínica focada em determinados pontos pode ser obtida como próprio
paciente, familiares, amigos ou alguém presente no local do acidente. Quando possível, é de grande
auxilio, pois podem ser obtidas informações sobre o local e as circunstâncias do acidente (como
intensidade da violência, uso de cinto de segurança, vitimas fatais, etc), além de informações pess oais,
como alergias, medicamentos em uso, se a vitima é portadora de alguma doença e momento da ultima
refeição.
Considerando-se especificamente o trauma de maxila, os pacientes apresentam graus variados de
manifestação clínica, de edema localizado para as fraturas alveolares, envolvidas em traumas de menor
violência, a edema intenso e dismorfias da face, nos casos de fraturas complexas (edema facial
generalizado, equimoses prioritárias, equimoses no sulco nasolabial, mucosa endoral, sangramento nasal
e lesão associada de outras estruturas da face; alteração da oclusão dentaria pode estar presente devendo
ser descartada fratura mandibular associada ou alterações da oclusão prévias)
A palpação é de grande utilidade na avaliação do trauma de face, embora muitas vezes o intenso edema
local dificulte o exame. Na palpação, devem ser verificados desníveis nas linhas de sutura da maxila, no
rebordo orbitário inferior, sutura maxilozigomática por palpação endoral e observação de creptação no
subcutâneo,significando ar nos tecidos (o que sugere fraturas das paredes dos seios). Palpam-se o palato,
para investigação de fraturas, e todo o contorno alveolar, para verificação de mobilidade e estabilidade da
maxila. A mobilidade da maxila também deve ser verificada, investigando-se a presença de linhas de
fratura do tipo Le Fort. Para isso, a maxila é movimentada com uma das mãos, enquanto a outra palpa as
6. regiões correspondentes das linhas de fratura tipo Le Fort I, II e III. Outra queixa freqüente ao exame é a
anestesia ou hipoestesia das regiões correspondentes ao nervo infra-orbitário, que por vezes é lesado no
trauma.
Propedêutica Armada:
Durante a propedêutica armada, uma rinoscopia cuidadosa é obrigatória com a finalidade de investigar,
hematomas de septo ou presença de liquido cefalorraquidiano como conseqüência de fratura da lamina
crivosa e conseqüente fistula liquórica.
Após o exame físico uma série de radiografias devem ser obtidas (tanto para diagnóstico como para
tratamento) em diversas incidências: A-P, Waters, Hirtz, Towne, Perfil, fronto-naso, naso-mento, oclusal
e ossos próprios do nariz. Os exames de imagem podem ser complementados por uma tomografia
computadorizada e com recursos de reconstrução tridimensional de imagem, o que permite uma avaliação
mais precisa e preparo mais adequado da programação cirúrgica.
Waters: Empregado para visualização oblíqua anterior da órbita, malar, arco zigomático. É
importante para o diagnóstico de fraturas da maxila, seios maxilares, assoalho da órbita, borda infraorbitaria e
arco zigomático. Também permite visualizar ossos nasais, processo nasal da maxila e borda supraorbitária.
Caldwell: Usada para demonstrar os seios frontais, osso frontal, células etmoidais anteriores e sutura
zigomaticofrontal.
Fronto-Occipital: usada quando não se pode colocar o paciente sentado ou em decúbito ventral. Essa
projeção permite visualização satisfatória da órbita, das asas do esfenóide, osso frontal, seios frontal e
etmoidal, septo nasal, palato duro, mandíbula e arcos dentários.
7. Waters Reverso: Similar ao Waters, mas devido a maior distância entre os ossos e o filme há
aumento das estruturas.
Obliqua da Órbita (Forame Óptico): Demonstra o forame óptico, a parede lateral do seio frontal, o teto e a
parede lateral da órbita;
Semiaxial (Titterington): Arco zigomático e órbitas são bemvisualizados nesta projeção;
8. Lateroanterior (Fuchs): Visão obliqua do arco zigomático, sem sobreposição de estruturas.
Perfil: É importante na avaliação da relação da maxila com a mandíbula, e para fraturas da placa vertical do
osso frontal.
Lateral do Nariz: Visão detalhada dos ossos do nariz do lado próximo ao filme.
9. Axial do Nariz: A visão superoinferior dos ossos do nariz é usada para demonstrar deslocamento lateral ou
medial de fragmentos ósseos. Mostra apenas os ossos que se projetam além do plano da glabela e dos
incisivos superiores.
Submentovértice: projeção axial da mandíbula, processo coronóide e côndilo. Também mostra os arcos
zigomáticos e a base do crânio.
TRATAMENTO:
Alguns cirurgiões preferem operar o paciente na ocasião do diagnostico da fratura, porem outros
preferem esperar a regressão do edema para melhor avaliação das deformidades e operar o paciente entre
7 e 10 dias após o trauma. A realização de higiene oral rigorosa, assim como a tricotomia de barba e
bigode, é um aspecto pré-operatório importante.
10. Vias de Acesso para Maxila:
Acesso Intra-oral:
O acesso intra-oral mais utilizado é através do sulco gengivobucal (Cadwell Luc), onde se realiza uma
incisão na mucosa bucal, 4-5 mm acima da gengiva, e descolamento até o plano subperiosteal. Outra
opção seria a realização de uma incisão marginal na gengiva, no início das raízes dentárias, diminuindo o
risco de infecção, segundo alguns autores. Essas vias de acesso permitema exposição da metade inferior
do terço médio da face, da margem inferior da órbita e do pilar lateral da maxila (zigomaticomaxilar). A
complicação mais comum é a deiscência da sutura intra-oral, com menor incidência nas incisões
marginais da gengiva.
Acesso através da Pálpebra Inferior:
O acesso pela pálpebra inferior pode ser transcutâneo (sub-ciliar) ou transconjuntival. Realiza-se uma
incisão paralela à margem ciliar e, logo abaixo do tarso, eleva-se o músculo orbicular juntamente com a
pele, evidenciando o septo orbital e a margem infra-orbital. Neste local, realiza-se uma incisão até o
periósteo e uma dissecção subperiosteal, expondo-se o soalho orbitário e a margeminfra-orbital. Deve-se
tomar cuidado com o nervo infra-orbital. O acesso transconjuntival permite uma menor exposição da
maxila, limitada pelo fórnix e ligamento lateral. A realização de cantotomia lateral e uma cantólise,
melhora a exposição.
Acesso pela Pálpebra Superior:
O acesso através do sulco palpebral superior permite boa exposição da sutura frontozigomática. Realiza-
se uma incisão da porção mediopupilar até a lateral palpebral, podendo ser estendida no sentido das rugas
periorbitais.
Acesso sobre os Supercílios:
Realiza-se uma incisão paralela à borda superior do supercílio, desde seu terço médio até o lateral,
possibilitando um bom acesso á sutura frontozigomática.
Acesso Coronal:
A incisão coronal com descolamento subgaleal e subperiosteal no arco zigomático permite boa exposição
do crânio e de toda a porção superior da face. No entanto, necessita incisão extensa no couro cabeludo, e
existe a possibilidade de complicações decorrentes de traumas dos ramos frontal e temporal do nervo
facial.
MÉTODOS DE FIXAÇÃO:
Bloqueio Maxilomandibular:
Pode ser a forma de tratamento nos casos de fraturas alinhadas e estáveis, permanecendo por 4 a 6
semanas, ou pode ser utilizado como tratamento temporário até que se realize o tratamento definitivo.
Nos casos de fraturas múltiplas ou instáveis, esse método auxilia a estabilização e fixação dos segmentos
ósseos.
11. Fixação Externa com Capacete:
Esse método foi elaborado para tratamento de fraturas cominutivas da maxila com o objetivo de prevenir
os fenômenos de intrusão, encurtamento e obliqualização. Outra indicação seria nos casos de fraturas
cominutivas de maxila associadas com fratura bilateral de côndilos mandibulares. Este sistema é estável e
eficaz, mas provoca grande inconveniência e estigmatiza o paciente, sendo praticamente substituído por
métodos mais modernos, como a fixação interna com placas e parafusos.
Fixação Interna com Suspensões:
As suspensões com fios de aço são indicadas para fixar a maxila na base do crânio com o objetivo de
evitar o alongamento do terço médio da face. Outra finalidade seria a de auxiliar a fixação de goteiras ou
próteses na arcada superior. As suspensões causam compressão da maxila contra a base do crânio,
podendo causar encurtamento do terço médio, sobretudo nas fraturas cominutivas e de côndilo bilateral.
Fixação Interna com Fios de Aço, Parafusos e Placas:
A exposição adequada dos fragmentos fraturados e sua fixação com fios de aço, placas e parafusos
propiciam os melhores resultados. As imobilizações com placas e parafusos são mais estáveis do que as
realizadas com fios de aço, pois não permitem qualquer movimento de rotação de fragmentos.
A reconstrução dos quatro pilares anteriores (nasomaxilar e zigomaticomaxilar bilaterais) posiciona
corretamente a maxila ântero-posteriormente em relação à base do crânio, mantendo a altura e posição
horizontal corretas. A reparação do pilar posterior (pterigomaxilar) não é necessária, pois os anteriores
associados coma mandíbula são suficientes para estabilidade e posicionamento da maxila.
Fraturas Alveolares:
As fraturas alveolares simples podem ser digitalmente reduzidas e estabilizadas através de
odontossínteses ou arcos vestibulares, os quais são mantidos por 4 a 12 semanas, ou até que seja
observada clinicamente uma estabilidade adequada. As fraturas complexas devem ser tratadas com
imobilizações com fios de aço ou placas e parafusos.
Os dentes envolvidos na fratura podem sofrer lesões do seu pedículo vasculonervoso, devendo-se realizar
um tratamento endodôntico nestes.
COMPLICAÇÕES:
As complicações precoces mais comuns seriam hemorragia, edema e obstrução das vias aéreas. Fistula
liquórica e amaurose são complicações precoces menos comuns, no entanto, podem ocorrer nas fraturas
graves tipo Le Fort II e III.
Dentre as complicações tardias, podem ocorrer a exposição dos meios de fixação, enoftalmo, alterações
nas dimensões verticais e horizontais da face, diplopia, lesões do nervo infra-orbital, má oclusão e lesões
dentarias.