Este documento discute o tratamento ambulatorial e hospitalar de queimaduras, incluindo classificação, critérios para tratamento ambulatorial ou hospitalização, métodos de tratamento como curativos e balneoterapia, e agentes tópicos para queimaduras.
Tratamento ambulatorial de queimaduras na Santa Casa de Misericórdia
1. Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa de Misericórdia de São José do Rio Preto
Regente : Valdemar Mano Sanches
Queimaduras -Tratamento
Dr.Brunno Rosique
Tratamento Ambulatorial
As queimaduras menores ou pequenas queimaduras correspondem a aproximadamente 95% de todas as
queimaduras e geralmente são tratadas ambulatorialmente, não havendo necessidade de internação hospitalar.
De acordo com a American Burn Association (1976), pequenas queimaduras são classificadas em :
Classificação das Pequenas Queimaduras
American Burn Association
Queimadura Parcial de Pele
(1°. e 2° graus)
Queimadura Total de Pele
(3°. grau)
Adultos < 15%
Até 2%, não incluindo face, olhos,
orelhas, mãos e genitais
Crianças < 10%
Até 2%, não incluindo face, olhos,
orelhas, mãos e genitais
Critérios para Tratamento Ambulatorial – A decisão de tratar uma queimadura ambulatorialmente
baseia-se na avaliação de múltiplas variáveis como profundidade, extensão e localização da queimadura,
extremos de idade, suspeita ou lesão por inalação, queimaduras elétricas, trauma associado, doenças
preexistentes, suspeita de abuso criminal em crianças e problemas sociais.
Tratamento – Várias são as maneiras de tratar ambulatorialmente as queimaduras, assim como vários são
os materiais ou curativos disponíveis. Cada serviço que trata destas queimaduras utiliza o material e o
método que julga melhor ou com os quais tem mais experiência, aliado a um baixo custo.
Queimadura de 1. grau – Orientações para limpeza diária com sabão neutro. Até que a epiderme
descame, o uso de óleo mineral 2 vezes ao dia apressará a descamação e auxiliará no prurido. Após a
descamação creme hidratante neutro e filtro solar FPS 20 ou 30 para evitar a hiperpigmentação.
Queimadura de 2°. grau superficial – São tratadas inicialmente com a realização de tricotomia da área
afetada, quando necessário. A seguir, são lavadas com sabonete de glicerina. Bolhas pequenas são drenadas
com pequenas incisões e a pele é mantida como curativo biológico.
Bolhas grandes ou já rompidas são desbridadas. Após a limpeza é realizado curativo oclusivo com
gaze de rayon vaselinada, chumaço de algodão e atadura de crepe. A cada 2 ou 3 dias o curativo é trocado e
a queimadura, reavaliada. Naquelas que foram desbridadas, se não apresentarem secreção, a gaze de rayon é
mantida, para evitar o traumatismo do epitélio que está se regenerando. Troca-se apenas o chumaço de
algodão e a atadura de crepe. Pacientes com esse tipo de queimadura são acompanhados mensalmente por
um período de três a quatro meses. Raramente apresentam cicatrizes hipertróficas ou queloideanas.
Queimadura de 2°. grau profunda e de 3. grau – Após tricotomia lava-se a área atingida com PVPI
degermante ou clorexedina. Nestas queimaduras utiliza-se curativo oclusivo com sulfadiazina de prata 1%.
Se a área queimada não for muito extensa e paciente tiver condições, este é orientado a trocar o curativo na
2. própria residência, duas vezes ao dia. Caso contrário, retorna ao ambulatório diariamente. Geralmente, há
formação de cicatriz hipertrófica ou quelóide, quando a cicatrização demora mais que duas semanas em
negros ou crianças ou mais de três semanas nos demais pacientes. Por isso em torno do 14°. dia, é avaliada a
possibilidade de levar o paciente para o centro cirúrgico para desbridamento e enxertia de pele precoce.
Assim que a cicatrização ocorre nestes tipos de queimaduras, quer seja espontaneamente ou após
enxerto de pele, inicia-se o uso de malha elástica compressiva.
Todos os pacientes com queimadura de 2°. e 3°. graus são encaminhados para a profilaxia do tétano.
Controle da Dor – É seguido o esquema proposto pela Organização Mundial da Saúde conhecido
como escala analgésica:
Intensidade da Dor Medicação (Via Oral)
Leve
Dipirona 500 a 1000mg de 6/6h
ou Paracetamol 500 a 1000mg 6/6h
Moderada
Paracetamol 500mg + Codeína 30mg de 6/6h ou 4/4h
Intensa
Tramadol 50 ou 100mg de 6/6h ou de 4/4h
Critérios para Internação em UTQ
A prioridade deve ser dada a grandes queimados, com área superior a 20% de SC, independente da
idade.
A internação está indicada nos seguintes tipos de queimaduras:
A) Lesão de 3°. grau atingindo mais de 10% da SC;
B) Lesão de 2°. grau atingindo área superior a 20% no adulto e 10% na criança;
C) Queimaduras importantes da face, mãos e pés;
D) Queimaduras de região perineal ou genitália;
E) Queimadura circunferencial de extremidades;
F) Queimaduras elétricas ou químicas;
G) Queimaduras de vias aéreas;
H) Crianças menores de dois anos;
I)Doenças sistêmicas associadas;
J)Traumas associados;
Classificação de Gravidade segundo Benaim
Grupo I
Leves
Grupo II
Moderados
Grupo III
Graves
Grupo IV
Críticos
Grupo V
Letais
Superficiais A < 15% 15 – 30% 30 – 60% > 60% X
Intermediárias AB < 15% 5 – 20% 20 – 40% 40 – 90% > 90%
Profundas B < 1% 1 – 10% 10 – 25% 25 – 80% > 80%
Hidratação Após as 24h Iniciais – Após a fase de ressucitação, na qual se utiliza um grande volume de
cristalóides, as substâncias causadoras do aumento da permeabilidade capilar são metabolizados e os poros
vasculares retornam ao tamanho original. Nesta fase observamos um intenso edema dos tecidos queimados e
não queimados. Neste momento, o excesso de cristalóides só contribui para o aumento do edema. O
objetivo da fluidoterapia nesse momento é resgatar todo este edema e, ao mesmo tempo, restaurar a pressão
coloidosmótica original.
3. Reposição de Colóide – A albumina possui maior poder oncótico e praticamente não apresenta nenhum
risco. Porém seu custo é muito alto e nem sempre disponível nos hospitais públicos. O plasma está indicado
quando não se dispõe de albumina.
Utiliza-se albumina após as 24h iniciais, calculando a velocidade de infusão de acordo com o débito
urinário (30 a 50ml/h). Podendo se utilizar até 10 frascos de 50ml a 20% em um dia.
Os colóides são administrados praticamente durante toda a internação.
O controle da infusão é realizado por meio de indicadores: nível sérico de albumina (deve ser
mantido acima de 3g/dl) e a presença do edema. Um correto suporte nutricional irá determinar uma menor
necessidade de infusão de colóides por toda internação.
Curativos
Introdução
A queimadura determina uma lesão cutânea caracterizada por apresentar pobre microcirculação,
tecidos necrosados e uma expressiva flora bacteriana transitória e residente. Estes fatores associados à
liberação de toxinas, mediadores inflamatórios e a alterações metabólicas locais induzirão uma resposta
sistêmica dando origem a sepse, resultante deste desequilíbrio quantitativo e qualitativo entre o hospedeiro e
suas bactérias.
A prevenção da infecção na ferida da queimadura envolve manutenção do equilíbrio entre a
contaminação bacteriana e a resistência do hospedeiro a partir de rotinas e procedimentos que promovam a
redução numérica e a proliferação dos microorganismos nos tecidos lesados. A limpeza sistemática diária da
área queimada acompanhada do desbridamento de tecidos desvitalizados e curativos com antimicrobianos
tópicos ainda parece ser a melhor forma de prevenção da infecção nestes pacientes
A balneoterapia (terapêutica por meio de banhos) é uma da formas mais antigas de tratamento das
queimaduras, sendo atribuída sua invenção ao cirurgião francês Guillaume Dupuytren no início do século
XIX. Em 1861, em Viena, o médico austríaco Herbra aconselhava a balneoterapia para melhor cicatrização
de feridas de qualquer natureza, seguido por Prague (1906), e Ormsby (1911). Zawacki (1974) demonstrou
que a dessecação da ferida converte a zona de estase e aprofunda a queimadura.
Heggers e cols. (1980) relataram a presença de tromboxanos e outros mediadores inflamatórios nos
fluidos das bolhas, indicando a remoção e limpeza de todos os tecidos desvitalizados e bolhas para melhoria
da microcirculação
Método de Oclusão, Compressão e Repouso (Allen & Koch – 1942)
É indicado em lesões do tronco, membros e lesões de terceiro grau no pescoço.
1 – Colocação de camada única de gaze vaselinada (Furacin no 2°. dia);
2 – Duas a três camadas de gazes para absorver as secreções.
3 – Camada de algodão hidrófilo para absorver excesso de secreção, acolchoar e favorecer uma
compressão uniforme da lesão;
4 – Enfaixamento compressivo com atadura de crepe;
5 – Fixação com esparadrapo em espiral.
OBS.: o curativo deve ser trocado a cada 48h, a compressão dos membros deve ser uniforme e
decrescente da extremidade para a raiz. Evitar o enfaixamento circular do tórax e, e tratar isoladamente os
dedos lesados.
Método de Exposição (Wallace – 1948)
Indicado na face, pescoço (2°. grau), períneo e genitais. Consiste em deixar a área afetada exposta ao
ar atmosférico.
O método baseia-se na formação de crostas (curativo biológico). Nas queimaduras parciais forma-se
em 48 a 72h.
Balneoterapia sob Analgesia
4. Utiliza-se Nalbufina, endovenosa, na dose de 10mg diluída em água destilada 20 a 30 minutos antes
do banho. Pode ser associada ao uso do Cetoprofeno, EV, na dose de 100 mg diluído em 100ml de SF 0,9%
após o procedimento. A Nalbufina é um opióide semi-sintético, e não deve ser associada a outro tipo de
opióide. Na criança a dose é de 1mg/5kg de peso diluída em água destilada.
Inicia-se o procedimento com a abertura e retirada do curativo com o auxílio de jatos de água,
evitando-se a mobilização de materiais aderidos na ferida. A lavagem em jatos promove, também, uma
limpeza mecânica dos detritos e das secreções, bem como uma diminuição na população bacteriana.
Em seguida procede-se à degermação com solução de polivinil-pirrolidona a 10%, por tempo mínimo
de contato, com a pele, de 5 minutos. Existe a alternativa do uso de solução de clorexedine a 2%, com
espectro de ação bastante semelhante além de ser atóxico e indolor.
Realiza-se a remoção mecânica cuidadosa de tecidos necrosados, crostas e secreções, respeitando-se
o limite de tolerância da dor ou surgimento de sangramento.
Como rotina, aplica-se um creme de sulfadiazina de prata a 1% sobre as gazes, seguido de fixação
com faixas de crepe. Outra opção de antimicrobiano é a associação de Nitrato de Cério com sulfadiazina de
prata a 1%. As sulfas agem sobre as bactérias Gram positivo e negativo, fungos e protozoários. A
sulfadiazina de prata 1% é efetiva contra Pseudomonas pelo efeito bactericida da prata, que é liberada
localmente.
Tratamento Tópico de Queimaduras
Agente Tópico Vantagens Desvantagens
Sulfadiazina de Prata
Pode aplicar diretamente sobre a
ferida,
Indolor.
Amplo espectro e efetiva contra
alguns fungos
Não penetra no tecido queimado
(escara necrótica)
Leucopenia Transitória
Nitrato de Prata
Amplo espectro.
Não alergênico.
Aplicação indolor
Pobre penetração,
Descoloração da ferida
Desequilíbrio hidroeletrolítico.
A remoção dos resíduos é dolorosa
Iodopovidona Ungüento
Amplo espectro,
Antimicótico
Facilmente solúvel em água
Não efetivo para Pseudomonas;
Aplicação dolorosa.
Acetato de Mafenide
Amplo espectro.
Penetra na escara
Útil em curativos abertos ou
fechados.
Pode causar acidose metabólica.
Pode inibir a epitelização. Aplicação
dolorosa
Gentamicina
Amplo espectro.
Pode ser usada em curativos abertos
ou fechados.
Seleciona cepas resistentes; ototóxico
e nefrotóxico.
Solução de DAKIN
Efetivo por mais de 24h. Baixo custo Obrigatório uso de curativo fechado;
Doloroso na aplicação.
Nitrofurazona
Efetivo contra estafilococos.
Amplo espectro
Não macera a ferida.
Pode levar a sobrecrescimento de
fungos e Pseudomonas.
Doloroso na aplicação
5. Tratamento Cirúrgico
Escarotomia – (do latim eschara = casca) Indicada nas queimaduras circulares e de espessura total
no tórax, membros inferiores e superiores. Alguns sinais e sintomas como cianose, dor profunda,nos tecidos
e parestesia progressiva, diminuição ou ausência de pulso e sensação de frio nas extremidades são
mandatários para intervenção cirúrgica.
O procedimento deve ser realizado sob condições de assepsia rigorosa, campos estéreis e, apesar de
pouco empregado, é importante que se tenha um eletrocautério à disposição. A incisão deve estender-se
através de toda a cinta constrictiva, inclusive através das articulações envolvidas quando necessário.
Tórax – As incisões nas queimaduras circulares do tórax são realizadas na linha axilar anterior
bilateralmente.
Extremidades – A incisão deve ser no lado meio medial ou meio lateral, evitando-se os pedículos
vasculonervosos. A escarotomia nos dedos não é freqüente, quando necessária, deve ser realizada na linha
medial posterior.
Enxerto de Pele Homólogo
Pollock (1870) e Tiersch (1874) realizaram os primeiros homoenxertos que constam na literatura.
Reverdin (1869) utilizou pequenos enxertos de seu próprio braço para cobrir um grande queimado. Brown
6. observou (1937) a persistência de enxertos trocados entre gêmeos univitelinos colocados na região anterior
do braço.
Os homoenxertos são utilizados como curativos biológicos temporários. Aderem bem à área
receptora mas o processo de eliminação ocorre entre três e oito semanas.
Um paciente com mais de 50% da SCQ com profundidade de 2°. e 3°. graus não terá área doadora
suficiente para realizar cobertura cutânea desta mesma área, uma opção de tratamento é o homoenxerto.
Trata-se da utilização da pele de doador em morte encefálica ou de cadáver fresco com até 6 horas
após a morte, conservada em refrigeração normal, a 4°C ou refrigerada no glicerol a menos 156°C para
utilização em tempo oportuno.
Enxerto de Pele Heterólogo ou Xenoenxerto
São tecidos transplantados entre indivíduos de espécies diferentes. Em 1917, Kiyomo e Sueyasu
foram os primeiros a relatar o transplante de pele humana sobre a membrana corioalantóica de um embrião
de galinha. Goodpasture, Douglas e Anderson, em 1938, descreveram a revascularização e o crescimento do
enxerto de pele parcial de pele humana transplantada para a membrana corioalantóica de um embrião de
galinha. Rogers e Converse (1958) utilizaram experimentalmente pele fetal de bezerro como curativo
biológico em humanos. Em 1965, Bromberg, Song e Mohn popularizaram o uso da pele de porco como
curativo biológico. Burleson e Eiseman (1973) descreveram a habilidade do xenoenxerto em aderir ao tecido
do leito receptor, devido à formação de uma cola biológica de elastina-fibrina. Os mesmos autores
demonstraram que esta característica de aderência da pele de porco era responsável por seu efeito
antibacteriano. Artz, Rittenbury e Yarbrough (1972) demonstraram que o curativo biológico de pele
heteróloga possuía várias funções, como o preparo das áreas de granulação antes de receberem o auto-
enxerto, a redução da perda de água e de proteínas, a diminuição da colonização bacteriana e da dor nas áreas
de exposição tecidual, a cobertura de órgãos vitais e a facilidade precoce de mobilização da área afetada.
Membrana Amniótica
É constituída por duas membranas acoladas: a porção lisa do córion e o córion membranoso. A face
interna lisa e brilhante, voltada para a cavidade amniótica, constitui o âmnio. A face externa, despolida e
irregular constitui o córion, com fragmentos de decídua. O âmnio derivado do epiblasto, encontra-se em
continuidade com o ectoderma do embrião e é constituído em sua superfície interna por células epiteliais
cubóides ou planas e em sua superfície externa por tecido conectivo mesenquimal. O córion tem tecido
conectivo mesenquimal em contato com o âmnio e uma face externa de epitélio de transição.
Credita-se a Davies (1910) a tentativa de enxerto de âmnio em tecido de granulação, mas foi Sabella
(1912) que utilizou membrana amniótica em um paciente queimado.
Sabella acreditava, que por ser o âmnio de origem ectodérmica, esta seria a parte apropriada da
membrana a ser colocada em aposição à pele. Em 1978 Gruss e Jirsch, optaram por posicionar a superfície
coriônica contra todas as lesões de espessura total, onde esperavam a ocorrência de neovascularização. Por
outro lado, nas lesões de espessura parcial, em que a neovascularização não era desejada, a face amniótica
era colocada em contato com a ferida..
A membrana amniótica fresca permanece aderida ao leito, até a epitelização total das lesões de 2°.
grau, com diminuição significativa da dor e das perdas hídricas.