1. ANATOMIA DESCRITIVA NA LIPOABDOMINOPLASTIA
Autor: Dr. Wilson Novaes Matos Júnior
Co-autores: Dr. Fernando V. Carrillo Jiménez
Dr. Rogério Porto da Rocha
2. INTRODUÇÃO
As estruturas anatômicas da região abdominal são conhecidas e descritas por
vários autores, baseadas em estudos de dissecação de cadáveres, cintilografia,
arteriografia e mesmo por observação “in vivo”, durante cirurgias abdominais, como
a abdominoplastia clássica.
Os trabalhos referentes à irrigação do abdômen, que descreveram a disposição e
localização das artérias perfurantes, contribuíram para a evolução da utilização dos
músculos retos abdominais nas reconstruções mamárias.
A lipoaspiração, em 1980, direcionou as pesquisas para o estudo da tela
subcutânea superficial e profunda do abdômen, enfatizando as diferentes
características celulares entre estas camadas, bem como um acúmulo maior de
gordura na camada profunda e maior quantidade de colágeno na superficial,
possibilitando o tratamento das camadas de gorduras com essa técnica. Entre 1986
e 1998, foram publicados trabalhos que associavam lipoaspiração e ressecção de
pele com descolamento no plano supra aponeurótico. Avelar, em 1999 e 2000,
propôs o tratamento global da tela subcutânea do abdômen, através de
lipoaspiração profunda, sem descolamento e sem ressecção do panículo adiposo.
Saldanha publica, em 2001, uma sistematização da associação de lipoaspiração
com abdominoplastia clássica. Estas técnicas permitiram que as estruturas
anatômicas da região abdominal, principalmente a tela subcutânea, fossem
descritas “in vivo”. A partir de 2000, começamos a utilizar a lipoabdominoplastia
para o tratamento do abdômen. Após a lipoaspiração do abdômen, ressecção de
pele, preservação da fáscia superficial e descolamento seletivo da região de
3. diástase, observamos melhor as alterações da anatomia após estes procedimentos
cirúrgicos.
Estudamos 211 pacientes no período de janeiro de 2000 a março de 2005, com
idades entre 28 e 69 anos, sendo 98% do sexo feminino, submetidas à
lipoabdominoplastia, lipominiabdominoplastia e suas variações, de acordo com a
proposta de uma nova classificação clínico-terapêutica do abdômen, baseada nos
cinco fundamentos já descritos por nós na literatura, onde tratamos com segurança
todas as estruturas anatômicas que compõem a parede abdominal para as mais
variadas indicações.
O objetivo deste trabalho é descrever estas estruturas anatômicas observadas
durante a lipoabdominoplastia e enfatizar a importância da preservação da rede
vascular, linfática e fáscia superficial na prevenção de complicações no tratamento
da região abdominal.
TÉCNICA CIRÚRGICA
A técnica utilizada foi iniciada com a infiltração de soro fisiológico e adrenalina na
proporção de 1:1000.000 UI. A lipoaspiração foi realizada com cânulas 3, 3.5 e 4
mm de diâmetro, atingindo a parte média e superficial da camada profunda e a
parte profunda e média da camada superficial da tela subcutânea, respeitando e
preservando a fáscia de Scarpa (Fig. 1). No abdômen inferior, a camada superficial
de gordura foi totalmente removida através de cânulas nº 6 e 7 (Fig. 2, 3).
Profundamente à fáscia de Scarpa, o excesso de gordura pôde ser removido
através de lipoaspiração a “céu aberto” (Fig. 6). O descolamento seletivo da região
da diástase junto às margens mediais dos músculos reto-abdominais, preserva,
assim, a maioria dos vasos perfurantes (Fig. 4, 9). As artérias periumbilicais foram
seccionadas, na maioria das vezes, para liberação do retalho, reposicionamento,
4. fixação do umbigo e plicatura muscular dos retos. A fáscia de Scarpa na linha
mediana infra-umbilical foi dissecada parcialmente até a exposição da aponeurose ,
foi associada ao descolamento seletivo da região supra-umbilical para a plicatura da
diástase muscular de modo convencional e fechada sobre a plicatura (Fig. 5, 7, 8).
O tratamento do umbigo e onfaloplastia são feitos de acordo com o subgrupo da
classificação.
ANATOMIA
A pele apresenta características peculiares em relação à elasticidade, espessura e
mobilidade. De acordo com fatores relacionados à obesidade, perda de peso e
gestações anteriores, estas podem alterar-se, ocasionando estrias e flacidez, com
perda de elasticidade da derme. A tela subcutânea da região abdominal é dividida
em dois planos, separados pela fáscia superficial (de Scarpa). A camada superficial
(areolar) é composta por células globulares túrgidas e compactas, que apresentam
pequenos espaços intercelulares, onde transitam vasos de pequeno calibre.
A camada profunda (reticular) é constituída por células globulares menores,
regulares e frouxas, acumulando maiores quantidades de gordura e apresentando
espaços intercelulares maiores, que abrigam vasos calibrosos e, às vezes, vasos
perfurantes músculo-aponeuróticos subjacentes.
Os músculos retos do abdômen estão envolvidos por aponeuroses, que se
entrecruzam na linha mediana. Durante o descolamento seletivo da fáscia
superficial sobre a linha Alba no abdômen superior, não encontramos nenhuma
artéria perfurante no cruzamento das aponeuroses dos músculos retos abdominais.
Observamos que estes vasos emergem e são visualizados a partir de 2 a 3 cm da
margem medial dos músculos retos abdominais e são totalmente preservadas
5. durante o descolamento seletivo. Isto foi observado no nosso terceiro caso clínico
de lipoabdominoplastia, quando realizamos esse descolamento seletivo para
plicatura dos músculos retos (Fig. 9). Esta foi a nossa colaboração para a
publicação Saldanha, em 2001 (Fig. 10). De acordo com os trabalhos de Taylor,
80% do suprimento sangüíneo da parede abdominal provêm das perfurantes
abdominais - ramos das artérias epigástricas superiores e inferiores. Os 20%
restantes ocorrem pelas últimas artérias intercostais, lombares e pudendas externas
superiores. As artérias perfurantes estão localizadas, em sua maioria, a 2 a 3 cm,
lateralmente à margem medial desses músculos, confirmando nossa casuística.
Os vasos linfáticos dividem-se em dois sistemas: superficial e profundo. O
superficial não acompanha a rede vascular e drena a cadeia supra-umbilical e
linfonodos mamários laterais. Já a profunda acompanha a rede vascular,
concentrando-se acima dos linfonodos mamários e abaixo dos retrocrurais,
drenando o complexo músculo-aponeurótico.
A inervação, dificilmente observada durante o procedimento cirúrgico, é dada pelos
seis últimos ramos intercostais e nervos ílio-inguinal e ílio-hipogástrico.
DISCUSSÃO
A anatomia da região já foi amplamente estudada em cadáveres pelos diversos
cirurgiões que descreveram a abdominoplastia tradicional. O trauma da
lipoaspiração nas camadas de gordura e o descolamento do plano aponeurótico nas
miniabdominoplastias, publicadas por Hakme e Wilkinsson, tinham como principais
complicações seroma e necrose.
A dissecação realizada durante a lipoaspiração , na lipoabdominoplastia, baseada
nos conhecimentos da anatomia, permite-nos realizar um descolamento seguro do
retalho, com preservação das artérias e veias perfurantes. Observamos a céu
6. aberto, os túneis e as alterações das estruturas anatômicas após o procedimento da
lipoaspiração. A secção das artérias periumbilicais não prejudica a irrigação do
retalho que está amplamente vascularizado.
Quando analisamos a técnica de abdominoplastia clássica, observamos que o
descolamento da camada profunda da tela subcutânea do plano aponeurótico
realizado com bisturi ou eletrocautério secciona os vasos perfurantes (artérias e
veias), os linfáticos e nervos que emergem e estão localizados acima da
aponeurose abdominal. A dermolipectomia inferior lesa todas as estruturas
anatômicas que penetram as camadas superficial e profunda da tela subcutânea do
abdômen inferior. A fáscia superficial, ressecada juntamente com a pele, e as
camadas superficial e profunda da tela subcutânea na abdominoplastia
convencional são observadas e preservadas na lipoabdominoplastia.
Durante a realização da técnica de lipoabdominoplastia, a quantidade de gordura da
camada profunda que se deve deixar no abdômen inferior dependerá do volume
aspirado e da espessura do retalho do abdômen superior que avança, composto
somente da camada superficial (Fig. 14, 15, 16). Esse perfeito equilíbrio e a
acomodação entre o retalho superior e gordura profunda do abdômen inferior
resultam em um abdômen bem modelado, harmonioso, sem irregularidades ou
acúmulo de gordura (Fig. 17). Por isso, a avaliação pré-operatória da disposição do
tecido adiposo no abdômen é fundamental.
Utilizamos os princípios de preservação das estruturas anatômicas da
lipoabdominoplastia para tratar também casos de abdomens atípicos e secundários
(Fig. 10, 11, 12, 13).
A rede linfática do abdômen inferior é preservada, permitindo uma drenagem pós-
operatória mais eficaz e, em nossa experiência, reduzindo o edema pós-operatório
e suas complicações. Observamos que a evolução de um hematoma na
7. lipoabdominoplastia é diferente, quando comparado à abdominoplastia clássica.
Após massagear o local para fluidificar os coágulos, podemos puncionar a região
com o auxílio de seringa e agulha (40 x 12 mm). Compressas e drenagem linfática
complementam o tratamento, que, em nossa experiência, sempre evoluiu com
reabsorção total do hematoma, sem deixar seqüelas, como as freqüentes necroses,
quando usamos a técnica de abdominoplastia clássica (Fig. 18, 19). Acreditamos
que esta boa evolução nos casos ocorridos seja pela preservação do sistema
vascular e linfático.
CONCLUSÕES
Baseados nos achados de nossa casuística, concluímos os itens enumerados a
seguir:
1. A lipoabdominoplastia é uma cirurgia conservadora, uma vez que preserva
estruturas anatômicas importantes (artérias, veias, nervos, fáscia superficial e rede
linfática da parede abdominal), por meio da dissecação durante a lipoaspiração.
2. A visualização direta dessas estruturas permite-nos um descolamento cirúrgico
seguro, aumentando a viabilidade do retalho abdominal.
3. O menor trauma e maior preservação do sistema vascular, linfático e nervoso da
parede abdominal são os principais fatores para a diminuição das complicações e
um período pós-operatório menor e menos doloroso.
4. Os princípios da lipoabdominoplastia, baseados na preservação das estruturas
anatômicas que compõem o abdômen, podem ser utilizados para tratamento da
maioria dos abdomens, tratados de acordo com a nossa proposta pessoal de
classificação para suas indicações (Fig. 20, 21, 22, 23).
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