1) O documento discute a representação do outro e as metáforas espaciais utilizadas para descrever conflitos interculturais, como urbanos vs suburbanos.
2) É argumentado que o outro não é natural, mas sim produto de sistemas de classificação nas quais estamos inseridos em assimetrias temporais e espaciais.
3) São descritos arquétipos de exclusão como aniquilamento, separação institucional e inclusão momentânea que resulta em aniquilamento ou separação.
2. O conflito inter/intraculturas tem sido
representado principalmente por
metáforas espaciais e de polaridades
geopolíticas binárias – por exemplo,
urbanos versus suburbanos, nativos
versus imigrantes, imigrantes antigos
versus imigrantes novos, e hoje,
sobretudo, modernistas ocidentais versus
fundamentalistas islâmicos, etc.
3. O outro não é um outro natural,
mas um outro da linguagem e dos
sistemas de classificação nos quais
estão e estamos insertos, embora
em diferentes temporalidades e
especialidades ou, melhor, em
assimetria temporais e espaciais.
4. A representação do outro:
1. esse outro que geralmente é considerado um
alter ego que não deixa de ser um eu
deslocado para um indivíduo diferente.
2. o outro, no sentido de que esse outro talvez
esteja ausente ou invisível, isto é, negado como
tal.
3. nossa própria percepção do outro, percepções
geralmente errôneas, distorcidas, tentativas de
mascaramento, etc.
5. O mundo do politicamente correto é um
mundo onde seria melhor não nomear o
negro como negro, não chamar o deficiente
de deficiente, onde não seria melhor
chamar o índio de índio. É o mundo do
eufemismo, do travestismo discursivo. Não
nomeá-los, não dizê-los, não chamá-los,
mas manter intactas as representações
sobre eles, os olhares em torno deles.
6. Arquetípicos na construção e na produção da exclusão:
a exclusão por aniquilamento (o massacre, o
genocídio, a matança do outro),
a exclusão por separação institucional (o afastar
o outro, a distância do outro),
a exclusão através da inclusão (uma
aproximação somente momentânea do outro que
logo resultará, isto é, será traduzida, será
compreendida e será praticada mais cedo ou mais
tarde, como seu aniquilamento ou sua separação).
7. A exclusão, se é que pode ser então
alguma coisa, é um processo cultural,
um discurso de verdade, uma interdição,
uma rejeição, a negação mesma do
espaço-tempo em que vivem e se
apresentam os outros. O excluído é
somente um produto da
impossibilidade de integração. Não é
um sujeito, é um dado.
8. Precisamos do louco, do deficiente, da criança, do
estrangeiro, do selvagem, do marginal, da mulher,
do violento, do preso, do indígena etc. E
precisamos deles, basicamente, conforme uma
invenção que nos reposicione no lugar de
partida para nós mesmos; como um resguardo
para nossas identidades, nossos corpos, nossa
racionalidade, nossa liberdade, nossa maturidade,
nossa civilização, nossa língua, nossa
sexualidade. Precisamos, tragicamente, do outro.
9. O multiculturalismo simplesmente é. Representa uma
condição do modo de vida ocidental de fim de século:
vivemos uma sociedade multicultural.
Multiculturalismo conservador: usa da
diversidade para manter a diferença. A tolerância
é usada como uma arma de desprezo, de
indiferença.
Multiculturalismo liberal: usa a diversidade para
igualar a diferença. Todos os negros vivem a sua
negritude da mesma maneira, todas as mulheres
vivem seu gênero do mesmo modo.
10. A alteridade deficiente, anormal, como
significado que parece referir-se a um
outro, só tem sentido se foge e refoge
desse outro e se confronta a normalidade;
se fere de morte a normalidade; se
transfigura a normalidade.
Egocêntrica normalidade cuja infame
tentação é a invenção do anormal.
11. É evidente que existe uma prática de
medicalização diretamente orientanda
para o corpo (do) deficiente, mas
existe, sobretudo, uma medicalização
de sua vida cotidiana, da pedagogia,
da escolarização, de sua sexualidade,
da vida e da morte do outro deficiente.
12. A educação especial conserva para si um olhar iluminista
sobre a identidade da alteridade deficiente, isto é, vale-se
das oposições de
normalidade/anormalidade, de
racionalidades/irracionalidade e de
completude/incompletude
como elementos centrais na produção de discursos e
práticas pedagógicas. Os sujeitos são homogeneizados,
infantilizados e, ao mesmo tempo naturalizados, valendo-
se de representações sobre aquilo que está faltando em
seus corpos, em suas mentes, em sua linguagem etc.
13. Uma pedagogia que acabe de uma vez
com aquilo dos princípios da pedagogia de
sempre (está mal ser o que se está sendo;
está bem ser o que nunca se poderá ser) e
que suponha outros dois princípios
radicalmente outros: não está mal ser o
que se é e não está mal ser além daquilo
que já se é e/ou se está sendo, ser outras
coisas.