2. • Complexidade da palavra “cultura”: conceito derivado do
de natureza, a mais nobre as atividades humanas é
derivada de trabalho e agricultura, colheita e cultivo. De
início, denotava um processo completamente material,
depois metaforicamente transferido para questões do
espírito.
• Essa mudança semântica é paradoxal A raiz latina da
palavra “cultura” é colere, que significa qualquer coisa,
desde cultivar e habitar (colonus => colonialismo) a adorar
e proteger.
• Cultus, no termo religioso “culto”, da mesmo forma que a
ideia de cultura se coloca no lugar de um sentido de
divindade e transcendência na Idade Moderna, herdando
o manto da autoridade religiosa, mas tem afinidades com
ocupação e invasão.
3. • Além de guardar em si os resquícios de uma transição histórica de grande
importância, a palavra “cultura” codifica várias questões filosóficas
fundamentais, como liberdade e determinismo, o fazer e o sofrer, mudança
e identidade, o dado e o criado. O termo sugere uma dialética entre o
artificial e o natural, entre o que fazemos no mundo e o que o mundo nos
faz.
4. • A natureza produz cultura que transforma a natureza. Dessa forma, a
cultura pode ser vista como meio da autorrenovação constante da
natureza, ou seja, a natureza mesma produz os meios de sua própria
transcendência: se a natureza é sempre de alguma forma cultural, então as
culturas são construídas com base no incessante tráfego com a natureza
que chamamos de trabalho.
5. • Nesse sentido, a ideia de cultura significa uma dupla recusa: do determinismo orgânico e
da autonomia do espírito, rejeitando o naturalismo (pois há algo na natureza que a excede
e a anula) e o idealismo (pois mesmo o mais nobre agir humano tem raízes humildes na
biologia e no ambiente natural).
• Dessa forma, é um termo descritivo e analítico, que compreende uma tensão entre fazer e
ser feito, racionalidade e espontaneidade. Cultura alude ao contraste político entre
evolução (“orgânica” e “espontânea”) e revolução (artificial e forçada), sugerindo como se
poderia ir além dessa antítese batida, ao combinar crescimento e cálculo, liberdade e
necessidade, a ideia de um projeto consciente e um excedente não planejável.
6. • A cultura seria uma espécie de pedagogia ética que nos torna aptos
para a cidadania política: temos que ser homens para ser cidadãos.
Assim, o Estado encarna a cultura, que corporifica nossa humanidade
comum.
• Dessa forma, designa uma espécie de autodivisão e autocura pela qual
nossos eus rebeldes e terrestres não são abolidos, mas refinados
valendo-se de dentro por uma espécie mais ideal de humanidade.
• A cultura é uma forma de sujeito universal agindo dentro de cada um
de nós, exatamente como o Estado é a presença do universal dentro do
âmbito particularista da sociedade civil.
7. • Por volta do século XIX, três coisas sucedem a essa noção de
“cultura”:
• (I) começa a deixar de ser um sinônimo de civilização para vir a
ser seu antônimo, na medida em que os aspectos descritivo e
normativo da palavra “civilização” começam a se separar.
• (II) “civilização” tinha adquirido uma concepção inevitavelmente
imperialista, suficiente para desacreditá-la aos olhos de alguns
liberais, sendo necessária outra palavra para denotar como a vida
social deveria ser em vez de como era.
• (III) o conceito de “cultura” nascido no coração do iluminismo
lutava agora contra seus progenitores na querela entre tradição e
modernidade. Civilização (abstrata, alienada, fragmentada,
mecanicista, utilitária, escrava de uma crença obtusa no
progresso material) X cultura (holística, orgânica, sensível,
autotélica, recordável).
8. • A partir do idealismo alemão, a cultura assume algo do significado moderno de um modo de vida
característico. Dessa forma, a cultura significa uma diversidade de formas de vida específicas,
cada um com suas leis evolutivas próprias e peculiares, e não uma narrativa grandiosa e unilinear
da humanidade em seu todo.
• Para Herder, a luta entre os dois sentidos se associa a um conflito entre a Europa (o
eurocentrismo de uma cultura como civilização univeral) e os seus Outros coloniais (clamando
que não viveram e pereceram em prol da honra duvidosa de ter sua posteridade tornada feliz por
uma cultura europeia ilusoriamente superior).
• a ideia de cultura como um modo de vida característico está estritamente ligada a um pendor
romântico anticolonialista por sociedades “exóticas” subjugadas. O exotismo ressurgirá no século
XX nos aspectos primitivistas do modernismo e, bem mais tarde, em uma roupagem pós-
moderna, com a romantização da cultura popular.
9. • A “totalidade” é um mito, pois os “hábitos, pensamentos e ações mais heterogêneos
podem coexistir lado a lado” (Boas), como ensinado pelos antropólogos. No pós-
modernismoo, ao passo que a cultura como civilização é rigorosamente
discriminativa, a cultura como forma de vida não o é.
• Nesse sentido, como teoria, o pós-modernismo aparece depois dos grandes
movimentos de libertação nacional dos meados do século XX.
• Herder propõe pluralizar o termo “cultura” em um sentido que tentativamente criará
raízes em meados do século XIX, mas não se estabelecerá decididamente até o início
do século XX.
10. • Eagleton (2005) identifica a dificuldade de
compatibilizar a pluralização do conceito de
cultura com a manutenção de seu caráter
positivo, pois historicamente existiu uma
variedade de culturas de tortura, por exemplo.
• O autor destaca que nenhum cultura humana
é mais heterogênea que o capitalismo.
11. • Eagleton (2005) vê a crítica anticapitalista como a
primeira variante importante da palavra “cultura”;
a segunda é um estreitamento e,
concomitantemente, uma pluralização da noção a
um modo de vida total; a terceira é a sua gradual
especialização às artes, podendo incluir atividade
intelectual em geral (Ciência, Filosofia, Educação)
ou ser mais limitada a atividades supostamente
mais “imaginativas” (Música, Pintura, Literatura).
• A cultura exige dos que clamam por justiça que
olhem para além de seus próprios interesses
parciais, que olhem para o todo, para os interesses
de seus governantes da mesma forma que para
seus próprios. Desa forma, a associação da cultura
com a justiça para grupos minoritários é um
desenvolvimento novo.
12. • Eagleton (2005) coloca a seguinte questão: o
que liga cultura como crítica utópica, cultura
como modo de vida e cultura como criação
artística? A resposta é negativa, pois as três são
diferentes reações ao fracasso da cultura como
civilização real, como a grande narrativa do
autodesenvolvimento humano.
• Esssa ideia minoritária de cultura, embora
sintoma de crise histórica, é uma espécie de
solução que confere cor e textura à abstração
iluminista da cultura como civilização com a
imediação sensível da cultura como forma de
vida, além de herdar o viés normativo da cultura
como civilização.
13. • Para Marx, as práticas culturais mais benignas que conhecemos como criação estão implícitas na
própria existência da injustiça. Todas as culturas devem incluir práticas como criação de crianças,
educação, assistência social, comunicação e apoio mútuo, pois, em caso contrário, seriam
incapazes de se reproduzir e, assim, incapazes de engajar-se em práticas exploradoras.
• A ideia de cultura como modo de vida orgânico faz parte da “alta” cultura, produto de
intelectuais cultos que pode representar o outro primordial que poderia revitalizar as suas
próprias sociedades degeneradas. Assim, a cultura é ao mesmo tempo, uma realidade concreta e
uma visão enevoada da perfeição
14. • Como ideia, a cultura começa a ser importante em quatro pontos de crise histórica:
(I) quando se torna a única alternativa aparente a uma sociedade degradada; (II)
quando parece que, sem mudança social profunda, a cultura no sentido das artes e
do bem viver não será mais nem menos possível; (III) quando fornece os termos nos
quais um grupo ou povo busca sua emancipação política; e (IV) quando uma potência
imperialista é forçada a chegar a um acordo com o modo de vida daqueles que
subjuga.
• A noção moderna de cultura se deve em grande parte ao nacionalismo e
colonialismo. Nesse sentido, à medida que a nação pré-moderna dá lugar ao Estado-
nação moderno, a estrutura de papéis tradicionais já não pode manter a sociedade
unida: é a cultura (no sentido de ter em comum uma linguagem, herança, sistema
educacional, valores compartilhados) que intervém como o princípio da unidade
social.
15. • A Antropologia estrutural de Lévi-Strauss pode apresentar tais “primitivos”
tanto como confortavelmente similares, como exoticamente diferentes de
nós mesmos. Nesse sentido, tendo chegado a um ponto de decadência
complexa, a civilização podia refrescar-se somente na fonte da cultura,
olhando para trás a fim de caminhar para frente. O modernismo engatou a
marcha a ré no tempo, descobrindo no passado uma imagem do futuro.
16. • Estruturalismo: traçou parte de suas origens de volta ao imperialism. Hermenêutica: dúvida
se o outro é inteligível. Pós-estruturalismo: coloca em questão o que considera ser uma
metafísica profundamente eurocêntrica. Teoria pós-moderna: contra a ideia de uma cultura
estável, pré-moderna, firmemente unificada, por isso busca sua hibridez e seu caráter ilimitado
e aberto.
• No mundo pós-moderno, a cultura e a vida social estão mais uma vez estreitamente aliadas na
forma da estética da mercadoria, da espetacularização da política, do consumismo do estilo de
vida, da centralidade da imagem e da integração final da cultura dentro da produção de
mercadorias em geral.