Este documento apresenta o caso clínico de uma paciente de 56 anos submetida a gastrectomia subtotal há 10 anos devido a câncer gástrico. Ela apresentou perda de peso, astenia e dor epigástrica sugestiva de recidiva tumoral, confirmada por endoscopia e biópsia que identificaram adenocarcinoma ulcerado. A paciente foi submetida a totalização da gastrectomia com reconstrução do trânsito. O documento discute aspectos da recidiva de câncer gástrico como fatores de risco, local
Nefrectomia Parcial Laparoscópica - Hospital do Câncer de Barretos
Recidivacagastrico
1. Hospital Municipal Cardoso Fontes
Serviço de Cirurgia Geral
Sessão Clínica – 15/07/2004
Totalização de Gastrectomia
Recidiva de Câncer Gástrico
Residente: Fábio Martins
2. Caso Clínico
ANAMNESE
ID: AFR, 56 anos, feminina, branca, divorciada, do lar, natural de Campos, reside no RJ há 40
anos.
QP: Azia e vômitos
HDA: Paciente submetida a gastrectomia subtotal por BL gástrico há 10 anos, evoluindo com
emagrecimento de + 15 Kg, queda do estado geral , astenia e dificuldade para exercer suas
atividades habituais há 1 ano. Associado relata aparecimento de dor epigástrica em queimação e
vômitos pós-prandiais esporádicos. Relata semelhança entre os sintomas atuais e aqueles da época
da cirurgia. Procurou atendimento no PS/HMCF em FEV/2004, onde ficou internada por 4 dias.
Realizou EDA e foi encaminhada ao amb da gastro. Foi internada na gastro em 20/05/2004, sendo
transferida para a cirurgia geral dia 24/05/2004.
HPP: HAS e DM sem acompanhamento.
Gastrectomia subtotal em 1994 no Hosp. Andaraí. Colecistectomia aberta em 1995 no Hosp.
Andaraí.
Nega BK, cardio ou pneumopatias, hemotransfusões ou alergias medicamentosas.
H.FAM: Mãe falecida por cardiopatia. Pai falecido por “velhice”. Irmãos saudáveis.
H.GINECO: GI PI A0, parto normal, sem intercorrências. Menopausa aos 45 anos.
H.SOC: Nega etilismo ou tabagismo. Mora em casa com boas condições higiênico-sanitárias.
3. Exame Físico - Internação
Paciente lúcida e orientada, cooperativa, deambulando, bastante
emagrecida, corada, hidratada, acianótica, anictérica, eupneica.
Sianis Vitais:
PA: 200x110 mmHg FC: 82bpm FR: 12 irpm
ACV: RCR, 2T, BNF, sem sopros.
AR: MBV audível, s/ ruídos adventícios.
ABDOME: flácido, peristáltico, indolor à palpação, sem massas e/ou
visceromegalias.
MMII: sem alterações.
Não foram palpados linfonodos em cadeias supra-clavicular, axilar e
cervical.
4. Endoscopia Digestiva Alta (13/02/04)
ESÔFAGO: calibre, paredes e peristalse normais. Não vimos hérnia
hiatal nem esofagite macroscópica.
ESTÔMAGO: volume reduzido a um terço do total por gastrectomia.
Em parede posterior e pequena curvatura do coto gástrico a mucosa
exibe ulcerações rasas , serpiginosas, com áreas adjacentes
espessadas e granulares. Essas lesões se estendem até a boca
anastomótica, indo até a vertente jejunal. Foram feitas biópsias.
Boca anastomótica ampla.
Visualizamos apenas uma alça jejunal que se mostra pérvia.
CONCLUSÕES:
• Gastrectomia Subtotal com reconstrução à B I.
• Lesão blastomatosa de coto gástrico – Adenocarcinoma? Linfoma?
6. Tomografia Computadorizada Abdome
(12/02/04)
Gastrectomia parcial e anastomose com alça jejunal.
Fígado e baço de aspecto normal.
Pâncreas mal visualizado.
Vesícula não visualizada. Não há dilatação de vias biliares.
Adrenais anatômicas.
Rins de configuração normal, com diminuta calcificação no direito;
eliminando simetricamente o contraste.
Calcificações parietais de aorta.
Sem evidências de linfonodomegalias.
7. Exames laboratoriais
Sem alterações
RX Tórax
Normal
ECG
Normal
Risco Cirúrgico
ASA II / III
8. Boletim Operatório
Diagnóstico pré-op.: Adenocarcinma de estômago recidivado.
Operação: Totalização de gastrectomia subtotal prévia – Esôfago-
jejunostomia à Roscoe-Graham-Porto e entero-enteroanastomose.
Data da Cirugia: 26/05/2004..
Cirurgião: Dra. Zenilde / Dra. Patrícia / Dr. Fábio.
Descrição Cirúrgica:
• Incisão mediana supra e infra-umbilical sobre cicatriz prévia;
• Ao inventário da cavidade, encontramos: ausência de lobo esquerdo
(seg. II / III) do fígado (atrofia???); Gastrectomia subtotal à B I;
• Realizamos totalização de gastrectomia pois o segmento proximal
encontrava-se infiltrado (biópsia de congelação);
• Reconstrução do trânsito à Roscoe-Graham-Porto;
• Fechamento por planos.
• OBS: Sonda de Dobb-Hoff abaixo da entero-entero.
9. Evolução
Boa evolução pós-operatória.
Sem intercorrências.
Iniciada dieta oral no D3 pós-op, com boa aceitação após progressão
da dieta.
Exames laboratorias sem alterações significativas durante toda a
evolução.
Alta hospialar no D11 pós-op em boas condições.
11. Incidência da Recidiva de câncer
Gástrico
AUTOR PAÍS PUBLICAÇÃO INTERVALO PACIENTES RECIDIVAS
Oshiro et al Japão ASO – 1996 1977-1987 479 115 (24,1%)
Maehara et Japão BJS – 2000 1969-1988 939 207 (22,4%)
al
Yoo et al Coréia BJS – 2000 1987-1995 2328 652 (28,1%)
Chung et al Coréia BJS – 2002 1992-1996 564 107 (19%)
Schwarz et EUA/Califórnia ASO – 2002 1990-2000 73 35 (48%)
al
Roviello et al Itália/Verona BJS – 2003 1988-1996 441 215 (49%)
Chew-Wun Coréia WJS – 2003 1988-1995 611 245 (40,1%)
Wu et al
Sakar et al Turquia AJCO – 2004 1994-2000 492 142 (28,9%)
12. Tipos de Recidiva
1. Quanto à localização:
- Loco-regional (linfonofos regionais, coto gástrico, órgãos
adjacentes)
- Peritoneal
- Hematogênica (fígado, pulmão, osso, cérebro, ovários)
2. Quanto ao tempo de recidiva:
- Precoce: < 2 anos
- Tardia: > 2 anos
14. Yoo, BJS – 2000 (n = 2328 / 508 recidivas)
Patterns of recurrence in 508 patients after curative resection. Values in
parentheses are percentages. *Recurrence at the extra-abdominal lymph
nodes.
18. Fatores de risco independentes de acordo com
o local de recidiva (Yoo, BJS – 2000)
19. Sobrevida de acordo com o local de recidiva
(Yoo, BJS – 2000)
(Sobrevida total média: 8,7 meses)
LOCAL DE RECIDIVA SOBREVIDA MÉDIA
(meses)
Peritoneal 6,4
Hematogênica 9,6
Loco-regional 11
20. Recidiva Precoce x Tardia
AUTOR RECIDIVAS PRECOCE (%) TARDIA (%)
Sakar et al 142 72 28
Yoo et al 508 72,4 27,6
Inomata et al 138 75,5 24,5
Kodera et al 197 75 25
Oshiro et al 115 69,5* 30,5*
Chew-Wun Wu 245 90* 10*
et al
* Corte de 3 anos ( < 3 anos e > 3 anos).
22. Recidiva Precoce x Tardia – Fatores clinico-
patológicos (Inomata, BJS – 2000)
FACTORS EARLY LATE
RECURRENCE (%) RECURRENCE (%)
Tumor Size >/= 5 cm 92 74
Positive lymphatic 64 38
invasion
Stage III / IV 87** 62**
Limited lymph node 73 35
dissection
Extended lymph node 32** 3**
dissection
N 138 recidivas
** Most significant factors independently associated with the survival time.
23. Recidiva de Câncer Gástrico Precoce
Incidência
AUTOR PUBLICAÇÃO N TOTAL RECIDIVA
Sasako et al YBDD – 1995 1475 20 (1,4%)
(Japão)
Yoo et al BJS – 2000 510 26 (5,1%)
(Coréia)
Lee et al JJCO – 2003 1452 21 (1,5%)
(Coréia)
20 Centros no JJCO – 2003 12785 247 (1,9%)
Japão
24. Recidiva de Câncer Gástrico Precoce
Principais localizações
• Lee et al – 1452 EGC / 21 recidivas:
- Hematogênica: 9 (43%)
- Loco-regional: 4 (19%)
- Peritoneal: 2 (9%)
- Múltipla: 6 (29%)
• Yoo et al – 510 EGC / 26 recidivas:
- Hematogênica: 12 (46%)
- Loco-regional: 5 (19%)
- Peritoneal: 1 (4%)
- Múltipla: 8 (31%)
• Sasako et al – 1475 EGC / 20 recidivas:
- Hematogênica: 53%
25. Recidiva de Tumor Precoce
Fatores Preditivos
FATORES PREDITIVOS DE RECIDIVA:
• Metástases em linfonodos regionais
• Linfadenectomia limitada
• Invasão além da submucosa
• *Micrometástases
OBS: Lee et al (Coréia)
• > 6 linfonodos comprometidos: > possibilidade de recidiva
• Acompanhamento e considerar tratamento adjuvante.
OBS: 20 centros no Japão
• O baixo risco de recidiva do tumor precoce não justifica a
necessidade ou o risco do tratamento adjuvante para todos os
casos.
•
26. Acompanhamento Pós-cirúrgico para Câncer
Gástrico
• Kodera et al:
- 3/3 meses no primeiro ano e 6/6 meses até 5 anos:
Anamnese e Ex. Físico; Exs. Laboratoriais; CEA e CA 19-9
- RX tórax e USG Abdome ou TC Abdome 6/6 meses
- EDA 1x / ano
- Outros exames na suspeita de metástases
• Roviello et al:
- 3/3 nos primeiros 2 anos e 6/6 meses após:
Anamnese e Ex. Físico; Exs. Laboratoriais e marcadores tumorais
- USG Abdominal e RX Tórax 6/6 meses
- EDA 1x / ano
- Outros exames na suspeita de metástases
27. Utilização dos Marcadores Tumorais no
Follow-up dos pacientes com CA Gástrico
(Roviello et al, AJS – 2001, 75 recidivas)
MARCADOR SENSIBILIDADE ANTES DEPOIS
TUMORAL (%) DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO
(%) (%)
CEA 44 24 20
CA 19-9 56 37 19
CA 72-4 51 29 22
Combinação 87 61 25
dos
marcadores
28. Utilização dos Marcadores Tumorais no
Follow-up dos pacientes com CA Gástrico
(Roviello et al, AJS – 2001, 75 recidivas)
LOCAL DE CEA CA 19-9 CA 72-4 COMBINAÇÃO
RECIDIVA (%) (%) (%) (%)
Loco-regional 53 63 47 90
Hematogênica 48 52 56 96
Peritoneal 38 24 57 67
Sensibilidade quanto ao local de recidiva.
29. Utilização dos Marcadores Tumorais no
Follow-up dos pacientes com CA Gástrico
(Roviello et al, AJS – 2001, 75 recidivas)
Resultados:
• Todos os pacientes com marcadores positivos no pré-op
apresentaram elevação em algum marcador quando recidivaram.
• Todos os falso negativos (13%) pertenciam ao grupo de pacientes
com todos os três marcadores negativos no pré-op.
• O CA 72-4 foi o marcador com maior especificidade (97%) e uma
elevação no seu valor é fator preditivo importante para recidiva.
Conclusão:
• Pacientes com valores positivos no pré-op podem ser
acompanhados exclusivamente através dos marcadores tumorais e
qualquer aumento dos seus níveis deverá ser investigado com
exames de imagem.
• Pctes com níveis pré-op negativos devem ser acompanhados com
exames de imagem.
30. Perda de peso pós-operatória e sua relação
com recidiva tumoral
(Yu et al, BJS – 2002, 564 pacientes)
• Causas da perda peso (multi-fatorial):
- anorexia
- obstrução
- Má-absorção (obstrução de secreções biliares e pancreáticas)
- Aumento da necessidade basal de energia
- Alteração no metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos
• Peso dos pacientes no pré-op, pós-op, 6 meses e 12 meses
• 107 recidivas: o peso dos pacientes era menor em todos os
momentos em comparação com a estabilidade no peso dos outros.
• Perda de peso no segundo semestre pós-op > 5% teve correlação
positiva com recidiva tumoral e, assim, a medida do peso deve fazer
parte do acompanhamento dos pacientes.
31. Tratamento após Recidiva
Depende do tipo de recidiva, sendo em geral
suporte clínico, as vezes ainda é permitido a
intervenção paliativa, e em raros casos a
ressecção curativa (recidiva de coto gástrico).
32. Relação entre o tratamento da recidiva e a
sobrevida média (Yoo, BJS – 2000, 508 rec.)
33. A Importância da Linfadenectomia no
Tratamento do Tumor Primário
D2 x D1
• A extensão do acometimento nodal é o fator prognóstico mais
importante, tendo relação direta com a sobrevida.
• Diminui a recidiva loco-regional
• Morbidade / Mortalidade
• De acordo com alguns autores, 30-50% dos candidatos a cirurgias
curativas possuem linfonodos positivos em nível II.
• Aumenta as taxas de ressecção R0 e a sobrevida geral.
34. Diferenças dos Resultados entre Japão e
Países Ocidentais
• Epidemiologia e localização do tumor
• Diagnóstico em estágio mais precoce
• Pacientes mais jovens
• Tratamento mais radical em relação à linfadenectomia.
35. Siewert et al, Ann Surg – 1998
Relevant Prognostic Factors in Gastric Cancer
10-Year Results of the German Gastric Cancer
Study
• 1654 pacientes operados (1986-1989)
• 1182 ressecções R0 (71,5%)
• Linfadenectomia D2: > 25 linfonodos (66,3%)
Linfadenectomia D1: < 25 linfonodos (33,7%)
• Morbidade e mortalidade: sem diferenças entre D1 e D2
• Aumento da sobrevida em pctes com estágio II (T2N1 ou T3N0):
sobrevida 10 anos: 15-25% 45-55%.
• Aumento da sobrevida persistiu mesmo naqueles com
linfadenectomia insuficiente (15 – 25 linfonodos)
• Não mostrou melhora significativa da sobrevida global (< 5%).
• A relação entre número de linfonodos comprometidos e ressecados
se mostrou o principal fator prognóstico.
36. Quimioterapia Adjuvante
1. Intraperitoneal normotérmica ou hipertérmica
- Intra-operatória
- Pós-op imediata
* Pctes com elevado risco de recidiva peritoneal (diminuindo o
número de céls na cavidade)
* Alguns bons resultados (Estágios T3 ressecável e T4, sem
evidência de metástases peritoneais, citologia positiva ou
negativa)
2. Sistêmica
- Necessita de mais estudos
- Vários esquemas; nenhum padrão; elevada resistência às
drogas utilizadas.
37. CONCLUSÕES
• As características clinico-patológicas do tumor
primário determinam o tipo de recidiva.
• A maioria das recidivas ocorre nos primeiros 2 anos
após ressecção do tumor primário.
• A detecção precoce da recidiva se faz importante
principalmente nos casos de recidiva local no coto
gástrico, demonstrando benefício discreto em relação à
sobrevida global.
• O tratamento ideal do câncer gástrico é a ressecção
R0 (macroscópica e microscópica de todo o tumor).
• Apesar de alguns poucos e bons resultados, a
importância e utilização da quimioterapia ainda carece
de maiores estudos.