Este documento discute o problema filosófico do livre-arbítrio versus determinismo. Apresenta três perspectivas sobre este problema: determinismo radical, que nega a existência de livre-arbítrio; libertismo, que defende que algumas ações humanas são livres; e determinismo moderado, que considera que o livre-arbítrio e o determinismo são compatíveis.
2. Como se pode formular
o problema do livre-arbítrio?
O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO
Este problema pode ser formulado através
de questões como as seguintes:
• Será que existe livre-arbítrio?
• Será a crença no livre-arbítrio compatível
com a crença no determinismo?
3. De que resulta o problema do livre-arbítrio?
O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO
Quase todas as pessoas parecem acreditar que têm
livre-arbítrio.
Quando escolhemos a roupa que vamos usar
ou a comida que vamos comer, quando planeamos
o que vamos fazer no futuro não parece fazer
sentido que não tenhamos a liberdade
de escolher (ou livre-arbítrio).
Por outro lado, quase todas as pessoas parecem
acreditar no determinismo, isto é, que
os acontecimentos têm causas e ocorrem
de acordo com as leis da natureza.
Essa crença faz parte do modo como geralmente
olhamos para o mundo.
4. O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO
Mas, sendo assim, se todos os acontecimentos
têm causas anteriores, como podem as nossas
ações ser livres?
É aqui que reside o problema
do livre-arbítrio.
Apesar de o determinismo e de o livre-arbítrio
parecerem ideias plausíveis e justificadas por
boas razões, se o determinismo incluir as ações
humanas então não parece ser possível
fazermos escolhas. Isto é, talvez as ideias
de livre-arbítrio e de determinismo
sejam incompatíveis.
5. RESPOSTAS AO PROBLEMA
DO LIVRE-ARBÍTRIO
Estudaremos três perspetivas acerca do problema
do livre-arbítrio:
• determinismo radical
• libertismo
• determinismo moderado
Principais teses destas três perspetivas:
Perspetivas Temos livre-
-arbítrio?
Alguma ação humana é livre? Todas as ações humanas
são determinadas?
O determinismo é compatível
com o livre-arbítrio?
Determinismo
radical
Não Nenhuma ação humana é livre Sim Não
Libertismo Sim Algumas ações humanas são livres Não, nem todas Não
Determinismo
moderado
Sim Algumas ações humanas são livres Sim Sim
6. Para o matemático francês Laplace,
com a inteligência e conhecimentos
suficientes, seria possível prever
todos os movimentos que ocorrerão
no universo, incluindo todas
as ações humanas.
DETERMINISMO RADICAL
Tese fundamental
Não existe livre-arbítrio e, portanto, nenhuma
ação humana é livre.
Porque não existe livre-arbítrio?
O determinismo radical considera que todos
os acontecimentos, o que inclui também as ações
humanas, têm causas anteriores e estão
submetidos às leis da natureza.
Se as ações humanas resultam de causas
anteriores e das leis da natureza, então isso
significa que nas nossas ações não temos
realmente liberdade de escolha. Por estar
determinado, o efeito (a nossa ação)
é inevitável. Nunca existem possibilidades
alternativas de ação.
O DETERMINISMO
RADICAL É
INCOMPATIBILISTA?
O determinismo radical
considera que o determinismo
e o livre-arbítrio são incompatíveis.
Se todas as ações humanas
têm causas anteriores e estão
submetidas às leis da natureza,
o livre-arbítrio não existe.
7. DETERMINISMO RADICAL
O comportamento humano
tem variadas causas
Pode o comportamento humano ser atribuído
às mesmas causas que afetam os objetos
e os outros animais?
Segundo esta teoria, as ações humanas resultam
de uma combinação complexa destas causas.
A série causal que daqui resulta não é controlada
pelo agente.
O determinismo radical considera que
as causas do nosso comportamento são
muito mais variadas do que as dos objetos
e outros animais, mas isso não significa
que as ações humanas escapem
à causalidade.
8. Negar o determinismo contraria
a ciência e é pouco racional
Para sustentar a sua tese, o determinismo radical
apoia-se em estudos e descobertas de várias ciências
– como a Biologia, Psicologia ou Sociologia.
Descobertas como a de genes responsáveis por
doenças ou que muitos dos nossos comportamentos
são fortemente influenciados por padrões sociais
e culturais ou por situações vividas na infância
parecem sustentar a tese determinista.
O determinismo radical defende que através
da articulação entre os contributos de várias ciências
é possível apresentar uma explicação determinista
do comportamento humano e, assim sendo,
negar o determinismo é pouco racional,
uma vez que isso significa contrariar o que
é afirmado pela ciência.
DETERMINISMO RADICAL
9. DETERMINISMO RADICAL
A ilusão do livre-arbítrio
Para o determinismo radical, é uma ilusão pensar
que podemos escolher livremente o que fazer
– o livre-arbítrio é uma crença falsa.
O desconhecimento das inúmeras causas
que influenciam uma ação levam-nos a pensar
que temos liberdade de escolha.
Porém, se conhecêssemos todas essas
causas, perceberíamos que fazemos
apenas o que temos de fazer e que
o livre-arbítrio não existe.
10. DETERMINISMO RADICAL
A questão da responsabilidade
Se não escolhemos livremente o que fazemos, como podemos ser responsáveis pelas nossas
ações? Como podemos censurar alguém por fazer algo de errado? Como podemos atribuir
mérito a alguém que faz algo corretamente? Isto parece pôr em causa a tese do
determinismo radical.
Se não há genuína responsabilidade moral nas nossas ações, uma vez que não existe livre-
arbítrio, fará ainda assim sentido castigar ou premiar uma determinada ação?
O determinismo radical responde positivamente.
As pessoas devem ser responsabilizadas, uma vez que
assim promovem-se as boas ações e desencorajam-se as más.
Neste sentido, os prémios e os castigos são também causas
que podem determinar os comportamentos humanos.
11. OBJEÇÕES AO DETERMINISMO RADICAL
Sem livre-arbítrio, a vida
não tem sentido
Que sentido faria a nossa vida se, por tudo estar
determinado, fossemos como robôs, programados
para fazer o que fazemos?
Que motivação teríamos para viver e agir se
as nossas ações se devessem a causas que
não controlamos e não a nós mesmos?
Se fosse assim quase toda a nossa vida seria
uma mentira, o que é absurdo.
Esta objeção apoia-se na teoria da evolução
das espécies de Darwin, para afirmar que
dificilmente a espécie humana se adaptaria
ao meio ambiente se a crença de que
escolhemos livremente as nossas ações
fosse falsa.
Para os defensores desta
objeção, o facto de estarmos
realmente adaptados
ao meio ambiente
sugere que
a crença no
livre-arbítrio
é verdadeira.
Evolutivamente, é mais plausível
que exista livre-arbítrio
12. LIBERTISMO
Tese fundamental
Existe livre-arbítrio e algumas
ações humanas são livres.
Que ações são livres?
Para o libertismo, algumas escolhas
humanas não estão constrangidas
do mesmo modo que os outros
acontecimentos do mundo.
Existem ações que não são
determinadas por causas anteriores
às decisões e escolhas do agente
– e por isso são ações livres.
O LIBERTISMO É
INCOMPATIBILISTA?
O libertismo considera
que existe (pois nem
tudo está
determinado).
Tal como o determinismo radical,
o libertismo considera que o determinismo
e o livre-arbítrio são incompatíveis.
Se uma ação humana tem causas anteriores
e está submetida às leis da natureza, não é
uma ação livre. Este é um ponto em comum
entre as duas teses, mas há divergência
quanto à existência ou não de livre-arbítrio.
O determinismo
radical considera que
não existe (pois tudo está
determinado).
13. LIBERTISMO
Causalidade do agente
Para o libertismo, o agente é
livre quando é capaz de tomar
uma decisão independentemente
de quaisquer causas anteriores.
Nesse caso, o agente
autodetermina-se, porque a única
causa da ação é a sua decisão.
Ao invés de outros acontecimentos,
a causalidade do agente não
obedece a leis. Em circunstâncias
semelhantes, a mesma pessoa
pode, por causalidade do agente,
realizar ações diferentes.
A ideia de que o livre-arbítrio
consiste na autodeterminação
pode ser designada
«causalidade do agente».
Este é um tipo especial
de causalidade: só os seres
humanos a têm.
Acontecimentos
da natureza
Causalidade
mecânica
As mesmas causas conduzem
a efeitos semelhantes e previsíveis
Ações
humanas
Causalidade
do agente
Em situações exatamente iguais
podem ser feitas ações diferentes
14. LIBERTISMO
Nem tudo está determinado Possibilidades alternativas de ação
Para o libertismo, a existência
de possibilidades alternativas de
ação é essencial para podermos
dizer que agimos livremente: isso só
acontece se escolhemos uma
coisa mas podíamos ter
escolhido outras, realizamos
uma ação mas podíamos ter
realizado outras.
Para o libertismo, essa é uma
característica fundamental da vida
humana: o futuro está em aberto, há
uma pluralidade de caminhos.
Para o libertismo, nem todos os
acontecimentos têm causas anteriores.
Algumas ações devem-se ao livre-arbítrio
e não às leis causais que determinam
muitas outras coisas.
15. LIBERTISMO
Argumento da experiência
Uma possibilidade de defender a existência de livre-arbítrio
é alegar que temos experiência do livre-arbítrio e,
portanto, este existe.
Mas que experiência é essa?
Temos experiência do livre-arbítrio quando não sentimos
qualquer constrangimento para fazer uma escolha, não
sentimos nenhuma força a obrigar-nos a fazer algo.
Esta é uma experiência oposta à da falta de liberdade,
que sentimos quando somos forçados a fazer algo
e não o conseguimos evitar por muito que tentemos.
Para o libertismo, uma vez que o sentimento de livre-arbítrio
é muito frequente e generalizado, seria implausível que
essas experiências não fossem verídicas. Assim, é muito
provável que algumas das nossas ações
sejam livres.
16. LIBERTISMO
Argumento da responsabilidade
Se não houver livre-arbítrio é difícil entender
como pode existir responsabilidade.
Se o livre-arbítrio não existir, as pessoas não
são verdadeiramente as autoras das suas
ações, isto é, farão coisas inevitáveis.
A ser assim, Adolf Hitler não seria culpado
pelo Holocausto – o que é muito implausível.
Do mesmo modo, sentimentos como
o orgulho ou a vergonha não farão sentido
se as nossas ações forem o produto
de causas que não controlamos
– o que também é implausível.
17. LIBERTISMO
Sartre
O filósofo francês Sartre considera a liberdade como
fundamental para a vida humana, e afirma que ela é
que faz dos seres humanos aquilo que são.
Para Sartre, a existência precede a essência:
os seres humanos são diferentes dos objetos, não
têm à partida uma natureza que estabeleça aquilo
que são e o que devem fazer; os seres humanos
é que têm de escolher o que são e como devem agir.
Deste modo, não podemos recusar a necessidade
de escolher. Mesmo nas circunstâncias mais difíceis,
podemos pelo menos optar pela maneira como vamos
reagir aos problemas. Por isso, somos totalmente
responsáveis pela nossa vida e pelas nossas
ações.
Jean-Paul Sartre
Sartre não se intitulava libertista nem
recorria à terminologia usada pelos
defensores do libertismo.
Porém, as suas ideias podem ser
enquadradas nesta perspetiva filosófica.
18. OBJEÇÕES AO LIBERTISMO
Não há ações sem causa
Os defensores desta objeção consideram
que a ideia libertista de ações sem causas
anteriores à decisão do agente é
implausível e anticientífica.
Alegam que em qualquer ação encontramos
sempre causas anteriores e que qualquer
decisão tem ela própria causas anteriores.
É possível não sentir ou não reconhecer,
numa ação, aquilo que é efeito de causas
anteriores, mas ainda assim essas
causas existirem e determinarem
a nossa vontade.
Por isso, os defensores desta objeção
consideram que o argumento libertista
da experiência não prova a existência
de livre-arbítrio.
Não sentir as causas não
prova a sua inexistência
19. Existe livre-arbítrio e algumas
ações humanas são livres.
O determinismo moderado defende
esta tese por razões diferentes
do libertismo.
O determinismo moderado alega
que há efetivamente ações
livres e ações não livres
e o mais importante é encontrar
o que distingue umas das outras.
Tese fundamental
O DETERMINISMO
MODERADO É
COMPATIBILISTA?
Sim, ao contrário
do determinismo radical
e do libertismo.
livre-arbítrio
… mas algumas
delas são
livres.
DETERMINISMO MODERADO
O determinismo moderado considera
que
20. Para responder a esta questão,
o determinismo moderado
reformula o conceito
de livre-arbítrio (autodeterminação)
que está em causa no debate entre
deterministas radicais e libertistas.
DETERMINISMO MODERADO
Se todas as ações são determinadas por causas
anteriores, mas algumas delas são livres,
isso significa que as ações livres são
também determinadas.
O determinismo moderado
entende livre-arbítrio
como o poder de
fazermos o que
queremos
e não fazer o que
não queremos.
Redefinição do conceito
de livre-arbítrio
Mas como pode uma ação ser
simultaneamente livre e determinada?
21. O que é, então, uma ação livre?
Uma ação é livre quando:
• é realizada sem coações (internas ou externas ao agente);
• deriva das crenças e desejos do agente.
Mas essas ações não têm causas anteriores à decisão do
agente?
Sim, têm. Mas não impedem que o agente realize uma ação livre.
O facto de o agente estar envolvido numa cadeia causal que não
controla não lhe retira a liberdade. O que retira a liberdade
ao agente é a existência de alguma coação que o impeça
de agir de acordo com o seu desejo. Quando a coação não
existe, a ação é livre (e, simultaneamente, determinada).
DETERMINISMO MODERADO
22. DETERMINISMO MODERADO
Possibilidades alternativas de ação
O determinismo moderado rejeita a ideia de estarmos limitados
a fazer uma só coisa, ao considerar que existem ações livres.
Numa ação livre, afirma o determinismo moderado, temos
a possibilidade de fazer uma coisa podendo fazer outra.
Mas como é que temos alternativa ao que está determinado
pelas causas anteriores?
Imaginemos que um agente realiza uma ação a que chamamos A.
Para o determinismo moderado, o agente realizou a ação A,
mas poderia ter realizado a ação B. Se o agente tivesse
desejado realizar a ação B e não a A, podia tê-lo feito.
Para o determinismo moderado, uma situação
como esta permite dizer que o agente teve
possibilidades alternativas de ação.
23. OBJEÇÕES AO DETERMINISMO MODERADO
Não permite compreender a existência
de possibilidades alternativas de ação
Esta objeção alega que a redefinição
de livre-arbítrio apresentada pelo
determinismo moderado tenta contornar
o problema simplificando-o de modo
inaceitável.
Considera-se que restringir o livre-arbítrio
à ausência de coação é demasiado
simplista – é fácil mostrar que certas
ações são feitas sem coação
(até um determinista radical aceita isso).
Para os incompatibilistas, não é esta
a questão que está em discussão.
Baixa a fasquia
Esta objeção põe em causa a ideia de possibilidades
alternativas de ação defendida pelo determinismo
moderado.
Uma vez que esta teoria defende simultaneamente
que uma ação é livre e sempre determinada por
causas anteriores, não parece haver possibilidade
de um agente fazer algo de diferente e alternativo.
Poder fazer algo diferente do que fizemos caso
o tivéssemos desejado não corresponde a uma
genuína possibilidade alternativa de ação,
pois esse desejo tem causas anteriores que
o agente não controla.