1. O problema do livre-arbítrio
ColégioValsassina
Professora CláudiaViana
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2. Conceitos introdutórios
Livre-arbítrio (liberdade metafísica): capacidade para fazer escolhas, podendo contudo
não as ter feito. O livre-arbítrio envolve deliberação, decisão e autocontrolo, bem como
reais alternativas de escolha.
Princípio das possibilidades alternativas (PPA): temos livre-arbítrio só se pudermos
escolher agir de modo diferente daquele que agimos. Se uma pessoa não poderia ter
decidido de outro modo, então essa pessoa não é responsável por aquilo que ela faz.
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3. Conceitos introdutórios
Determinismo: teoria filosófica segundo a qual todos os acontecimentos do universo,
incluindo as ações humanas, são o efeito necessário de acontecimentos anteriores e das
leis da natureza (leis de carácter causal), que os agentes não controlam.
Formulação clássica do Determinismo (Marquês de Laplace):
“Qualquer estado do universo é uma consequência necessária do estado
imediatamente anterior, conjugado com as leis da natureza. O conhecimento integral
das leis da natureza e do estado do universos num dado momento tornaria possível
prever o seu estado no momento seguinte.”
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4. O conflito entre livre-arbítrio e determinismo
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Crença na liberdade
Algumas das nossas ações são,
pelo menos, parcialmente livres,
determinadas pela nossa vontade.
Crença no determinismo
Todos os acontecimentos, incluindo as ações
humanas, são inteiramente determinadas
por fatores que não controlamos.
Há livre-arbítrio.
Os acontecimentos
são efeitos de
causas anteriores.
5. Apresentação do problema
Problema tradicional: Temos livre-arbítrio?
Problema da compatibilidade: Será o livre-arbítrio compatível com o determinismo?
Este problema não tem um interesse meramente teórico; tem também implicações
éticas, políticas, religiosas e de prática científica, que se relacionam com as
consequências da ação e com a responsabilidade moral.
Em que condições pode alguém ser considerado moralmente responsável por um
acontecimento?
Será possível construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral?
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6. Duas posições face ao problema da compatibilidade
Incompatibilismo:
➔ É impossível haver ações livres num universo determinista.
➔ Determinismo e livre-arbítrio excluem-se mutuamente, são incompatíveis.
Compatibilismo:
➔ Temos livre-arbítrio / há ações livres, mesmo num universo determinista.
➔ Determinismo e livre-arbítrio são compatíveis.
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8. Teorias e teses
Incompatibilismo Compatibilismo
Determinismo Radical
T1) O determinismo é
incompatível com o livre-arbítrio.
T2) O determinismo é verdadeiro
(i.e. tudo está determinado).
T3) Não há livre-arbítrio (i.e.
nenhuma das nossas ações é
livre).
T4) Não somos responsáveis.
Libertismo
T1) O determinismo é
incompatível com o
livre-arbítrio.
T2) Há livre arbítrio.
T3) O determinismo
(universal) é falso. (Nem
tudo está determinado).
Determinismo Moderado
T1) O determinismo é
compatível com o livre-arbítrio.
T2) O determinismo é
verdadeiro (i.e. tudo está
determinado).
T3) Há livre-arbítrio (como
ausência de constrangimento).
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9. Aplicando a lógica formal às teorias
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MODUS PONENS DO
DETERMINISMO RADICAL
MODUS TOLLENS
DO LIBERTISMO
RACIOCÍNIO DO DETERMINISMO
MODERADO (1)
Se todos os acontecimentos são efeitos de causas
anteriores, então não há livre-arbítrio.
Todos os acontecimentos são
efeitos de causas anteriores.
Todos os acontecimentos são
efeitos de causas anteriores.
Há livre-arbítrio.
Logo, não há livre-arbítrio.
Logo, nem todos os
acontecimentos são efeitos
de causas anteriores.
Logo, é falso que, se todos os
acontecimentos são efeitos de
causas anteriores, então não há
livre-arbítrio.
(1) Verificar-se-á a validade do argumento através de uma sequência de tabelas de verdade.
10. Determinismo Radical – teses
Incompatibilismo Compatibilismo
Determinismo Radical
T1) O determinismo é
incompatível com o livre-arbítrio.
T2) O determinismo é verdadeiro
(i.e. tudo está determinado).
T3) Não hálivre-arbítrio (i.e.
nenhuma das nossas ações é
livre).
T4) Não somos responsáveis.
Libertismo
T1) O determinismo é
incompatível com o
livre-arbítrio.
T2) Há livre arbítrio.
T3) O determinismo é
falso. (Nem tudo está
determinado).
Determinismo Moderado
T1) O determinismo é
compatível com o livre-arbítrio.
T2) O determinismo é
verdadeiro (i.e. tudo está
determinado).
T3) Há livre-arbítrio (como
ausência de constrangimento).
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11. Determinismo Radical
Texto
O caso de Richard Loeb e Nathan Leopold (1942, Chicago)
➔ O comportamento humano depende de causas internas/fatores biológicos
(genéticos e fisiológicos) e causas externas/fatores ambientais (circunstâncias que
nos socializam e educam).
➔ Um estado mental é, assim, produto de múltiplas causas anteriores.
➔ Se um sujeito não escolhe agir desta ou daquela maneira, não tem livre-arbítrio
nem pode ser responsabilizado.
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12. Determinismo Radical - argumentos
A1) Argumento do funcionamento da Natureza
A crença no determinismo parece coerente com o conhecimento que temos do
comportamento da natureza (princípios da causalidade e da uniformidade da natureza).
A2) Argumento do desconhecimento das causas
Julgamo-nos livres porque desconhecemos muitas das causas que nos determinam -
conhecimento reduzido do universo e falibilidade da inteligência humana.
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13. Determinismo Radical - objeções
O1) Insuficiência das provas da ciência
Não é possível mostrar/provar que as leis naturais se aplicam a todas as realidades do
universo de forma constante e uniforme.
O2) Não abala a crença e experiência de livre-arbítrio
(argumento libertista da experiência)
Temos a sensação e a crença de que agimos em conformidade com escolhas por nós
tomadas e que interferimos voluntariamente no decurso dos acontecimentos. Temos,
também, sentimentos associados às nossas escolhas e ações (como o orgulho ou o
remorso). A força e a intensidade destas experiências são a prova de que existe
livre-arbítrio, sem sermos determinados a isso.
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14. Determinismo Radical - objeções
O3) Não dá espaço à responsabilidade moral em que assenta a sociedade
(argumento libertista da responsabilidade)
Se o determinismo for verdadeiro e o livre-arbítrio falso, os nossos juízos morais
perderiam qualquer fundamento e não faria sentido responsabilizar alguém, na posse
das suas faculdades, pelas ações realizadas.
Afirmar a ausência de livre-arbítrio e, consequentemente, de responsabilidade é
contrariar a ideia em que assenta a organização da sociedade, não havendo
justificação para o mérito ou demérito pelos atos praticados.
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https://www.youtube.com/watch?v=vCGtkDzELAI&list=RDLVvCGtkDzELAI&index=1
15. Determinismo Radical - objeções
O4) A objeção da mecânica quântica
A física quântica (estudo das partículas mais pequenas da matéria), mostrou que
existem eventos com causa indeterminada. As leis da natureza a nível quântico não
são deterministas, mas estatísticas. Os acontecimentos quânticos não se seguem
necessariamente uns aos outros como efeitos de causas. Existe apenas a
probabilidade de tal acontecimento suceder a outro.
A física quântica revela, assim, que existem acontecimentos no universo que não são
totalmente determinados.
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16. Mas…
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➔ O determinismo radical nega a liberdade.
➔ Será que o indeterminismo a afirma?
➔ Não, porque:
Se as ações são imprevisíveis, se escapam ao nosso controlo, tal não é
conciliável com a ideia de livre-arbítrio.
Se uma ação deve a sua ocorrência à intervenção do acaso, então não é da
autoria do agente (não é controlada pelo agente nem por ela o agente
pode ser responsabilizado.)
17. Dilema do determinismo ou dilema de Hume
(rejeição do livre-arbítrio e da responsabilidade)
1. Ou as nossas ações são determinadas (causais) ou são indeterminadas (casuais, acasos).
2. Se as ações forem determinadas, não se segue que sejamos livres e responsáveis pelas
nossas ações.
3. Se as nossas ações forem indeterminadas, não se segue que sejamos livres e
responsáveis pelas nossas ações.
4. Logo, quer o determinismo seja verdadeiro quer seja falso, o livre-arbítrio e a
responsabilidade são ilusórios.
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Parece que não há ações livres. Contudo, duas teorias julgam que é possível a existência de livre-arbítrio:
libertismo e determinismo moderado (cf. diapositivos seguintes).
18. Libertismo – teses
Incompatibilismo Compatibilismo
Determinismo Radical
T1) O determinismo é
incompatível com o livre-arbítrio.
T2) O determinismo é verdadeiro
(i.e. tudo está determinado).
T3) Não há livre-arbítrio(i.e.
nenhuma das nossas ações é
livre).
T4) Não somos responsáveis.
Libertismo
T1) O determinismo é
incompatível com o
livre-arbítrio.
T2) Há livre arbítrio.
T3) O determinismo é
falso. (Nem tudo está
determinado).
Determinismo Moderado
T1) O determinismo é
compatível com o livre-arbítrio.
T2) O determinismo é
verdadeiro (i.e. tudo está
determinado).
T3) Há livre-arbítrio (como
ausência de constrangimento).
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19. Libertismo
Texto de Sartre
➔ O determinismo reina no mundo natural ou físico, mas a vontade e as escolhas
não fazem parte desse encadeamento de causas e efeitos.
➔ A liberdade não é uma propriedade (como a inteligência, beleza, força, …), mas
o nosso modo de ser. Em cada momento da nossa existência definimos a nossa
essência. Liberdade é autodeterminação (a sua causa é a decisão do agente).
➔ Somos, assim, responsáveis pelo que somos.
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20. Libertismo – argumentos
A1) Argumento da experiência da liberdade (ou argumento da introspeção)
Há ações que não são causais e nem casuais. Temos a experiência da tomada de decisões
controlada pela nossa vontade, de poder interferir no decurso natural dos acontecimentos
pela nossa capacidade racional e deliberativa. Temos, também, sentimentos associados a
essa experiência (orgulho, vergonha…) que, a sermos inteiramente determinados, seriam
infundados. A força e a intensidade dessa experiência é a prova de que o livre-arbítrio
existe, sem sermos determinados a isso.
Se inúmeras pessoas têm a experiência ou sensação de ser livres, então a crença no livre-arbítrio
é verdadeira.
Ora, inúmeras pessoas têm a experiência ou sensação de ser livres.
Logo, a crença no livre-arbítrio é verdadeira.
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21. Libertismo – argumentos
A2) Argumento da causalidade especial do agente
No domínio físico o determinismo é verdadeiro, mas no domínio mental é falso.
No domínio físico, os eventos são as únicas coisas que causam outros eventos. Mas, os seres
humanos transcendem a causalidade física: uma mesma pessoa, em circunstâncias idênticas,
pode escolher e causar acontecimentos diferentes.
Defende-se que há outro tipo de causas, a saber, o próprio agente. Assim, uma decisão (como
levantar o braço no ar) não é causada por eventos anteriores, é causada pelo próprio agente
(cujo cérebro envia sinal para os músculos).
Há, assim, uma causalidade especial do agente: o ser humano tem a capacidade especial de
iniciar cadeias causais inteiramente novas, de se autodeterminar (as cadeias causas têm um
ponto inicial, o agente).
Observação: Este argumento baseia-se no dualismo mente-corpo: ideia de que os seres humanos são
compostos por um corpo material, sujeito às leis físicas, e uma mente imaterial, não sujeita às mesmas leis.
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22. Libertismo – argumentos
A3) Argumento da responsabilidade
Se as ações não resultassem de escolhas dos agentes, não faria sentido responsabilizá-los.
Responsabilidade pressupõe o livre-arbítrio.
Se não existisse livre-arbítrio, então não teria sentido responsabilizar as pessoas.
Mas tem sentido responsabilizar as pessoas.
Logo, existe livre-arbítrio.
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Observação: O indeterminismo - que constitui, como já se viu,, uma objeção ao determinismo radical - não
apoia o libertismo. Se as ações humanas fossem casuais, então não seriam resultado da vontade do ser humano.
23. Libertismo – objeções
O1) A experiência de liberdade é insuficiente - desconhecimento das causas
O facto de termos a experiência de liberdade, de termos sensações e sentimentos a ela
associados, não é suficiente. Há sensações enganadoras e desconhecemos muitas das
causas que nos determinam (que nos levariam à compreensão de que as crenças e os
desejos do agente são determinados pelas suas heranças genética e ambiental).
Portanto, experienciar algo não prova a sua existência.
O2) O dualismo não é plausível com a ciência
Afirmar que a mente funciona dentro do cérebro (enquanto estrutura biológica, física e
química) e à margem de leis causais não é plausível com o conhecimento que temos da
ciência. Não existem evidências científicas de eventos cerebrais sem causas. Como
explicar este novo tipo de causalidade?
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24. Determinismo Moderado – teses
Incompatibilismo Compatibilismo
Determinismo Radical
T1) O determinismo é
incompatível com o livre-arbítrio.
T2) O determinismo é verdadeiro
(i.e. tudo está determinado).
T3) Não há livre-arbítrio (i.e.
nenhuma das nossas ações é
livre).
T4) Não somos responsáveis.
Libertismo
T1) O determinismo é
incompatível com o
livre-arbítrio.
T2) Há livre arbítrio.
T3) O determinismo é
falso. (Nem tudo está
determinado).
Determinismo Moderado
T1) O determinismo é
compatível com o livre-arbítrio.
T2) O determinismo é
verdadeiro (i.e. tudo está
determinado).
T3) Há livre-arbítrio (como
ausência de constrangimento).
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25. Determinismo moderado clássico
«O que se quer dizer com liberdade quando se aplica o termo a ações voluntárias? Não
podemos certamente querer dizer que as ações têm uma conexão tão ténue com os
motivos, inclinações e circunstâncias, que a primeira não se segue dos segundos com um
certo grau de uniformidade, e que não se consegue inferir a primeira dos segundos. Pois
estas são questões de facto óbvias e reconhecidas. Assim, por liberdade só podemos
querer dizer um poder de agir ou não agir segundo as determinações da minha vontade;
ou seja, se escolhemos ficar em repouso, podemos ficá-lo; se decidirmos deslocar-nos,
também podemos. Ora, esta liberdade hipotética considera-se universalmente que
pertence a qualquer pessoa que não seja um prisioneiro acorrentado.»
David Hume, Investigação Sobre o Entendimento Humano, p.85
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26. Determinismo moderado clássico
Texto de Hume
➔ O livre-arbítrio não é agir de maneira totalmente independente dos motivos,
inclinações e circunstâncias da pessoa.
➔ As ações que resultam dos motivos, inclinações e circunstâncias da pessoa são
livres (basta conseguir fazer o que decidiu para a pessoa ter livre-arbítrio).
➔ Só não temos livre-arbítrio quando estamos presos ou somos impedidos de
fazer o que queremos.
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27. Det. moderado: ações livres e ações não livres
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A B
- Gandhi jejuou porque queria libertar a
Índia.
- Roubar pão porque se está com fome.
-Assinar uma confissão porque quer dizer a
verdade.
-sair do escritório porque quer ir almoçar.
- Um homem jejuar no deserto porque não
há comida.
- Roubar porque o patrão ameaçou
bater-lhe.
-Assinar uma confissão porque foi
submetida a tortura.
-Sair do escritório forçado pela polícia.
“Para encontrar a definição correta de ação livre, temos de descobrir qual a característica
que é comum a todos os atos da coluna da esquerda e, ao mesmo tempo, aqueles que estão
ausentes em todos os atos da coluna da direita.”
Stace Walter,“Compatibilism” in Philosophy:The Quest for True (2006)
28. Det. moderado: ações livres e ações não livres
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A) AÇÕES LIVRES B) AÇÕES NÃO LIVRES
Têm como causas imediatas estados
internos ou psicológicos do sujeito:
crenças, valorações, desejos, medos, …
(estas são determinadas pelo meio,
experiência, educação, cultura…)
Têm como causas imediatas fatores externos
que o agente não pode controlar: condições
ou forças físicas externas (compulsões ou
coações)
- Ação voluntária, (causas internas)
- Ausência de constrangimentos
Sou determinado/causado e livre.
- Ação contra a vontade do agente
- Há constrangimento (causas externas)
Sou constrangido
(determinado mas não sou livre).
29. Compatibilismo clássico
Determinismo moderado - argumento
A1) Redefinição do conceito de liberdade como ausência de constrangimentos
(Argumento baseado no princípio das possibilidades alternativas da ação)
O que torna as ações livres não é facto de não estarem inteiramente determinadas, mas o
modo como estão determinadas (se há ou não autocontrolo).
Ainda que cada decisão esteja determinada por processos que ocorrem no cérebro, pelo
temperamento e pelo passado, se a decisão surgir sem constangimentos, forças ou impulsos
que o agente não controle, então há livre-arbítrio.
Liberdade é a ausência de constrangimentos. A ação livre é aquela que é realizada porque o
agente a deseja, podendo ter agido de outra forma. (O contrário de livre não é causado; é
constrangido).
Por conseguinte, existem agentes livre num universo determinista.
Logo, podemos ser responsabilizados.
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30. Determinismo moderado - objeções
O1) Não distingue claramente ações livres de ações não livres.
Há casos, como o caso da “A carteira ou a vida?”, que para um determinista moderado a
ação não é livre, na medida em que se é forçado pelo ladrão (apenas o ladrão é livre). No
entanto, dar a carteira deve-se ao desejo de conservar a vida e à crença de que o ladrão
diz a verdade. Esta distinção entre ação livre a ação não livre não satisfaz.
O2) Não consegue explicar desejos e comportamentos compulsivos:
O determinismo moderado defende que, se as causas forem estados internos do sujeito
(como desejos), somos livres. No entanto, há comportamentos aditivos ou compulsivos
(exemplo do cleptomaníaco) que resultam de desejos/“forças” que o sujeito não controla.
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31. Determinismo moderado - objeções
O3) Não salvaguarda as ideias comuns de liberdade/decisão e de responsabilidade
Se somos resultado da genética, família, meio…, como é que podemos ser pessoas
diferentes e decidir de modo diferente? Parece que as decisões são efeitos de causas
anteriores e que não são genuinamente livres. É, por isso, muito difícil provar que há
ações livres e, consequentemente, que possamos ser responsabilizados.
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32. O novo compatibilismo
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https://www.youtube.com/watch?v=KETTtiprINU
Alguns filósofos contemporâneos*, que são deterministas moderados, afirmam o
livre-arbítrio, mas rejeitam o princípio das possibilidades alternativas.
O princípio das possibilidades alternativas apresenta a ideia de que não há
livre-arbítrio nem responsabilidade, se o agente não podia ter agido de outra forma,
se teve de agir como agiu. Mas há situações em que agimos livremente mesmo
quando não existem alternativas possíveis – casos de Frankfurt.
* Harry Frankfurt, Daniel Dennet ou Susan Wolf
33. Argumento de Frankfurt (n. 1929) - os casos de Frankfurt
Frankfurt considera que o princípio das possibilidades alternativas é falso.
Experiência mental: X tem um dispositivo que lhe permite controlar o cérebro de Y. X quer que Y
roube um quadro e está a observá-lo através de câmaras de videovigilância do museu. Caso
perceba que Y não pretende roubar o quadro, X ativará o dispositivo e, controlando o cérebro de
Y, levá-lo-á a roubar o quadro. Contudo Y rouba o quadro sem que X ative o dispositivo.
Conclusão:
- Há situações nas quais, apesar de não termos possibilidades alternativas, temos
livre-arbítrio e somos moralmente responsáveis.
- O fundamental não é o facto de termos possibilidades alternativas, mas o facto de as ações
terem origem na vontade do agente. O livre-arbítrio não implica a possibilidade de agir de
outra forma. Se a ação depender da vontade do agente, temos livre-arbítrio e somos
responsáveis.
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34. Objeções ao argumento de Frankfurt
O1) Objeção das centelhas (ou faíscas) da liberdade:
Alguns filósofos incompatibilistas sustentam que, mesmo num caso de Frankfurt, existem
possibilidades alternativas pois:
- o agente pode tomar por si próprio a decisão; ou
- o agente não pode tomar por si próprio a decisão e ser forçado a tomá-la por fatores
externos à sua vontade.
Ainda que, em termos práticos, a diferença entre estes dois cursos de ação seja muito
pequena (uma diferença de centelhas ou faíscas de liberdade), é precisamente por
existirem estas duas possibilidades (agir ou ser coagido), que temos a intuição de que
temos livre-arbítrio.
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35. Objeções ao argumento de Frankfurt
O2) Os casos de Frankfurt são sequências causais deterministas
Outros filósofos incompatibilistas afirmam que, nos casos de Frankfurt, estamos perante
duas cadeias causais que provocam o mesmo resultado:
- uma cadeia causal implica a ativação do dispositivo,
- a outra cadeia causal envolve uma sequência de causas e efeitos que antecedem e
determinam a decisão e ação do agente.
Em nenhum dos casos se encontra livre-arbítrio e os casos de Frankfurt não provam que o
conceito de livre-arbítrio exclui o princípio das alternativas possíveis.
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36. A perspetiva de Patricia Churchland (n. 1943)
● O problema “temos livre-arbítrio?” tem uma componente fortemente científica, porque diz
respeito à natureza nos nossos cérebros e do próprio Universo.
● O conceito de livre-arbítrio é impreciso: o que é ter ou não ter livre-arbítrio?
● Há casos problemáticos (ex. pessoa com tumor cerebral que muda de hábitos).
● É mais frutuoso estudar a neurologia do autocontrolo (perfil do cérebro que tem níveis
normais de autocontrolo e perfil do cérebro que tem falta de controlo) e refletir sobre o seu
impacto filosófico (construção da conduta e de uma vida melhor).
- A ciência diz-nos que o autocontrole depende de estruturas cerebrais que ficam inibidas quando temos
lesões ou tumores; que depende de propriedades neurológicas que são sensíveis a recompensas e castigos,
da reprodução de reações de medo por parte de neurónios na amígdala, entre outros fatores.
● Saber se o autocontrolo é ou não livre-arbítrio em qualquer sentido mais radical é uma
questão menos esclarecedora. A questão substancial deverá ser “Quanto autocontrolo
tenho?”. Quanto maior controlo tiver, mais responsabilidade terei.
37. Síntese
Determinismo Radical
1.Defende o determinismo
universal.
2. Nega a liberdade. Uma ação
livre seria uma ação sem
causa, mas as ações são o
efeito necessário ou inevitável
de causas anteriores.
3. Teoria incompatibilista.
Libertismo
1.Nega o determinismo
universal, mas aceita o
determinismo natural.
2. Defende que algumas ações
são livres: podemos interromper
cadeias causais e controlar ou
provocar acontecimentos (não
são ações sem causa) -
autodeterminação do agente.
3. Teoria incompatibilista.
Determinismo Moderado
1.Aceita o determinismo.
2. Defende que algumas
ações são livres. As ações
livres são causadas por
crenças e desejos. (As ações
que têm causas externas são
consideradas não livres.)
3. Teoria compatibilista.
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38. Interpretação do conceito determinismo
Determinismo Radical
-Ser determinado é ser efeito
necessário de um
acontecimento (causa).
- Tudo tem uma causa (ainda
que desconhecida)
- previsibilidade (só há um
futuro possível).
- Incompatibilidade com o
livre-arbítrio.
Libertismo
- Há causalidade física.
(A causalidade especial da
mente do agente, ao não se
submeter às leis físicas, é
liberdade.)
- Incompatibilidade entre
causalidades.
Determinismo Moderado
-Ser determinado é ser
causado. (As ações
humanas estão inseridas
nas cadeias causais do
Universo.)
- Há causas externas e
causas internas.
- Compatibilidade com a
liberdade.
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39. Interpretação do conceito livre-arbítrio
Determinismo Radical
- Liberdade é
acontecimento sem
causa.
- Liberdade é uma ilusão
do ser humano (por
desconhecer as causas
que o determinam
necessariamente)
Libertismo
- Liberdade é autodeterminação:
podemos ser autores das nossas
decisões e escolher entre
possibilidades alternativas,
interferindo no decurso dos
acontecimentos (quando possível);
- Futuro em aberto.
- Ausência de previsibilidade e de
aleatoriedade.
- Incompatível com o determinismo.
Determinismo Moderado
- Compatibilidade com a
determinismo (causalidade)
- Liberdade é a ausência de
constrangimentos. Ainda que
todas as ações estejam
inseridas nas cadeias causais,
o homem é livre quando são
as causas internas que movem
a ação.
- Não aceita a causalidade
especial do agente.
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