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Joaquim Colôa
PhD em Ciências
da Educação
Autodeterminação ou o Poder e a Liberdade
em dar Sentido à Singularidade*
*texto da comunicação apresentada no IV seminário Internacional
– Desafios da Inclusão e da Vida Independente no Ensino Superior,
14 e 15 de outubro de 2019, na Universidade do Algarve em Faro
Joaquim Colôa*
*Agrupamento de Escolas Padre
Bartolomeu de Gusmão e UIDF,
Instituto de Educação,
Universidade de Lisboa (Portugal)
2
1. Porque é comum registar umas palavras iniciais
Caros colegas, agradeço o convite para IV Seminário Internacional sob o lema:
Desafios da Inclusão e da Vida Independente no ensino Superior. Permitam-me iniciar
pedindo desculpas pelo facto desta narrativa nem sempre atentar às estritas normas
académicas e que por culpa de uma sensibilidade, tantas vezes, absurda assumir em alguns
momentos contornos intimistas.
Primeiro porque esta narrativa só se concretiza, como tal, porque se arrobusta por
recordações e entrecruza em vivências que, embora nem sempre concretizadas no presente
texto em palavra escrita, me subjetivam e me substantivam enquanto pessoa.
Segundo porque na presente narrativa recordo, algumas vezes, palavras e ideias que
fui intercambiando com dois parceiros de reflexão, a Fátima Paulo e o Pedro Oliveira. Facto
que, parafraseando Camus,1
pela mais elementar honestidade não obsta a que cite diversos
autores para responderem, como é natural, ao meu ponto de vista e aos meus entendimentos
de conceitos e ideias. Para que não fiquem dúvidas começo por referenciar Han quando diz
que a recordação é um processo narrativo e por isso se distingue da mera recuperação de um
dado.2
É a recordação que concretiza a narrativa e esta ocorre no momento em que todo um
emaranhado de significados e significantes se constituem como explicação de um mundo, o
mundo vivenciado, o mundo que se torna familiar. É o familiar que sustenta a resistência e
permite a inscrição no outro, mesmo que o familiar se realize, quantas vezes, no absurdo. O
1 Camus, A. M. (1985). Le Mythe De Sisyphe. Paris: Gallimard.
2 Han, Byung-Chul (2015). Psicopolítica. Lisboa: Relógio D’Água Editores, p. 76, aproprio-me da ideia do autor que contrapõe o conceito
de recordação à deriva neoliberalista da subjugação à acumulação de dados, aquilo a que o autor denomina de “big deal”, parte de um
processo que transforma os seres humanos em mercadoria.
3
absurdo que Camus diz “exigir a revolta”,3
uma não resignação. Tenho em mim que a revolta
só é possível pela recordação porque, ao ser em si processo narrativo, a recordação permite
todos os tempos e exige a vivência dos espaços e relações por isso, reafirmo, é a recordação
que permite a narrativa. Narrativa que, neste caso, tenta dissociar-se do eu ser professor
assim como recusa a narrativa da “autodeterminação” colada a um grupo de alunos
específico que, em qualquer momento do seu percurso escolar incluindo o ensino terciário,
por qualquer putativa singularidade, não tenham acesso a mecanismos de tomada de decisão.
Esta narrativa recusa, também, a lógica de um “eu” e/ou um “nós” (pressupostamente com
autodeterminação) em contraponto a um “eles” (pressupostamente sem autodeterminação).
Regressando ao pensamento de Camus, esta narrativa tem como principal objetivo
tornar familiar um mundo que nem sempre se me apresenta com clareza. Como já assumi
esta narrativa pretende ser um exercício de revolta. Esta narrativa pretende falar da pessoa e
da necessária subjetivação das suas singularidades para que possa inscrever-se no plano
social e assim poder tomar decisões em liberdade, ser cidadão autodeterminado. Esta
narrativa pretende falar da necessidade de um corte epistemológico em que
autodeterminação é um conceito essencial à mudança de todo um sistema social e político
bem como cultural, logo de todo um sistema educativo.
3 Camus, A. M (1985). Le Mythe De Sisyphe, op. cit., tomo a liberdade de utilizar, de alguma forma de modo exagerado, a expressão
que Camus no Mito de Sísifo utiliza para ilustrar o sentimento de pertença relativamente a um mundo muitas vezes percecionado como
absurdo. A pessoa em permanente procura de sentido, unicidade e clareza de um mundo que perceciona como ininteligível parece ter
uma única resposta o suicídio a que Camus contrapõe a “exigência da revolta”. É por meio de um mecanismo de revolta que a pessoa
chega a percecionar um mundo que se pode explicar tornando-se assim um mundo familiar.
4
2. Autodeterminação ou a recordação como narrativa da revolta
Para que a narrativa se estruture no plano coletivo, começo por partilhar a recordação
do II Congresso Internacional, Direitos Humanos e Escola Inclusiva: Múltiplos Olhares,
onde também a vosso convite falei de “autodeterminação”. Então, em fevereiro de 2017,
assumi o conceito de “autodeterminação” enquanto conjunto de práticas pedagógicas que
pela sua generalização, precocidade e qualidade permitiriam com maior facilidade o
desenvolvimento de aprendizagens ao longo de toda a escolaridade, incluindo o tempo de
Jardim de Infância. Então, estava convicto que a acontecer a mudança de paradigma, como
é tão banal dizer-se neste tempo sempre futuro, o absurdo da não equidade e da exclusão,
por si, tornar-se-ia familiar, explicável e verdadeiro motivo de resistência. Pensava eu ter
dado, então, algumas respostas para “deixar de ver no sistema escolar, tal como ele funciona,
(…) uma verdadeira máquina infernal, se não programada” para concretizar a exclusão de
algumas crianças de modo a “perpetuar e legitimar a dominação de classe, o acesso
diferencial aos ofícios e às posições sociais”.4
Ingenuamente acreditei que a mudança, para
que apontava, permitiria a todos os alunos participar no decorrer de todo o seu percurso
escolar, mesmo para além da escolaridade obrigatória.5
Hoje, reconheço que em 2017 mais
do que a recordação necessária à construção de uma narrativa que desenhasse a tal revolta
4
Eribon, D. (2019). Regresso a Reims. Alfragide: D. Quixote, p. 113, integro nesta narrativa a ideia do autor que defende que a exclusão
não radica nas singularidades individuais das pessoas, mas continua a centrar-se na diferença de classes, sendo que é agravada por
algumas dessas singularidades. “Parece-me sobretudo incontestável que essa ausência do sentimento de pertença a uma classe
caracteriza as infâncias burguesas. Os grupos dominantes não se apercebem de estar inscritos num mundo particular, situado (…)”, p.
92
5 Colôa, J. (2017). Participar para Além da Escola: Experiências para Aprendizagem de Qualidade e Autodeterminação, II Congresso
Internacional Direitos Humanos e Escola Inclusiva: Múltiplos Olhares, Maria Leonor Borges, Cláudia Luísa, Maria Helena Martins
(Coord.), pp. 112-127. Faro: Universidade do Algarve.
5
somente recuperei dados de um discurso advindo da euforia criada relativamente ao
normalizado na Portaria n.º 201-C/2015, de 10 de julho, fruto de reivindicações de alguns
professores e, essencialmente, de diversos grupos de pais que se organizaram para que fosse
revogada a Portaria n.º 275-A/2012, de 11 de setembro. Na realidade, como constatamos
hoje, esta revindicação não chegou a constituir-se como resistência, pois não chegou a
inscrever-se com a força necessária para equacionar soluções que perdurassem no tempo.
Algumas vezes perante putativas resistências o poder cria artefactos de governação,
normativos, que mais não são que “escapes” temporários para aliviar a pressão, anular o
desconforto e as vozes críticas. Deste modo legitimam-se tomadas de decisão na ilusão de
transferência de poder.6
Recordo ter, também eu por aquele então, discorrido num artigo
sobre a Portaria 201-C/2015 quanto a expressões como universalidade, inclusão,
funcionalidade, individualização e autodeterminação. Sem me aperceber debitava o discurso
“da mudança de paradigma”, da “inclusão”, do “pacto social”, onde celebrava a
oportunidade de definir todos os indivíduos “como iguais de direito”.7
Especificamente
quanto à expressão “autodeterminação” escrevia, nesse artigo, ser conceito central de um
modelo de ação funcional de promoção da participação e do acesso ao currículo de todos os
alunos.8
Voltando ao citado Congresso, onde vivenciava, pela publicação da Portaria 201-
C/2015, o rescaldo de uma vitória que sentia também como minha, apregoava que:
Participar em todos os contextos de vida, tomar decisões associadas
a essa participação e responsabilizar-se pelas escolhas feitas é
condição social de afirmação e vivência de todas as pessoas
enquanto seres sociais. Desta premissa decorre a importância de
fomentar, desde muito cedo, a autodeterminação dos alunos nas
nossas escolas.9
Chamo a atenção para o meu discurso nesse fevereiro de 2017, onde embora sublinhe
o sentido “do todos”, palavras como “responsabilizar-se” afirmam, contraditoriamente, a
natureza do “eu” pressupostamente normal-igual e do “outro” pressupostamente anormal-
desigual. Assinalo, assim, possíveis contradições entre o discurso de 2017 e a presente
6
Acolho um comentário da Fátima Paulo numa primeira leitura que fez da minha narrativa.
7 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit, remeto para a ideia do autor que defende que com estes discursos, característicos do
neoliberalismo as pessoas, os grupos dominados são “chamados a esquecer os seus «interesses particulares»”, p. 120
8 Colôa, J. (2017a). A Portaria 201-C/2015 - Construtos da Transição para a Vida Pós-Escolar, Educação Inclusiva, Vol.8 (1).
9 Colôa, J. (2017). Participar para Além da Escola: Experiências para Aprendizagem de Qualidade e Autodeterminação, op. cit, p. 112
6
narrativa. Então valorizava as atitudes de autodeterminação e defendia que deviam assumir
centralidade em qualquer currículo que se afirmasse ser do século XXI. A esta afirmação do
poder da escola e do ser professor acrescentava o argumento de estar provada a relação entre
a promoção de tais atitudes e a melhoria dos resultados escolares. Esta hoje credulidade
discursiva cola-se na presente narrativa, com o tempo e por consequência de diversos
absurdos, não só contraditória, mas também como intenção retórica. Uma retórica que
esquecia o papel da escola na afirmação do poder que reinveste continuamente a pretensa
legitimidade social de uns por contraponto à pretensa ilegitimidade social de outros.10
No entanto, digo-vos que o discurso foi proferido em completa liberdade, qual
maximização da capacidade de exercer o poder e afirmar, na minha deriva emocional e plena
de positividade, a vontade de também eu ser peça na mudança de um qualquer putativo
paradigma. Afinal, na ilusão da afirmação da expressão “autodeterminação” dei-me à mera
experiência de um jogo afetivo no qual, então, esqueci que a autodeterminação se impõe na
revolta como atitude explicita que se constrói na perceção da afirmação de um continuo
futuro em que alguns se furtam à narrativa. Esqueci também, então, que é no controle desse
futuro que a deriva neoliberal não se deixa “ludificar”. Nas políticas neoliberais “a duração
e a lentidão não são compatíveis com a temporalidade do jogo”.11
Nesta lógica política recordo, ainda, que a Portaria das minhas emoções, à qual aludi
e com a qual quiçá me iludi em 2015, foi revogada em 2018 pelo Decreto Lei 54/2018. Assim
enfrentei, mais uma vez, a ausência da força da dialética que “surge da tensão temporal entre
um já e um ainda não, entre o acontecido e o futuro”12
, porque no neoliberalismo o tempo é
sempre futuro. Sem recordação, logo sem narrativa, no Decreto Lei 54/2018 a expressão
“autodeterminação” é acantonada numa putativa alínea f). Embora melhor que na versão do
Decreto Lei 54/2018 disponibilizada para discussão pública, onde o conceito de
autodeterminação era inscrito com base numa perceção restritiva e mesmo preconceituosa,
ou seja muito pouco inclusiva e remetendo para conceções de processos de pensamento
(quiçá inteligência), hoje completamente refutados; ficou-nos um parágrafo onde sem glória
10 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit., parece-me de toda a pertinência a ideia do autor quando define a escola como o
cenário de uma batalha contra os dominados. Uma guerra na qual os professores podem muito pouco contra as forças de uma
determinada ordem social que se impõem contra tudo e todos.
11 Han, Byung-Chul (2015). Psicopolítica, op. cit. p. 59. Sinto que eu próprio cai na armadilha do discurso neoliberal que, como afirma
o autor, subjuga pela otimização permanente do sujeito. Uma otimização que não é imposta pelo outro, mas por mim sobre mim próprio
porque a inteligência do regime neoliberal reside na habilidade de conseguir que a pessoa direcione a agressão a si mesma. A pessoa
é enredada num discurso de positividade e transparência, um jogo de palavras em que o poder procura “agradar em vez de submeter”.
Assim nesse encorajamento à comunicação somos doutrinados pelo nosso próprio discurso e numa emoção dataista tentamos colmatar
“sentidos de vazio”.
12 Han, Byung-Chul (2016). O Aroma do Tempo: Um Ensaio Filosófico Sobre a Arte da Demora. Lisboa: Relógio D’Água Editores, p. 19
7
e relação com outros conceitos, como acontecia na Portaria n.º 201-C/2015, o normativo nos
remete para expressões como autonomia, interesses, preferências, identidade cultural e
“exercício do direito de participação na tomada de decisões”.13
Cumpre-se assim o poder da
prescrição também no que se refere à “autodeterminação”. Os discursos meramente
instrumentais e tecnocráticos do poder neoliberal concretizam, mais uma vez, o sentido de
homogeneização e, embora argumentando a mudança, negam qualquer reivindicação de uma
direção filosófica.14
Como me dizia a Fátima Paulo:
Achar que se educa para a obediência, para o conformismo, para o
comportamento pró-social e quando a personalidade já está
devidamente formatada, entreabrir uma janela – não uma janela
qualquer, mas aquela que permite vislumbrar o revés do mundo que
nos interessa mostrar e que reforça a mensagem dominante – e
chamar a isso autodeterminação. É muito poucochinho.15
Os tais novos paradigmas continuam a oferecer-nos sempre anunciadas “reformas”
que mais não são que tentativas de regresso ao status quo de pressupostos mais tradicionais
e segregadores.16
A continua subjugação das minorias, dos “sem poder”17
, como afirma
gostar mais de dizer o Pedro Oliveira. Neste jogo de espelhos onde não existe revolta nem
empoderamento dos “sem poder”, a expressão autodeterminação desguarnecesse-se de força
conceptual e reduz-se a mera intenção retórica e, na liberdade que o parágrafo do Decreto
Lei 54/2018 parece oferecer, ela própria se torna instrumento de autossubjugação
normalizadora e culpabilizadora.
Chegado aqui, já não chega à expressão autodeterminação ser a tal narrativa que
advém da recordação e que possibilita a revolta. Para que autodeterminação seja
empoderamento tem que se tornar vivência, ser familiar e para isso necessita gerar
conhecimento e ter força de conceito.18
13 Decreto-Lei 3/2008, Diário da República, 1.ª série — N.º 129 — 6 de julho de 2018, p. 2920
14 Fulcher, G. (1989). Disabling Policies? A Comparative Approach to Education Policy and Disability. London: Falmer.
15
Texto que é parte de um comentário registado numa conversa que mantivemos sobre o conceito de autodeterminação.
16 Ferri, B. A. (2016). Response to Intervention: Persisting Concerns, The Context of Inclusive Education – Theories, Ambivalences,
Operators, Concepts, B. Amerhein & K. Ziemaqu (Eds), (7-21). Dortmund: Verlag Ketller.
17 Denominação utilizada pelo Pedro Oliveira num texto publicado num grupo de discussão do Facebook (o soberano, eu) e mais tarde
repetida numa troca de ideias sobre o conceito de autodeterminação.
18 Han, Byung-Chul (2015). Psicopolítica, op. cit., como o autor afirma, discorrendo sobre o pensamento hegeliano, o neoliberalismo
com o dataismo substitui a causalidade pela correlação, substitui o porquê e assim os conteúdos tornam-se “aconceptuais”. Com base
na ideia de conceção do objeto em Hegel, Han afirma que “só o «conceito» gera o conhecimento. (p.78).
8
3. A afirmação do familiar na concetualização da autodeterminação
Desde longos tempos que a expressão autodeterminação tem fortes conotações com
movimentos sociais que, por vezes, coincidem com as lutas de toda uma população, de todo
um povo na reivindicação à livre escolha na determinação de caminhos pessoais e sociais.
Primeiro entendida numa dimensão mais externa muito relacionada e, em determinados
discursos, quase confundida com a expressão “descolonização”, o termo
“autodeterminação” reinventa-se no início dos anos noventa do século passado assumindo
essencialmente uma dimensão interna que remete para o direito, de cada pessoa, a participar
nos processos decisórios do estado.19
Atualmente a expressão autodeterminação é assumida
como um princípio fundamental, tendo sido formalmente inscrita na Carta das Nações
Unidas e incluída em diversos documentos internacionais. No entanto, apesar da força da
sua expressão nem sempre o conceito é entendido de forma pacifica o que afeta seriamente
o seu exercício enquanto direito. Por um lado, reconhece-se que houve avanços na perceção
social da diferença um caminho que se iniciou por uma abordagem caritativa, passando-se a
uma abordagem médica e, posteriormente, a abordagens sociais e de direitos humanos.
Como refere Oliveira:
É este o contexto e as origens do chamado “modelo de caridade” ou
“modelo médico” onde a “normalidade” passa a ser determinada
pelo ideal do corpo masculino jovem, branco, capaz, e qualquer
19 Griffioen, C. (2010). Self-Determination as a Human Right the Emergency Exit of Remedial Secession, Utrecht: Science Shop of Law,
Economics and Governance, Utrecht University.
9
desvio a este ideal era entendido como algo inferior. De acordo com
este modelo, a incapacidade do indivíduo reside no próprio, sem
considerar o ambiente físico e social. 20
Por outro lado, porque coexistem ainda hoje os vários modelos de entendimento, na
prática continuam a estabelecer-se em diversos planos da sociedade processos de subjugação
com base no binómio de normal-anormal.21
A verdade é que normalidade e a-anormalidade
são realidades imbricadas entre si, contextuais e relativas a tempos espaços e grupos sociais.
Ideia defendida por Eribon, o que o leva a afirmar a desconfiança relativamente a algumas
injunções à a-normalidade dirigidas a determinadas pessoas e/ou grupos de pessoas, muitas
vezes, por “defensores – também eles muito normativos, no fundo – de uma não-
normatividade erigida em «subversão» prescrita (…)”.22
Como defendem alguns
teorizadores do modelo social os mecanismos atuais de direitos humanos são frágeis porque
se apresentam parciais e ideológicos e falham porque muitas vezes são incapazes de desafiar
as estruturas de poder existentes.23
Estruturas de poder que já não se reduzem a um lugar
nem se confinam ao aparelho de estado ou de um qualquer governo. Perante a deriva o poder
já não se joga só entre a governamentalidade e a governamentalização.24
O poder perceciona-
se disseminado em todas as esferas sociais visando a obtenção de maior eficácia política. É
uma forma de dominação que se centra na produtividade transformadora e educativa e que
se exerce em todo o tecido social através de uma rede de micropoderes.25
Uma ação que,
20 Oliveira, P. N. (2009). Movimento Vida independente. Rumo a uma Cidadania Activa: Soluções Concretas, Direitos Reais!, Sociedade
e Trabalho (39), pp. 57-70, p. 60
21 Foucault. M. (2002). Vigiar e Punir, Nascimento da Prisão. Lisboa: Editora Vozes.
Foucault. M. (1998). A História da Sexualidade I – A Vontade de Saber. Lisboa: Relógio de Água,
Acolho nesta narrativa o sentido, presente no pensamento do autor, de normal-anormal, dentro da norma-fora da norma, conjunto de
atributos concebidos partir de práticas sociais de controle, vigilância e do exame. Em Vigiar e punir e na História da sexualidade: a
vontade de saber, Foucault sublinha a relação entre estes dois mecanismos e as relações de poder que se traduz no surgimento de
uma nova forma de dominação, agora já não violento e repressivo mas apresentado e entendido, tanto por dominados como por
dominadores, como produtivo, transformador e educativo, exercido por uma rede de poderes sociais, nomeadamente pelo próprio
individuo.
22 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit., p. 64
23 Pteri, G.; Beadle-Brwn, J. & Bradshaw, J. (2017). More Honoured in the Breach than in the Observance — Self-Advocacy and Human
Rights. Canterbury: Tizard Centre, University of Kent
24 Foucault. M. (1982). Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, parece-me interessante esta distinção estabelecida por Foucault
entre governamentalidade e governamentalização. A primeira como o exercício do poder de determinada população, mas eivada de
uma dimensão moral, associada ao governo de si e que, portanto, exercia o poder com respeito pelo privado e a segunda como governo
do outro sem que seja respeitada a sua singularidade e o seu processo de subjetivação, mas sobrevalorizando o processo de
objetivação e de representação de um “eu” idealizado, legitimado por um discurso de verdade absoluta. A governamentalização impõe-
se na vida das pessoas, confundindo-se com ela disciplinando-a e regulando-a nos mais pequenos pormenores políticos, sociais e
culturais, recorrendo a todos os subterfúgios administrativos (criando quase um mundo kafkiano) e com base numa racionalidade
económica que domina e controla o mais íntimo da pessoa enquanto entidade individual. O processo de governamentalização enquanto
poder da norma que Foucault descreve em Vigiar e Punir. A norma que na sua concretização não só se dirige à pessoa mas dirige a
pessoa e aponta e controla o próprio corpo.
25 Foucault, M. (1994). Le Sujet et le Pouvoir, Dits et Ecrits IV. Paris: Gallimard, p. 222-243.
10
pelo isolamento, retira à pessoa a capacidade de ação comum, a liberdade e o poder do
coletivo. Deste modo envolvido num discurso de positividade e rendimento o sujeito auto-
exerce uma autossubjugação repressiva.26
A pessoa é, assim, sujeito e objeto da subjugação.
Desta forma o neoliberalismo nega, muitas vezes recorrendo a um quadro discursivo de
igualdade de direitos, a existência de uma polaridade entre subjugadores e subjugados.27
Neste jogo de espelhos e, por vezes, em nome da “autodeterminação”, mas mais num papel
de autorrepresentação, algumas pessoas esgrimem a sua singularidade enquanto coletivo, na
tentativa de se objetivarem socialmente no outro, mas exprimem-se adotando o ponto de
vista de um poder normalizado, contra o qual se deviam rebelar.28
Nesta perspetiva algumas
pessoas no desempenho de funções de liderança nomeadamente política tomam decisões
meramente simbólicas direcionadas a grupos específicos socialmente sub-representados,
como diria o Pedro Oliveira, direcionadas aos “sem poder”.29
Nestes casos estamos perante
um papel de autorrepresentação mais do que de autodeterminação, mesmo que por vezes
essas lideranças se inscrevam num coletivo, alargado de pessoas (e.g. caso da deficiência),
para de forma artificial legitimarem a tomada de decisão quantas vezes politica.30
Com esta
manobra, tão em voga nos tempos atuais, passa-se a imagem de uma identidade coletiva e
sob um discurso de exercício de igualdade de direitos, ativam-se agendas pessoais e/ou de
grupos específicos, dentro desses tais grupos alargados. Agendas nem sempre compatíveis
com o direito a todas as pessoas, ditas representadas, exercerem o poder e a liberdade de
decidir em livre escolha, ou seja, exercerem o direito à autodeterminação. Assim na ilusão
da conquista de igualdade de direitos e poder de participação e decisão, estamos novamente
perante o binómio de subjugadores e subjugados.
Deste forma tanto uns como outros (subjugadores e subjugados) tomam como suas
medidas tecnocráticas pressupostamente destinadas à independência e autonomia, quiçá
referindo-se a “autodeterminação”, de grupos considerados minoritários. Políticas
desenvolvidas sob a retórica da inclusão que se tornou, assim, numa metáfora do
26 Han, Byung-Chul (2015). Psicopolítica, op. cit., inscrevemos a ideia da disseminação social de poder presente em Foucault, numa
lógica de eficácia política e que reage em consonância tanto em níveis macro como micro e transforma o sujeito no próprio agente de
autodominação. Ligado a esta ideia e como defende Han a pessoa culpabiliza-se pelo possível fracasso (e acrescento pela sua
singularidade), responsabilizando-se em vez de responsabilizar os mecanismos sociais de repressão, ou seja, deixa de querer
conseguir resistir, às vezes pela própria ilusão de detenção de poder e tomada de decisão em liberdade.
27 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit.
28 Camus, A. M. (1985). Le Mythe De Sisyphe, op. cit, estamos mais uma vez perante o dilema colocado por Camus, anteriormente
aludido ( “suicídio” - “revolta”).
29 Como já antes referenciamos esta expressão foi retirada de um texto publicado num grupo de Facebook (O Soberano, eu) e também
utilizada numa troca de mensagens sobre autodeterminação que mantive com o Pedro Oliveira.
30 Beckwith, Ruthie-Marie, Mark G. F. & James W. C. (2016). Beyond Tokenism: People with Complex needs, Leadership Roles: A
review of the literature. Inclusion, 4, pp. 137–55.
11
desenvolvimento do capital humano, mas em que a cidadania foi substituída pela
individualização dos direitos no sentido da promoção de interesses sociais, culturais e
económicos dominantes.31
As atitudes e as ações de autodeterminação só serão eficazes se estiverem avisadas
relativamente à retórica mesmo quando é esgrimido o argumento dos direitos humanos. Os
processos de autodeterminação só serão eficazes se essas atitudes e ações visarem mudanças
políticas, económicas e culturais mais profundas e que se estruturem social e culturalmente
para lá da pressuposta singularidade de alguns grupos32
, vistos como minoritários. Neste
momento da narrativa parece-me importante recordar duas realidades que em tempos
vivenciei e que denominarei de duas estórias.
A primeira estória tem como agente principal uma pessoa entre os 40 e os 45 anos,
chamemos-lhe António. Em tempos uma colega, há pouco investida da função “ser
professora de educação especial”, manifestou vontade em visitar uma instituição direcionada
a determinadas pessoas com determinada “categoria de deficiência”. Dizia ela que nunca
tinha estado numa instituição de educação especial. Após alguns contactos tivemos
autorização para fazer tal visita que, da minha parte, realizei sem qualquer tipo de novidade.
Passemos ao relato concreto de uma parte da estória, pois para esta narrativa interessa-me,
tão somente, de entre vários episódios, o que se passou numa sala de atividades. Nesse
espaço uma monitora explicava-nos, verdadeiramente entusiasmada e com sincero sentido
de pertença, como naquela sala se faziam objetos em tecido (sacos, tapetes, etc.) para serem
vendidos, mostrando-nos alguns desses objetos. A determinado momento entra o António.
O António vinha do seu quarto, uma porta situada literalmente ao lado da porta da sala de
atividades. O António apresentava-se de chinelos, pijama e um casaco pelos ombros e de
andar lento arrastou-se até meio da sala e perguntou, numa voz também ela arrastada, se
tinham trabalho para ele. A monitora respondeu-lhe: - Agora não tenho nada para ti, podes
ir descansar. O António rodou com lentidão, mas de imediato e, sem uma palavra e
novamente arrastando-se, saiu da sala de atividades e entrou no seu quarto. Hoje, como
então, afirmaria que o António estava abundantemente medicado e que grande parte dos tais
trabalhos para venda eram sobretudo ação das monitoras.
31 Persson, B. & Berhanu, G. (2005). Politics of Difference: The Emergence of Special Needs in a School for All. (Research Programme)
Project Document. Göteborg University.
32 Pteri, G.; Beadle-Brwn, J. & Bradshaw, J. (2017). More Honoured in the Breach than in the Observance — Self-Advocacy and Human
Rights, op. Cit.
12
A segunda estória conta-nos um Martim, chamemos-lhe assim, que frequentava o 3.º
ou o 4.º ano de escolaridade, já não me recordo, de uma escola do 1.º ciclo de Lisboa. Quando
entrou na escola, muita da atividade do Martim passava-se no que se denominava Unidade
de Ensino Estruturado. Ação que, com o tempo, passou a ser quase exclusivamente
desenvolvida em sala de aula. No entanto tinha ficado o hábito, ao Martim, de quando estava
no pátio na hora do recreio, utilizar a casa de banho dessa Unidade em detrimento de uma
outra que era utilizada, nos momentos do intervalo, por todos os seus colegas e que se situava
ao lado do refeitório. Um desses dias em que o Martim se dirigiu à casa de banho, cruzou-
se com uma educadora de infância que o conhecia do Jardim de Infância que tinha
frequentado anteriormente e, com uma atitude de admiração e estranheza, olhou fixamente
a educadora. Esta também admirada por o reencontrar e, sobretudo, por percecionar que
controlava e decidia a sua própria atividade como qualquer outro aluno, cumprimentou-o e
perguntou-lhe se a recordava. O Martim respondeu-lhe a uma saudação formal que ela lhe
dirigiu, estendeu-lhe a mão e posteriormente dirigiu o seu olhar para mim. Talvez seja
importante dizer, agora, que o Martim não recorre à verbalização no decorrer do ato
comunicativo. Do seu comportamento nomeadamente do olhar, que dirigiu alternadamente
de mim à educadora e movimento de cabeça o Martim apresentou-nos formalmente. Eu
correspondi ao seu comportamento socialmente adequado e, independentemente de já termos
sido apresentados e de nos termos cumprimentado, quando o Martim não estava presente,
cumprimentei novamente a minha colega com um aperto de mão, referindo o meu nome. De
seguida o Martim deu a mão à educadora e dirigiu-a ao 2.º andar, eu segui-os interrogando-
me sobre o que quereria o Martim dizer, mostrar, onde se dirigia. A minha colega olhou-me
como que perguntando o que fazer. Eu limitei-me a dizer para seguirmos o Martim e
entendermos o que de importante tinha para nos dizer. Já no 2.º andar entrou na sua sala de
aula que estava vazia porque era a hora do intervalo e, de mão dada com a educadora, dirigiu-
se a uma mesa onde estavam os dossiês dos alunos. Largando a mão da educadora pegou no
seu dossiê e entregou-lho. Ao mesmo tempo o Martim olhou-a e numa atitude de espectativa
e de satisfação esperou dela feddback.33
33
Talvez corra o risco do exagero, talvez seja um abuso, mas parece-me importante inserir como nota a este episódio parte do
comentário da Fátima Paulo quando fez uma primeira leitura da minha narrativa. Ao negar o conhecimento negamos a oportunidade
de autodeterminação “ao excluir a aprendizagem, este é talvez o maior mal que se faz a estes miúdos, privá-los da sensação de ser
capaz. Realizar o trabalho permite obviamente a aprendizagem, a aquisição de competências, etc, mas mais do que tudo isso ou pelo
menos tão importante como tudo isso, a autovalorizarão, o retorno positivo, um certo orgulho – numa perspetiva positiva de
autoconstrução, porque quer queiramos quer não, só nos revemos aos / nos olhos dos outros. Só com esta estrutura se resiste às
ofensas do mundo e se parte à conquista desse mesmo mundo. Para todos é banal, os miúdos serão invariavelmente bons em alguma
coisa, nem que seja a jogar futebol ou videojogos, depois há os miúdos que só ouvem nãos, repreensões e descrédito. Ter um dossier
13
As duas estórias são recordações que servem de mote para um final da narrativa do
presente ponto, ou seja, a ilustração de que “autodeterminação nunca significou apenas
independência, mas significa a livre escolha das pessoas”.34
Um exercício do poder que é
tomado individualmente e objetivado coletivamente, num tempo e num espaço em que a
pessoa se inscreve com base num conjunto de vivências que identifica como comuns e
importantes ao robustecimento da sua identidade e cidadania. Esta inscrição só é possível
quando realizada em tempos e espaços sociais nos quais, mais do que acumularmos
experiências, construímos e integramos, com sentido de pertença, vivências organizadas pela
subjetivação da singularidade. Vivências que a qualquer momento, pela recordação, poderão
ser narrativas e constituírem-se como mecanismo de resistência a um determinismo social e
institucional. Autodeterminação é o assumir do poder e a tomada de decisão em liberdade,
objetivando-nos no outro e no espaço social enquanto pessoas de direito. Ao contrário a
sobreposição do conceito de “autodeterminação” ao de independência e autonomia bem
como ao de autorrepresentação e mesmo de representação de grupos restritos e confinados a
características socialmente atribuídas, mais não é que uma nova “estratégia intelectual,
hipócrita e tortuosa”, para anular qualquer resistência, qualquer revolta que ponha em causa
o sentido de “reprodução e de transformação das estruturas sociais, de inércia e de dinâmica”
dos mecanismos de poder.35
A autodeterminação não é um conceito que se relacione com atitudes de compaixão
ou ações caritativas, como tantas vezes a vê o 3.º setor, mas é um conceito que se afirma pela
dignidade e liberdade, pela subjetivação da singularidade, de formas de apoiar, valorizar e
respeitar essa singularidade criando-se condições que permitam a participação da pessoa.
Autodeterminação não conjuga com a criação de políticas e normativos especiais, nem rima
com a menorização de algumas pessoas com base nas suas singularidades nem com a
mimetização, quantas vezes ridícula, de transferência de poder e de substituição na tomada
de decisão. O pressuposto de que a pessoa exerce poder porque outra pessoa lho concedeu,
lho transferiu é em si mesmo um mecanismo de subjugação. Autodeterminação é a tomada
de decisão em liberdade, mesmo que essa tomada de decisão seja, por vezes, apoiada (o que
para mostrar é um bocadinho ter nas mãos a espada do rei Artur. No pólo oposto, não vou especular sobre os danos que provoca
atribuir trabalhos feitos por outros ao próprio, mas imagino que no mínimo seja a imposição da alienação total”.
34 Higgins, R. (1994). Problems and Process: International Law and How We Use It. New York: Oxford University Press, p. 119
35 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit. pp. 120-121, talvez de forma abusiva exploro a ideia do autor relativamente a uma
“esquerda” política que passou a ter o discurso dos governantes, contribuindo para o sedimentar das políticas neoliberais e concorrendo
para o esvaziamento do conceito de luta de classes. Na presente narrativa parece-me que esta ideia de discurso do poder se aplica
aos movimentos de autoafirmação (mais do que de autodeterminação) dos deficientes e dos homossexuais, só como exemplo. Em
Portugal a ação, mas sobretudo o discurso emanado da secretaria de estado dita para a inclusão é bem ilustrativo desta realidade.
14
não é sinónimo de menorização e/ou substituição). Todos nós, em determinados momentos,
tomamos decisões apoiadas. Autodeterminação ao implicar a subjetivação da singularidade,
apela à inscrição em tempos e em espaços múltiplos, livremente escolhidos, individual e
coletivamente assumidos e vivenciados com e num sentido de pertença. James Baldwin fala
destas dinâmicas quando refere a sua resistência em pertencer a diversos grupos, ao longo
da sua vida, até como forma de preservar a sua liberdade.36
Em parte o Pedro Oliveira
também sublinha o facto de se pertencer a alguns grupos, pressupostamente em nome da
autodeterminação, numa “mentalidade do oprimido” baseada em singularidades que se
homogeneízam e mimetizando-se, algumas vezes, as lógicas do poder excludente. Um
exercício de autodeterminação que obriga aos mesmos tempos, aos mesmos espaços de
inscrição e representação e às mesmas linguagens.37
Contrariamente autodeterminação é, em
si mesma, o exercício do poder que na subjetivação das singularidades permite a objetivação
e a inscrição da pessoa, pela relação, em espaços múltiplos e vivências diversificadas.
Autodeterminação é, pela resistência, a tomada de decisão em liberdade, ou seja, é a tomada
do poder.
36 Referimo-nos às palavras de James Baldwin em “Eu não sou o teu negro” quando refere o seu desinteresse em pertencer a alguns
grupos como os pantera negra, congregações cristãs, associação nacional para o progresso de pessoas de cor,…
37 Acolho a ideia que o Pedro Oliveira sublinhou em comentários inscritos numa leitura que fez a uma primeira versão desta narrativa,
referenciando textos seus presentes num grupo de discussão do Facebook (o soberano, eu). No entanto esta ideia já foi referenciada
nesta narrativa anteriormente, realçando-se que mais do que autodeterminação, nestes casos estamos perante situações de
autorrepresentação, quantas vezes assente em agendas pessoais e/ou grupais especificas.
15
4. Autodeterminação, poder e liberdade de tomar decisões na singularidade
A autodeterminação só é possível quando imbricada num processo de vivencia de si, ou
seja, quando a pessoa desenvolve um processo de subjetivação nas suas singularidades.
Quando o “eu” se torna objeto de si mesmo. Um processo da conquista do domínio do “eu”,
possível numa verdade não condicionada por determinantes externos, como por exemplo
estatuto, classe social, etc.38
, ou quaisquer outras representações socialmente construídas. É
o processo de subjetivação que permite à pessoa “sustentar e dar um sentido à sua
«diferença» e, por conseguinte, construir um mundo, forjar um ethos diverso (…).”39
A
subjetivação contem em si o significado e o sentido de liberdade uma vez que aquilo que se
quer não é “determinado por tal ou qual acontecimento, por tal ou qual representação, por
tal ou qual inclinação. Querer livremente é querer sem qualquer determinação (…)”.40
O
conceito de subjetivação robustece o conceito de autodeterminação, porque a sua vivência
se constitui como primeira condição da pessoa autodeterminada. A força do conceito de
autodeterminação é força maior porque a subjetivação é concomitante ao desenvolvimento
de um processo de resistência e a liberdade é entendida, neste processo, como a condição
que possibilita essa resistência, o exercício do poder. O poder da tomada de decisão em
liberdade que se substantiva na relação com o outro, pela objetivação da pessoa num espaço
e num tempo plurais de relação,41
potenciadores da recordação que dá corpo às narrativas e
38 Foucault, M. (2004). A Hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes.
39 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit., p.155
40 Foucault, M. (2004). A Hermenêutica do Sujeito, op. cit., p. 163
41 Foucault. M. (1982). Microfísica do Poder, op. cit.
16
à ação. “De fato, aquilo que define uma relação de poder é um modo de ação que não age
direta e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre a sua própria ação. Uma ação
sobre a ação, sobre ações eventuais, ou atuais, futuras ou presentes.”42
Isto quer dizer
também que:
O poder não é da ordem do consentimento; ele não é, em si mesmo,
renúncia, uma liberdade, transferência de direito, poder de todos e
de cada um delegado a alguns (o que não impede que o
consentimento possa ser uma condição para que a relação de poder
exista e se mantenha); a relação de poder pode ser o efeito de um
consentimento anterior ou permanente; ela não é, em sua própria
natureza, a manifestação de um consenso.43
O poder entendido como algo que circula, como uma vontade, uma resistência que é
exercida em rede, ou seja, todas as pessoas, com acesso aos centros de transmissão, estão
em posição de exercer poder e todas as pessoas estão em posição de perder esse exercício.44
Poder e resistência são assim condições interdependentes que determinam a verdade.
Condições intrínsecas às relações entre as pessoas enquanto sujeitos coletivos que só o são
porque vivenciam “um campo de possibilidades em que várias maneiras de se comportar,
várias reações e diversos comportamentos podem ser realizados.”45
Como diz Danspeckgruber, “Nenhum outro conceito é tão poderoso, visceral, emocional,
indisciplinado, nem tão íngreme na criação de aspirações e esperanças como é
autodeterminação.”46
Para reforçar esta ideia aproprio-me das palavras da Fátima Paulo que,
em resposta às minhas dúvidas, afirmava, parafraseando Kierkegaard, que
“autodeterminação é a vertigem da liberdade”.47
Completada a tentativa de definir e clarificar o conceito de autodeterminação, ou melhor,
a tarefa de narrar o conceito, tomo a liberdade de me apropriar das palavras de Eribon para
inscrever nesta narrativa um desafio final:
42 Foucault. M. (2009). O Sujeito e o Poder, Michel Foucault. Uma Trajetória Filosófica. Para além do Estruturalismo e da Hermenêutica,
Hubert L. Dreyfus e Paul Rabinow. Rio de Janeiro: Forense Universitária, pp 231-249, p. 243
43 Ibid.
44
Foucault. M. (1982). Microfísica do Poder, op. cit.
45 Ibid, p. 221
46 Danspeckgruber, W. (1999). The Implementation of the Right to Self-Determination as a Contribution to Conflict Prevention, Report
of the International Conference of Experts held in Barcelona organized by the UNESCO Division of Human Rights Democracy & Peace
e Centre UNESCO de Catalunya, M. C. van Walt van Praag & O. Seroo (eds.), p. 10
47 Expressão registada numa conversa mantida com a Fátima Paulo relativamente ao conceito de autodeterminação.
17
Eis-nos aqui regressados à questão de saber quem é que tem direito
à fala, quem participa e de que maneira nos processos de decisão,
isto é, não apenas na elaboração das soluções, mas também na
definição coletiva dos problemas que é legitimo e importante
abordar.48
Bem-hajam
por me ouvirem
48 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit., p. 146

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Autodeterminação ou o Poder e a Liberdade em dar Sentido à Singularidade*

  • 1. Joaquim Colôa PhD em Ciências da Educação Autodeterminação ou o Poder e a Liberdade em dar Sentido à Singularidade* *texto da comunicação apresentada no IV seminário Internacional – Desafios da Inclusão e da Vida Independente no Ensino Superior, 14 e 15 de outubro de 2019, na Universidade do Algarve em Faro Joaquim Colôa* *Agrupamento de Escolas Padre Bartolomeu de Gusmão e UIDF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa (Portugal)
  • 2. 2 1. Porque é comum registar umas palavras iniciais Caros colegas, agradeço o convite para IV Seminário Internacional sob o lema: Desafios da Inclusão e da Vida Independente no ensino Superior. Permitam-me iniciar pedindo desculpas pelo facto desta narrativa nem sempre atentar às estritas normas académicas e que por culpa de uma sensibilidade, tantas vezes, absurda assumir em alguns momentos contornos intimistas. Primeiro porque esta narrativa só se concretiza, como tal, porque se arrobusta por recordações e entrecruza em vivências que, embora nem sempre concretizadas no presente texto em palavra escrita, me subjetivam e me substantivam enquanto pessoa. Segundo porque na presente narrativa recordo, algumas vezes, palavras e ideias que fui intercambiando com dois parceiros de reflexão, a Fátima Paulo e o Pedro Oliveira. Facto que, parafraseando Camus,1 pela mais elementar honestidade não obsta a que cite diversos autores para responderem, como é natural, ao meu ponto de vista e aos meus entendimentos de conceitos e ideias. Para que não fiquem dúvidas começo por referenciar Han quando diz que a recordação é um processo narrativo e por isso se distingue da mera recuperação de um dado.2 É a recordação que concretiza a narrativa e esta ocorre no momento em que todo um emaranhado de significados e significantes se constituem como explicação de um mundo, o mundo vivenciado, o mundo que se torna familiar. É o familiar que sustenta a resistência e permite a inscrição no outro, mesmo que o familiar se realize, quantas vezes, no absurdo. O 1 Camus, A. M. (1985). Le Mythe De Sisyphe. Paris: Gallimard. 2 Han, Byung-Chul (2015). Psicopolítica. Lisboa: Relógio D’Água Editores, p. 76, aproprio-me da ideia do autor que contrapõe o conceito de recordação à deriva neoliberalista da subjugação à acumulação de dados, aquilo a que o autor denomina de “big deal”, parte de um processo que transforma os seres humanos em mercadoria.
  • 3. 3 absurdo que Camus diz “exigir a revolta”,3 uma não resignação. Tenho em mim que a revolta só é possível pela recordação porque, ao ser em si processo narrativo, a recordação permite todos os tempos e exige a vivência dos espaços e relações por isso, reafirmo, é a recordação que permite a narrativa. Narrativa que, neste caso, tenta dissociar-se do eu ser professor assim como recusa a narrativa da “autodeterminação” colada a um grupo de alunos específico que, em qualquer momento do seu percurso escolar incluindo o ensino terciário, por qualquer putativa singularidade, não tenham acesso a mecanismos de tomada de decisão. Esta narrativa recusa, também, a lógica de um “eu” e/ou um “nós” (pressupostamente com autodeterminação) em contraponto a um “eles” (pressupostamente sem autodeterminação). Regressando ao pensamento de Camus, esta narrativa tem como principal objetivo tornar familiar um mundo que nem sempre se me apresenta com clareza. Como já assumi esta narrativa pretende ser um exercício de revolta. Esta narrativa pretende falar da pessoa e da necessária subjetivação das suas singularidades para que possa inscrever-se no plano social e assim poder tomar decisões em liberdade, ser cidadão autodeterminado. Esta narrativa pretende falar da necessidade de um corte epistemológico em que autodeterminação é um conceito essencial à mudança de todo um sistema social e político bem como cultural, logo de todo um sistema educativo. 3 Camus, A. M (1985). Le Mythe De Sisyphe, op. cit., tomo a liberdade de utilizar, de alguma forma de modo exagerado, a expressão que Camus no Mito de Sísifo utiliza para ilustrar o sentimento de pertença relativamente a um mundo muitas vezes percecionado como absurdo. A pessoa em permanente procura de sentido, unicidade e clareza de um mundo que perceciona como ininteligível parece ter uma única resposta o suicídio a que Camus contrapõe a “exigência da revolta”. É por meio de um mecanismo de revolta que a pessoa chega a percecionar um mundo que se pode explicar tornando-se assim um mundo familiar.
  • 4. 4 2. Autodeterminação ou a recordação como narrativa da revolta Para que a narrativa se estruture no plano coletivo, começo por partilhar a recordação do II Congresso Internacional, Direitos Humanos e Escola Inclusiva: Múltiplos Olhares, onde também a vosso convite falei de “autodeterminação”. Então, em fevereiro de 2017, assumi o conceito de “autodeterminação” enquanto conjunto de práticas pedagógicas que pela sua generalização, precocidade e qualidade permitiriam com maior facilidade o desenvolvimento de aprendizagens ao longo de toda a escolaridade, incluindo o tempo de Jardim de Infância. Então, estava convicto que a acontecer a mudança de paradigma, como é tão banal dizer-se neste tempo sempre futuro, o absurdo da não equidade e da exclusão, por si, tornar-se-ia familiar, explicável e verdadeiro motivo de resistência. Pensava eu ter dado, então, algumas respostas para “deixar de ver no sistema escolar, tal como ele funciona, (…) uma verdadeira máquina infernal, se não programada” para concretizar a exclusão de algumas crianças de modo a “perpetuar e legitimar a dominação de classe, o acesso diferencial aos ofícios e às posições sociais”.4 Ingenuamente acreditei que a mudança, para que apontava, permitiria a todos os alunos participar no decorrer de todo o seu percurso escolar, mesmo para além da escolaridade obrigatória.5 Hoje, reconheço que em 2017 mais do que a recordação necessária à construção de uma narrativa que desenhasse a tal revolta 4 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims. Alfragide: D. Quixote, p. 113, integro nesta narrativa a ideia do autor que defende que a exclusão não radica nas singularidades individuais das pessoas, mas continua a centrar-se na diferença de classes, sendo que é agravada por algumas dessas singularidades. “Parece-me sobretudo incontestável que essa ausência do sentimento de pertença a uma classe caracteriza as infâncias burguesas. Os grupos dominantes não se apercebem de estar inscritos num mundo particular, situado (…)”, p. 92 5 Colôa, J. (2017). Participar para Além da Escola: Experiências para Aprendizagem de Qualidade e Autodeterminação, II Congresso Internacional Direitos Humanos e Escola Inclusiva: Múltiplos Olhares, Maria Leonor Borges, Cláudia Luísa, Maria Helena Martins (Coord.), pp. 112-127. Faro: Universidade do Algarve.
  • 5. 5 somente recuperei dados de um discurso advindo da euforia criada relativamente ao normalizado na Portaria n.º 201-C/2015, de 10 de julho, fruto de reivindicações de alguns professores e, essencialmente, de diversos grupos de pais que se organizaram para que fosse revogada a Portaria n.º 275-A/2012, de 11 de setembro. Na realidade, como constatamos hoje, esta revindicação não chegou a constituir-se como resistência, pois não chegou a inscrever-se com a força necessária para equacionar soluções que perdurassem no tempo. Algumas vezes perante putativas resistências o poder cria artefactos de governação, normativos, que mais não são que “escapes” temporários para aliviar a pressão, anular o desconforto e as vozes críticas. Deste modo legitimam-se tomadas de decisão na ilusão de transferência de poder.6 Recordo ter, também eu por aquele então, discorrido num artigo sobre a Portaria 201-C/2015 quanto a expressões como universalidade, inclusão, funcionalidade, individualização e autodeterminação. Sem me aperceber debitava o discurso “da mudança de paradigma”, da “inclusão”, do “pacto social”, onde celebrava a oportunidade de definir todos os indivíduos “como iguais de direito”.7 Especificamente quanto à expressão “autodeterminação” escrevia, nesse artigo, ser conceito central de um modelo de ação funcional de promoção da participação e do acesso ao currículo de todos os alunos.8 Voltando ao citado Congresso, onde vivenciava, pela publicação da Portaria 201- C/2015, o rescaldo de uma vitória que sentia também como minha, apregoava que: Participar em todos os contextos de vida, tomar decisões associadas a essa participação e responsabilizar-se pelas escolhas feitas é condição social de afirmação e vivência de todas as pessoas enquanto seres sociais. Desta premissa decorre a importância de fomentar, desde muito cedo, a autodeterminação dos alunos nas nossas escolas.9 Chamo a atenção para o meu discurso nesse fevereiro de 2017, onde embora sublinhe o sentido “do todos”, palavras como “responsabilizar-se” afirmam, contraditoriamente, a natureza do “eu” pressupostamente normal-igual e do “outro” pressupostamente anormal- desigual. Assinalo, assim, possíveis contradições entre o discurso de 2017 e a presente 6 Acolho um comentário da Fátima Paulo numa primeira leitura que fez da minha narrativa. 7 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit, remeto para a ideia do autor que defende que com estes discursos, característicos do neoliberalismo as pessoas, os grupos dominados são “chamados a esquecer os seus «interesses particulares»”, p. 120 8 Colôa, J. (2017a). A Portaria 201-C/2015 - Construtos da Transição para a Vida Pós-Escolar, Educação Inclusiva, Vol.8 (1). 9 Colôa, J. (2017). Participar para Além da Escola: Experiências para Aprendizagem de Qualidade e Autodeterminação, op. cit, p. 112
  • 6. 6 narrativa. Então valorizava as atitudes de autodeterminação e defendia que deviam assumir centralidade em qualquer currículo que se afirmasse ser do século XXI. A esta afirmação do poder da escola e do ser professor acrescentava o argumento de estar provada a relação entre a promoção de tais atitudes e a melhoria dos resultados escolares. Esta hoje credulidade discursiva cola-se na presente narrativa, com o tempo e por consequência de diversos absurdos, não só contraditória, mas também como intenção retórica. Uma retórica que esquecia o papel da escola na afirmação do poder que reinveste continuamente a pretensa legitimidade social de uns por contraponto à pretensa ilegitimidade social de outros.10 No entanto, digo-vos que o discurso foi proferido em completa liberdade, qual maximização da capacidade de exercer o poder e afirmar, na minha deriva emocional e plena de positividade, a vontade de também eu ser peça na mudança de um qualquer putativo paradigma. Afinal, na ilusão da afirmação da expressão “autodeterminação” dei-me à mera experiência de um jogo afetivo no qual, então, esqueci que a autodeterminação se impõe na revolta como atitude explicita que se constrói na perceção da afirmação de um continuo futuro em que alguns se furtam à narrativa. Esqueci também, então, que é no controle desse futuro que a deriva neoliberal não se deixa “ludificar”. Nas políticas neoliberais “a duração e a lentidão não são compatíveis com a temporalidade do jogo”.11 Nesta lógica política recordo, ainda, que a Portaria das minhas emoções, à qual aludi e com a qual quiçá me iludi em 2015, foi revogada em 2018 pelo Decreto Lei 54/2018. Assim enfrentei, mais uma vez, a ausência da força da dialética que “surge da tensão temporal entre um já e um ainda não, entre o acontecido e o futuro”12 , porque no neoliberalismo o tempo é sempre futuro. Sem recordação, logo sem narrativa, no Decreto Lei 54/2018 a expressão “autodeterminação” é acantonada numa putativa alínea f). Embora melhor que na versão do Decreto Lei 54/2018 disponibilizada para discussão pública, onde o conceito de autodeterminação era inscrito com base numa perceção restritiva e mesmo preconceituosa, ou seja muito pouco inclusiva e remetendo para conceções de processos de pensamento (quiçá inteligência), hoje completamente refutados; ficou-nos um parágrafo onde sem glória 10 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit., parece-me de toda a pertinência a ideia do autor quando define a escola como o cenário de uma batalha contra os dominados. Uma guerra na qual os professores podem muito pouco contra as forças de uma determinada ordem social que se impõem contra tudo e todos. 11 Han, Byung-Chul (2015). Psicopolítica, op. cit. p. 59. Sinto que eu próprio cai na armadilha do discurso neoliberal que, como afirma o autor, subjuga pela otimização permanente do sujeito. Uma otimização que não é imposta pelo outro, mas por mim sobre mim próprio porque a inteligência do regime neoliberal reside na habilidade de conseguir que a pessoa direcione a agressão a si mesma. A pessoa é enredada num discurso de positividade e transparência, um jogo de palavras em que o poder procura “agradar em vez de submeter”. Assim nesse encorajamento à comunicação somos doutrinados pelo nosso próprio discurso e numa emoção dataista tentamos colmatar “sentidos de vazio”. 12 Han, Byung-Chul (2016). O Aroma do Tempo: Um Ensaio Filosófico Sobre a Arte da Demora. Lisboa: Relógio D’Água Editores, p. 19
  • 7. 7 e relação com outros conceitos, como acontecia na Portaria n.º 201-C/2015, o normativo nos remete para expressões como autonomia, interesses, preferências, identidade cultural e “exercício do direito de participação na tomada de decisões”.13 Cumpre-se assim o poder da prescrição também no que se refere à “autodeterminação”. Os discursos meramente instrumentais e tecnocráticos do poder neoliberal concretizam, mais uma vez, o sentido de homogeneização e, embora argumentando a mudança, negam qualquer reivindicação de uma direção filosófica.14 Como me dizia a Fátima Paulo: Achar que se educa para a obediência, para o conformismo, para o comportamento pró-social e quando a personalidade já está devidamente formatada, entreabrir uma janela – não uma janela qualquer, mas aquela que permite vislumbrar o revés do mundo que nos interessa mostrar e que reforça a mensagem dominante – e chamar a isso autodeterminação. É muito poucochinho.15 Os tais novos paradigmas continuam a oferecer-nos sempre anunciadas “reformas” que mais não são que tentativas de regresso ao status quo de pressupostos mais tradicionais e segregadores.16 A continua subjugação das minorias, dos “sem poder”17 , como afirma gostar mais de dizer o Pedro Oliveira. Neste jogo de espelhos onde não existe revolta nem empoderamento dos “sem poder”, a expressão autodeterminação desguarnecesse-se de força conceptual e reduz-se a mera intenção retórica e, na liberdade que o parágrafo do Decreto Lei 54/2018 parece oferecer, ela própria se torna instrumento de autossubjugação normalizadora e culpabilizadora. Chegado aqui, já não chega à expressão autodeterminação ser a tal narrativa que advém da recordação e que possibilita a revolta. Para que autodeterminação seja empoderamento tem que se tornar vivência, ser familiar e para isso necessita gerar conhecimento e ter força de conceito.18 13 Decreto-Lei 3/2008, Diário da República, 1.ª série — N.º 129 — 6 de julho de 2018, p. 2920 14 Fulcher, G. (1989). Disabling Policies? A Comparative Approach to Education Policy and Disability. London: Falmer. 15 Texto que é parte de um comentário registado numa conversa que mantivemos sobre o conceito de autodeterminação. 16 Ferri, B. A. (2016). Response to Intervention: Persisting Concerns, The Context of Inclusive Education – Theories, Ambivalences, Operators, Concepts, B. Amerhein & K. Ziemaqu (Eds), (7-21). Dortmund: Verlag Ketller. 17 Denominação utilizada pelo Pedro Oliveira num texto publicado num grupo de discussão do Facebook (o soberano, eu) e mais tarde repetida numa troca de ideias sobre o conceito de autodeterminação. 18 Han, Byung-Chul (2015). Psicopolítica, op. cit., como o autor afirma, discorrendo sobre o pensamento hegeliano, o neoliberalismo com o dataismo substitui a causalidade pela correlação, substitui o porquê e assim os conteúdos tornam-se “aconceptuais”. Com base na ideia de conceção do objeto em Hegel, Han afirma que “só o «conceito» gera o conhecimento. (p.78).
  • 8. 8 3. A afirmação do familiar na concetualização da autodeterminação Desde longos tempos que a expressão autodeterminação tem fortes conotações com movimentos sociais que, por vezes, coincidem com as lutas de toda uma população, de todo um povo na reivindicação à livre escolha na determinação de caminhos pessoais e sociais. Primeiro entendida numa dimensão mais externa muito relacionada e, em determinados discursos, quase confundida com a expressão “descolonização”, o termo “autodeterminação” reinventa-se no início dos anos noventa do século passado assumindo essencialmente uma dimensão interna que remete para o direito, de cada pessoa, a participar nos processos decisórios do estado.19 Atualmente a expressão autodeterminação é assumida como um princípio fundamental, tendo sido formalmente inscrita na Carta das Nações Unidas e incluída em diversos documentos internacionais. No entanto, apesar da força da sua expressão nem sempre o conceito é entendido de forma pacifica o que afeta seriamente o seu exercício enquanto direito. Por um lado, reconhece-se que houve avanços na perceção social da diferença um caminho que se iniciou por uma abordagem caritativa, passando-se a uma abordagem médica e, posteriormente, a abordagens sociais e de direitos humanos. Como refere Oliveira: É este o contexto e as origens do chamado “modelo de caridade” ou “modelo médico” onde a “normalidade” passa a ser determinada pelo ideal do corpo masculino jovem, branco, capaz, e qualquer 19 Griffioen, C. (2010). Self-Determination as a Human Right the Emergency Exit of Remedial Secession, Utrecht: Science Shop of Law, Economics and Governance, Utrecht University.
  • 9. 9 desvio a este ideal era entendido como algo inferior. De acordo com este modelo, a incapacidade do indivíduo reside no próprio, sem considerar o ambiente físico e social. 20 Por outro lado, porque coexistem ainda hoje os vários modelos de entendimento, na prática continuam a estabelecer-se em diversos planos da sociedade processos de subjugação com base no binómio de normal-anormal.21 A verdade é que normalidade e a-anormalidade são realidades imbricadas entre si, contextuais e relativas a tempos espaços e grupos sociais. Ideia defendida por Eribon, o que o leva a afirmar a desconfiança relativamente a algumas injunções à a-normalidade dirigidas a determinadas pessoas e/ou grupos de pessoas, muitas vezes, por “defensores – também eles muito normativos, no fundo – de uma não- normatividade erigida em «subversão» prescrita (…)”.22 Como defendem alguns teorizadores do modelo social os mecanismos atuais de direitos humanos são frágeis porque se apresentam parciais e ideológicos e falham porque muitas vezes são incapazes de desafiar as estruturas de poder existentes.23 Estruturas de poder que já não se reduzem a um lugar nem se confinam ao aparelho de estado ou de um qualquer governo. Perante a deriva o poder já não se joga só entre a governamentalidade e a governamentalização.24 O poder perceciona- se disseminado em todas as esferas sociais visando a obtenção de maior eficácia política. É uma forma de dominação que se centra na produtividade transformadora e educativa e que se exerce em todo o tecido social através de uma rede de micropoderes.25 Uma ação que, 20 Oliveira, P. N. (2009). Movimento Vida independente. Rumo a uma Cidadania Activa: Soluções Concretas, Direitos Reais!, Sociedade e Trabalho (39), pp. 57-70, p. 60 21 Foucault. M. (2002). Vigiar e Punir, Nascimento da Prisão. Lisboa: Editora Vozes. Foucault. M. (1998). A História da Sexualidade I – A Vontade de Saber. Lisboa: Relógio de Água, Acolho nesta narrativa o sentido, presente no pensamento do autor, de normal-anormal, dentro da norma-fora da norma, conjunto de atributos concebidos partir de práticas sociais de controle, vigilância e do exame. Em Vigiar e punir e na História da sexualidade: a vontade de saber, Foucault sublinha a relação entre estes dois mecanismos e as relações de poder que se traduz no surgimento de uma nova forma de dominação, agora já não violento e repressivo mas apresentado e entendido, tanto por dominados como por dominadores, como produtivo, transformador e educativo, exercido por uma rede de poderes sociais, nomeadamente pelo próprio individuo. 22 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit., p. 64 23 Pteri, G.; Beadle-Brwn, J. & Bradshaw, J. (2017). More Honoured in the Breach than in the Observance — Self-Advocacy and Human Rights. Canterbury: Tizard Centre, University of Kent 24 Foucault. M. (1982). Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, parece-me interessante esta distinção estabelecida por Foucault entre governamentalidade e governamentalização. A primeira como o exercício do poder de determinada população, mas eivada de uma dimensão moral, associada ao governo de si e que, portanto, exercia o poder com respeito pelo privado e a segunda como governo do outro sem que seja respeitada a sua singularidade e o seu processo de subjetivação, mas sobrevalorizando o processo de objetivação e de representação de um “eu” idealizado, legitimado por um discurso de verdade absoluta. A governamentalização impõe- se na vida das pessoas, confundindo-se com ela disciplinando-a e regulando-a nos mais pequenos pormenores políticos, sociais e culturais, recorrendo a todos os subterfúgios administrativos (criando quase um mundo kafkiano) e com base numa racionalidade económica que domina e controla o mais íntimo da pessoa enquanto entidade individual. O processo de governamentalização enquanto poder da norma que Foucault descreve em Vigiar e Punir. A norma que na sua concretização não só se dirige à pessoa mas dirige a pessoa e aponta e controla o próprio corpo. 25 Foucault, M. (1994). Le Sujet et le Pouvoir, Dits et Ecrits IV. Paris: Gallimard, p. 222-243.
  • 10. 10 pelo isolamento, retira à pessoa a capacidade de ação comum, a liberdade e o poder do coletivo. Deste modo envolvido num discurso de positividade e rendimento o sujeito auto- exerce uma autossubjugação repressiva.26 A pessoa é, assim, sujeito e objeto da subjugação. Desta forma o neoliberalismo nega, muitas vezes recorrendo a um quadro discursivo de igualdade de direitos, a existência de uma polaridade entre subjugadores e subjugados.27 Neste jogo de espelhos e, por vezes, em nome da “autodeterminação”, mas mais num papel de autorrepresentação, algumas pessoas esgrimem a sua singularidade enquanto coletivo, na tentativa de se objetivarem socialmente no outro, mas exprimem-se adotando o ponto de vista de um poder normalizado, contra o qual se deviam rebelar.28 Nesta perspetiva algumas pessoas no desempenho de funções de liderança nomeadamente política tomam decisões meramente simbólicas direcionadas a grupos específicos socialmente sub-representados, como diria o Pedro Oliveira, direcionadas aos “sem poder”.29 Nestes casos estamos perante um papel de autorrepresentação mais do que de autodeterminação, mesmo que por vezes essas lideranças se inscrevam num coletivo, alargado de pessoas (e.g. caso da deficiência), para de forma artificial legitimarem a tomada de decisão quantas vezes politica.30 Com esta manobra, tão em voga nos tempos atuais, passa-se a imagem de uma identidade coletiva e sob um discurso de exercício de igualdade de direitos, ativam-se agendas pessoais e/ou de grupos específicos, dentro desses tais grupos alargados. Agendas nem sempre compatíveis com o direito a todas as pessoas, ditas representadas, exercerem o poder e a liberdade de decidir em livre escolha, ou seja, exercerem o direito à autodeterminação. Assim na ilusão da conquista de igualdade de direitos e poder de participação e decisão, estamos novamente perante o binómio de subjugadores e subjugados. Deste forma tanto uns como outros (subjugadores e subjugados) tomam como suas medidas tecnocráticas pressupostamente destinadas à independência e autonomia, quiçá referindo-se a “autodeterminação”, de grupos considerados minoritários. Políticas desenvolvidas sob a retórica da inclusão que se tornou, assim, numa metáfora do 26 Han, Byung-Chul (2015). Psicopolítica, op. cit., inscrevemos a ideia da disseminação social de poder presente em Foucault, numa lógica de eficácia política e que reage em consonância tanto em níveis macro como micro e transforma o sujeito no próprio agente de autodominação. Ligado a esta ideia e como defende Han a pessoa culpabiliza-se pelo possível fracasso (e acrescento pela sua singularidade), responsabilizando-se em vez de responsabilizar os mecanismos sociais de repressão, ou seja, deixa de querer conseguir resistir, às vezes pela própria ilusão de detenção de poder e tomada de decisão em liberdade. 27 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit. 28 Camus, A. M. (1985). Le Mythe De Sisyphe, op. cit, estamos mais uma vez perante o dilema colocado por Camus, anteriormente aludido ( “suicídio” - “revolta”). 29 Como já antes referenciamos esta expressão foi retirada de um texto publicado num grupo de Facebook (O Soberano, eu) e também utilizada numa troca de mensagens sobre autodeterminação que mantive com o Pedro Oliveira. 30 Beckwith, Ruthie-Marie, Mark G. F. & James W. C. (2016). Beyond Tokenism: People with Complex needs, Leadership Roles: A review of the literature. Inclusion, 4, pp. 137–55.
  • 11. 11 desenvolvimento do capital humano, mas em que a cidadania foi substituída pela individualização dos direitos no sentido da promoção de interesses sociais, culturais e económicos dominantes.31 As atitudes e as ações de autodeterminação só serão eficazes se estiverem avisadas relativamente à retórica mesmo quando é esgrimido o argumento dos direitos humanos. Os processos de autodeterminação só serão eficazes se essas atitudes e ações visarem mudanças políticas, económicas e culturais mais profundas e que se estruturem social e culturalmente para lá da pressuposta singularidade de alguns grupos32 , vistos como minoritários. Neste momento da narrativa parece-me importante recordar duas realidades que em tempos vivenciei e que denominarei de duas estórias. A primeira estória tem como agente principal uma pessoa entre os 40 e os 45 anos, chamemos-lhe António. Em tempos uma colega, há pouco investida da função “ser professora de educação especial”, manifestou vontade em visitar uma instituição direcionada a determinadas pessoas com determinada “categoria de deficiência”. Dizia ela que nunca tinha estado numa instituição de educação especial. Após alguns contactos tivemos autorização para fazer tal visita que, da minha parte, realizei sem qualquer tipo de novidade. Passemos ao relato concreto de uma parte da estória, pois para esta narrativa interessa-me, tão somente, de entre vários episódios, o que se passou numa sala de atividades. Nesse espaço uma monitora explicava-nos, verdadeiramente entusiasmada e com sincero sentido de pertença, como naquela sala se faziam objetos em tecido (sacos, tapetes, etc.) para serem vendidos, mostrando-nos alguns desses objetos. A determinado momento entra o António. O António vinha do seu quarto, uma porta situada literalmente ao lado da porta da sala de atividades. O António apresentava-se de chinelos, pijama e um casaco pelos ombros e de andar lento arrastou-se até meio da sala e perguntou, numa voz também ela arrastada, se tinham trabalho para ele. A monitora respondeu-lhe: - Agora não tenho nada para ti, podes ir descansar. O António rodou com lentidão, mas de imediato e, sem uma palavra e novamente arrastando-se, saiu da sala de atividades e entrou no seu quarto. Hoje, como então, afirmaria que o António estava abundantemente medicado e que grande parte dos tais trabalhos para venda eram sobretudo ação das monitoras. 31 Persson, B. & Berhanu, G. (2005). Politics of Difference: The Emergence of Special Needs in a School for All. (Research Programme) Project Document. Göteborg University. 32 Pteri, G.; Beadle-Brwn, J. & Bradshaw, J. (2017). More Honoured in the Breach than in the Observance — Self-Advocacy and Human Rights, op. Cit.
  • 12. 12 A segunda estória conta-nos um Martim, chamemos-lhe assim, que frequentava o 3.º ou o 4.º ano de escolaridade, já não me recordo, de uma escola do 1.º ciclo de Lisboa. Quando entrou na escola, muita da atividade do Martim passava-se no que se denominava Unidade de Ensino Estruturado. Ação que, com o tempo, passou a ser quase exclusivamente desenvolvida em sala de aula. No entanto tinha ficado o hábito, ao Martim, de quando estava no pátio na hora do recreio, utilizar a casa de banho dessa Unidade em detrimento de uma outra que era utilizada, nos momentos do intervalo, por todos os seus colegas e que se situava ao lado do refeitório. Um desses dias em que o Martim se dirigiu à casa de banho, cruzou- se com uma educadora de infância que o conhecia do Jardim de Infância que tinha frequentado anteriormente e, com uma atitude de admiração e estranheza, olhou fixamente a educadora. Esta também admirada por o reencontrar e, sobretudo, por percecionar que controlava e decidia a sua própria atividade como qualquer outro aluno, cumprimentou-o e perguntou-lhe se a recordava. O Martim respondeu-lhe a uma saudação formal que ela lhe dirigiu, estendeu-lhe a mão e posteriormente dirigiu o seu olhar para mim. Talvez seja importante dizer, agora, que o Martim não recorre à verbalização no decorrer do ato comunicativo. Do seu comportamento nomeadamente do olhar, que dirigiu alternadamente de mim à educadora e movimento de cabeça o Martim apresentou-nos formalmente. Eu correspondi ao seu comportamento socialmente adequado e, independentemente de já termos sido apresentados e de nos termos cumprimentado, quando o Martim não estava presente, cumprimentei novamente a minha colega com um aperto de mão, referindo o meu nome. De seguida o Martim deu a mão à educadora e dirigiu-a ao 2.º andar, eu segui-os interrogando- me sobre o que quereria o Martim dizer, mostrar, onde se dirigia. A minha colega olhou-me como que perguntando o que fazer. Eu limitei-me a dizer para seguirmos o Martim e entendermos o que de importante tinha para nos dizer. Já no 2.º andar entrou na sua sala de aula que estava vazia porque era a hora do intervalo e, de mão dada com a educadora, dirigiu- se a uma mesa onde estavam os dossiês dos alunos. Largando a mão da educadora pegou no seu dossiê e entregou-lho. Ao mesmo tempo o Martim olhou-a e numa atitude de espectativa e de satisfação esperou dela feddback.33 33 Talvez corra o risco do exagero, talvez seja um abuso, mas parece-me importante inserir como nota a este episódio parte do comentário da Fátima Paulo quando fez uma primeira leitura da minha narrativa. Ao negar o conhecimento negamos a oportunidade de autodeterminação “ao excluir a aprendizagem, este é talvez o maior mal que se faz a estes miúdos, privá-los da sensação de ser capaz. Realizar o trabalho permite obviamente a aprendizagem, a aquisição de competências, etc, mas mais do que tudo isso ou pelo menos tão importante como tudo isso, a autovalorizarão, o retorno positivo, um certo orgulho – numa perspetiva positiva de autoconstrução, porque quer queiramos quer não, só nos revemos aos / nos olhos dos outros. Só com esta estrutura se resiste às ofensas do mundo e se parte à conquista desse mesmo mundo. Para todos é banal, os miúdos serão invariavelmente bons em alguma coisa, nem que seja a jogar futebol ou videojogos, depois há os miúdos que só ouvem nãos, repreensões e descrédito. Ter um dossier
  • 13. 13 As duas estórias são recordações que servem de mote para um final da narrativa do presente ponto, ou seja, a ilustração de que “autodeterminação nunca significou apenas independência, mas significa a livre escolha das pessoas”.34 Um exercício do poder que é tomado individualmente e objetivado coletivamente, num tempo e num espaço em que a pessoa se inscreve com base num conjunto de vivências que identifica como comuns e importantes ao robustecimento da sua identidade e cidadania. Esta inscrição só é possível quando realizada em tempos e espaços sociais nos quais, mais do que acumularmos experiências, construímos e integramos, com sentido de pertença, vivências organizadas pela subjetivação da singularidade. Vivências que a qualquer momento, pela recordação, poderão ser narrativas e constituírem-se como mecanismo de resistência a um determinismo social e institucional. Autodeterminação é o assumir do poder e a tomada de decisão em liberdade, objetivando-nos no outro e no espaço social enquanto pessoas de direito. Ao contrário a sobreposição do conceito de “autodeterminação” ao de independência e autonomia bem como ao de autorrepresentação e mesmo de representação de grupos restritos e confinados a características socialmente atribuídas, mais não é que uma nova “estratégia intelectual, hipócrita e tortuosa”, para anular qualquer resistência, qualquer revolta que ponha em causa o sentido de “reprodução e de transformação das estruturas sociais, de inércia e de dinâmica” dos mecanismos de poder.35 A autodeterminação não é um conceito que se relacione com atitudes de compaixão ou ações caritativas, como tantas vezes a vê o 3.º setor, mas é um conceito que se afirma pela dignidade e liberdade, pela subjetivação da singularidade, de formas de apoiar, valorizar e respeitar essa singularidade criando-se condições que permitam a participação da pessoa. Autodeterminação não conjuga com a criação de políticas e normativos especiais, nem rima com a menorização de algumas pessoas com base nas suas singularidades nem com a mimetização, quantas vezes ridícula, de transferência de poder e de substituição na tomada de decisão. O pressuposto de que a pessoa exerce poder porque outra pessoa lho concedeu, lho transferiu é em si mesmo um mecanismo de subjugação. Autodeterminação é a tomada de decisão em liberdade, mesmo que essa tomada de decisão seja, por vezes, apoiada (o que para mostrar é um bocadinho ter nas mãos a espada do rei Artur. No pólo oposto, não vou especular sobre os danos que provoca atribuir trabalhos feitos por outros ao próprio, mas imagino que no mínimo seja a imposição da alienação total”. 34 Higgins, R. (1994). Problems and Process: International Law and How We Use It. New York: Oxford University Press, p. 119 35 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit. pp. 120-121, talvez de forma abusiva exploro a ideia do autor relativamente a uma “esquerda” política que passou a ter o discurso dos governantes, contribuindo para o sedimentar das políticas neoliberais e concorrendo para o esvaziamento do conceito de luta de classes. Na presente narrativa parece-me que esta ideia de discurso do poder se aplica aos movimentos de autoafirmação (mais do que de autodeterminação) dos deficientes e dos homossexuais, só como exemplo. Em Portugal a ação, mas sobretudo o discurso emanado da secretaria de estado dita para a inclusão é bem ilustrativo desta realidade.
  • 14. 14 não é sinónimo de menorização e/ou substituição). Todos nós, em determinados momentos, tomamos decisões apoiadas. Autodeterminação ao implicar a subjetivação da singularidade, apela à inscrição em tempos e em espaços múltiplos, livremente escolhidos, individual e coletivamente assumidos e vivenciados com e num sentido de pertença. James Baldwin fala destas dinâmicas quando refere a sua resistência em pertencer a diversos grupos, ao longo da sua vida, até como forma de preservar a sua liberdade.36 Em parte o Pedro Oliveira também sublinha o facto de se pertencer a alguns grupos, pressupostamente em nome da autodeterminação, numa “mentalidade do oprimido” baseada em singularidades que se homogeneízam e mimetizando-se, algumas vezes, as lógicas do poder excludente. Um exercício de autodeterminação que obriga aos mesmos tempos, aos mesmos espaços de inscrição e representação e às mesmas linguagens.37 Contrariamente autodeterminação é, em si mesma, o exercício do poder que na subjetivação das singularidades permite a objetivação e a inscrição da pessoa, pela relação, em espaços múltiplos e vivências diversificadas. Autodeterminação é, pela resistência, a tomada de decisão em liberdade, ou seja, é a tomada do poder. 36 Referimo-nos às palavras de James Baldwin em “Eu não sou o teu negro” quando refere o seu desinteresse em pertencer a alguns grupos como os pantera negra, congregações cristãs, associação nacional para o progresso de pessoas de cor,… 37 Acolho a ideia que o Pedro Oliveira sublinhou em comentários inscritos numa leitura que fez a uma primeira versão desta narrativa, referenciando textos seus presentes num grupo de discussão do Facebook (o soberano, eu). No entanto esta ideia já foi referenciada nesta narrativa anteriormente, realçando-se que mais do que autodeterminação, nestes casos estamos perante situações de autorrepresentação, quantas vezes assente em agendas pessoais e/ou grupais especificas.
  • 15. 15 4. Autodeterminação, poder e liberdade de tomar decisões na singularidade A autodeterminação só é possível quando imbricada num processo de vivencia de si, ou seja, quando a pessoa desenvolve um processo de subjetivação nas suas singularidades. Quando o “eu” se torna objeto de si mesmo. Um processo da conquista do domínio do “eu”, possível numa verdade não condicionada por determinantes externos, como por exemplo estatuto, classe social, etc.38 , ou quaisquer outras representações socialmente construídas. É o processo de subjetivação que permite à pessoa “sustentar e dar um sentido à sua «diferença» e, por conseguinte, construir um mundo, forjar um ethos diverso (…).”39 A subjetivação contem em si o significado e o sentido de liberdade uma vez que aquilo que se quer não é “determinado por tal ou qual acontecimento, por tal ou qual representação, por tal ou qual inclinação. Querer livremente é querer sem qualquer determinação (…)”.40 O conceito de subjetivação robustece o conceito de autodeterminação, porque a sua vivência se constitui como primeira condição da pessoa autodeterminada. A força do conceito de autodeterminação é força maior porque a subjetivação é concomitante ao desenvolvimento de um processo de resistência e a liberdade é entendida, neste processo, como a condição que possibilita essa resistência, o exercício do poder. O poder da tomada de decisão em liberdade que se substantiva na relação com o outro, pela objetivação da pessoa num espaço e num tempo plurais de relação,41 potenciadores da recordação que dá corpo às narrativas e 38 Foucault, M. (2004). A Hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes. 39 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit., p.155 40 Foucault, M. (2004). A Hermenêutica do Sujeito, op. cit., p. 163 41 Foucault. M. (1982). Microfísica do Poder, op. cit.
  • 16. 16 à ação. “De fato, aquilo que define uma relação de poder é um modo de ação que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre a sua própria ação. Uma ação sobre a ação, sobre ações eventuais, ou atuais, futuras ou presentes.”42 Isto quer dizer também que: O poder não é da ordem do consentimento; ele não é, em si mesmo, renúncia, uma liberdade, transferência de direito, poder de todos e de cada um delegado a alguns (o que não impede que o consentimento possa ser uma condição para que a relação de poder exista e se mantenha); a relação de poder pode ser o efeito de um consentimento anterior ou permanente; ela não é, em sua própria natureza, a manifestação de um consenso.43 O poder entendido como algo que circula, como uma vontade, uma resistência que é exercida em rede, ou seja, todas as pessoas, com acesso aos centros de transmissão, estão em posição de exercer poder e todas as pessoas estão em posição de perder esse exercício.44 Poder e resistência são assim condições interdependentes que determinam a verdade. Condições intrínsecas às relações entre as pessoas enquanto sujeitos coletivos que só o são porque vivenciam “um campo de possibilidades em que várias maneiras de se comportar, várias reações e diversos comportamentos podem ser realizados.”45 Como diz Danspeckgruber, “Nenhum outro conceito é tão poderoso, visceral, emocional, indisciplinado, nem tão íngreme na criação de aspirações e esperanças como é autodeterminação.”46 Para reforçar esta ideia aproprio-me das palavras da Fátima Paulo que, em resposta às minhas dúvidas, afirmava, parafraseando Kierkegaard, que “autodeterminação é a vertigem da liberdade”.47 Completada a tentativa de definir e clarificar o conceito de autodeterminação, ou melhor, a tarefa de narrar o conceito, tomo a liberdade de me apropriar das palavras de Eribon para inscrever nesta narrativa um desafio final: 42 Foucault. M. (2009). O Sujeito e o Poder, Michel Foucault. Uma Trajetória Filosófica. Para além do Estruturalismo e da Hermenêutica, Hubert L. Dreyfus e Paul Rabinow. Rio de Janeiro: Forense Universitária, pp 231-249, p. 243 43 Ibid. 44 Foucault. M. (1982). Microfísica do Poder, op. cit. 45 Ibid, p. 221 46 Danspeckgruber, W. (1999). The Implementation of the Right to Self-Determination as a Contribution to Conflict Prevention, Report of the International Conference of Experts held in Barcelona organized by the UNESCO Division of Human Rights Democracy & Peace e Centre UNESCO de Catalunya, M. C. van Walt van Praag & O. Seroo (eds.), p. 10 47 Expressão registada numa conversa mantida com a Fátima Paulo relativamente ao conceito de autodeterminação.
  • 17. 17 Eis-nos aqui regressados à questão de saber quem é que tem direito à fala, quem participa e de que maneira nos processos de decisão, isto é, não apenas na elaboração das soluções, mas também na definição coletiva dos problemas que é legitimo e importante abordar.48 Bem-hajam por me ouvirem 48 Eribon, D. (2019). Regresso a Reims, op. cit., p. 146