1. A natureza da literatura infantil
Nelly Novaes Coelho
A literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte:
fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através
da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais
e sua possível/impossível realização ...
Literatura é uma linguagem específica que, como toda linguagem,
expressa uma determinada experiência humana,
e dificilmente poderá ser definida com exatidão.
Cada época compreendeu e produziu literatura a
seu modo. Conhecer esse "modo" é, sem dúvida,
conhecer a singularidade de cada momento da
longa marcha da humanidade em sua constante
evolução. Conhecer a literatura que cada época
destinou às suas crianças é conhecer os ideais e
valores ou desvalores sobre os quais cada
sociedade se fundamentou (e se fundamenta ... ).
Em linhas gerais, as interrogações dos
estudiosos quanto à natureza e ao objetivo da
literatura incidiram sobre certos pontos que de
época para época são reavaliados. Os principais
seriam:
1. Literatura, como arte da palavra, é um jogo descompromissado, que visa
apenas o prazer estético, ou visa transmitir conhecimentos ao homem?
2. Literatura é fruto da imaginação criadora, livre? Ou é condicionada por
fórmulas, conceitos ou valores que a sociedade impõe ao escritor? Ou ainda,
literatura é criação individual ou social?
3. A literatura é necessidade vital para o homem, ou é mera gratuidade,
entretenimento que nada acrescenta de essencial à vida humana?
4. Há uma essência eterna e substancial da literatura, ou ela é uma forma
estética da práxis social? É ela um epifenômeno dependente do progresso
ou da alteração das condições de produção e consumo da obra, vigentes em
cada época ou em cada sociedade?
As interrogações poderiam multiplicar-se. Mas cada resposta a essas
preocupações de natureza literária dependerá sempre de uma opção
ideológica, extraliterária (seja esta consciente ou inconsciente ... ). Como
essas opções são múltiplas e mudam continuamente, fácil é
compreendermos a quase impossibilidade de se chegar a uma definição
clara e unívoca do que seja literatura. Jamais se conseguiu definir a vida de
modo cabal e definitivo.
Fenômeno visceralmente humano, a criação literária será sempre tão
complexa, fascinante, misteriosa e essencial, quanto a própria condição
humana. Em nossa época de transformações estruturais, a noção de
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