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A literatura e a formação do homem
Nesta palestra, desejo desejo apresentar algumas variações sobre a função
humanizadora da literatura, isto é, sobre a capacidade que ela tem de
confirmar a humanidade do homem. Para esse fim, começo focalizando
rapidamente, nos estudos literários, o conceito de função, vista como papel que
a obra literária desempenha na sociedade. Este conceito social de função não
está em voga, pois as correntes mais modernas se preocupam sobretudo com
o de estrutura, cujo conhecimento seria, teoricamente, optativo em relação a
ele, se aplicarmos o raciocínio feito com referência a história. Que
incompatibilidade metodológica poderia existir entre o estudo da estrutura e o
da função social? O primeiro pode ser comparativamente mais estático do o
segundo, que evocaria certas noções em cadeias, de cunho mais dinâmico,
como: atuação, processo, sucessão, história. E daí bastaria um passo para
Mas ainda: a ideia de função provoca não apenas uma certa inclinação para o
lado do valor, mas para o lado da pessoa, no caso, o escritor (que produz a
obra) e o leitor, coletivamente o público (que recebe o seu impacto). Ora, uma
característica do enfoque estrutural é não apenas concentrar-se na obra
tomada em si mesma (o que aliás ocorria em outras orientações teóricas
anteriores). Eles não seriam a-históricos, mas talvez trans-histiricos, porque
possuem generalidade e permanência muitos maiores, em relação as
manifestações particulares, (obras) que passam para o segundo plano como
capacidade explicativa. O ponto de vista estrutural consiste em ver as obras
com referências aos modelos ocultos, pondo pelo menos provisória e
metodicamente entre parêntese os elementos que indicam a sua gênese e a
sua função num momento dado, e que portanto acentuam o seu caractere de
produto contingente mergulhado na história. Isto é dito para justificar a
afirmação inicial: que os estudos modernos de literatura se voltam mais para
estrutura do que para função. Seria possível, no entretanto, focaliza-la? É claro
desde que não queiramos substituir um enforque pelo outro. O enforque
estrutural (inclusive sob a modalidade mais recente, conhecida como
estruturalismo) é responsável pelo maior avanço que estudos literários
conheceram em nosso tempo. Voltando aos pontos de referência mencionados
acima: na medida em que nos interessa também como experiência humana,
não apenas como produção de obras consideradas projeções, ou melhor
transformações de modelo profundos, a literatura desperta inevitavelmente o
interesse pelos elementos contextuais. Mesmo que isto nos afaste de uma
visão cientifica, é difícil pôr de lado os problemas individuais e sociais que dão
lastro-as obras e as amarram ao mundo onde vivemos. Digamos, então, para
encerrar esta introdução: há no estudo da obra literária um momento analítico,
se quiserem de cunho cientifico, que precisa deixar em suspenso problemas
relativo ao autor, a atuação psíquica e social, a fim de reforçar uma
concentração necessária na obra como objeto de conhecimento. Tendo assim
demarcado os campo, vejamos alguma coisa sobre a literatura como força
humanizada a, não como sistema de obras. Um certo tipo de função
psicológica é talvez a primeira coisa que nos ocorrem quando pensamos no
papel da literatura. É isto que ocorrem no primitivo e no civilizado, na criança,
no adulto, no instruído e no analfabeto. A literatura propriamente dita é uma
das modalidades que funcionam como resposta a essa necessidade universal,
cujas formas mais humildes e espontâneas de satisfações talvez sejam coisas
como anedota, a adivinha, o trocadilho, o rifão. No nosso ciclo de civilização,
tudo isto culminou de certo modo nas formas impressas, divulgadas pelo livro,
o folheto, o jornal, a revista: o poema, o conto, o romance, narrativa
romanceada. Portanto, por vias oral ou visual, sob formas curtas e
elementares, ou sob complexas formas extensas, a necessidade de ficção se
manifesta a cada instante, aliás, ninguém pode passar um dia sem consumi-la,
ainda que sob a forma de palpite da loteria, devaneio, construção ideal ou
anedota. E assim se justifica o interesse pela função dessas formas de
sistematizar a fantasia, de que a literatura é uma das modalidade mais ricas. A
fantasia quase nunca é pura. Ela se refere constantemente a alguma realidade:
fenômeno natural, paisagem, sentimento, fato, desejo de explicação, costumes,
defeitos humanos. Sabemos que um grande números de mitos, lendas, e
contos são etiológicos, isto é, são do modo configurados ou fictício de explicar
o aparecimento e a razão de ser do mundo físico e da sociedade. Haveria
pontos de contatos entre ambas? A resposta pode ser uma especulação lateral
no problema da função que nos ocupa. Interessado em estudar a formação do
espirito cientifico. Gaston bachelard procurou investigar como ele ia surgindo
duma espécie de progressiva depuração a partir da ganga imaginativa do
devaneio, que seria um estado de passividade intelectual a ser anulado. O
devaneio seria o caminho da verdadeira imaginação, que não se alimenta dos
resíduos da percepção e portanto não é uma espécie de resto da realidade,
mas estabelece a series autônomas coerentes, a partir dos estímulos da
realidade. Independe mente de aceitamos ou não o ponto de vista de
bachelard, a referência a ele serve neste contexto sobretudo como amostra do
laço entre a imaginação literária e realidade concreta do mundo. Ao mesmo
tempo, a evocação dessa impregnação profunda mostra como as criações
ficcionais e poéticas podem atuar de modo subconsciente e inocente, operando
uma espécie de inculca mento que não percebemos. Isto leva a perguntar a
literatura tem uma função formativa de tipo educacional? Sabemos que a
instruamos países civilizados sempre se baseou nas letras. Daí o elo entre a
formação do homem, humanismo, letras humanas e estudos da língua e da
literatura. Seja como for, a sua função educativa é muito mais complexa do que
pressupõe um ponto de vista estritamente pedagógico. A literatura pode formar,
mas não segundo a pedagogia oficial, que costuma vê-la ideologicamente
como veículo da tríade famosa, o verdadeiro, o bom, o belo, definidos
conformes s interesses dos grupos dominantes, para reforço da sua concepção
de vida. Daí as atitudes ambivalentes que suscita nos moralistas e nos
educadores, ao mesmo tempo fascinados pela sua força humanizada a e
temerosos da sua indiscriminada riqueza. Dado que a literatura, como a vida,
ensina na medida em que atua com toda a sua gama, e artificial querer que ela
funcione como manuais de virtude e boa conduta. Paradoxos, portanto, de todo
lado, mostrando o conflito entre ideias convencional de uma literatura que eleva
e edifica (segundos os padrões oficiais) e a sua poderosa força indiscriminada
de iniciação na vida, com uma variada complexidade nem sempre desejada
pela educadores. Chegamos agora ao ponto mais complicado. Além das
funções mencionadas (isto é: satisfazer a necessidade universal de fantasia e
contribuir para formação da personalidade) teria a literatura uma função de
conhecimento do mundo e do ser? Isto posto, podemos abordar o problema da
função da literatura como representação de uma dada realidade social e
humana, que faculta a maior inteligibilidade com relação a esta realidade.
Trata-se de um caso privilegiado para estudar o papel da literatura num pais
em formação, que procura a sua identidade através da variação dos temas e
da fixação da linguagem, oscilando para isto entre adesão aos modelos
europeus e a pesquisa de aspectos locais. Ao mesmo tempo documentário e
idealizador, forneceu elementos para a auto-indentificaçao do homem brasileiro
e também para uma serie de projeções ideais. Mas antes de ir além, um
parêntese para dizer que hoje, tanto na crítica brasileira quanto na latino-
americano, a palavra de ordem é a morte ao regionalismo, quanto ao presente,
e menosprezo pelo que foi o passado. Mas é forçoso convir que, justamente
porque a literatura desempenha função na vida da sociedade, não depende
apenas da opinião crítica que o regionalismo existia ou deixa de existe. O que
acontece é que ele se vai modificado e adaptando, superando as formas mais
grosseiras até dar a impressão de que se dissolveu na generalidade dos temas
universais, como é normal em toda obra bem feita. Fechando parêntese,
voltemos ao assunto com uma consideração de ordem geral: o regionalismo
estabelece uma curiosa tensão tema e linguagem. O regionalismo deve
estabelecer uma relação adequada entre os dois aspectos, e por isso torna um
instrumento poderoso de transformação da língua de revelação e
autoconsciência do pais, mas pode ser também fator de artificialidade na língua
e de alienação no plano do conhecimento do pais. Nos livros regionalistas, o
homem de posição social mais elevada nunca tem sotaque, não apresenta
peculiaridade de pronuncia, não deforma as palavras, que na sua boca,
assumem o estado ideal de dicionário. Em tais casos, o regionalismo é uma
falsa admissão do homem rural ao universo dos valores éticos e estéticos. No
entretanto, o seu proposito consciente era o contrário. Dito de outro modo:
pode funcionar como representação humanizada ou como representação
desumanizada do homem das culturas rurais.

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  • 1. A literatura e a formação do homem Nesta palestra, desejo desejo apresentar algumas variações sobre a função humanizadora da literatura, isto é, sobre a capacidade que ela tem de confirmar a humanidade do homem. Para esse fim, começo focalizando rapidamente, nos estudos literários, o conceito de função, vista como papel que a obra literária desempenha na sociedade. Este conceito social de função não está em voga, pois as correntes mais modernas se preocupam sobretudo com o de estrutura, cujo conhecimento seria, teoricamente, optativo em relação a ele, se aplicarmos o raciocínio feito com referência a história. Que incompatibilidade metodológica poderia existir entre o estudo da estrutura e o da função social? O primeiro pode ser comparativamente mais estático do o segundo, que evocaria certas noções em cadeias, de cunho mais dinâmico, como: atuação, processo, sucessão, história. E daí bastaria um passo para Mas ainda: a ideia de função provoca não apenas uma certa inclinação para o lado do valor, mas para o lado da pessoa, no caso, o escritor (que produz a obra) e o leitor, coletivamente o público (que recebe o seu impacto). Ora, uma característica do enfoque estrutural é não apenas concentrar-se na obra tomada em si mesma (o que aliás ocorria em outras orientações teóricas anteriores). Eles não seriam a-históricos, mas talvez trans-histiricos, porque possuem generalidade e permanência muitos maiores, em relação as manifestações particulares, (obras) que passam para o segundo plano como capacidade explicativa. O ponto de vista estrutural consiste em ver as obras com referências aos modelos ocultos, pondo pelo menos provisória e metodicamente entre parêntese os elementos que indicam a sua gênese e a sua função num momento dado, e que portanto acentuam o seu caractere de produto contingente mergulhado na história. Isto é dito para justificar a afirmação inicial: que os estudos modernos de literatura se voltam mais para estrutura do que para função. Seria possível, no entretanto, focaliza-la? É claro desde que não queiramos substituir um enforque pelo outro. O enforque estrutural (inclusive sob a modalidade mais recente, conhecida como estruturalismo) é responsável pelo maior avanço que estudos literários conheceram em nosso tempo. Voltando aos pontos de referência mencionados acima: na medida em que nos interessa também como experiência humana, não apenas como produção de obras consideradas projeções, ou melhor transformações de modelo profundos, a literatura desperta inevitavelmente o interesse pelos elementos contextuais. Mesmo que isto nos afaste de uma visão cientifica, é difícil pôr de lado os problemas individuais e sociais que dão lastro-as obras e as amarram ao mundo onde vivemos. Digamos, então, para encerrar esta introdução: há no estudo da obra literária um momento analítico, se quiserem de cunho cientifico, que precisa deixar em suspenso problemas relativo ao autor, a atuação psíquica e social, a fim de reforçar uma concentração necessária na obra como objeto de conhecimento. Tendo assim demarcado os campo, vejamos alguma coisa sobre a literatura como força humanizada a, não como sistema de obras. Um certo tipo de função psicológica é talvez a primeira coisa que nos ocorrem quando pensamos no papel da literatura. É isto que ocorrem no primitivo e no civilizado, na criança,
  • 2. no adulto, no instruído e no analfabeto. A literatura propriamente dita é uma das modalidades que funcionam como resposta a essa necessidade universal, cujas formas mais humildes e espontâneas de satisfações talvez sejam coisas como anedota, a adivinha, o trocadilho, o rifão. No nosso ciclo de civilização, tudo isto culminou de certo modo nas formas impressas, divulgadas pelo livro, o folheto, o jornal, a revista: o poema, o conto, o romance, narrativa romanceada. Portanto, por vias oral ou visual, sob formas curtas e elementares, ou sob complexas formas extensas, a necessidade de ficção se manifesta a cada instante, aliás, ninguém pode passar um dia sem consumi-la, ainda que sob a forma de palpite da loteria, devaneio, construção ideal ou anedota. E assim se justifica o interesse pela função dessas formas de sistematizar a fantasia, de que a literatura é uma das modalidade mais ricas. A fantasia quase nunca é pura. Ela se refere constantemente a alguma realidade: fenômeno natural, paisagem, sentimento, fato, desejo de explicação, costumes, defeitos humanos. Sabemos que um grande números de mitos, lendas, e contos são etiológicos, isto é, são do modo configurados ou fictício de explicar o aparecimento e a razão de ser do mundo físico e da sociedade. Haveria pontos de contatos entre ambas? A resposta pode ser uma especulação lateral no problema da função que nos ocupa. Interessado em estudar a formação do espirito cientifico. Gaston bachelard procurou investigar como ele ia surgindo duma espécie de progressiva depuração a partir da ganga imaginativa do devaneio, que seria um estado de passividade intelectual a ser anulado. O devaneio seria o caminho da verdadeira imaginação, que não se alimenta dos resíduos da percepção e portanto não é uma espécie de resto da realidade, mas estabelece a series autônomas coerentes, a partir dos estímulos da realidade. Independe mente de aceitamos ou não o ponto de vista de bachelard, a referência a ele serve neste contexto sobretudo como amostra do laço entre a imaginação literária e realidade concreta do mundo. Ao mesmo tempo, a evocação dessa impregnação profunda mostra como as criações ficcionais e poéticas podem atuar de modo subconsciente e inocente, operando uma espécie de inculca mento que não percebemos. Isto leva a perguntar a literatura tem uma função formativa de tipo educacional? Sabemos que a instruamos países civilizados sempre se baseou nas letras. Daí o elo entre a formação do homem, humanismo, letras humanas e estudos da língua e da literatura. Seja como for, a sua função educativa é muito mais complexa do que pressupõe um ponto de vista estritamente pedagógico. A literatura pode formar, mas não segundo a pedagogia oficial, que costuma vê-la ideologicamente como veículo da tríade famosa, o verdadeiro, o bom, o belo, definidos conformes s interesses dos grupos dominantes, para reforço da sua concepção de vida. Daí as atitudes ambivalentes que suscita nos moralistas e nos educadores, ao mesmo tempo fascinados pela sua força humanizada a e temerosos da sua indiscriminada riqueza. Dado que a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua com toda a sua gama, e artificial querer que ela funcione como manuais de virtude e boa conduta. Paradoxos, portanto, de todo lado, mostrando o conflito entre ideias convencional de uma literatura que eleva e edifica (segundos os padrões oficiais) e a sua poderosa força indiscriminada de iniciação na vida, com uma variada complexidade nem sempre desejada
  • 3. pela educadores. Chegamos agora ao ponto mais complicado. Além das funções mencionadas (isto é: satisfazer a necessidade universal de fantasia e contribuir para formação da personalidade) teria a literatura uma função de conhecimento do mundo e do ser? Isto posto, podemos abordar o problema da função da literatura como representação de uma dada realidade social e humana, que faculta a maior inteligibilidade com relação a esta realidade. Trata-se de um caso privilegiado para estudar o papel da literatura num pais em formação, que procura a sua identidade através da variação dos temas e da fixação da linguagem, oscilando para isto entre adesão aos modelos europeus e a pesquisa de aspectos locais. Ao mesmo tempo documentário e idealizador, forneceu elementos para a auto-indentificaçao do homem brasileiro e também para uma serie de projeções ideais. Mas antes de ir além, um parêntese para dizer que hoje, tanto na crítica brasileira quanto na latino- americano, a palavra de ordem é a morte ao regionalismo, quanto ao presente, e menosprezo pelo que foi o passado. Mas é forçoso convir que, justamente porque a literatura desempenha função na vida da sociedade, não depende apenas da opinião crítica que o regionalismo existia ou deixa de existe. O que acontece é que ele se vai modificado e adaptando, superando as formas mais grosseiras até dar a impressão de que se dissolveu na generalidade dos temas universais, como é normal em toda obra bem feita. Fechando parêntese, voltemos ao assunto com uma consideração de ordem geral: o regionalismo estabelece uma curiosa tensão tema e linguagem. O regionalismo deve estabelecer uma relação adequada entre os dois aspectos, e por isso torna um instrumento poderoso de transformação da língua de revelação e autoconsciência do pais, mas pode ser também fator de artificialidade na língua e de alienação no plano do conhecimento do pais. Nos livros regionalistas, o homem de posição social mais elevada nunca tem sotaque, não apresenta peculiaridade de pronuncia, não deforma as palavras, que na sua boca, assumem o estado ideal de dicionário. Em tais casos, o regionalismo é uma falsa admissão do homem rural ao universo dos valores éticos e estéticos. No entretanto, o seu proposito consciente era o contrário. Dito de outro modo: pode funcionar como representação humanizada ou como representação desumanizada do homem das culturas rurais.