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CAPÍTULO 9 109
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CAPÍTULO
9
INTRODUÇÃO
O envelhecimento do organismo humano é um processo caracterizado pelo declínio funcional
dos diversos sistemas orgânicos, com redução da capacidade de manter a homeostase normal e de
responder a fatores de estresse endógenos e exógenos. Esta perda de capacidade funcional pode
ser retardada, amenizada e, ocasionalmente, evitada através de intervenções preventivas primá-
rias, secundárias e terciárias.
O sistema endócrino-metabólico representa uma complexa rede de regulação de funções como
o crescimento, a reprodução, a nutrição e o equilíbrio hidroeletrolítico, além de intermediar a
comunicação entre diversos grupos celulares, sejam estes contíguos ou distantes. A perda ou redu-
ção funcional de um eixo deste sistema pode afetar diretamente outros eixos endócrinos, ao passo
que quadros de disfunção hormonal podem ser secundários a distúrbios concomitantes e indepen-
dentes nos diversos níveis da regulação endócrina.
Embora tenham sido elucidadas as disfunções endócrinas decorrentes do envelhecimento,
vários hormônios têm sido paradoxalmente implicados como agentes mediadores do processo de
envelhecimento. Além disso, a redução da síntese de alguns hormônios pode ser apenas uma adap-
tação à redução da depuração ou das necessidades metabólicas do organismo, enquanto a redução
patológica da concentração de outros hormônios pode determinar um declínio funcional. Muitas
vezes, os sintomas decorrentes dos distúrbios endócrinos se confundem com efeitos adversos de
medicações, doenças intercorrentes, distúrbios psicológicos, falta de condicionamento físico e
alterações do ciclo vigília-sono, sendo necessário estabelecer com precisão o diagnóstico, através
da interpretação correta dos achados clínicos e laboratoriais. O objetivo é evitar dois extremos de
conduta, como tratamentos intempestivos, sem comprovada necessidade, ou a omissão de trata-
mento em condições que podem comprometer a qualidade de vida do idoso. A medida de concen-
tração plasmática e urinária dos diversos hormônios deve ser interpretada no contexto das alterações
do envelhecimento, que incluem mudanças nas proteínas carreadoras de hormônio, na taxa de
secreção e depuração, na sensibilidade periférica das células-alvo e na resposta celular pós-recep-
tor. Outro ponto a ser ressaltado é a possibilidade de encontrar valores basais normais de diversos
hormônios, porém com reserva funcional subnormal frente a situações de maior exigência. Neste
caso podemos realizar testes de estímulo agudo para estabelecer o diagnóstico funcional.
Para organizar uma seqüência mais didática, os principais distúrbios endocrinometabólicos
serão discutidos de forma individualizada, auxiliando na estruturação de diretrizes preventivas.
Esta prevenção, definida à luz dos conhecimentos da ciência atual, abrange desde o âmbito da
assistência individual até a formulação de normas e metas de interesse populacional.
As terapias de reposição com de-hidroepiandrosterona (DHEA) e de melatonina não demons-
traram eficácia comprovada em ensaios clínicos bem controlados, apesar de terem sido precoce-
mente anunciadas como a panacéia do rejuvenescimento. As medidas dirigidas à prevenção ou
retardo do processo de envelhecimento devem ser cientificamente comprovadas, para que se justi-
Doenças
Endocrinometabólicas
Luciano Ricardo Giacaglia
110 CAPÍTULO 9
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fiquem os custos empregados no rastreamento e tratamento da doença na população de interesse.
Ao mesmo tempo, a capacidade de estender a expectativa de vida deve ser acompanhada da manu-
tenção das habilidades físicas, mentais e emocionais, garantindo independência e boa qualidade
de vida ao idoso.
DIABETES MELITO
O diabetes melito (DM) é uma doença heterogênea, caracterizada pela presença de hiperglice-
mia e por alterações no metabolismo de gorduras e proteínas, conseqüentes a uma deficiência
absoluta ou relativa da atividade ou da secreção de insulina.
O DM está relacionado a um aumento da taxa de mortalidade e a um elevado risco de apresen-
tar complicações cardiovasculares, renais, retinianas e neuropáticas, levando à incapacidade física
e à morte prematura. O DM apresenta elevada prevalência na população mundial e, embora exista
grande variação geográfica e racial, o maior acometimento da população idosa é uma constante.
Estudos multicêntricos revelam taxas de 3 a 5% nos indivíduos de 30 a 50 anos, de 10% na faixa
de 50 a 60 anos e de 18% naqueles acima de 65 anos de idade, podendo chegar a taxas alarmantes
de até 30% em indivíduos acima de 80 anos. Um estudo brasileiro, realizado por Malerbi e col.
entre os anos de 1987 e 1989, verificou uma prevalência de DM de 7,6%, em indivíduos de 30 a 69
anos de idade, sendo esta prevalência mais elevada nas regiões Sul e Sudeste. Projeções da Orga-
nização Mundial de Saúde (OMS) estimam que a prevalência deve aumentar dois pontos percen-
tuais entre os anos de 1995 e 2025. A estimativa é que, em todo o mundo, o número de adultos
diabéticos se eleve de 135 milhões no ano de 1995 para cerca de 300 milhões no ano de 2025. O
envelhecimento, por ser considerado um fator importante no desenvolvimento do DM, acarretará
um sério problema de saúde pública, dado o aumento previsto na expectativa média de vida para
este novo milênio.
Além de constituir uma epidemia em progressão, o DM pode consumir até 5% de toda a verba
orçamentária destinada à saúde de um país, quando se leva em conta apenas o custo direto da
doença. Diversos fatores contribuem para este custo: os diabéticos apresentam uma taxa e duração
de hospitalização quatro vezes superior a população geral; necessitam quatro vezes mais de inter-
consultas com especialistas; procuram duas vezes mais os atendimentos ambulatoriais e despen-
dem três vezes mais recursos com medicações. Outro agravante da doença é o elevado custo
indireto, determinado pela redução de produtividade, resultante de deficiências físicas, de faltas
no trabalho, de aposentadorias precoces ou morte prematura, além dos custos imensuráveis como
a dor e o sofrimento físico e emocional, tanto do indivíduo como de sua família.
Atualmente, exige-se dos portadores de doenças crônicas uma parcela de responsabilidade no
controle adequado da doença, com o intuito de desonerar os serviços e os profissionais de saúde.
Entretanto, as medidas preventivas e terapêuticas são menos acessíveis às populações de baixa
renda econômica, agravando ainda mais sua condição de vida. Como em toda doença crônica, as
noções fisiopatológicas básicas relacionadas ao DM são pré-requisitos para um bom controle da
mesma e a obtenção de uma melhor qualidade de vida. Novamente, pelo baixo grau de instrução
das populações de baixa renda, estas são negligenciadas quanto a informações preciosas para a sua
saúde ou recebem de amigos e parentes informações contraditórias e imprecisas. Para melhorar
este quadro precisamos compreender a estratificação do atendimento à saúde, adequando as medi-
das educativas de acordo com a distribuição sociogeográfica da população-alvo. Dados a respeito
das fontes de aquisição de conhecimento permitirão recrutar equipes de saúde ou outros meios,
como jornais regionais, revistas, igrejas, clubes, televisão, rádio e escolas, para a implementação e
consolidação de programas de prevenção e tratamento do DM.
Do ponto de vista de atendimento médico, os serviços de assistência primária à saúde devem
assumir o papel pela maioria dos casos de DM, reservando apenas os casos de difícil controle ou
com complicações instaladas para o acompanhamento de especialistas. Isto requer uma adequação
dos núcleos básicos de saúde pública e a participação mais ativa dos médicos clínicos gerais, com
CAPÍTULO 9 111
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treinamento e capacitação constante. Conjuntamente, deve existir um suporte de outros profissio-
nais como enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais. A construção de fluxogra-
mas e diretrizes de tratamento, aliado a panfletos educativos e palestras comunitárias, pode ter
grande impacto na prevenção e tratamento do DM. Este método tem sido utilizado com excelente
resultado nos Estados Unidos, sob a denominação Staged Diabetes Management.
Os principais tipos de DM são o tipo I dependente de insulina (DMDI) e o tipo II não-dependen-
te de insulina (DMNDI). O DMDI é caracterizado pela falência completa da capacidade de secreção
de insulina, resultante da destruição das células β-pancreáticas por uma reação auto-imune específi-
ca. O DMDI é mais comum em jovens abaixo de 30 anos, nos quais a manifestação dos sintomas
clínicos se faz de forma súbita e intensa, com propensão a desenvolver cetoacidose. O DMDI ca-
racteriza-se pela necessidade permanente de insulina exógena para a manutenção da vida.
O DMNDI, por sua vez, é a forma mais comum, correspondendo a cerca de 95% dos casos. O
DMNDI é caracterizado por três distúrbios metabólicos: resistência à insulina, diminuição da fun-
ção ß-pancreática e aumento na liberação hepática de glicose. A resistência insulínica, presente
em cerca de 25% de indivíduos adultos de países ocidentais, pode sobrecarregar a capacidade
compensatória das células ß-pancreáticas, acarretando o DMNDI. Recentes relatos, no entanto,
têm demonstrado a participação dos elevados níveis circulantes de ácidos graxos livres, secundá-
rios a uma incapacidade de síntese de insulina pelo pâncreas, no desenvolvimento da resistência à
insulina e da produção aumentada de glicose pelo fígado.
O DMNDI está freqüentemente relacionado à obesidade, presente em 85% dos casos. Muitos
pacientes com DMNDI podem apresentar quadros associados de dislipidemia, obesidade, hiper-
tensão arterial e hiperuricemia, constituindo a chamada síndrome plurimetabólica, com elevado
risco de complicações cardiovasculares. O DMNDI apresenta um forte componente hereditário,
com diversos genes descritos na regulação da liberação e ação periférica da insulina. O próprio
envelhecimento está associado a alterações do metabolismo glicêmico, que predispõe ao DM,
como redução da capacidade de liberação pancreática de insulina, resistência à ação periférica da
insulina e prejuízo na regulação hepática do controle glicêmico.
Os sintomas clássicos do DM incluem polidipsia, poliúria, polifagia e perda de peso sem
motivo aparente. Ocasionalmente, a primeira manifestação pode ser devida a complicação de al-
gum órgão alvo, como angina de peito, acidente vascular cerebral, redução visual e neuropatias
sensitivo-motoras. Entretanto, cerca de metade dos portadores de DM é assintomática ou relaciona
os sintomas de cansaço, inapetência, perda de peso, emagrecimento, incontinência urinária, visão
turva, impotência e confusão mental, como eventos normais do envelhecimento. No estudo de Ma-
lerbi e col., 46,5% dos indivíduos detectados com DM desconheciam a sua condição diabética.
A prevenção primária inclui orientações que visam evitar o aparecimento de DM em uma popu-
lação geral ou em indivíduos considerados susceptíveis, através da modificação de diversos fatores
de risco. São considerados de risco para DMNDI os indivíduos com mais de 45 anos de idade os
portadores de fatores de risco relacionados à síndrome plurimetabólica, aqueles com história prévia
de complicações cardiovasculares, de glicemias alteradas, com antecedentes familiares positivos
para DMNDI, em uso de medicações de ação hiperglicemiante, ou com história de hiperglicemia e
fetos macrossômicos em gestações prévias. No futuro, será possível estabelecer um padrão de ras-
treamento genético fidedigno para identificar indivíduos susceptíveis. A prevenção secundária refe-
re-se à detecção precoce do DM e da correção imediata da glicemia. A prevenção terciária tem como
finalidade evitar complicações agudas e crônicas do DM, e amenizar as limitações físicas impostas
pelo DM, dividindo-se em três etapas: prevenção do aparecimento de complicações, retardo da pro-
gressão das complicações, e atenuação da incapacidade funcional determinada pelo DM.
Em relação à prevenção primária do DMNDI, como os fatores genéticos ainda não são total-
mente conhecidos ou passíveis de modificação, devemos concentrar esforços nos fatores ambien-
tais. Nos Estados Unidos, o Grupo de Pesquisa do Programa de Prevenção de Diabetes realizou
um estudo randomizado, testando estratégias de prevenção ou retardo do aparecimento do DMN-
112 CAPÍTULO 9
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DI, envolvendo 27 centros de excelência no tratamento de DM. Os resultados revelaram uma
redução de 58% na incidência de DMNDI após modificações de fatores de risco.
A prática regular de exercícios físicos promove a utilização maior de reservas de glicose e
gordura, e diminui a resistência periférica à ação da insulina. A prevalência de DMNDI em indiví-
duos sedentários corresponde a mais que o dobro do que em indivíduos fisicamente ativos. A
atividade física regular também previne outros fatores de risco para doenças cardiovasculares,
como dislipidemias, hipertensão arterial, obesidade e distribuição corporal de gordura. O Estudo
Prospectivo de Malmo demonstrou em seis anos uma progressão para DM em indivíduos conside-
rados de risco, da ordem de 28% nos sedentários contra 10% nos fisicamente ativos.
A obesidade está intimamente relacionada ao DMNDI, principalmente por determinar maior
resistência insulínica e aumento na liberação hepática de glicose. Medidas de orientação nutricio-
nal, apoio psicológico, mudanças comportamentais e o uso de medicações seguras para a redução
ponderal são extremamente úteis na prevenção do DMNDI. Por outro lado, flutuações constantes
de peso, com várias tentativas frustradas de emagrecimento, mostram ter efeito diabetogênico.
Índice de massa corpórea acima de 30kg/m2 está associado a um aumento de 3 a 10 vezes na
prevalência do DM. Além disso, a deposição centrípeta de gordura, com padrão definido como
andróide, constitui um importante fator de risco para DMNDI e para doenças cardiovasculares.
Dietas ricas em gorduras e açúcares simples, e pobres em carboidratos complexos, frutas e
vegetais, são consideradas como predisponentes para o aparecimento do DMNDI. Diferentemente
do que se aceitava no passado, dietas ricas em carboidratos complexos, especialmente para idosos,
melhoram a sensibilidade à insulina, e têm papel preventivo no aparecimento do DM, enquanto
dietas ricas em gorduras vegetais e animais propiciam o aparecimento do DM. Recentemente
observou-se o efeito benéfico do medicamento orlistat, que reduz a absorção intestinal de gordu-
ras, na prevenção e no controle do DMNDI.
O estresse físico e emocional está associado à liberação de hormônios antiinsulínicos, como o
cortisol e a adrenalina, que reduzem a atividade β-pancreática e a ação periférica da insulina.
Terapias de relaxamento e atividades de lazer são muito eficientes para prevenir o DM. Além
disso, diversos medicamentos podem precipitar o DM, como diuréticos, β-bloqueadores, corticos-
teróides, esteróides e anticonvulsivantes. Neste caso, devemos optar por drogas com menor efeito
diabetogênico ou utilizar a menor dose possível destas.
A prevenção secundária, através de métodos de detecção precoce, tem como princípio identifi-
car os indivíduos diabéticos ou intolerantes à glicose, ainda não diagnosticados. Uma das maiores
controvérsias atuais diz respeito à necessidade de as campanhas abrangerem toda a população ou
restringir a pesquisa a indivíduos de elevado risco ou sintomáticos, em função dos custos envolvidos.
A detecção precoce em indivíduos assintomáticos permitiria uma pronta intervenção, evitando a
progressão da doença e o surgimento de complicações secundárias. Sabe-se, também, por intermédio
de estudos populacionais, que no momento do diagnóstico clínico de DMNDI a maioria dos indiví-
duos já apresentava níveis glicêmicos alterados há algum tempo, em média de quatro a sete anos,
tempo suficiente para que já apresentem sinais de complicações crônicas. As campanhas de detecção
comunitária também fornecem dados epidemiológicos para a configuração de mapas de prevalência,
de distribuição e da história natural do DM. Essas informações tornam-se essenciais para desenhar
planos de saúde pública, despertar o interesse da comunidade para os assuntos da saúde e atualizar os
critérios laboratoriais de diagnóstico e prognóstico da doença.
A positividade para DM em um teste de rastreamento deve ser seguida de uma avaliação
comprobatória mais abrangente. Devemos estar cientes dos riscos inerentes aos exames, da sensi-
bilidade, da especificidade e valor preditivo de cada teste, contabilizando custos e os recursos
físicos e humanos envolvidos nestes programas. Resultados falso-positivos podem trazer estresse
psicológico, comprometer relações trabalhistas e acarretar condutas iatrogênicas. Por outro lado,
resultados falso-negativos devem ser minimizados ao máximo, evitando uma falsa sensação de
tranqüilidade e omissão do tratamento precoce.
CAPÍTULO 9 113
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A Associação Americana de Diabetes (ADA) recomenda a realização de rastreamento de DM
a cada 3 anos, em indivíduos acima de 45 anos de idade e de baixo risco, e anualmente para os de
alto risco. A medida de glicose plasmática de jejum, com pelo menos 8 a 12 horas sem consumo de
alimentos sólidos e líquidos, é o método mais apropriado para a abordagem inicial, segundo a
ADA. Valores inferiores a 100mg/dl indicam baixa probabilidade de DM, enquanto valores supe-
riores a 126mg/dl podem ser sugestivos de DM, sendo confirmado por um segundo valor elevado.
Um valor isolado de glicemia superior a 200mg/dl, associado a sintomas típicos, é considerado
diagnóstico para DM. Valores entre 110 e 126mg/dl devem ser reavaliados pelo teste de tolerância
oral à glicose (TTOG), que constitui a prova diagnóstica definitiva para a confirmação do diagnós-
tico de DM ou de intolerância à glicose (ITG). O TTOG deve também ser indicado em indivíduos
idosos ou com fatores de risco para DM, com glicemia de jejum entre 100 e 110mg/dl.
Os idosos constituem um grupo à parte, pois muitos podem apresentar glicemias de jejum
inferiores a 126mg/dl e respostas anormais ao TTOG, devido à maior dificuldade em controlar a
glicemia pós-prandial. Enquanto a glicemia de jejum eleva-se ao redor de 1-2 mg/dl a cada déca-
da, o incremento na glicemia pós-prandial pode chegar a 10-15mg/dl no mesmo período de tempo.
O TTOG é realizado com medida da glicemia de jejum seguida da ingesta oral de solução contendo
75g de glicose anidra e a subseqüente medida da glicemia após 120 minutos. Valores glicêmicos
após 120 minutos do TTOG superiores a 200mg/dl são indicativos de DM, entre 140 e 200mg/dl
indicam ITG e inferiores a 140mg/dl são normais. Um terço dos indivíduos com ITG evolui para
DMNDI no período de 10 anos.
A glicosúria é um método pouco sensível de rastreamento, já que a glicose aparece na urina
quando o transporte máximo renal é suplantado, ou seja, com glicemia em média superior a 180mg/dl,
podendo atingir valores de até 240mg/dl nos idosos. A sensibilidade do teste pode ser incrementa-
da utilizando-se amostras de urina pós-prandiais. A hemoglobina glicosilada (HbA1C) é um exame
de maior custo e complexidade, com menor sensibilidade que a glicemia de jejum. A HbA1c reflete
a média de concentração glicêmica dos últimos três meses, tendo sido estabelecida como método
de controle terapêutico, sem finalidade diagnóstica.
A prevenção terciária compreende todas as medidas adotadas para prevenir, retardar ou detec-
tar precocemente as complicações agudas ou crônicas do DM.
Complicações Agudas
Hipoglicemia
A hipoglicemia é definida pela redução dos valores absolutos de glicemia, em geral inferiores
a 60mg/dl. A sintomatologia pode ser classificada em adrenérgica, que inclui tremores, sudorese
fria e palpitações, ou neuroglicopênica, com quadros de cefaléia, turvação visual, torpor, apatia,
confusão mental, convulsões ou coma. Episódios repetidos de hipoglicemia podem acometer de
forma permanente a função cognitiva, principalmente em idosos, enquanto respostas adrenérgicas
podem desencadear síndromes anginosas e isquemia cerebral focal. Pacientes com quadros repeti-
dos de hipoglicemia, e também os idosos, podem não experimentar os sinais de alerta adrenérgico,
evoluindo diretamente para o quadro neuroglicopênico.
Alguns fatores podem contribuir para a ocorrência de hipoglicemia, como desconhecimento
dos sintomas e sinais de hipoglicemia, atrasos no horário de refeições, jejum prolongado para a
realização de exames, atividades físicas intensas e prolongadas, uso de β-bloqueadores, que mas-
caram a resposta adrenérgica, consumo de bebida alcoólica e erro na dosagem da medicação. A
hipoglicemia ocorre com mais freqüência naqueles em insulinoterapia ou uso de hipoglicemiantes
orais de meia-vida prolongada, e também quando o controle glicêmico é realizado de forma meti-
culosa. Estabelecer um nível glicêmico de segurança é uma tarefa árdua que deve levar em conta
a capacidade do indivíduo reconhecer e corrigir a glicemia, ao mesmo tempo em que se garante
114 CAPÍTULO 9
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um controle adequado da hiperglicemia. Assim sendo, podemos tolerar glicemias de jejum de até
140mg/dl em idosos, especialmente na coexistência de neuropatia autonômica, síndrome angino-
sa, isquemia cerebral, epilepsia, doença psiquiátrica, nefropatia crônica e restrição em leito insti-
tucional. A educação do paciente e de seus familiares quanto à identificação e medidas de correção
imediata constituem a principal abordagem da hipoglicemia, com as opções do uso de carboidratos
orais de rápida absorção nos casos leves, como leite e sucos de fruta, e nos casos severos, a aplicação
direta de soluções concentradas de sacarose na mucosa bucal, como mel e xaropes, a infusão endo-
venosa de soluções glicosadas ou a administração de glucagon por via subcutânea ou muscular.
Nos pacientes com redução da função mental, e conseqüente prejuízo do reflexo da epiglote, é
contra-indicado a oferta de líquidos e alimentos por via oral, pelo risco de aspiração pulmonar.
O uso de correntes, pulseiras ou carteiras de identificação, informando o diagnóstico de DM e
as medicações em uso, deve ser estimulado. Deve existir uma perfeita harmonia entre o horário e
quantidade das refeições, intensidade da atividade física e dose de medicações. É adequado reali-
zar medição glicêmica em indivíduos diabéticos antes de guiarem automóveis ou realizarem ativi-
dades de alta periculosidade. Por fim, devemos lembrar que podem ocorrer recaídas no quadro de
hipoglicemia em momentos tardios após a recuperação inicial, principalmente na presença de
alcoolismo, medicações de longa meia-vida ou pós-exercício.
Infecções
O DM é fator predisponente para infecções, principalmente respiratórias, cutaneomucosas e
urinárias. A hiperglicemia, além de constituir meio de cultura, acarreta redução do poder fagocíti-
co do sistema leucocitário, comprometimento do sistema circulatório e reduz a sensibilidade peri-
férica. As infecções evoluem de forma mais acelerada e agressiva no DM, que por sua vez elevam
ainda mais a glicemia. Portanto, elevações inesperadas da glicemia em diabéticos devem sempre
levantar a hipótese de processo infeccioso ativo. É comum que os pacientes idosos e debilitados
não apresentem febre, constituindo assim a glicemia no melhor parâmetro de resposta terapêutica.
A antibioticoterapia profilática pode ser indicada nas infecções repetidas. Entretanto, quadros
repetidos de infecção urinária devem ser investigados quanto à necessidade de correções cirúrgi-
cas do trato urinário de anomalias que facilitem a perpetuação da infecção, que podem levar a
insuficiência renal crônica.
Infecções oportunistas como tuberculose, candidíase e micoses profundas necrotizantes são
mais comuns no DM, assim como é mais freqüente a reativação de quadros de herpes zóster.
Infecções gengivais e periodontais, comuns no DM, via de regra são negligenciadas na anamnese
clínica, propiciando bacteremias e vegetações sépticas valvares, especialmente se existir história
prévia sugestiva de febre reumática. Os cuidados intensivos na higiene oral e a visita periódica ao
odontologista são obrigatórios para os diabéticos.
A vacinação periódica contra o tétano, influenza e pneumococos é fundamental em pacientes
diabéticos, principalmente nos idosos.
Descompensação Hiperglicêmica Hiperosmolar (DHH)
A DHH determina desidratação severa e desequilíbrio hidroeletrolítico, com elevada taxa de
mortalidade, especialmente em idosos. O idoso é mais propenso a desenvolver DHH por redução
da percepção de sede, maior restrição ao acesso de líquidos, menor capacidade renal de concentra-
ção urinária e de eliminação de glicose, ingesta inadvertida de líquidos açucarados e falta de
cuidados por parte de familiares e agentes institucionais. A observância diária do estado de hidra-
tação do idoso é a maneira mais fácil e eficaz de prevenir esta complicação. Entre os fatores
desencadeantes da DHH destacam-se as infecções, o estresse físico e emocional, os medicamentos
hiperglicemiantes, a infusão de soluções glicosadas, e a omissão da medicação.
CAPÍTULO 9 115
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Complicações Crônicas
Com relação às complicações crônicas podemos classificá-las em macrovasculares e micro-
vasculares. Embora sempre suspeitado, muito tempo se passou até que estudos populacionais pros-
pectivos determinassem o papel da hiperglicemia crônica sobre os eventos mórbidos do DM.
O primeiro estudo de grande abrangência populacional, denominado Diabetes Control and
Complications Trial (DCCT), avaliou portadores de DMDI, submetidos a tratamento intensivo
com insulina. O DCCT verificou uma redução do risco de complicações microvasculares da or-
dem de 35% a 75%. Essas complicações mostraram-se mais freqüentes quanto maior foi o tempo
de doença e o nível médio da glicemia, sendo que a hemoglobina glicosilada (HbA1c) se mostrou o
melhor marcador prognóstico para o desenvolvimento de complicações. A melhora no controle
glicêmico foi acompanhada de redução no risco de complicações macrovasculares, embora esta
diferença não tenha sido estatisticamente significativa.
O DCCT constituiu a base para a realização do United Kingdom Prospective Diabetes Study
(UKPDS), que recrutou mais de 5 mil indivíduos britânicos, com DMNDI recém-diagnosticado,
para seguimento durante um período de 10 anos, para averiguar se os efeitos benéficos do controle
glicêmico intensivo também eram válidos para o DMNDI, além de analisar a efetividade do con-
trole da hipertensão arterial como tratamento adjunto nas complicações diabéticas. Assim como
no DCCT, o risco de complicações microvasculares foi reduzido com o controle glicêmico inten-
sivo, principalmente com um controle concomitante dos níveis pressóricos. Observou-se uma ní-
tida relação entre a porcentagem de HbA1c e a presença destas complicações. Novamente, este
tratamento intensivo demonstrou redução, estatisticamente não significativa, do risco de eventos
macrovasculares. O estudo japonês de Kumamoto envolvendo 110 indivíduos com DMNDI, não-
obesos, obteve resultados semelhantes após tratamento intensivo da glicemia por seis anos.
Complicações Macrovasculares (Aterosclerose)
Os fatores determinantes da aterosclerose são acelerados pelo DM, incluindo alterações do
endotélio e da parede arterial, distúrbios da coagulação e dislipidemias. Estudos epidemiológicos
sugerem que as complicações macrovasculares decorrem principalmente da resistência à insulina
e dos níveis elevados de insulina circulante, com ação deletéria independente da hiperglicemia.
Doenças coronarianas e cerebrovasculares são três a cinco vezes mais freqüentes no
DM, sendo pior o prognóstico após a ocorrência do evento agudo. Quadros isquêmicos
repetidos e assintomáticos podem em longo prazo determinar insuficiência cardíaca ou de-
mência aterosclerótica.
O acometimento macrovascular é resultado de eventos como a glicosilação da parede arterial,
o comprometimento microcirculatório do músculo cardíaco e do sistema nervoso, o padrão lipídi-
co aterogênico, com redução do HDL-colesterol e aumento de triglicérides e do LDL-colesterol, a
hipertensão da parede arterial, os efeitos tróficos da hiperinsulinemia sobre a parede arterial e a
alteração da cinética da coagulação. O DM participa no desenvolvimento de hipertensão arterial
por aumento da rigidez da parede arterial, redução da filtração glomerular e hiperinsulinismo,
entre outros.
A incidência de complicações macrovasculares pode ser maior na presença de outros fatores de
risco como a obesidade, o sedentarismo e o tabagismo. Uma vez diagnosticado o DM ou o ITG,
devemos identificar os diversos fatores de risco aterogênicos e incluir uma investigação sumária
da presença de alterações macrovasculares (Tabela 9.1).
O próximo passo é estabelecer metas de controle de dieta, de atividade física, de mudanças de
hábitos e, se necessário, a complementação com medicamentos para controle da hiperglicemia, da
dislipidemia e da hipertensão arterial.
116 CAPÍTULO 9
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Estudos multicêntricos têm demonstrado que reduções de apenas 5-10% do peso inicial em
obesos podem ser suficientes para trazer um grande benefício no controle do DM, da hipertensão
arterial e da dislipidemia. O ideal é associar dietas levemente hipocalóricas e aumentar o gasto
calórico por meio da prática de atividades físicas regulares, em vez de dietas excessivamente
restritivas. Deve-se ter o cuidado de respeitar os padrões regionais e culturais de alimentação, para
aumentar a aderência em longo prazo. Os detalhes e dúvidas da dieta devem ser enfatizados cons-
tantemente e plenamente esclarecidos, pois a motivação do paciente é diretamente proporcional ao
entendimento das vantagens de uma dieta equilibrada, sendo também crucial a cooperação e par-
ticipação ativa de todos os membros da família.
A disponibilidade atual de adoçantes artificiais, de alimentos isentos de gordura ou substitu-
tos de gordura, melhorou bastante a aceitação das dietas hipocalóricas. As dietas fracionadas com
três refeições principais e três refeições intermediárias, em menores quantidades, são úteis para
prevenir os picos glicêmicos pós-prandiais e reduzir as exigências de insulina. Além disso, carboi-
dratos complexos e integrais, e as fibras de frutas e vegetais, retardam a absorção de carboidratos,
reduzindo a sobrecarga aguda sobre o pâncreas e facilitando o controle glicêmico. A porcentagem
de carboidratos complexos na dieta do DM tem sido por demais polemizada, mas aceita-se atual-
mente que estes representem no mínimo 55% das calorias totais diárias. Em idosos, estudos nutri-
cionais demonstram que porcentagens maiores, de até 60-70%, podem melhorar a sensibilidade à
insulina. Dietas ricas em açúcares simples, no entanto, promovem picos de hiperglicemia e difi-
cultam a ação da insulina.
A ingesta de minerais e vitaminas antioxidantes, fornecidos por uma dieta balanceada, é impor-
tante para o controle do DM, destacando-se o potássio, o magnésio, a vitamina C e a vitamina E.
As gorduras, por estarem diretamente relacionadas à resistência à insulina, devem ser restritas
a não mais que 15% a 20%, evitando-se especialmente as saturadas, que elevam os níveis de LDL-
colesterol.
Na ausência de nefropatia a oferta de proteínas deve corresponder a 10-20% do total de calo-
rias. Embora os estudos não sejam totalmente conclusivos, ainda é consenso que indivíduos com
nefropatia diabética devem restringir o consumo de proteínas a 10% das calorias, para evitar a
progressão da nefropatia e prevenir sintomas urêmicos. É aconselhável substituir as proteínas de
origem animal pelas vegetais, com o cuidado de garantir uma oferta suficiente de proteínas essen-
ciais. Restrições excessivas, contudo, podem levar à desnutrição, anasarca, hipoalbuminemia, atrofia
muscular e infecções.
Tabela 9.1
Abordagem dos Fatores de Risco nas Complicações Macrovasculares
• Perfil lipídico em jejum (colesterol total e frações, triglicérides, apolipoproteínas)
• Medida da pressão arterial em repouso (3 aferições em dias diferentes)
• Medida da altura, peso, circunferência abdominal e relação cintura/quadril
• Antecedentes familiares de doenças macrovasculares (idade dos eventos)
• Presença de vícios (tabagismo, etilismo, drogas)
• Freqüência, intensidade e qualidade da atividade física
• Avaliação de hábitos alimentares
• Dosagens sangüíneas de hemoglobina glicosilada, uréia e creatinina
• Dosagem da taxa de excreção urinária de albumina
• Antecedentes de angina, infarto, claudicação e acidentes cerebrovasculares
• Exame físico cardiológico e eletrocardiograma de repouso (12 derivações)
• Exame vascular (pesquisa dos pulsos, ultra-som Doppler e sinais de isquemia)
CAPÍTULO 9 117
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A restrição ao consumo de sal deve ser salientada em diabéticos hipertensos, nefropatas e
cardiopatas, não devendo ultrapassar 2g ao dia. As bebidas alcoólicas também podem elevar os
níveis pressóricos, além de elevar agudamente os níveis de glicemia e trigliceridemia, e tardia-
mente determinar hipoglicemia pela depleção do glicogênio hepático. O álcool em excesso pode
ocasionar pancreatite e agravar a capacidade de síntese de insulina.
O exercício físico regular reduz os fatores de risco de doenças cardiovasculares como hiper-
glicemia, hiperlipidemia, hipertensão e obesidade. O ideal é que se atinja um bom condicionamen-
to físico, dedicando 30 a 40 minutos do dia, no mínimo quatro vezes por semana. O exercício
aumenta o fluxo sangüíneo e a captação de glicose pelo músculo, por duas vias distintas, sendo
uma independente da ação da insulina e outra dependente da insulina, que promove também a
oxidação de ácidos graxos livres. Os exercícios com grandes grupos musculares e por tempo pro-
longado são os mais eficientes para aumentar a atividade insulínica. Estas atividades, denomina-
das aeróbias de baixo impacto, incluem caminhadas, corridas leves, natação, bicicleta e dança.
Além disso, a atividade física traz uma sensação de bem-estar, com melhora na auto-estima e
recuperação de quadros de depressão. Os exercícios facilitam o abandono de vícios, melhoram a
força muscular e flexibilidade dos tecidos moles, e reduzem as retrações e deformidades osteoar-
ticulares. Ao orientar a atividade física devemos considerar o tipo, a intensidade e a duração, o
condicionamento físico de base, o sincronismo com horário, quantidade e calorias da alimentação,
o ajuste da terapêutica em uso, o controle metabólico e a presença de complicações. No indivíduo
com bom controle metabólico devemos ter o cuidado de ofertar suplemento de carboidratos antes
da atividade física. Como a hipoglicemia pode ocorrer tardiamente ao exercício físico, devemos
acrescentar um carboidrato de absorção prolongada, especialmente se a atividade for realizada à
tarde ou à noite, quando o risco de hipoglicemia de madrugada é grande.
Outras considerações devem ser observadas quanto ao exercício (Tabela 9.2).
Tabela 9.2
Cuidados na Orientação de Exercícios para Diabéticos
• Realizar teste de esforço para detectar possíveis cardiopatias e estabelecer a faixa de
freqüência cardíaca ideal e a carga máxima do exercício;
• Orientar aquecimento de pelo menos 5 minutos, e alongamento da musculatura antes e
depois do exercício físico;
• Considerar as limitações impostas por complicações crônicas. A neuropatia sensitiva
propicia lesões musculoesqueléticas e lesões nos pés. A retinopatia facilita hemorragias
retinianas com movimentos cefálicos bruscos ou manobras de Valsalva;
• Levar em conta a preferência do paciente, para que a atividade seja prazerosa e,
conseqüentemente, duradoura;
• Monitorizar a glicemia antes, durante e após a atividade física, reconhecendo a resposta do
organismo às diferentes modalidades e intensidades de exercício;
• Injetar a insulina longe da musculatura que será empregada no exercício e evitar realizar o
exercício no horário do pico de ação da insulina;
• Evitar a atividade física quando a glicemia estiver acima de 300mg/dl, devido ao risco de
descompensação hiperglicêmica;
• Ter à mão um carboidrato simples para hipoglicemia eventual, especialmente se a glicemia
for inferior a 100mg/dl.
As medicações devem ser consideradas quando a dieta e a atividade física forem insuficientes
para o controle satisfatório do DM. As medicações têm por objetivo aproximar a glicemia o mais
próximo do normal, considerando as peculiaridades individuais. Devemos evitar atitudes negli-
gentes, especialmente em idosos, quando se aceitam valores acima de 180mg/dl como “normais”
para a idade. Em recente estudo observou-se que níveis glicêmicos moderadamente elevados estão
118 CAPÍTULO 9
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associados a uma maior taxa de depressão e redução cognitiva em idosos. Outras razões para o
controle glicêmico incluem a redução da poliúria e noctúria, reduzindo visitas noturnas ao banhei-
ro e a possibilidade de queda, a prevenção de infecções, a redução de quadros trombóticos pela
desidratação e hiperosmolaridade, a cicatrização mais eficiente de feridas, a melhora da acuidade
visual e a desaceleração das complicações crônicas.
A escolha do medicamento deve levar em consideração a idade, a condição socioeconômica,
o acesso a instituições de saúde, o suporte familiar, a disposição para o automonitoramento, as
doenças coexistentes, as complicações crônicas e os aspectos inerentes à medicação, como vias de
administração, especificidade de ação, custo, existência de genéricos, risco de hipoglicemia, efei-
tos adversos, interações medicamentosas, vias de metabolização e de excreção. Para se obter um
controle glicêmico adequado sugere-se uma avaliação ambulatorial contínua, em intervalos de
três a quatro meses. A dosagem seriada da HbA1c é o melhor parâmetro de seguimento de longo
prazo no controle do DM. De maneira paralela, o paciente deve ser encorajado a realizar o auto-
monitoramento da glicemia pré e pós-prandial, permitindo avaliar a resposta individual a cada
tratamento proposto. Muitos pacientes temem a possibilidade de hipoglicemia e ingerem quanti-
dades excessivas de calorias diante de sintomas vagos e inespecíficos, quando a hipoglicemia
poderia ser descartada (ou confirmada) pela simples medição pelo glicosímetro manual. Uma das
limitações do automonitoramento continua sendo o custo elevado das fitas.
A ADA postula como critérios satisfatórios de controle do DM: HbA1c inferior a 7% (ou o
limite superior pelo método utilizado pelo laboratório), glicemia de jejum entre 80 e 120mg/dl,
duas horas depois da refeição inferior a 140mg/dl, e, ao deitar, entre 100 e 140mg/dl. Os melhores
resultados são obtidos quando o paciente está ciente destes objetivos e participa ativamente na
correção de seus parâmetros bioquímicos. São considerados valores limítrofes 8% para HbA1c (ou
um ponto percentual acima do limite superior do laboratório), 140mg/dl para a glicemia de jejum
e 180mg/dl para a glicemia pós-prandial. Estes últimos parâmetros também seriam aceitáveis na
condução de pacientes com risco elevado ante hipoglicemias, como portadores de doença corona-
riana, cerebrovascular e neuropsiquiátrica.
As diversas classes de medicamentos orais para o tratamento do DM, com mecanismos de
ação distintos, ampliam o espectro terapêutico através de múltiplas combinações possíveis
(Tabela 9.3).
Tabela 9.3
Tratamento Farmacológico Oral no DMNDI
Classe Droga Dosagem
Inibidores de Acarbose 50-300mg/dia, no início das refeições
α-glicosidase
Biguanidas Metformina 0,5-2,5g/dia logo após a refeição
Tiazolidinedionas Pioglitazona 15-45mg/dia em dose única
Rosiglitazona 2-8mg/dia em 1-2 tomadas diárias
Sulfoniluréias Glipizida 5-40mg/dia em 1-2 doses, pré-refeições
Glibenclamida 5-20mg/dia em 1-2 doses, pré-refeições
Glimepirida 1-8mg/dia antes da principal refeição
Gliclazida MR 30-120mg/dia antes da principal refeição
Análogos da meglitinida Nateglinida 60-120mg/dia antes das refeições
Repaglinida 0,5-4mg/dia antes das refeições
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Os inibidores da α-glucosidase, como a acarbose, promovem inibição reversível das enzimas
intestinais, responsáveis pela digestão de oligossacarídeos, retardando assim a absorção intestinal
e evitando picos de hiperglicemia pós-prandial. Eles são seguros para o uso em idosos por não
causarem hipoglicemia e por controlarem satisfatoriamente os casos de intolerância pós-prandial
isolada. Os efeitos colaterais, como flatulência, dor abdominal e diarréia, melhoram com o uso
continuado da medicação e o aumento lento e progressivo das doses.
A metformina, do grupo das biguanidas, reduz a liberação hepática de glicose e melhora a
sensibilidade periférica à insulina. Ela também reduz os níveis lipêmicos e o apetite, sendo uma
droga de escolha para diabéticos obesos. Mesmo com um baixo potencial de causar hipoglicemia,
ela deve ser evitada em idosos acima de 80 anos de idade, e em pacientes com insuficiência cardía-
ca, hepática ou renal, pelo risco de ocasionar acidose lática. Os efeitos adversos incluem diarréia e
dor abdominal.
As tiazolidinedionas, como a rosiglitazona e a pioglitazona, também aumentam a sensibilida-
de periférica à insulina, potencializando os efeitos intracelulares da insulina e reduzindo o risco de
falência ß-pancreática. Os efeitos adversos incluem aumento do peso e retenção hídrica, sendo,
portanto, contra-indicadas em portadores de insuficiência cardíaca de grau III e IV. Devido à sua
metabolização hepática exclusiva, os níveis das enzimas hepáticas devem ser regularmente moni-
torizados. Constituem uma boa alternativa para pacientes com redução da função renal ou para
aqueles que não necessitam reduzir o peso.
As sulfoniluréias estimulam a liberação de insulina pelas células ß-pancreáticas. A clorpro-
pramida pode causar hipoglicemias graves, devido à sua meia-vida prolongada, além de determi-
nar retenção hídrica, com hiponatremia e hipertensão arterial, secundária ao estímulo de secreção
do hormônio antidiurético. As sulfoniluréias de segunda geração, especialmente a glimepirida e a
gliclazida, na forma de liberação lenta, são mais seguras em idosos, pela maior uniformidade na
concentração sérica, após dose única diária. Como as sulfoniluréias apresentam metabolização
hepática e excreção renal, devem ser evitadas na vigência de insuficiência hepática ou renal, e a
glipizida parece oferecer maior segurança nos nefropatas. Todas determinam ganho de peso, o que
pode constituir um problema em pacientes obesos. Falha terapêutica primária com as sulfoniluréias
pode ocorrer em 20% dos casos, sendo a falha secundária subseqüente da ordem de 4% ao ano.
A nova classe dos análogos da meglitinida, representada pela repaglinida e a nateglinida,
promove uma liberação pancreática de insulina mais rápida, mais intensa e menos duradoura que
as sulfoniluréias, sem picos de ação tardia e menor risco de hipoglicemia pré-prandial. Devem ser
ingeridas imediatamente antes de todas as refeições, sendo drogas seguras para os nefropatas.
As insulinas são reservadas para os casos não responsivos às diferentes combinações das
classes de medicamentos orais ou em situações de descompensação glicêmica temporária, como
infecções, estresse emocional e cirurgias. O fenômeno da glicotoxicidade pode inicialmente dar
uma falsa idéia de falência primária aos medicamentos orais, sendo esta condição facilmente con-
trolada com o uso temporário de baixas doses de insulina. Outros casos de falência terapêutica
primária aos medicamentos orais podem corresponder a quadros de apresentação tardia de DMID,
que acometem 5% a 10% dos diabéticos adultos, necessitando da manutenção terapêutica com
insulina. O ideal é procurar esgotar todas as possibilidades de medicações orais para que o mínimo
de insulina seja utilizado, evitando os efeitos adversos da hiperinsulinemia, entre eles o ganho de
peso, a hipoglicemia e as complicações cardiovasculares, evitando o conhecido círculo vicioso
(uso de insulina → ganho de peso → aumento da necessidade de insulina).
O uso de insulina exige cuidado em pacientes idosos, especialmente naqueles com distúrbios
graves da visão, neuropatia motora, tremores em extremidades, redução da memória e prejuízo
cognitivo, e que não dispõe da ajuda de familiares ou amigos.
As insulinas encontram-se disponíveis sob formas de ação rápida, intermediária ou lenta,
conforme o tempo de início, do pico e do término da ação, após a injeção subcutânea (Tabela 9.4).
120 CAPÍTULO 9
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Também existem formas pré-misturadas de insulina rápida e intermediária, com proporções
fixas, que embora diminua a flexibilidade nas alterações das doses, permite maior conveniência na
aplicação. As insulinas humanas, menos imunogênicas, têm substituído progressivamente as insu-
linas animais. O uso das insulinas requer cuidados meticulosos como armazenagem adequada,
manuseio adequado de frascos e seringas, aspiração correta da dose e técnica de aplicação correta,
com higiene local e variação dos locais de injeção. A educação e o acompanhamento do paciente
são fundamentais para uma boa resposta terapêutica, e o automonitoramento se torna ainda mais
imprescindível. Em pacientes com distúrbios visuais orientamos as canetas de injeção graduadas
ou seringas prontas, com doses previamente aspiradas por familiares e armazenadas em geladeira.
Enquanto os estudos demonstram a importância de múltiplas aplicações de insulina no DMID,
os pacientes com DMNDI podem ser satisfatoriamente controlados com duas aplicações diárias,
ou até uma quando associada a medicamentos orais. Neste último caso, adota-se o esquema de
pequenas doses de insulina intermediária ou lenta ao deitar, reduzindo a glicemia de jejum e per-
mitindo maior eficácia da terapia oral durante o dia. Os casos mais severos exigem esquemas
intensivos com múltiplas aplicações de insulina rápida antes das refeições e duas doses de insulina
intermediária para manter níveis basais adequados. As insulinas de ação rápida devem ser aplica-
das 20 a 30 minutos antes das refeições, para adequar o pico de ação à fase de maior elevação pós-
prandial da glicemia.
Os análogos de insulina, como a lispro, a aspart e a glargina, produzidos mediante modificações
de bases moleculares da insulina humana, constituíram um grande marco no controle do DM. As
duas primeiras apresentam início de ação mais rápida, com pico precoce e duração do efeito mais
curto, reduzindo os episódios tardios de hipoglicemia e possibilitando o ajuste imediato da dose
conforme a ingesta de carboidratos da refeição. Os análogos de ação longa, como a insulina glargina,
apresentam a maior meia-vida de todas as insulinas sem, contudo, apresentar um pico de ação evi-
dente, mantendo assim constante os níveis basais de glicemia, com menor risco de hipoglicemia em
períodos pré-prandiais. A possibilidade futura de formas inaladas de insulina e do transplante
isolado de ilhotas constitui uma esperança para reduzir o desconforto das aplicações injetáveis.
No controle das dislipidemias no DM, tolera-se um nível de LDL-colesterol inferior a 100mg/dl,
de HDL-colesterol superior a 45mg/dl e de triglicérides inferior a 150mg/dl. O tratamento da
hipertensão no DM também requer patamares mais rígidos, com valores sistólicos máximos de
130mmHg e diastólicos de 80mmHg, desde que não ocorra hipotensão postural, especialmente
quando existe risco de hipofluxo em pacientes com coronariopatia isquêmica ou isquemia cere-
Tabela 9.4
Farmacocinética das Insulinas Disponíveis
Tipo Insulina Início de Ação Pico de Ação Duração
Rápida Regular 30-60 minutos 2-4 horas 6-8 horas
Rápida Lispro 5-15 minutos 1-2 horas 4-5 horas
Rápida Aspart 10-20 minutos 1-3 horas 3-5 horas
Intermediária NPH 1-2 horas 5-7 horas 13-18 horas
Intermediária Lenta 1-3 horas 5-8 horas 13-20 horas
Lenta Ultralenta 2-4 horas 8-10 horas 18-24 horas
Lenta Glargina 2-4 horas Não há 22-28 horas
CAPÍTULO 9 121
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bral. As drogas de escolha são os inibidores da enzima de conversão de angiotensina (IECA),
seguidos dos bloqueadores de angiotensina II. Os β-bloqueadores, úteis para os coronariopatas,
podem bloquear a secreção pancreática de insulina, mascarar os sintomas adrenérgicos da hipogli-
cemia, elevar as taxas de triglicérides e colesterol, e agravar estados de hipoperfusão de membros
inferiores. Os bloqueadores de canal de cálcio não interferem no metabolismo da glicose, porém
podem intensificar quadros de hipotensão ortostática, especialmente em idosos e portadores de
neuropatia autonômica. A hipopotassemia e a hipomagnesemia, secundárias ao uso de diuréticos,
podem aumentar a resistência à insulina.
Complicações Microvasculares
A prevalência de complicações microvasculares é muito aumentada no DM, sendo proporcio-
nal à idade do indivíduo, à duração da doença, ao controle glicêmico e aos níveis de HbA1c. A
normalização glicêmica pode retardar o aparecimento ou a progressão da complicação microvas-
cular. Os efeitos deletérios da hiperglicemia sobre a microcirculação incluem mudanças da via
metabólica do sorbitol, competição tecidual com o mioinositol, e a glicosilação não-enzimática e
agregação de proteínas. Além da hiperglicemia, outros fatores complicadores como predisposição
genética, tabagismo, dislipidemia, obesidade e hipertensão arterial estão envolvidos na gênese
destas complicações. Como a estrutura microvascular é semelhante em diversos órgãos, o envolvi-
mento de um órgão-alvo deve dirigir a atenção para outros órgãos-alvo.
Oftalmopatia Diabética
O DM constitui a principal causa de amaurose em nosso meio, resultado de um acometimento
da mácula, afetando a visão central, e o acometimento isquêmico difuso da retina, pela retinopatia
proliferativa. Cerca de 10% dos indivíduos com DMNDI já apresentam sinais de alteração retini-
niana no momento do diagnóstico. Esta prevalência pode chegar a 40% após 10 anos de evolução
e até 90% após 20 anos. As alterações retinianas são caracterizadas por extravasamento dos vasos
retinianos (exsudatos) ou obstruções do fluxo sangüíneo nos vasos retinianos (isquemia), que cons-
tituem um potente estímulo para a formação de neovasos.
A retinopatia pode ter várias formas de apresentação. A forma mais leve, denominada retino-
patia incipiente, com a presença de alguns microaneurismas, de pequenos focos de hemorragia e
exsudato algodonoso (isquêmico), em geral não compromete a visão. Entretanto, a presença de
edema, exsudato e isquemia na região da mácula trazem maior gravidade ao quadro. Quando os
focos hemorrágicos se tornam mais extensos, os exsudatos aparecem em maior número e surgem
pequenas alças venosas, caracterizando então a retinopatia pré-proliferativa. O risco de evolução
deste processo para a forma mais severa, proliferativa, pode ultrapassar os 50%. Existe a corrente
de oftalmologistas que prefere acompanhar periodicamente estes casos e existe uma outra que
advoga o uso de laser nesta fase. A retinopatia proliferativa é caracterizada pela extensão isquêmi-
ca superior a 25% da superfície retiniana e pelo aparecimento de neovasos de maior fragilidade,
susceptíveis ao extravasamento proteico. Este quadro permanece assintomático até a ocorrência
de hemorragia destes neovasos, que dependendo da localização e extensão pode comprometer
agudamente a visão. Simultaneamente, ocorre fibrose ao redor dos neovasos, gerando forças de
tração sobre a retina e propiciando focos de descolamento retiniano.
Recomenda-se a avaliação de fundo de olho, de preferência realizada por oftalmologista, no
momento do diagnóstico e depois anualmente, ou de acordo com a recomendação do oftalmolo-
gista. O tratamento precoce com fotocoagulação representa a base do tratamento da retinopatia
diabética, pois não existem medicamentos com eficácia demonstrada. Uma hemorragia que se
estenda ao humor vítreo dificulta a avaliação retiniana por alguns meses, e múltiplos episódios de
sangramento podem ocasionar fibrose vítreo-retiniana, necessitando de cirurgia para vitrectomia.
122 CAPÍTULO 9
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O DM pode determinar outras condições que alteram a capacidade visual, como glaucoma,
catarata, trombose de veia e artéria ocular, isquemia do disco óptico, isquemia do córtex visual e
comprometimento dos nervos cranianos, responsáveis pelo movimento ocular. A avaliação deve
incluir medida da pressão intra-ocular, campimetria, estudo do movimento ocular e exame do
cristalino com lâmpada de fenda.
Nefropatia Diabética
A nefropatia diabética pode ser dividida em quatro fases: subclínica, clínica, avançada e ter-
minal. A forma subclínica, presente em até 5-10% dos indivíduos com DMNDI recém-diagnosti-
cado, é definida pela presença de microalbuminúria, com taxas de 30 a 300mg/ml em amostra
urinária de 24 horas. Nesta fase existe uma hipertrofia e hiperfunção glomerular.
A nefropatia clínica é caracterizada por proteinúria franca, superior a 300mg/ml, geralmente
associada à hipertensão arterial. Após evolução de 5-10 anos sobrevém a nefropatia avançada,
com comprometimento progressivo do ritmo de filtração glomerular, na ordem de 5-10ml/min/
ano. Após um período médio de cinco anos instala-se a nefropatia terminal, com falência completa
da função renal. Nesta fase os rins são atróficos, predominando a esclerose e atrofia glomerular,
com progressiva queda da taxa de depuração e elevação dos níveis de uréia e creatinina.
O DM é o principal responsável por diálises e transplantes renais, conferindo um risco 15
vezes maior que indivíduos não-diabéticos. O controle da glicemia, da pressão arterial e das infec-
ções urinárias é essencial na prevenção da nefropatia diabética, que por sua vez agravaria ainda
mais a hipertensão arterial. Além do efeito hipotensor, as IECA têm demonstrado um efeito nefro-
protetor, razão pela qual são utilizadas em pacientes com microalbuminúria e níveis pressóricos
normais. Entretanto, nas fases tardias de nefropatia, além da tendência à sobrecarga volêmica,
existe o risco de hipercalemia com o uso destas medicações, sendo estas substituídas por drogas
que facilitem a perda de potássio, como os diuréticos tiazídicos e os de alça.
Os rins são uma importante via de eliminação de drogas hipoglicemiantes e de inativação
metabólica da insulina, portanto nas disfunções renais avançadas pode ser necessária a correção das
doses de medicamentos, para evitar o risco de hipoglicemia. O acometimento renal está associado a
outras alterações que necessitam da abordagem clínica apropriada como a anemia por deficiência de
eritropoetina, a hipoalbuminemia e a osteodistrofia renal. Com o progredir da nefropatia, devemos
considerar as possibilidades de diálise peritoneal (CAPD), hemodiálise e transplante renal.
Todo diabético deve realizar um exame de microalbuminúria a cada 6-12 meses. Estando
alterado pela primeira vez, o exame deve ser repetido e confirmado, afastando situações que po-
dem elevar transitoriamente a excreção de albumina, como exercício físico intenso, infecções
urinárias, doenças agudas, presença de hematúria, contaminação com sêmen, dieta hiperproteica e
insuficiência cardíaca. Na vigência de nefropatia clínica, associamos o teste de depuração da cre-
atinina em 24 horas a cada seis meses. O DM pode acarretar outras complicações sobre o trato
urinário, como bexiga neurogênica, maior susceptibilidade aos efeitos nefrotóxicos de antiinfla-
matórios e contrastes radiológicos, glomerulonefrite membranosa e necrose papilar renal.
Neuropatia Diabética
A neuropatia pode acometer cerca de 30% a 40% dos diabéticos, sendo que não existe corre-
lação precisa entre o grau de acometimento da fibra nervosa e a sintomatologia, embora o diagnós-
tico seja eminentemente clínico. Ela é resultado de um comprometimento crônico e definitivo das
células nervosas. Sintomas neuropáticos agudos podem ser relatados durante as descompensações
glicêmicas, mas estes costumam regredir após a normalização metabólica. O diagnóstico de neu-
ropatia diabética é firmado após afastar outras causas de neuropatia, como uremia, deficiência de
vitamina B, etilismo, hipotireoidismo e síndromes paraneoplásicas.
CAPÍTULO 9 123
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A neuropatia diabética é ocasionada pelos efeitos da hiperglicemia crônica sobre o metabolis-
mo neuronal, aumentando a atividade da via dos polióis, do mioinositol e da glicosilação proteica,
somado à ação de fatores locais de crescimento, alterações de neurotransmissores, estresse oxida-
tivo e hipóxia local.
A neuropatia diabética pode ser classificada em sensitivo-motora, autonômica, mononeuro-
pática, neuropatia multifocal e amiotrófica. A forma mais comum é a neuropatia sensitivo-motora
distal simétrica. As alterações sensitivas acometem a extremidade de nervos longos, principal-
mente em membros inferiores, configurando um padrão chamado “em bota”. A manifestação sin-
tomática é variável, incluindo dores lancinantes, queimação, pressão ou sintomas de parestesias,
hipoestesia até quadros severos de anestesia. Estes sintomas são mais percebidos no período no-
turno, acarretando distúrbios importantes do sono. O uso de analgésicos e sedativos para estes
casos corre o risco de potencializar quadros de confusão mental e vertigem em idosos, propiciando
quedas durante a madrugada.
A pesquisa de sinais clínicos da neuropatia envolve testes de sensibilidade dolorosa, realiza-
dos com agulhas; de sensibilidade tátil, através de monofilamentos de náilon com diversos diâme-
tros; de sensibilidade vibratória, com o uso de diapasão; da sensibilidade térmica, com fontes de
calor e frio; da resposta dos arcos reflexos, como o aquileu e o patelar; e por fim a avaliação da
força muscular. A medida de condução nervosa por estímulos eletrofisiológicos deve ser reserva-
da para apresentações atípicas, devido ao elevado custo, o desconforto ao paciente e resultados
pouco específicos. Além do controle glicêmico rígido, o tratamento da dor pode incluir o uso de
antidepressivos tricíclicos, de carbamazepina ou cremes tópicos à base de capsaicina. A acupuntu-
ra pode ser benéfica em casos resistentes.
A neuropatia autonômica pode determinar hipotensão postural, sudorese excessiva ou abo-
lida, distúrbios gastrointestinais, incontinência ou retenção urinária e impotência sexual. Os
sinais clínicos evidenciam pele ressecada, alterações pupilares, queda da pressão sistólica maior
que 20mmHg após dois minutos na posição supina e variações da freqüência cardíaca, após
manobras de Valsalva e inspiração profunda. A hipotensão postural pode ser amenizada pela
hidratação adequada, evitando drogas potencializadoras do quadro, orientando a elevação gra-
dual do corpo, a utilização de meia elástica, para aumentar o retorno venoso, e, se necessário,
baixas doses de fludrocortisona.
As mononeuropatias são caracterizadas por quadros dolorosos em extremidades de nervos
submetidos à compressão extrínseca ou intrínseca, sendo a síndrome do túnel do carpo a mais
comum. As neuropatias de nervos cranianos, particularmente o III (oculomotor), o IV (troclear) e
o VII (facial), têm bom prognóstico, regredindo após algumas semanas.
A neuropatia amiotrófica é um quadro dramático, mais incidente em idosos, com perda de
peso acentuada, dores intensas nas coxas, fraqueza e atrofia muscular, dificultando a flexão do
quadril e a deambulação.
Disfunção Erétil
A disfunção erétil é a incapacidade de atingir ou manter uma ereção satisfatória para a ativida-
de sexual. A prevalência desta disfunção no DM é de aproximadamente 35%, chegando a valores
de 60% em indivíduos acima de 60 anos. Ela é causada por distúrbios como perda da complacên-
cia cavernosa, neuropatia autonômica, aterosclerose de grandes vasos ou efeito adverso de medi-
camentos. Quadros de ereção noturna adequada e sintomas de impotência intermitente, não
acompanhado de descontrole glicêmico, sugerem origem psicológica do distúrbio.
A avaliação física deve pesquisar alterações em caracteres sexuais secundários, as presenças
de fimose, placas fibróticas e balanopostites, o tamanho e consistência testicular, a sensibilidade
peniana, a palpação das artérias cavernosas e o reflexo bulbocavernoso, verificado pela contração
satisfatória do esfíncter anal após pressão na glande peniana. A avaliação complementar inclui a
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ultra-sonografia com Doppler, a arteriografia, a cavernografia, as fitas demarcadas de tensão e rigi-
dez peniana durante o sono REM e a resposta de ereção após injeção intracavernosa de papaverina.
A terapêutica específica, orientada por médico habilitado, inclui a aplicação intracavernosa
de drogas vasoativas (papaverina, fentolamina e prostaglandina), drogas orais como o sildenafil,
os aparatos de ingurgitamento peniano a vácuo, as cirurgias vasculares arteriais e venosas e as
próteses penianas.
Distúrbios Gastrintestinais
As complicações mais freqüentes do trato gastrintestinal são a monilíase gastresofágica e as
disfunções motoras gastresofágicas, como refluxo esofágico, gastroparesia, diarréia e obstipação.
A avaliação diagnóstica inclui a endoscopia digestiva, a manometria gastresofágica, o exame
do trânsito digestivo, e coproculturas.
Com relação ao tratamento, além da dieta fracionada, salienta-se a restrição do sal, para redu-
zir o efeito osmótico, e das gorduras, para facilitar o esvaziamento gástrico. Em casos resistentes
associam-se medicamentos estimulantes da motilidade gastresofágica (metoclopramida, domperi-
dona, cisaprida, bromoprida), antidiarréicos (loperamida, colestiramina) e antibióticos na vigência
de superpopulações bacterianas.
Pé Diabético
O pé diabético constitui uma complicação multifatorial, envolvendo a combinação de neuro-
patia sensitivo-motora, neuropatia autonômica, isquemia de grandes vasos, alterações biomecâni-
cas do pé e infecções, favorecendo o aparecimento de lesões ulceradas.
Lesões ulceradas nos pés, geralmente secundárias a pequenos traumas, constituem a principal
razão de internações hospitalares em pacientes diabéticos, gerando enormes custos, de ordem
financeira e emocional. Se não tratadas de forma rápida e adequada estas lesões podem culminar
com a amputação de extremidades. O DM é responsável pela maioria das amputações não-traumá-
ticas de membros, com risco 40 vezes maior que indivíduos não-diabéticos. Entretanto, estudos
demonstram que até 50% destas amputações podem ser prevenidas com medidas preventivas e
abordagem multiprofissional de endocrinologistas, cirurgiões vasculares, ortopedistas, dermato-
logistas, fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiras, podólogos, entre outros.
A neuropatia do membro inferior pode ser evidenciada por sinais clínicos como hiperemia e
aumento da temperatura nas extremidades, distúrbios da sudorese e redução da sensibilidade tátil,
térmica e dolorosa. A atrofia muscular progressiva e as retrações tendinosas provocam deformida-
des ósseas nos pés, que podem deslocar o centro de distribuição do peso. A fricção constante sobre
estas áreas determina a formação de calos, edema, hematomas, fissuras e ulcerações. A determina-
ção dos pontos de sobrecarga de pressão é essencial na abordagem do pé diabético, podendo ser
indiretamente avaliada pela observação de deformidades na sola do calçado e dificuldades na
marcha. A obesidade é um fator agravante por intensificar a carga de tensão vertical.
A isquemia é avaliada pela palpação do pulso, tibial posterior e pedioso, pela história rela-
tada de claudicação intermitente, ou por sinais como atraso de enchimento capilar, extremidade
fria, redução de pilificação, atrofia cutânea e, ocasionalmente, gangrena digital. A utilização de
arteriografia deve ser realizada de forma cautelosa pelo risco de nefrotoxicidade com o uso de
contrastes radiológicos.
A úlcera pode resultar também de deformidades ou espessamentos ungueais, infecções bac-
terianas e fúngicas e queimaduras. Estas situações criam uma porta de entrada para inúmeras bactérias,
que encontram um meio favorável à disseminação, complicando com necrose tecidual, trombose
das arteríolas terminais e acometimento de estruturas profundas.
CAPÍTULO 9 125
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A radiografia é importante em todos os casos de úlcera para avaliar a presença de fraturas
assintomáticas, corpos estranhos, sinais de osteomielite e gás no tecido subcutâneo, indicando
infecção por anaeróbios.
As técnicas de prevenção da úlcera pelo próprio paciente continuam sendo a medida mais
eficaz para controle desta complicação (Tabela 9.5).
O diabético deve ser orientado a procurar precocemente os serviços de apoio na eventualidade
de lesões suspeitas, edema sem causa aparente e dores de repouso. Os podólogos especializados
podem realizar o desbridamento de calos, cortar as unhas de forma retilínea, corrigindo espessa-
mentos e desvios ungueais, proteger áreas de pressão, aconselhar calçados com melhor distribui-
ção da carga tensional, cuidar de extremidades amputadas e limpar as feridas abertas.
Uma vez instalada a úlcera no pé indica-se o repouso imediato, a limpeza com solução salina,
os curativos com gazes úmidas, trocadas 2-3 vezes ao dia, além do desbridamento de todo o tecido
necrótico, expondo o tecido viável com sangramento ativo, averiguando o acometimento de ossos,
articulações e tendões, além da realização de raspagem de calos circundantes da lesão e drenagem
de coleções profundas. A presença de isquemia pode ser corrigida pela revascularização arterial
ou angioplastia, e nos casos de gangrena digital, pode ser necessária uma amputação regional.
DISFUNÇÕES TIREOIDIANAS
As disfunções tireoidianas vêm recebendo maior atenção dos órgãos públicos de saúde em
razão da elevada prevalência, da maior disponibilidade e sensibilidade dos métodos diagnósticos,
e da relativa facilidade no controle terapêutico.
Tabela 9.5
Prevenção do Pé Diabético
• Utilizar sapatos de boa qualidade, com solado macio e confortável, altura e largura suficiente
para os dedos, cadarço ou velcro para ajuste da acomodação.
• Não caminhar descalço.
• Comprar calçados novos à tarde, quando a dimensão do pé é maior, e utilizá-los por poucos
minutos, a cada dia, até que se adaptem aos pés.
• Utilizar palmilhas e espumas próprias de proteção para áreas de saliências ósseas,
calosidades ou sobrecarga de peso.
• Utilizar meias de algodão ou lã para absorver melhor o suor, ajustadas corretamente, sem
elásticos apertados, e trocando-as diariamente.
• Cortar as unhas de forma reta e horizontal, evitando lesões da pele periungueal e retirada da
cutícula. Não retirar calosidades ou usar produtos químicos sem orientação.
• Usar bengalas e apoios para evitar sobrecarga de peso.
• Limpar diariamente os pés (entre os dedos), com água morna e sabonete neutro, sem esfregar
em demasia, utilizando panos secos e limpos para enxugá-los.
• Observar com o auxílio de espelhos a presença de calos, úlceras, edemas, hiperemias,
hematomas e fissuras. Tratar micoses cutâneas e ungueais.
• Procurar corpos estranhos no interior do sapato antes de calçá-lo, bem como objetos
perfurantes nas solas dos calçados (tachinhas, pregos...).
• Evitar queimaduras com uso de bolsas de água quente ou aquecedores elétricos e aquecer os
pés apenas com meias quentes.
• Abolir o cigarro e ter uma boa alimentação.
• Mudar constantemente a posição dos membros inferiores de pacientes acamados.
• Evitar trabalhos que exigem que se fique muito tempo de pé (garçom, vendedor...).
126 CAPÍTULO 9
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A tireóide é reconhecida como um importante modulador do metabolismo orgânico, direta-
mente envolvida no ritmo de crescimento, funcionamento e senescência celular. A tireóide exerce
seus efeitos através dos hormônios tireoidianos (HT), que são sintetizados nos folículos tireoidia-
nos, após a captação e organificação do iodo, que é então incorporado a radicais tirosínicos da
proteína tireoglobulina, por ação da enzima tireoperoxidase. Os HT, principalmente a tiroxina
(T4) e a triiodotironina (T3), são liberados para a circulação, onde mais de 95% se encontram na
forma inativa, conjugada a proteínas plasmáticas, e o restante na forma livre ativa. A síntese e a
liberação dos HT são estimuladas pelo hormônio tireoestimulante (TSH), produzido e secretado
pela hipófise anterior, que por sua vez é regulado pelo hipotálamo. O TSH também apresenta
efeito trófico, estimulando o crescimento dos folículos tireoidianos.
O hipotireoidismo é a principal disfunção da tireóide, sendo a grande maioria dos casos de-
corrente da agressão do parênquima folicular por auto-anticorpos, denominando-se doença de
Hashimoto. Dependendo da população estudada a prevalência do hipotireoidismo varia de 3 a
10%, sendo mais freqüente em mulheres e idosos. O hipotireoidismo reduz a capacidade cardio-
vascular, aumenta a pressão arterial, eleva as taxas de colesterol e triglicérides, e compromete a
qualidade de vida do indivíduo, constituindo um modelo de aceleração do envelhecimento. O
mesmo ocorre com o hipertireoidismo, acompanhado de sobrecarrega do miocárdio, desencadean-
do quadros anginosos e arritmias, perda de massa muscular e desmineralização óssea.
Dentre as causas de hipertireoidismo, o bócio multinodular tóxico (BMNT) se torna mais inci-
dente com o avançar da idade, onde eventos mutagênicos geram clones foliculares hiperfuncionantes
e autônomos. Outras causas incluem o bócio difuso tóxico auto-imune, ou doença de Basedow-
Graves, o adenoma tóxico (AT) e as causas iatrogênicas, pelo uso de doses excessivas de hormônio
exógeno ou substâncias de elevado teor de iodo, como contrastes iodados e a amiodarona.
Os sintomas do hipotireoidismo são geralmente inespecíficos e de instalação lenta, incluindo
fadiga, inapetência, fraqueza e câimbras musculares, alterações de cognição e atenção, distúrbios
do humor, pele seca, pêlos quebradiços, edemas, intolerância ao frio, lentificação de reflexos,
ganho de peso e sonolência. Muitos sintomas se confundem com o próprio envelhecimento, não
sendo valorizados pelo paciente e familiares. O hipertireoidismo é caracterizado por quadros de
agitação psíquica, tremores, taquicardia, taquiarritmias, emagrecimento, hiperfagia, intolerância
ao calor e sudorese excessiva.
A simples palpação da tireóide pode fornecer dados importantes relativos à dimensão, forma
e consistência da glândula. Quanto aos distúrbios funcionais, a dosagem hormonal é essencial para
estabelecer o diagnóstico, sendo válida a premissa de que as disfunções tireoidianas são diagnos-
ticadas somente quando existe a suspeita do médico. A dosagem do TSH ultra-sensível e da fração
livre de T4 (T4L) é suficiente para estabelecer com segurança o estado funcional da tireóide (Tabe-
la 9.6). Como a hipófise é sensível às pequenas variações dos níveis de HT, mesmo que estes
estejam ainda dentro do espectro considerado normal para a população, o TSH acaba sendo o
exame mais específico da função tireoidiana. A dosagem dos níveis totais de T3 e T4 está sujeita
a interferências de outras doenças, do estado nutricional e de diversas medicações, reduzindo o
seu grau de sensibilidade e especificidade. Na presença de níveis normais de T4L, com dosagens
elevadas ou reduzidas de TSH, em indivíduos assintomáticos ou com sintomatologia frustra, de-
nominamos, respectivamente, hipotireoidismo subclínico e hipertireoidismo subclínico.
A presença de auto-anticorpos, direcionados contra antígenos tireoidianos, é útil para a defi-
nição etiológica em casos de disfunção hormonal. Títulos elevados de auto-anticorpos não guar-
dam necessariamente relação com a função tireoidiana, podendo denotar apenas maior propensão
a disfunções tireoidianas, que podem nunca vir a ocorrer. Estudos retrospectivos calcularam um
risco anual de apenas 2% de evolução para hipotireoidismo em indivíduos com auto-anticorpos
antitireoperoxidase detectáveis, não se justificando a realização destes exames em estudos de rastrea-
mento populacional. Por outro lado, a presença de auto-anticorpos, em nível individual, tem sido
CAPÍTULO 9 127
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correlacionada à condição do envelhecimento, detectando-se títulos mais elevados em idosos hos-
pitalizados e debilitados, quando comparados a idosos saudáveis. Alguns autores até sugerem que
os auto-anticorpos constituem marcadores importantes de longevidade e envelhecimento saudá-
vel, embora este conceito não seja aceito pela maioria dos especialistas.
Tabela 9.6
Diagnóstico Laboratorial das Disfunções Tireoidianas
Diagnóstico T4L
TSH
Eutireoidismo Normal Normal
Hipotireoidismo Reduzido Elevado
Hipotireoidismo subclínico Normal Elevado
Hipertireoidismo Elevado Reduzido
Hipertireoidismo subclínico Normal Reduzido
O programa nacional de iodinação do sal marinho constituiu um marco na prevenção primária
do bócio endêmico. A prevenção primária das disfunções auto-imunes, mediante determinação de
suscetibilidade genética e da capacidade de modular a resposta imunológica, ainda é uma medida
distante da realidade atual, restando apenas a prevenção secundária, através do diagnóstico preco-
ce e reposição hormonal. O rastreamento populacional das disfunções tireoidianas oligo ou assin-
tomáticas, através da dosagem do TSH, apresenta como argumentos favoráveis uma elevada
prevalência na população, o risco cardiovascular associado, a maior propensão para desenvolver
neoplasias tireoidianas, a redução na qualidade de vida, e o custo elevado de múltiplas consultas e
exames complementares desnecessários aos quais o indivíduo se submeterá para a avaliação de
sintomas inespecíficos. De certa forma, o risco de deficiência mental relacionado ao hipotireoidis-
mo congênito já foi suficiente para se padronizar em todas as maternidades a triagem neonatal,
pela dosagem capilar de TSH.
Um estudo epidemiológico norte-americano comprovou a boa relação de custo-benefício no
rastreamento, a cada 5 anos, de indivíduos acima de 35 anos. Outros autores preferem restringir o
rastreamento para populações de alto risco como mulheres após a menopausa e no período pós-
parto, quando os fenômenos auto-imunes são mais comuns, e em todos acima de 65 anos de idade,
por meio de dosagens anuais de TSH.
A prevenção terciária envolve o equilíbrio da reposição hormonal, o controle de distúrbios
associados, como obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial, e a abordagem de nódulos com
potencial neoplásico, mais comuns nas disfunções tireoidianas. Sinais que sugerem evolução neo-
plásica incluem aumento progressivo das dimensões nodulares na vigência de reposição hormonal
adequada, nódulos de características heterogêneas, com limites imprecisos, textura rígida, dimi-
nuição da mobilidade, sintomas locais de dor, alteração de voz e disfagia e adenomegalia regional.
A maioria dos nódulos apresenta comportamento benigno, necessitando apenas de seguimento
ambulatorial, com apoio seriado de exames ultra-sonográficos e da biópsia por punção aspirativa
nos casos suspeitos. Não se recomenda atualmente a terapia supressiva com doses suprafisiológi-
cas de L-T4, pela ineficácia demonstrada e pelo risco de tireotoxicose iatrogênica.
O tratamento do hipotireoidismo se faz pela reposição com a forma sintética do hormônio T4
(L-T4), em doses progressivamente crescentes, até a normalização dos níveis do TSH. A dose de
reposição em idosos tende a ser menor do que em indivíduos jovens, devido à menor metaboliza-
128 CAPÍTULO 9
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ção do T4, devendo-se ter a cautela de iniciar com doses baixas (12,5 a 25mg/dia), com pe-
quenos incrementos a cada 6 semanas. O risco inerente ao tratamento do hipotireoidismo,
como a exacerbação de quadros anginosos, de ansiedade e aceleração da osteoporose, devem
ser continuamente monitorados. A reposição em casos de hipotireoidismo subclínico ainda é
controversa, embora a experiência clínica seja favorável à sua utilização na vigência de hiper-
tensão arterial e dislipidemias.
O tratamento do hipertireoidismo depende da etiologia envolvida. A radioioterapia é preferí-
vel em pacientes sem condições cirúrgicas, enquanto a cirurgia deve ser prioritária diante da pre-
sença de nódulos suspeitos. Em qualquer situação, um curso temporário de terapêutica oral com
propiltiouracil ou metimazol pode estabilizar o quadro clínico até a realização da terapia definiti-
va, ou até que ocorra regressão espontânea, vista em alguns casos de doença de Basedow-Graves.
Os sintomas adrenérgicos-símile podem ser amenizados com o uso de β-bloqueadores. Outras
opções terapêuticas incluem o carbonato de lítio, os corticosteróides e contrastes iodados orais.
DISFUNÇÃO GONADAL MASCULINA
O crescente aumento da população idosa mundial tem sido acompanhado de preocupações
com a qualidade de vida e a participação do idoso no convívio social e familiar, onde a atividade
sexual constitui um meio de prazer e harmonia nas relações interpessoais. O envelhecimento de-
termina um declínio da quantidade e qualidade da atividade sexual.
A denominação de andropausa, em analogia a menopausa da mulher, é inadequada, por ser
este um fenômeno de evolução insidiosa e muito variável. Por outro lado, a impotência masculina,
geralmente relacionada a disfunções hormonais, está, na maioria das vezes, associada a doenças
sistêmicas, distúrbios do sistema nervoso autônomo, efeitos de medicamentos ou fatores emocio-
nais. Embora a impotência seja uma queixa freqüente, afetando 8% de homens até 55 anos, 20%
até 65 anos e 40% até 75 anos, a resposta à reposição hormonal costuma ser desanimadora.
O testículo apresenta uma função reprodutora, representada pela produção de espermatozói-
des nas células de Sertoli, e outra hormonal, com a síntese de testosterona pelas células de Leydig.
A hipófise anterior, estimulada pelo hipotálamo, secreta o hormônio luteinizante (LH), que regula
a produção de testosterona, e o hormônio folículo-estimulante (FSH), que regula a espermatogê-
nese. Cerca de 40% da testosterona encontra-se ligada de forma estável à globulina carreadora de
hormônios sexuais (SHBG), enquanto 60% apresentam ligação fraca à albumina plasmática e 2%
circulam na forma livre ativa.
Durante o envelhecimento ocorre um declínio da função testicular e da função hipotálamo-
hipofisária, esta última caracterizada por reduções da amplitude e freqüência de resposta do FSH
e do LH ao estímulo hipotalâmico. As alterações testiculares incluem uma redução do número de
células de Leydig, da perfusão testicular, da responsividade das células de Leydig ao estímulo de
LH e da capacidade de biossíntese de testosterona. Após os 40 anos de idade existe redução anual
de 0,4% nos níveis de testosterona total e 1,2% nos níveis de testosterona livre. Cerca de 7% dos
indivíduos entre 40 e 60 anos apresentam níveis hormonais na faixa hipogonádica, subindo esta
freqüência para 21% entre 60 e 80 anos e até 35% naqueles acima de 80 anos de idade. Os critérios
que definem a disfunção gonadal masculina ainda não são consensuais, sugerindo-se níveis de
testosterona total inferiores a 250ng/dl, ou inferiores a 280ng/dl quando associados a sinais e
sintomas típicos (Tabela 9.7).
Além do efeito do envelhecimento, a obesidade também pode reduzir os níveis de testostero-
na pela intensificação da aromatização adipocitária, convertendo andrógenos em estrogênios, e
pelo aumento na concentração da proteína SHBG, reduzindo a disponibilidade da fração livre
ativa. As doenças crônicas, as neoplasias, a desnutrição e outras disfunções endócrinas, como
tireoidopatias, DM e hiperprolactinemia, podem reduzir a síntese de testosterona por inibição do
sistema hipotálamo-hipofisário.
CAPÍTULO 9 129
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A reposição de testosterona, quando indicada em adultos hipogonádicos, melhora a sensação
de bem-estar e auto-estima, aumenta a capacidade aeróbia, aumenta a massa e força muscular,
aumenta a libido sexual, reduz a gordura centrípeta, melhora os padrões bioquímicos e radiológi-
cos da formação óssea e aumenta a sensibilidade à insulina. Existem relatos que sugerem um
efeito benéfico na prevenção da doença de Alzheimer, da artrite reumatóide e na melhora clínica
de pacientes com AIDS.
São objetivos ideais da reposição hormonal no idoso a obtenção de níveis circulantes de tes-
tosterona superiores a 300ng/dl, mimetizando o ritmo circadiano normal, garantindo picos de con-
centração entre 8 e 12 horas da manhã, e que apresentem poucos efeitos colaterais e mínimo
desconforto na forma de administração. As opções atuais incluem os andrógenos aromatizáveis
em preparações intramusculares, subcutâneas, e transdérmicas. A testosterona intramuscular tem
baixo custo e deve ser administrada a cada 10 a 21 dias, na dose de 200-400mg. Sua concentração
é inconstante, com níveis suprafisiológicos após 72 horas da injeção e níveis insuficientes antes da
aplicação seguinte, além da questão do inconveniente de injeções mensais por longa duração. Os
implantes subcutâneos de liberação lenta têm a praticidade da aplicação a cada 4 a 6 meses, sem
contudo mimetizar o ritmo circadiano normal. Os adesivos de testosterona, utilizados ao deitar,
podem mimetizar os níveis fisiológicos normais, tendo como fatores adversos o elevado custo, a
necessidade de troca diária e os quadros locais de irritação cutânea.
Embora os estudos não tenham verificado correlação entre o uso de testosterona e a gênese de
hiperplasia e tumores prostáticos, sugere-se a realização semestral do exame de toque retal e dosa-
gem do antígeno prostático, sendo o tratamento contra-indicado na presença de tumores assinto-
máticos de próstata. A possibilidade de aumento da massa eritrocitária exige a medida do hematócrito
a cada três meses, pelo risco de fenômenos tromboembólicos, especialmente em tabagistas ou
portadores de doença pulmonar crônica. Quando o hematócrito ultrapassa a faixa de 51% reco-
menda-se a realização de doação sangüínea e/ou suspensão da reposição. Com relação ao metabo-
lismo lipídico tanto o hipogonadismo como a reposição de doses suprafisiológicas de testosterona
constituem fatores de risco para a doença cardiovascular aterosclerótica. Idosos hipogonádicos
demonstraram alterações discretamente favoráveis do perfil lipídico após seis meses de reposição,
com elevação do HDL-colesterol e redução do LDL-colesterol. A testosterona também reduziu os
níveis de lipoproteína (a), conferindo maior proteção contra a doença coronariana.
Os casos de infarto agudo do miocárdio e hepatotoxicidade, relatados em jovens usuários de
anabolizantes esteróides, ainda geram receio na administração de esteróides androgênicos. Porém,
tais efeitos foram evidenciados com doses suprafisiológicas, com preparações orais deletérias ao
Tabela 9.7
Sintomas e Sinais da Deficiência de Testosterona no Homem
• Deterioração da sensação de bem-estar físico e falta de disposição
• Fraqueza muscular e dores articulares
• Diminuição da densidade mineral óssea
• Aumento da sudorese e ondas de calor
• Distúrbios do sono e sonolência diurna
• Instabilidade emocional
• Ansiedade e depressão
• Menor crescimento de barba e pêlos
• Impotência e redução da libido
• Redução da memória e da orientação espacial
• Redução da massa magra e aumento da gordura visceral
• Redução da hematopoiese (tendência à anemia)
• Redução da sensibilidade à insulina
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fígado, ou com preparações injetáveis de andrógenos não-aromatizáveis, não recomendadas para
o uso humano. A retenção hídrica conferida pela reposição androgênica pode acarretar edema
variável e elevação da pressão arterial, ou até sobrecarga volumétrica em pacientes com baixa
reserva ventricular. Outros efeitos adversos incluem o aumento da agressividade, a ginecomastia e
o agravamento de casos de apnéia do sono.
Alguns autores são favoráveis a reposição hormonal irrestrita dos idosos sintomáticos, mes-
mo com níveis normais de testosterona, baseando-se no fato de desconhecermos os níveis basais
prévios e que a queda na produção hormonal seja um fenômeno inevitável. No entanto, ainda
existe controvérsia quanto à reposição androgênica em idosos, em função dos riscos possíveis com
esta terapêutica e da insuficiência de dados populacionais que comprovem inequivocamente a sua
eficácia. Podemos traçar um paralelo com a reposição hormonal na menopausa, tida há vários anos
como prevenção segura do envelhecimento na mulher, e que ainda é cercada de incertezas após
estudos recentes que questionaram a capacidade de proteção cardiovascular e aumentaram o re-
ceio do câncer de mama.
SOMATOPAUSA
O envelhecimento é acompanhado da redução progressiva dos níveis circulantes do hormônio
de crescimento (GH) e de seu efetor periférico, o fator de crescimento insulino-símile tipo I
(IGF-1). Muitos dos aspectos desta deficiência se confundem com os sinais do próprio envelheci-
mento, como a sarcopenia, a osteopenia e o aumento da adiposidade corporal. Alguns autores
sugerem que o envelhecimento seria decorrente do declínio funcional do eixo somatotrófico (hi-
potálamo-GH-IGF-1), e que o restabelecimento deste sistema constituiria uma maneira de se pro-
mover o rejuvenescimento, ou ao menos retardar o envelhecimento.
A deficiência de GH, em adultos com hipopituitarismo, têm sido implicada em inúmeros
sintomas, acarretando redução da qualidade de vida e da capacidade de trabalho, com solicitação
de aposentadoria precoce e piora das relações sociais e familiares (Tabela 9.8). Outra característi-
ca importante da deficiência de GH é a mortalidade prematura por doenças cardiovasculares, oca-
sionadas pelo acúmulo preferencial de gordura visceral, pela determinação de um perfil lipídico
aterogênico, e pela redução da atividade fibrinolítica. A deficiência de GH guarda, assim, grande
semelhança com a síndrome plurimetabólica, sugerindo uma possível conexão fisiopatológica entre
a somatopausa e as complicações cardiovasculares.
Tabela 9.8
Sintomas e Sinais da Deficiência de GH
• Sensação de redução de bem-estar físico
• Baixa auto-estima e isolamento social
• Apatia e falta de vigor físico
• Falta de concentração e redução da memória
• Instabilidade psicológica (depressão, ansiedade, irritabilidade)
• Fraqueza e redução da massa muscular
• Redução da capacidade aeróbica e anaeróbica
• Aumento de LDL-colesterol e triglicérides, e redução do HDL-colesterol
• Redução da fibrinólise por aumento do ativador tecidual de plasminogênio
• Redução da massa magra e do volume de líquido extracelular
• Redução da densidade mineral óssea
• Redução da taxa metabólica basal e tendência a obesidade centrípeta andróide
• Redução do fluxo plasmático renal e da taxa de filtração glomerular
CAPÍTULO 9 131
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Outros autores associam a redução do GH e IGF-1 a uma resposta fisiológica do organismo,
com o intuito de inibir o crescimento de clones neoplásicos, o aumento na resistência à insulina e
a piora dos quadros ateroscleróticos, como observado na acromegalia, que representa o extremo
oposto da insuficiência somatotrófica. Entretanto, as concentrações hormonais na acromegalia
excedem em muito os níveis fisiológicos, podendo constituir um argumento favorável à reposição.
O GH exerce efeito anabólico sobre o sistema muscular, com aumento da massa e a força
muscular. Este efeito é de primordial importância nos idosos ao propiciar maior estabilidade loco-
motora, garantindo uma vida mais independente e com menor risco de queda, além de aumentar a
capacidade da caixa respiratória, com maior capacidade funcional pulmonar e acentuação do re-
flexo de tosse, prevenindo infecções respiratórias. O efeito anabólico sobre o sistema osteocondral
apresenta seu auge durante o crescimento linear na criança, e na vida adulta o GH participa da
remodelação óssea. Além do estímulo proliferativo sobre os osteoblastos, o GH aumenta a absor-
ção intestinal de cálcio e fosfato, com incremento da densidade mineral óssea. O GH estimula a
síntese protéica e o crescimento de diversos órgãos, especialmente fígado, baço, rins, timo e me-
dula óssea. O GH parece ter papel importante na modulação da resposta linfomonocitária, no
metabolismo da glicose, na retenção hidrossalina e um importante efeito lipolítico, com o aumento
da mobilização do tecido gorduroso de localização centrípeta e visceral.
O GH é um polipeptídeo sintetizado e armazenado pelas células somatotróficas da hipófise
anterior, sendo secretado em 8 a 14 pulsos diários. Esta pulsatilidade é resultante da oscilação
entre sinais estimulatórios, que incluem o hormônio liberador de GH (GHRH) e a grelina, e de
sinais inibitórios da somatostatina. A maior parte da secreção e as maiores amplitudes de pulsos de
GH ocorrem nas primeiras 4 horas de sono, quando o tônus de somatostatina é menor. A queda dos
níveis de GH em idosos ocorre paralelamente à redução do período de sono, denotando uma pos-
sível relação entre a somatopausa e as alterações do sono.
O GH estimula a síntese de IGF-1, que potencializa seus efeitos tróficos e metabólicos. Quase 99%
do IGF-1 circulam ligados a proteínas carreadoras específicas, das quais a principal é a IGFBP-3, cuja
síntese é regulada pelo GH. Como o GH é liberado na forma de pulsos, a coleta de amostras aleatórias
pode não representar a real situação somatotrófica. Os testes de estímulo de liberação de GH são bas-
tante onerosos, sendo temerários em idosos, principalmente na indução de hipoglicemia ou o uso de
clonidina. A dosagem de IGF-1 sérico, na sua maioria de origem hepática, pode não refletir fielmente a
atividade de IGF-1 nos tecidos-alvo, cujo efeito parácrino é de difícil avaliação. A dosagem do
IGFBP-3, por representar o resultado integrado da média de secreção diária de GH e por não sofrer
influência da concentração de IGF-1, pode ser mais fidedigna na avaliação do eixo somatotrófico.
Os níveis de GH, IGF-1 e IGFBP-3 atingem valores máximos até a segunda década de vida, e
depois reduzem exponencialmente na ordem de 14% a cada década, em razão da atrofia dos soma-
totrofos hipofisários, do aumento do tônus da somatostatina, e da menor síntese do GHRH e da
grelina. Indivíduos entre 65 e 85 anos apresentam concentrações de IGF-1 50% inferiores em
comparação a indivíduos de 25 a 44 anos, enquanto metade dos indivíduos acima de 70 anos
apresenta deficiência parcial ou absoluta de GH. A síntese de GH é também modulada por fatores
como sexo, estado emocional, peso corporal, nutrição e atividade física. A relação mútua entre o
eixo gonadal e somatotrófico, observado em sua plenitude no estirão da puberdade, pode ser afe-
tada em quadros de menopausa precoce e hipogonadismo masculino.
Se os baixos níveis secretados de GH, observados em idosos deprimidos, diabéticos, obesos
ou sedentários, são fatores causais ou conseqüentes ainda é uma questão controversa. A obesidade
acarreta um círculo vicioso, em que o aumento da adiposidade corporal reduz a secreção de GH,
que por sua vez aumenta a deposição de gordura corporal. As dietas muito restritivas e a desnutri-
ção no idoso podem acarretar elevações dos níveis de GH, porém com queda dos níveis de IGF-1
e uma falsa impressão benéfica sobre o eixo somatotrófico, configurando na verdade uma resistên-
cia à ação do GH. Os estudos que avaliaram dietas ricas em aminoácidos e oligoelementos, como
ferro e zinco, sobre a síntese de GH em idosos, apresentaram resultados contraditórios.
132 CAPÍTULO 9
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
As terapias disponíveis para a somatopausa abrangem o GH recombinante humano (rhGH), o
IGF-1 recombinante humano (rhIGF-1), o GHRH e o peptídeo liberador de GH (GHRP). Embora
sejam escassos os estudos de longo prazo, objetivando a prevenção e o retardo do envelhecimento,
um dos principais fatores restritivos a estas terapias é o elevado custo financeiro. Apesar da expe-
riência de uso de rhGH em crianças com déficit de crescimento e adultos com hipopituitarismo
adquirido, devemos aguardar novos estudos populacionais, de longa duração, antes de indicar a
reposição irrestrita de rhGH com o intuito de retardar o envelhecimento, reservando estas terapias
para os indivíduos com absoluta deficiência somatotrófica.
Utilizam-se injeções subcutâneas diárias de rhGH, aplicadas preferencialmente à noite, antes
de dormir. A dose deve sempre ser individualizada, iniciando-se com doses de 0,01mU/kg/dia e
incrementando lentamente até doses plenas ao redor de 0,02 a 0,04mU/kg/dia. Os objetivos da
terapia com rhGH são a normalização dos níveis de IGF-1 (0,5 a 1U/ml) e IGFBP-3, evitando-se a
ocorrência de efeitos colaterais.
Resultados preliminares demonstraram que o rhGH em idosos foi capaz de reduzir a massa de
tecido adiposa, incrementar a massa magra, através de balanço positivo de nitrogênio e retenção
hídrica, aumentar a densidade mineral óssea e normalizar os níveis de IGF-1 e IGFBP-3. Por outro
lado, alguns autores demonstraram que o ganho de massa muscular observada com o uso de rhGH
em idosos saudáveis não foi acompanhado de uma melhora na capacidade funcional, enquanto
outros estudos demonstraram uma melhora mais acentuada da massa e da força muscular após 12
meses de exercícios musculares anaeróbicos, quando comparada aos resultados com o uso de
rhGH. Portanto, ainda é desconhecido se estes efeitos na composição corporal traduzem benefíci-
os da ordem funcional e de qualidade de vida em longo prazo, pela presença de outros aspectos
que determinam o processo de senescência dos diversos tecidos orgânicos.
Outros estudos têm aventado um papel promissor do rhGH na prevenção de estados catabóli-
cos associados ao uso crônico de glicocorticóides, às dietas hipocalóricas prolongadas, ao período
pós-operatório, às queimaduras extensas e às doenças crônicas, como a nefropatia terminal, a
SIDA e a doença pulmonar obstrutiva crônica. Entretanto, o aumento da mortalidade relatada em
estudos com idosos debilitados, internados em unidades de terapia intensiva e submetidos à repo-
sição com elevadas doses de rhGH, ainda causa certa apreensão por parte de endocrinologistas e
geriatras quanto ao uso de rhGH em idosos. Os efeitos colaterais do rhGH, que são mais intensos
em idosos, incluem a síndrome do túnel do carpo, retenção hídrica, hipertensão arterial, cefaléia,
ginecomastia, dores articulares e crescimento de processos cartilaginosos. Estes inconvenientes
poderão ser contornados após estabelecer os resultados de longo prazo com outras terapias, como
o GHRH e os secretagogos sintéticos orais de GH, que mimetizam melhor a fisiologia normal de
secreção do GH.
OBESIDADE
A obesidade é uma doença crônica, de etiologia multifatorial, caracterizada pelo acúmulo ex-
cessivo de gordura corporal, com comprometimento da saúde e da qualidade de vida do indivíduo.
A prevalência de obesidade tem crescido de forma exponencial em todo o mundo, constituin-
do uma grande epidemia global. Atualmente cerca de 35% da população adulta norte-americana é
considerada obesa. No Brasil foram realizados três grandes censos populacionais, nos anos de
1975, 1989 e 1996, para determinar a prevalência da obesidade. A comparação entre os estudos de
1974 e 1996 demonstrou um aumento surpreendente da prevalência de obesidade de 2,4% para
6,9%, no sexo masculino, e de 7,0% para 12,5%, no sexo feminino. Atualmente, no Brasil, estima-
se uma prevalência de obesidade somada a sobrepeso de 40% para mulheres e 27% para homens.
A obesidade não representa apenas um problema estético, mas sim um conjunto de alterações
endócrinas, metabólicas e psíquicas, que contribuem para o envelhecimento precoce, para a redu-
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Aula Processo de Enfermagem na atenção primária a saúde
 

Doenças Endocrinometabólicas em idosos

  • 1. CAPÍTULO 9 109 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. CAPÍTULO 9 INTRODUÇÃO O envelhecimento do organismo humano é um processo caracterizado pelo declínio funcional dos diversos sistemas orgânicos, com redução da capacidade de manter a homeostase normal e de responder a fatores de estresse endógenos e exógenos. Esta perda de capacidade funcional pode ser retardada, amenizada e, ocasionalmente, evitada através de intervenções preventivas primá- rias, secundárias e terciárias. O sistema endócrino-metabólico representa uma complexa rede de regulação de funções como o crescimento, a reprodução, a nutrição e o equilíbrio hidroeletrolítico, além de intermediar a comunicação entre diversos grupos celulares, sejam estes contíguos ou distantes. A perda ou redu- ção funcional de um eixo deste sistema pode afetar diretamente outros eixos endócrinos, ao passo que quadros de disfunção hormonal podem ser secundários a distúrbios concomitantes e indepen- dentes nos diversos níveis da regulação endócrina. Embora tenham sido elucidadas as disfunções endócrinas decorrentes do envelhecimento, vários hormônios têm sido paradoxalmente implicados como agentes mediadores do processo de envelhecimento. Além disso, a redução da síntese de alguns hormônios pode ser apenas uma adap- tação à redução da depuração ou das necessidades metabólicas do organismo, enquanto a redução patológica da concentração de outros hormônios pode determinar um declínio funcional. Muitas vezes, os sintomas decorrentes dos distúrbios endócrinos se confundem com efeitos adversos de medicações, doenças intercorrentes, distúrbios psicológicos, falta de condicionamento físico e alterações do ciclo vigília-sono, sendo necessário estabelecer com precisão o diagnóstico, através da interpretação correta dos achados clínicos e laboratoriais. O objetivo é evitar dois extremos de conduta, como tratamentos intempestivos, sem comprovada necessidade, ou a omissão de trata- mento em condições que podem comprometer a qualidade de vida do idoso. A medida de concen- tração plasmática e urinária dos diversos hormônios deve ser interpretada no contexto das alterações do envelhecimento, que incluem mudanças nas proteínas carreadoras de hormônio, na taxa de secreção e depuração, na sensibilidade periférica das células-alvo e na resposta celular pós-recep- tor. Outro ponto a ser ressaltado é a possibilidade de encontrar valores basais normais de diversos hormônios, porém com reserva funcional subnormal frente a situações de maior exigência. Neste caso podemos realizar testes de estímulo agudo para estabelecer o diagnóstico funcional. Para organizar uma seqüência mais didática, os principais distúrbios endocrinometabólicos serão discutidos de forma individualizada, auxiliando na estruturação de diretrizes preventivas. Esta prevenção, definida à luz dos conhecimentos da ciência atual, abrange desde o âmbito da assistência individual até a formulação de normas e metas de interesse populacional. As terapias de reposição com de-hidroepiandrosterona (DHEA) e de melatonina não demons- traram eficácia comprovada em ensaios clínicos bem controlados, apesar de terem sido precoce- mente anunciadas como a panacéia do rejuvenescimento. As medidas dirigidas à prevenção ou retardo do processo de envelhecimento devem ser cientificamente comprovadas, para que se justi- Doenças Endocrinometabólicas Luciano Ricardo Giacaglia
  • 2. 110 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. fiquem os custos empregados no rastreamento e tratamento da doença na população de interesse. Ao mesmo tempo, a capacidade de estender a expectativa de vida deve ser acompanhada da manu- tenção das habilidades físicas, mentais e emocionais, garantindo independência e boa qualidade de vida ao idoso. DIABETES MELITO O diabetes melito (DM) é uma doença heterogênea, caracterizada pela presença de hiperglice- mia e por alterações no metabolismo de gorduras e proteínas, conseqüentes a uma deficiência absoluta ou relativa da atividade ou da secreção de insulina. O DM está relacionado a um aumento da taxa de mortalidade e a um elevado risco de apresen- tar complicações cardiovasculares, renais, retinianas e neuropáticas, levando à incapacidade física e à morte prematura. O DM apresenta elevada prevalência na população mundial e, embora exista grande variação geográfica e racial, o maior acometimento da população idosa é uma constante. Estudos multicêntricos revelam taxas de 3 a 5% nos indivíduos de 30 a 50 anos, de 10% na faixa de 50 a 60 anos e de 18% naqueles acima de 65 anos de idade, podendo chegar a taxas alarmantes de até 30% em indivíduos acima de 80 anos. Um estudo brasileiro, realizado por Malerbi e col. entre os anos de 1987 e 1989, verificou uma prevalência de DM de 7,6%, em indivíduos de 30 a 69 anos de idade, sendo esta prevalência mais elevada nas regiões Sul e Sudeste. Projeções da Orga- nização Mundial de Saúde (OMS) estimam que a prevalência deve aumentar dois pontos percen- tuais entre os anos de 1995 e 2025. A estimativa é que, em todo o mundo, o número de adultos diabéticos se eleve de 135 milhões no ano de 1995 para cerca de 300 milhões no ano de 2025. O envelhecimento, por ser considerado um fator importante no desenvolvimento do DM, acarretará um sério problema de saúde pública, dado o aumento previsto na expectativa média de vida para este novo milênio. Além de constituir uma epidemia em progressão, o DM pode consumir até 5% de toda a verba orçamentária destinada à saúde de um país, quando se leva em conta apenas o custo direto da doença. Diversos fatores contribuem para este custo: os diabéticos apresentam uma taxa e duração de hospitalização quatro vezes superior a população geral; necessitam quatro vezes mais de inter- consultas com especialistas; procuram duas vezes mais os atendimentos ambulatoriais e despen- dem três vezes mais recursos com medicações. Outro agravante da doença é o elevado custo indireto, determinado pela redução de produtividade, resultante de deficiências físicas, de faltas no trabalho, de aposentadorias precoces ou morte prematura, além dos custos imensuráveis como a dor e o sofrimento físico e emocional, tanto do indivíduo como de sua família. Atualmente, exige-se dos portadores de doenças crônicas uma parcela de responsabilidade no controle adequado da doença, com o intuito de desonerar os serviços e os profissionais de saúde. Entretanto, as medidas preventivas e terapêuticas são menos acessíveis às populações de baixa renda econômica, agravando ainda mais sua condição de vida. Como em toda doença crônica, as noções fisiopatológicas básicas relacionadas ao DM são pré-requisitos para um bom controle da mesma e a obtenção de uma melhor qualidade de vida. Novamente, pelo baixo grau de instrução das populações de baixa renda, estas são negligenciadas quanto a informações preciosas para a sua saúde ou recebem de amigos e parentes informações contraditórias e imprecisas. Para melhorar este quadro precisamos compreender a estratificação do atendimento à saúde, adequando as medi- das educativas de acordo com a distribuição sociogeográfica da população-alvo. Dados a respeito das fontes de aquisição de conhecimento permitirão recrutar equipes de saúde ou outros meios, como jornais regionais, revistas, igrejas, clubes, televisão, rádio e escolas, para a implementação e consolidação de programas de prevenção e tratamento do DM. Do ponto de vista de atendimento médico, os serviços de assistência primária à saúde devem assumir o papel pela maioria dos casos de DM, reservando apenas os casos de difícil controle ou com complicações instaladas para o acompanhamento de especialistas. Isto requer uma adequação dos núcleos básicos de saúde pública e a participação mais ativa dos médicos clínicos gerais, com
  • 3. CAPÍTULO 9 111 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. treinamento e capacitação constante. Conjuntamente, deve existir um suporte de outros profissio- nais como enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais. A construção de fluxogra- mas e diretrizes de tratamento, aliado a panfletos educativos e palestras comunitárias, pode ter grande impacto na prevenção e tratamento do DM. Este método tem sido utilizado com excelente resultado nos Estados Unidos, sob a denominação Staged Diabetes Management. Os principais tipos de DM são o tipo I dependente de insulina (DMDI) e o tipo II não-dependen- te de insulina (DMNDI). O DMDI é caracterizado pela falência completa da capacidade de secreção de insulina, resultante da destruição das células β-pancreáticas por uma reação auto-imune específi- ca. O DMDI é mais comum em jovens abaixo de 30 anos, nos quais a manifestação dos sintomas clínicos se faz de forma súbita e intensa, com propensão a desenvolver cetoacidose. O DMDI ca- racteriza-se pela necessidade permanente de insulina exógena para a manutenção da vida. O DMNDI, por sua vez, é a forma mais comum, correspondendo a cerca de 95% dos casos. O DMNDI é caracterizado por três distúrbios metabólicos: resistência à insulina, diminuição da fun- ção ß-pancreática e aumento na liberação hepática de glicose. A resistência insulínica, presente em cerca de 25% de indivíduos adultos de países ocidentais, pode sobrecarregar a capacidade compensatória das células ß-pancreáticas, acarretando o DMNDI. Recentes relatos, no entanto, têm demonstrado a participação dos elevados níveis circulantes de ácidos graxos livres, secundá- rios a uma incapacidade de síntese de insulina pelo pâncreas, no desenvolvimento da resistência à insulina e da produção aumentada de glicose pelo fígado. O DMNDI está freqüentemente relacionado à obesidade, presente em 85% dos casos. Muitos pacientes com DMNDI podem apresentar quadros associados de dislipidemia, obesidade, hiper- tensão arterial e hiperuricemia, constituindo a chamada síndrome plurimetabólica, com elevado risco de complicações cardiovasculares. O DMNDI apresenta um forte componente hereditário, com diversos genes descritos na regulação da liberação e ação periférica da insulina. O próprio envelhecimento está associado a alterações do metabolismo glicêmico, que predispõe ao DM, como redução da capacidade de liberação pancreática de insulina, resistência à ação periférica da insulina e prejuízo na regulação hepática do controle glicêmico. Os sintomas clássicos do DM incluem polidipsia, poliúria, polifagia e perda de peso sem motivo aparente. Ocasionalmente, a primeira manifestação pode ser devida a complicação de al- gum órgão alvo, como angina de peito, acidente vascular cerebral, redução visual e neuropatias sensitivo-motoras. Entretanto, cerca de metade dos portadores de DM é assintomática ou relaciona os sintomas de cansaço, inapetência, perda de peso, emagrecimento, incontinência urinária, visão turva, impotência e confusão mental, como eventos normais do envelhecimento. No estudo de Ma- lerbi e col., 46,5% dos indivíduos detectados com DM desconheciam a sua condição diabética. A prevenção primária inclui orientações que visam evitar o aparecimento de DM em uma popu- lação geral ou em indivíduos considerados susceptíveis, através da modificação de diversos fatores de risco. São considerados de risco para DMNDI os indivíduos com mais de 45 anos de idade os portadores de fatores de risco relacionados à síndrome plurimetabólica, aqueles com história prévia de complicações cardiovasculares, de glicemias alteradas, com antecedentes familiares positivos para DMNDI, em uso de medicações de ação hiperglicemiante, ou com história de hiperglicemia e fetos macrossômicos em gestações prévias. No futuro, será possível estabelecer um padrão de ras- treamento genético fidedigno para identificar indivíduos susceptíveis. A prevenção secundária refe- re-se à detecção precoce do DM e da correção imediata da glicemia. A prevenção terciária tem como finalidade evitar complicações agudas e crônicas do DM, e amenizar as limitações físicas impostas pelo DM, dividindo-se em três etapas: prevenção do aparecimento de complicações, retardo da pro- gressão das complicações, e atenuação da incapacidade funcional determinada pelo DM. Em relação à prevenção primária do DMNDI, como os fatores genéticos ainda não são total- mente conhecidos ou passíveis de modificação, devemos concentrar esforços nos fatores ambien- tais. Nos Estados Unidos, o Grupo de Pesquisa do Programa de Prevenção de Diabetes realizou um estudo randomizado, testando estratégias de prevenção ou retardo do aparecimento do DMN-
  • 4. 112 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. DI, envolvendo 27 centros de excelência no tratamento de DM. Os resultados revelaram uma redução de 58% na incidência de DMNDI após modificações de fatores de risco. A prática regular de exercícios físicos promove a utilização maior de reservas de glicose e gordura, e diminui a resistência periférica à ação da insulina. A prevalência de DMNDI em indiví- duos sedentários corresponde a mais que o dobro do que em indivíduos fisicamente ativos. A atividade física regular também previne outros fatores de risco para doenças cardiovasculares, como dislipidemias, hipertensão arterial, obesidade e distribuição corporal de gordura. O Estudo Prospectivo de Malmo demonstrou em seis anos uma progressão para DM em indivíduos conside- rados de risco, da ordem de 28% nos sedentários contra 10% nos fisicamente ativos. A obesidade está intimamente relacionada ao DMNDI, principalmente por determinar maior resistência insulínica e aumento na liberação hepática de glicose. Medidas de orientação nutricio- nal, apoio psicológico, mudanças comportamentais e o uso de medicações seguras para a redução ponderal são extremamente úteis na prevenção do DMNDI. Por outro lado, flutuações constantes de peso, com várias tentativas frustradas de emagrecimento, mostram ter efeito diabetogênico. Índice de massa corpórea acima de 30kg/m2 está associado a um aumento de 3 a 10 vezes na prevalência do DM. Além disso, a deposição centrípeta de gordura, com padrão definido como andróide, constitui um importante fator de risco para DMNDI e para doenças cardiovasculares. Dietas ricas em gorduras e açúcares simples, e pobres em carboidratos complexos, frutas e vegetais, são consideradas como predisponentes para o aparecimento do DMNDI. Diferentemente do que se aceitava no passado, dietas ricas em carboidratos complexos, especialmente para idosos, melhoram a sensibilidade à insulina, e têm papel preventivo no aparecimento do DM, enquanto dietas ricas em gorduras vegetais e animais propiciam o aparecimento do DM. Recentemente observou-se o efeito benéfico do medicamento orlistat, que reduz a absorção intestinal de gordu- ras, na prevenção e no controle do DMNDI. O estresse físico e emocional está associado à liberação de hormônios antiinsulínicos, como o cortisol e a adrenalina, que reduzem a atividade β-pancreática e a ação periférica da insulina. Terapias de relaxamento e atividades de lazer são muito eficientes para prevenir o DM. Além disso, diversos medicamentos podem precipitar o DM, como diuréticos, β-bloqueadores, corticos- teróides, esteróides e anticonvulsivantes. Neste caso, devemos optar por drogas com menor efeito diabetogênico ou utilizar a menor dose possível destas. A prevenção secundária, através de métodos de detecção precoce, tem como princípio identifi- car os indivíduos diabéticos ou intolerantes à glicose, ainda não diagnosticados. Uma das maiores controvérsias atuais diz respeito à necessidade de as campanhas abrangerem toda a população ou restringir a pesquisa a indivíduos de elevado risco ou sintomáticos, em função dos custos envolvidos. A detecção precoce em indivíduos assintomáticos permitiria uma pronta intervenção, evitando a progressão da doença e o surgimento de complicações secundárias. Sabe-se, também, por intermédio de estudos populacionais, que no momento do diagnóstico clínico de DMNDI a maioria dos indiví- duos já apresentava níveis glicêmicos alterados há algum tempo, em média de quatro a sete anos, tempo suficiente para que já apresentem sinais de complicações crônicas. As campanhas de detecção comunitária também fornecem dados epidemiológicos para a configuração de mapas de prevalência, de distribuição e da história natural do DM. Essas informações tornam-se essenciais para desenhar planos de saúde pública, despertar o interesse da comunidade para os assuntos da saúde e atualizar os critérios laboratoriais de diagnóstico e prognóstico da doença. A positividade para DM em um teste de rastreamento deve ser seguida de uma avaliação comprobatória mais abrangente. Devemos estar cientes dos riscos inerentes aos exames, da sensi- bilidade, da especificidade e valor preditivo de cada teste, contabilizando custos e os recursos físicos e humanos envolvidos nestes programas. Resultados falso-positivos podem trazer estresse psicológico, comprometer relações trabalhistas e acarretar condutas iatrogênicas. Por outro lado, resultados falso-negativos devem ser minimizados ao máximo, evitando uma falsa sensação de tranqüilidade e omissão do tratamento precoce.
  • 5. CAPÍTULO 9 113 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. A Associação Americana de Diabetes (ADA) recomenda a realização de rastreamento de DM a cada 3 anos, em indivíduos acima de 45 anos de idade e de baixo risco, e anualmente para os de alto risco. A medida de glicose plasmática de jejum, com pelo menos 8 a 12 horas sem consumo de alimentos sólidos e líquidos, é o método mais apropriado para a abordagem inicial, segundo a ADA. Valores inferiores a 100mg/dl indicam baixa probabilidade de DM, enquanto valores supe- riores a 126mg/dl podem ser sugestivos de DM, sendo confirmado por um segundo valor elevado. Um valor isolado de glicemia superior a 200mg/dl, associado a sintomas típicos, é considerado diagnóstico para DM. Valores entre 110 e 126mg/dl devem ser reavaliados pelo teste de tolerância oral à glicose (TTOG), que constitui a prova diagnóstica definitiva para a confirmação do diagnós- tico de DM ou de intolerância à glicose (ITG). O TTOG deve também ser indicado em indivíduos idosos ou com fatores de risco para DM, com glicemia de jejum entre 100 e 110mg/dl. Os idosos constituem um grupo à parte, pois muitos podem apresentar glicemias de jejum inferiores a 126mg/dl e respostas anormais ao TTOG, devido à maior dificuldade em controlar a glicemia pós-prandial. Enquanto a glicemia de jejum eleva-se ao redor de 1-2 mg/dl a cada déca- da, o incremento na glicemia pós-prandial pode chegar a 10-15mg/dl no mesmo período de tempo. O TTOG é realizado com medida da glicemia de jejum seguida da ingesta oral de solução contendo 75g de glicose anidra e a subseqüente medida da glicemia após 120 minutos. Valores glicêmicos após 120 minutos do TTOG superiores a 200mg/dl são indicativos de DM, entre 140 e 200mg/dl indicam ITG e inferiores a 140mg/dl são normais. Um terço dos indivíduos com ITG evolui para DMNDI no período de 10 anos. A glicosúria é um método pouco sensível de rastreamento, já que a glicose aparece na urina quando o transporte máximo renal é suplantado, ou seja, com glicemia em média superior a 180mg/dl, podendo atingir valores de até 240mg/dl nos idosos. A sensibilidade do teste pode ser incrementa- da utilizando-se amostras de urina pós-prandiais. A hemoglobina glicosilada (HbA1C) é um exame de maior custo e complexidade, com menor sensibilidade que a glicemia de jejum. A HbA1c reflete a média de concentração glicêmica dos últimos três meses, tendo sido estabelecida como método de controle terapêutico, sem finalidade diagnóstica. A prevenção terciária compreende todas as medidas adotadas para prevenir, retardar ou detec- tar precocemente as complicações agudas ou crônicas do DM. Complicações Agudas Hipoglicemia A hipoglicemia é definida pela redução dos valores absolutos de glicemia, em geral inferiores a 60mg/dl. A sintomatologia pode ser classificada em adrenérgica, que inclui tremores, sudorese fria e palpitações, ou neuroglicopênica, com quadros de cefaléia, turvação visual, torpor, apatia, confusão mental, convulsões ou coma. Episódios repetidos de hipoglicemia podem acometer de forma permanente a função cognitiva, principalmente em idosos, enquanto respostas adrenérgicas podem desencadear síndromes anginosas e isquemia cerebral focal. Pacientes com quadros repeti- dos de hipoglicemia, e também os idosos, podem não experimentar os sinais de alerta adrenérgico, evoluindo diretamente para o quadro neuroglicopênico. Alguns fatores podem contribuir para a ocorrência de hipoglicemia, como desconhecimento dos sintomas e sinais de hipoglicemia, atrasos no horário de refeições, jejum prolongado para a realização de exames, atividades físicas intensas e prolongadas, uso de β-bloqueadores, que mas- caram a resposta adrenérgica, consumo de bebida alcoólica e erro na dosagem da medicação. A hipoglicemia ocorre com mais freqüência naqueles em insulinoterapia ou uso de hipoglicemiantes orais de meia-vida prolongada, e também quando o controle glicêmico é realizado de forma meti- culosa. Estabelecer um nível glicêmico de segurança é uma tarefa árdua que deve levar em conta a capacidade do indivíduo reconhecer e corrigir a glicemia, ao mesmo tempo em que se garante
  • 6. 114 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. um controle adequado da hiperglicemia. Assim sendo, podemos tolerar glicemias de jejum de até 140mg/dl em idosos, especialmente na coexistência de neuropatia autonômica, síndrome angino- sa, isquemia cerebral, epilepsia, doença psiquiátrica, nefropatia crônica e restrição em leito insti- tucional. A educação do paciente e de seus familiares quanto à identificação e medidas de correção imediata constituem a principal abordagem da hipoglicemia, com as opções do uso de carboidratos orais de rápida absorção nos casos leves, como leite e sucos de fruta, e nos casos severos, a aplicação direta de soluções concentradas de sacarose na mucosa bucal, como mel e xaropes, a infusão endo- venosa de soluções glicosadas ou a administração de glucagon por via subcutânea ou muscular. Nos pacientes com redução da função mental, e conseqüente prejuízo do reflexo da epiglote, é contra-indicado a oferta de líquidos e alimentos por via oral, pelo risco de aspiração pulmonar. O uso de correntes, pulseiras ou carteiras de identificação, informando o diagnóstico de DM e as medicações em uso, deve ser estimulado. Deve existir uma perfeita harmonia entre o horário e quantidade das refeições, intensidade da atividade física e dose de medicações. É adequado reali- zar medição glicêmica em indivíduos diabéticos antes de guiarem automóveis ou realizarem ativi- dades de alta periculosidade. Por fim, devemos lembrar que podem ocorrer recaídas no quadro de hipoglicemia em momentos tardios após a recuperação inicial, principalmente na presença de alcoolismo, medicações de longa meia-vida ou pós-exercício. Infecções O DM é fator predisponente para infecções, principalmente respiratórias, cutaneomucosas e urinárias. A hiperglicemia, além de constituir meio de cultura, acarreta redução do poder fagocíti- co do sistema leucocitário, comprometimento do sistema circulatório e reduz a sensibilidade peri- férica. As infecções evoluem de forma mais acelerada e agressiva no DM, que por sua vez elevam ainda mais a glicemia. Portanto, elevações inesperadas da glicemia em diabéticos devem sempre levantar a hipótese de processo infeccioso ativo. É comum que os pacientes idosos e debilitados não apresentem febre, constituindo assim a glicemia no melhor parâmetro de resposta terapêutica. A antibioticoterapia profilática pode ser indicada nas infecções repetidas. Entretanto, quadros repetidos de infecção urinária devem ser investigados quanto à necessidade de correções cirúrgi- cas do trato urinário de anomalias que facilitem a perpetuação da infecção, que podem levar a insuficiência renal crônica. Infecções oportunistas como tuberculose, candidíase e micoses profundas necrotizantes são mais comuns no DM, assim como é mais freqüente a reativação de quadros de herpes zóster. Infecções gengivais e periodontais, comuns no DM, via de regra são negligenciadas na anamnese clínica, propiciando bacteremias e vegetações sépticas valvares, especialmente se existir história prévia sugestiva de febre reumática. Os cuidados intensivos na higiene oral e a visita periódica ao odontologista são obrigatórios para os diabéticos. A vacinação periódica contra o tétano, influenza e pneumococos é fundamental em pacientes diabéticos, principalmente nos idosos. Descompensação Hiperglicêmica Hiperosmolar (DHH) A DHH determina desidratação severa e desequilíbrio hidroeletrolítico, com elevada taxa de mortalidade, especialmente em idosos. O idoso é mais propenso a desenvolver DHH por redução da percepção de sede, maior restrição ao acesso de líquidos, menor capacidade renal de concentra- ção urinária e de eliminação de glicose, ingesta inadvertida de líquidos açucarados e falta de cuidados por parte de familiares e agentes institucionais. A observância diária do estado de hidra- tação do idoso é a maneira mais fácil e eficaz de prevenir esta complicação. Entre os fatores desencadeantes da DHH destacam-se as infecções, o estresse físico e emocional, os medicamentos hiperglicemiantes, a infusão de soluções glicosadas, e a omissão da medicação.
  • 7. CAPÍTULO 9 115 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Complicações Crônicas Com relação às complicações crônicas podemos classificá-las em macrovasculares e micro- vasculares. Embora sempre suspeitado, muito tempo se passou até que estudos populacionais pros- pectivos determinassem o papel da hiperglicemia crônica sobre os eventos mórbidos do DM. O primeiro estudo de grande abrangência populacional, denominado Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), avaliou portadores de DMDI, submetidos a tratamento intensivo com insulina. O DCCT verificou uma redução do risco de complicações microvasculares da or- dem de 35% a 75%. Essas complicações mostraram-se mais freqüentes quanto maior foi o tempo de doença e o nível médio da glicemia, sendo que a hemoglobina glicosilada (HbA1c) se mostrou o melhor marcador prognóstico para o desenvolvimento de complicações. A melhora no controle glicêmico foi acompanhada de redução no risco de complicações macrovasculares, embora esta diferença não tenha sido estatisticamente significativa. O DCCT constituiu a base para a realização do United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS), que recrutou mais de 5 mil indivíduos britânicos, com DMNDI recém-diagnosticado, para seguimento durante um período de 10 anos, para averiguar se os efeitos benéficos do controle glicêmico intensivo também eram válidos para o DMNDI, além de analisar a efetividade do con- trole da hipertensão arterial como tratamento adjunto nas complicações diabéticas. Assim como no DCCT, o risco de complicações microvasculares foi reduzido com o controle glicêmico inten- sivo, principalmente com um controle concomitante dos níveis pressóricos. Observou-se uma ní- tida relação entre a porcentagem de HbA1c e a presença destas complicações. Novamente, este tratamento intensivo demonstrou redução, estatisticamente não significativa, do risco de eventos macrovasculares. O estudo japonês de Kumamoto envolvendo 110 indivíduos com DMNDI, não- obesos, obteve resultados semelhantes após tratamento intensivo da glicemia por seis anos. Complicações Macrovasculares (Aterosclerose) Os fatores determinantes da aterosclerose são acelerados pelo DM, incluindo alterações do endotélio e da parede arterial, distúrbios da coagulação e dislipidemias. Estudos epidemiológicos sugerem que as complicações macrovasculares decorrem principalmente da resistência à insulina e dos níveis elevados de insulina circulante, com ação deletéria independente da hiperglicemia. Doenças coronarianas e cerebrovasculares são três a cinco vezes mais freqüentes no DM, sendo pior o prognóstico após a ocorrência do evento agudo. Quadros isquêmicos repetidos e assintomáticos podem em longo prazo determinar insuficiência cardíaca ou de- mência aterosclerótica. O acometimento macrovascular é resultado de eventos como a glicosilação da parede arterial, o comprometimento microcirculatório do músculo cardíaco e do sistema nervoso, o padrão lipídi- co aterogênico, com redução do HDL-colesterol e aumento de triglicérides e do LDL-colesterol, a hipertensão da parede arterial, os efeitos tróficos da hiperinsulinemia sobre a parede arterial e a alteração da cinética da coagulação. O DM participa no desenvolvimento de hipertensão arterial por aumento da rigidez da parede arterial, redução da filtração glomerular e hiperinsulinismo, entre outros. A incidência de complicações macrovasculares pode ser maior na presença de outros fatores de risco como a obesidade, o sedentarismo e o tabagismo. Uma vez diagnosticado o DM ou o ITG, devemos identificar os diversos fatores de risco aterogênicos e incluir uma investigação sumária da presença de alterações macrovasculares (Tabela 9.1). O próximo passo é estabelecer metas de controle de dieta, de atividade física, de mudanças de hábitos e, se necessário, a complementação com medicamentos para controle da hiperglicemia, da dislipidemia e da hipertensão arterial.
  • 8. 116 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Estudos multicêntricos têm demonstrado que reduções de apenas 5-10% do peso inicial em obesos podem ser suficientes para trazer um grande benefício no controle do DM, da hipertensão arterial e da dislipidemia. O ideal é associar dietas levemente hipocalóricas e aumentar o gasto calórico por meio da prática de atividades físicas regulares, em vez de dietas excessivamente restritivas. Deve-se ter o cuidado de respeitar os padrões regionais e culturais de alimentação, para aumentar a aderência em longo prazo. Os detalhes e dúvidas da dieta devem ser enfatizados cons- tantemente e plenamente esclarecidos, pois a motivação do paciente é diretamente proporcional ao entendimento das vantagens de uma dieta equilibrada, sendo também crucial a cooperação e par- ticipação ativa de todos os membros da família. A disponibilidade atual de adoçantes artificiais, de alimentos isentos de gordura ou substitu- tos de gordura, melhorou bastante a aceitação das dietas hipocalóricas. As dietas fracionadas com três refeições principais e três refeições intermediárias, em menores quantidades, são úteis para prevenir os picos glicêmicos pós-prandiais e reduzir as exigências de insulina. Além disso, carboi- dratos complexos e integrais, e as fibras de frutas e vegetais, retardam a absorção de carboidratos, reduzindo a sobrecarga aguda sobre o pâncreas e facilitando o controle glicêmico. A porcentagem de carboidratos complexos na dieta do DM tem sido por demais polemizada, mas aceita-se atual- mente que estes representem no mínimo 55% das calorias totais diárias. Em idosos, estudos nutri- cionais demonstram que porcentagens maiores, de até 60-70%, podem melhorar a sensibilidade à insulina. Dietas ricas em açúcares simples, no entanto, promovem picos de hiperglicemia e difi- cultam a ação da insulina. A ingesta de minerais e vitaminas antioxidantes, fornecidos por uma dieta balanceada, é impor- tante para o controle do DM, destacando-se o potássio, o magnésio, a vitamina C e a vitamina E. As gorduras, por estarem diretamente relacionadas à resistência à insulina, devem ser restritas a não mais que 15% a 20%, evitando-se especialmente as saturadas, que elevam os níveis de LDL- colesterol. Na ausência de nefropatia a oferta de proteínas deve corresponder a 10-20% do total de calo- rias. Embora os estudos não sejam totalmente conclusivos, ainda é consenso que indivíduos com nefropatia diabética devem restringir o consumo de proteínas a 10% das calorias, para evitar a progressão da nefropatia e prevenir sintomas urêmicos. É aconselhável substituir as proteínas de origem animal pelas vegetais, com o cuidado de garantir uma oferta suficiente de proteínas essen- ciais. Restrições excessivas, contudo, podem levar à desnutrição, anasarca, hipoalbuminemia, atrofia muscular e infecções. Tabela 9.1 Abordagem dos Fatores de Risco nas Complicações Macrovasculares • Perfil lipídico em jejum (colesterol total e frações, triglicérides, apolipoproteínas) • Medida da pressão arterial em repouso (3 aferições em dias diferentes) • Medida da altura, peso, circunferência abdominal e relação cintura/quadril • Antecedentes familiares de doenças macrovasculares (idade dos eventos) • Presença de vícios (tabagismo, etilismo, drogas) • Freqüência, intensidade e qualidade da atividade física • Avaliação de hábitos alimentares • Dosagens sangüíneas de hemoglobina glicosilada, uréia e creatinina • Dosagem da taxa de excreção urinária de albumina • Antecedentes de angina, infarto, claudicação e acidentes cerebrovasculares • Exame físico cardiológico e eletrocardiograma de repouso (12 derivações) • Exame vascular (pesquisa dos pulsos, ultra-som Doppler e sinais de isquemia)
  • 9. CAPÍTULO 9 117 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. A restrição ao consumo de sal deve ser salientada em diabéticos hipertensos, nefropatas e cardiopatas, não devendo ultrapassar 2g ao dia. As bebidas alcoólicas também podem elevar os níveis pressóricos, além de elevar agudamente os níveis de glicemia e trigliceridemia, e tardia- mente determinar hipoglicemia pela depleção do glicogênio hepático. O álcool em excesso pode ocasionar pancreatite e agravar a capacidade de síntese de insulina. O exercício físico regular reduz os fatores de risco de doenças cardiovasculares como hiper- glicemia, hiperlipidemia, hipertensão e obesidade. O ideal é que se atinja um bom condicionamen- to físico, dedicando 30 a 40 minutos do dia, no mínimo quatro vezes por semana. O exercício aumenta o fluxo sangüíneo e a captação de glicose pelo músculo, por duas vias distintas, sendo uma independente da ação da insulina e outra dependente da insulina, que promove também a oxidação de ácidos graxos livres. Os exercícios com grandes grupos musculares e por tempo pro- longado são os mais eficientes para aumentar a atividade insulínica. Estas atividades, denomina- das aeróbias de baixo impacto, incluem caminhadas, corridas leves, natação, bicicleta e dança. Além disso, a atividade física traz uma sensação de bem-estar, com melhora na auto-estima e recuperação de quadros de depressão. Os exercícios facilitam o abandono de vícios, melhoram a força muscular e flexibilidade dos tecidos moles, e reduzem as retrações e deformidades osteoar- ticulares. Ao orientar a atividade física devemos considerar o tipo, a intensidade e a duração, o condicionamento físico de base, o sincronismo com horário, quantidade e calorias da alimentação, o ajuste da terapêutica em uso, o controle metabólico e a presença de complicações. No indivíduo com bom controle metabólico devemos ter o cuidado de ofertar suplemento de carboidratos antes da atividade física. Como a hipoglicemia pode ocorrer tardiamente ao exercício físico, devemos acrescentar um carboidrato de absorção prolongada, especialmente se a atividade for realizada à tarde ou à noite, quando o risco de hipoglicemia de madrugada é grande. Outras considerações devem ser observadas quanto ao exercício (Tabela 9.2). Tabela 9.2 Cuidados na Orientação de Exercícios para Diabéticos • Realizar teste de esforço para detectar possíveis cardiopatias e estabelecer a faixa de freqüência cardíaca ideal e a carga máxima do exercício; • Orientar aquecimento de pelo menos 5 minutos, e alongamento da musculatura antes e depois do exercício físico; • Considerar as limitações impostas por complicações crônicas. A neuropatia sensitiva propicia lesões musculoesqueléticas e lesões nos pés. A retinopatia facilita hemorragias retinianas com movimentos cefálicos bruscos ou manobras de Valsalva; • Levar em conta a preferência do paciente, para que a atividade seja prazerosa e, conseqüentemente, duradoura; • Monitorizar a glicemia antes, durante e após a atividade física, reconhecendo a resposta do organismo às diferentes modalidades e intensidades de exercício; • Injetar a insulina longe da musculatura que será empregada no exercício e evitar realizar o exercício no horário do pico de ação da insulina; • Evitar a atividade física quando a glicemia estiver acima de 300mg/dl, devido ao risco de descompensação hiperglicêmica; • Ter à mão um carboidrato simples para hipoglicemia eventual, especialmente se a glicemia for inferior a 100mg/dl. As medicações devem ser consideradas quando a dieta e a atividade física forem insuficientes para o controle satisfatório do DM. As medicações têm por objetivo aproximar a glicemia o mais próximo do normal, considerando as peculiaridades individuais. Devemos evitar atitudes negli- gentes, especialmente em idosos, quando se aceitam valores acima de 180mg/dl como “normais” para a idade. Em recente estudo observou-se que níveis glicêmicos moderadamente elevados estão
  • 10. 118 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. associados a uma maior taxa de depressão e redução cognitiva em idosos. Outras razões para o controle glicêmico incluem a redução da poliúria e noctúria, reduzindo visitas noturnas ao banhei- ro e a possibilidade de queda, a prevenção de infecções, a redução de quadros trombóticos pela desidratação e hiperosmolaridade, a cicatrização mais eficiente de feridas, a melhora da acuidade visual e a desaceleração das complicações crônicas. A escolha do medicamento deve levar em consideração a idade, a condição socioeconômica, o acesso a instituições de saúde, o suporte familiar, a disposição para o automonitoramento, as doenças coexistentes, as complicações crônicas e os aspectos inerentes à medicação, como vias de administração, especificidade de ação, custo, existência de genéricos, risco de hipoglicemia, efei- tos adversos, interações medicamentosas, vias de metabolização e de excreção. Para se obter um controle glicêmico adequado sugere-se uma avaliação ambulatorial contínua, em intervalos de três a quatro meses. A dosagem seriada da HbA1c é o melhor parâmetro de seguimento de longo prazo no controle do DM. De maneira paralela, o paciente deve ser encorajado a realizar o auto- monitoramento da glicemia pré e pós-prandial, permitindo avaliar a resposta individual a cada tratamento proposto. Muitos pacientes temem a possibilidade de hipoglicemia e ingerem quanti- dades excessivas de calorias diante de sintomas vagos e inespecíficos, quando a hipoglicemia poderia ser descartada (ou confirmada) pela simples medição pelo glicosímetro manual. Uma das limitações do automonitoramento continua sendo o custo elevado das fitas. A ADA postula como critérios satisfatórios de controle do DM: HbA1c inferior a 7% (ou o limite superior pelo método utilizado pelo laboratório), glicemia de jejum entre 80 e 120mg/dl, duas horas depois da refeição inferior a 140mg/dl, e, ao deitar, entre 100 e 140mg/dl. Os melhores resultados são obtidos quando o paciente está ciente destes objetivos e participa ativamente na correção de seus parâmetros bioquímicos. São considerados valores limítrofes 8% para HbA1c (ou um ponto percentual acima do limite superior do laboratório), 140mg/dl para a glicemia de jejum e 180mg/dl para a glicemia pós-prandial. Estes últimos parâmetros também seriam aceitáveis na condução de pacientes com risco elevado ante hipoglicemias, como portadores de doença corona- riana, cerebrovascular e neuropsiquiátrica. As diversas classes de medicamentos orais para o tratamento do DM, com mecanismos de ação distintos, ampliam o espectro terapêutico através de múltiplas combinações possíveis (Tabela 9.3). Tabela 9.3 Tratamento Farmacológico Oral no DMNDI Classe Droga Dosagem Inibidores de Acarbose 50-300mg/dia, no início das refeições α-glicosidase Biguanidas Metformina 0,5-2,5g/dia logo após a refeição Tiazolidinedionas Pioglitazona 15-45mg/dia em dose única Rosiglitazona 2-8mg/dia em 1-2 tomadas diárias Sulfoniluréias Glipizida 5-40mg/dia em 1-2 doses, pré-refeições Glibenclamida 5-20mg/dia em 1-2 doses, pré-refeições Glimepirida 1-8mg/dia antes da principal refeição Gliclazida MR 30-120mg/dia antes da principal refeição Análogos da meglitinida Nateglinida 60-120mg/dia antes das refeições Repaglinida 0,5-4mg/dia antes das refeições
  • 11. CAPÍTULO 9 119 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Os inibidores da α-glucosidase, como a acarbose, promovem inibição reversível das enzimas intestinais, responsáveis pela digestão de oligossacarídeos, retardando assim a absorção intestinal e evitando picos de hiperglicemia pós-prandial. Eles são seguros para o uso em idosos por não causarem hipoglicemia e por controlarem satisfatoriamente os casos de intolerância pós-prandial isolada. Os efeitos colaterais, como flatulência, dor abdominal e diarréia, melhoram com o uso continuado da medicação e o aumento lento e progressivo das doses. A metformina, do grupo das biguanidas, reduz a liberação hepática de glicose e melhora a sensibilidade periférica à insulina. Ela também reduz os níveis lipêmicos e o apetite, sendo uma droga de escolha para diabéticos obesos. Mesmo com um baixo potencial de causar hipoglicemia, ela deve ser evitada em idosos acima de 80 anos de idade, e em pacientes com insuficiência cardía- ca, hepática ou renal, pelo risco de ocasionar acidose lática. Os efeitos adversos incluem diarréia e dor abdominal. As tiazolidinedionas, como a rosiglitazona e a pioglitazona, também aumentam a sensibilida- de periférica à insulina, potencializando os efeitos intracelulares da insulina e reduzindo o risco de falência ß-pancreática. Os efeitos adversos incluem aumento do peso e retenção hídrica, sendo, portanto, contra-indicadas em portadores de insuficiência cardíaca de grau III e IV. Devido à sua metabolização hepática exclusiva, os níveis das enzimas hepáticas devem ser regularmente moni- torizados. Constituem uma boa alternativa para pacientes com redução da função renal ou para aqueles que não necessitam reduzir o peso. As sulfoniluréias estimulam a liberação de insulina pelas células ß-pancreáticas. A clorpro- pramida pode causar hipoglicemias graves, devido à sua meia-vida prolongada, além de determi- nar retenção hídrica, com hiponatremia e hipertensão arterial, secundária ao estímulo de secreção do hormônio antidiurético. As sulfoniluréias de segunda geração, especialmente a glimepirida e a gliclazida, na forma de liberação lenta, são mais seguras em idosos, pela maior uniformidade na concentração sérica, após dose única diária. Como as sulfoniluréias apresentam metabolização hepática e excreção renal, devem ser evitadas na vigência de insuficiência hepática ou renal, e a glipizida parece oferecer maior segurança nos nefropatas. Todas determinam ganho de peso, o que pode constituir um problema em pacientes obesos. Falha terapêutica primária com as sulfoniluréias pode ocorrer em 20% dos casos, sendo a falha secundária subseqüente da ordem de 4% ao ano. A nova classe dos análogos da meglitinida, representada pela repaglinida e a nateglinida, promove uma liberação pancreática de insulina mais rápida, mais intensa e menos duradoura que as sulfoniluréias, sem picos de ação tardia e menor risco de hipoglicemia pré-prandial. Devem ser ingeridas imediatamente antes de todas as refeições, sendo drogas seguras para os nefropatas. As insulinas são reservadas para os casos não responsivos às diferentes combinações das classes de medicamentos orais ou em situações de descompensação glicêmica temporária, como infecções, estresse emocional e cirurgias. O fenômeno da glicotoxicidade pode inicialmente dar uma falsa idéia de falência primária aos medicamentos orais, sendo esta condição facilmente con- trolada com o uso temporário de baixas doses de insulina. Outros casos de falência terapêutica primária aos medicamentos orais podem corresponder a quadros de apresentação tardia de DMID, que acometem 5% a 10% dos diabéticos adultos, necessitando da manutenção terapêutica com insulina. O ideal é procurar esgotar todas as possibilidades de medicações orais para que o mínimo de insulina seja utilizado, evitando os efeitos adversos da hiperinsulinemia, entre eles o ganho de peso, a hipoglicemia e as complicações cardiovasculares, evitando o conhecido círculo vicioso (uso de insulina → ganho de peso → aumento da necessidade de insulina). O uso de insulina exige cuidado em pacientes idosos, especialmente naqueles com distúrbios graves da visão, neuropatia motora, tremores em extremidades, redução da memória e prejuízo cognitivo, e que não dispõe da ajuda de familiares ou amigos. As insulinas encontram-se disponíveis sob formas de ação rápida, intermediária ou lenta, conforme o tempo de início, do pico e do término da ação, após a injeção subcutânea (Tabela 9.4).
  • 12. 120 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Também existem formas pré-misturadas de insulina rápida e intermediária, com proporções fixas, que embora diminua a flexibilidade nas alterações das doses, permite maior conveniência na aplicação. As insulinas humanas, menos imunogênicas, têm substituído progressivamente as insu- linas animais. O uso das insulinas requer cuidados meticulosos como armazenagem adequada, manuseio adequado de frascos e seringas, aspiração correta da dose e técnica de aplicação correta, com higiene local e variação dos locais de injeção. A educação e o acompanhamento do paciente são fundamentais para uma boa resposta terapêutica, e o automonitoramento se torna ainda mais imprescindível. Em pacientes com distúrbios visuais orientamos as canetas de injeção graduadas ou seringas prontas, com doses previamente aspiradas por familiares e armazenadas em geladeira. Enquanto os estudos demonstram a importância de múltiplas aplicações de insulina no DMID, os pacientes com DMNDI podem ser satisfatoriamente controlados com duas aplicações diárias, ou até uma quando associada a medicamentos orais. Neste último caso, adota-se o esquema de pequenas doses de insulina intermediária ou lenta ao deitar, reduzindo a glicemia de jejum e per- mitindo maior eficácia da terapia oral durante o dia. Os casos mais severos exigem esquemas intensivos com múltiplas aplicações de insulina rápida antes das refeições e duas doses de insulina intermediária para manter níveis basais adequados. As insulinas de ação rápida devem ser aplica- das 20 a 30 minutos antes das refeições, para adequar o pico de ação à fase de maior elevação pós- prandial da glicemia. Os análogos de insulina, como a lispro, a aspart e a glargina, produzidos mediante modificações de bases moleculares da insulina humana, constituíram um grande marco no controle do DM. As duas primeiras apresentam início de ação mais rápida, com pico precoce e duração do efeito mais curto, reduzindo os episódios tardios de hipoglicemia e possibilitando o ajuste imediato da dose conforme a ingesta de carboidratos da refeição. Os análogos de ação longa, como a insulina glargina, apresentam a maior meia-vida de todas as insulinas sem, contudo, apresentar um pico de ação evi- dente, mantendo assim constante os níveis basais de glicemia, com menor risco de hipoglicemia em períodos pré-prandiais. A possibilidade futura de formas inaladas de insulina e do transplante isolado de ilhotas constitui uma esperança para reduzir o desconforto das aplicações injetáveis. No controle das dislipidemias no DM, tolera-se um nível de LDL-colesterol inferior a 100mg/dl, de HDL-colesterol superior a 45mg/dl e de triglicérides inferior a 150mg/dl. O tratamento da hipertensão no DM também requer patamares mais rígidos, com valores sistólicos máximos de 130mmHg e diastólicos de 80mmHg, desde que não ocorra hipotensão postural, especialmente quando existe risco de hipofluxo em pacientes com coronariopatia isquêmica ou isquemia cere- Tabela 9.4 Farmacocinética das Insulinas Disponíveis Tipo Insulina Início de Ação Pico de Ação Duração Rápida Regular 30-60 minutos 2-4 horas 6-8 horas Rápida Lispro 5-15 minutos 1-2 horas 4-5 horas Rápida Aspart 10-20 minutos 1-3 horas 3-5 horas Intermediária NPH 1-2 horas 5-7 horas 13-18 horas Intermediária Lenta 1-3 horas 5-8 horas 13-20 horas Lenta Ultralenta 2-4 horas 8-10 horas 18-24 horas Lenta Glargina 2-4 horas Não há 22-28 horas
  • 13. CAPÍTULO 9 121 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. bral. As drogas de escolha são os inibidores da enzima de conversão de angiotensina (IECA), seguidos dos bloqueadores de angiotensina II. Os β-bloqueadores, úteis para os coronariopatas, podem bloquear a secreção pancreática de insulina, mascarar os sintomas adrenérgicos da hipogli- cemia, elevar as taxas de triglicérides e colesterol, e agravar estados de hipoperfusão de membros inferiores. Os bloqueadores de canal de cálcio não interferem no metabolismo da glicose, porém podem intensificar quadros de hipotensão ortostática, especialmente em idosos e portadores de neuropatia autonômica. A hipopotassemia e a hipomagnesemia, secundárias ao uso de diuréticos, podem aumentar a resistência à insulina. Complicações Microvasculares A prevalência de complicações microvasculares é muito aumentada no DM, sendo proporcio- nal à idade do indivíduo, à duração da doença, ao controle glicêmico e aos níveis de HbA1c. A normalização glicêmica pode retardar o aparecimento ou a progressão da complicação microvas- cular. Os efeitos deletérios da hiperglicemia sobre a microcirculação incluem mudanças da via metabólica do sorbitol, competição tecidual com o mioinositol, e a glicosilação não-enzimática e agregação de proteínas. Além da hiperglicemia, outros fatores complicadores como predisposição genética, tabagismo, dislipidemia, obesidade e hipertensão arterial estão envolvidos na gênese destas complicações. Como a estrutura microvascular é semelhante em diversos órgãos, o envolvi- mento de um órgão-alvo deve dirigir a atenção para outros órgãos-alvo. Oftalmopatia Diabética O DM constitui a principal causa de amaurose em nosso meio, resultado de um acometimento da mácula, afetando a visão central, e o acometimento isquêmico difuso da retina, pela retinopatia proliferativa. Cerca de 10% dos indivíduos com DMNDI já apresentam sinais de alteração retini- niana no momento do diagnóstico. Esta prevalência pode chegar a 40% após 10 anos de evolução e até 90% após 20 anos. As alterações retinianas são caracterizadas por extravasamento dos vasos retinianos (exsudatos) ou obstruções do fluxo sangüíneo nos vasos retinianos (isquemia), que cons- tituem um potente estímulo para a formação de neovasos. A retinopatia pode ter várias formas de apresentação. A forma mais leve, denominada retino- patia incipiente, com a presença de alguns microaneurismas, de pequenos focos de hemorragia e exsudato algodonoso (isquêmico), em geral não compromete a visão. Entretanto, a presença de edema, exsudato e isquemia na região da mácula trazem maior gravidade ao quadro. Quando os focos hemorrágicos se tornam mais extensos, os exsudatos aparecem em maior número e surgem pequenas alças venosas, caracterizando então a retinopatia pré-proliferativa. O risco de evolução deste processo para a forma mais severa, proliferativa, pode ultrapassar os 50%. Existe a corrente de oftalmologistas que prefere acompanhar periodicamente estes casos e existe uma outra que advoga o uso de laser nesta fase. A retinopatia proliferativa é caracterizada pela extensão isquêmi- ca superior a 25% da superfície retiniana e pelo aparecimento de neovasos de maior fragilidade, susceptíveis ao extravasamento proteico. Este quadro permanece assintomático até a ocorrência de hemorragia destes neovasos, que dependendo da localização e extensão pode comprometer agudamente a visão. Simultaneamente, ocorre fibrose ao redor dos neovasos, gerando forças de tração sobre a retina e propiciando focos de descolamento retiniano. Recomenda-se a avaliação de fundo de olho, de preferência realizada por oftalmologista, no momento do diagnóstico e depois anualmente, ou de acordo com a recomendação do oftalmolo- gista. O tratamento precoce com fotocoagulação representa a base do tratamento da retinopatia diabética, pois não existem medicamentos com eficácia demonstrada. Uma hemorragia que se estenda ao humor vítreo dificulta a avaliação retiniana por alguns meses, e múltiplos episódios de sangramento podem ocasionar fibrose vítreo-retiniana, necessitando de cirurgia para vitrectomia.
  • 14. 122 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. O DM pode determinar outras condições que alteram a capacidade visual, como glaucoma, catarata, trombose de veia e artéria ocular, isquemia do disco óptico, isquemia do córtex visual e comprometimento dos nervos cranianos, responsáveis pelo movimento ocular. A avaliação deve incluir medida da pressão intra-ocular, campimetria, estudo do movimento ocular e exame do cristalino com lâmpada de fenda. Nefropatia Diabética A nefropatia diabética pode ser dividida em quatro fases: subclínica, clínica, avançada e ter- minal. A forma subclínica, presente em até 5-10% dos indivíduos com DMNDI recém-diagnosti- cado, é definida pela presença de microalbuminúria, com taxas de 30 a 300mg/ml em amostra urinária de 24 horas. Nesta fase existe uma hipertrofia e hiperfunção glomerular. A nefropatia clínica é caracterizada por proteinúria franca, superior a 300mg/ml, geralmente associada à hipertensão arterial. Após evolução de 5-10 anos sobrevém a nefropatia avançada, com comprometimento progressivo do ritmo de filtração glomerular, na ordem de 5-10ml/min/ ano. Após um período médio de cinco anos instala-se a nefropatia terminal, com falência completa da função renal. Nesta fase os rins são atróficos, predominando a esclerose e atrofia glomerular, com progressiva queda da taxa de depuração e elevação dos níveis de uréia e creatinina. O DM é o principal responsável por diálises e transplantes renais, conferindo um risco 15 vezes maior que indivíduos não-diabéticos. O controle da glicemia, da pressão arterial e das infec- ções urinárias é essencial na prevenção da nefropatia diabética, que por sua vez agravaria ainda mais a hipertensão arterial. Além do efeito hipotensor, as IECA têm demonstrado um efeito nefro- protetor, razão pela qual são utilizadas em pacientes com microalbuminúria e níveis pressóricos normais. Entretanto, nas fases tardias de nefropatia, além da tendência à sobrecarga volêmica, existe o risco de hipercalemia com o uso destas medicações, sendo estas substituídas por drogas que facilitem a perda de potássio, como os diuréticos tiazídicos e os de alça. Os rins são uma importante via de eliminação de drogas hipoglicemiantes e de inativação metabólica da insulina, portanto nas disfunções renais avançadas pode ser necessária a correção das doses de medicamentos, para evitar o risco de hipoglicemia. O acometimento renal está associado a outras alterações que necessitam da abordagem clínica apropriada como a anemia por deficiência de eritropoetina, a hipoalbuminemia e a osteodistrofia renal. Com o progredir da nefropatia, devemos considerar as possibilidades de diálise peritoneal (CAPD), hemodiálise e transplante renal. Todo diabético deve realizar um exame de microalbuminúria a cada 6-12 meses. Estando alterado pela primeira vez, o exame deve ser repetido e confirmado, afastando situações que po- dem elevar transitoriamente a excreção de albumina, como exercício físico intenso, infecções urinárias, doenças agudas, presença de hematúria, contaminação com sêmen, dieta hiperproteica e insuficiência cardíaca. Na vigência de nefropatia clínica, associamos o teste de depuração da cre- atinina em 24 horas a cada seis meses. O DM pode acarretar outras complicações sobre o trato urinário, como bexiga neurogênica, maior susceptibilidade aos efeitos nefrotóxicos de antiinfla- matórios e contrastes radiológicos, glomerulonefrite membranosa e necrose papilar renal. Neuropatia Diabética A neuropatia pode acometer cerca de 30% a 40% dos diabéticos, sendo que não existe corre- lação precisa entre o grau de acometimento da fibra nervosa e a sintomatologia, embora o diagnós- tico seja eminentemente clínico. Ela é resultado de um comprometimento crônico e definitivo das células nervosas. Sintomas neuropáticos agudos podem ser relatados durante as descompensações glicêmicas, mas estes costumam regredir após a normalização metabólica. O diagnóstico de neu- ropatia diabética é firmado após afastar outras causas de neuropatia, como uremia, deficiência de vitamina B, etilismo, hipotireoidismo e síndromes paraneoplásicas.
  • 15. CAPÍTULO 9 123 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. A neuropatia diabética é ocasionada pelos efeitos da hiperglicemia crônica sobre o metabolis- mo neuronal, aumentando a atividade da via dos polióis, do mioinositol e da glicosilação proteica, somado à ação de fatores locais de crescimento, alterações de neurotransmissores, estresse oxida- tivo e hipóxia local. A neuropatia diabética pode ser classificada em sensitivo-motora, autonômica, mononeuro- pática, neuropatia multifocal e amiotrófica. A forma mais comum é a neuropatia sensitivo-motora distal simétrica. As alterações sensitivas acometem a extremidade de nervos longos, principal- mente em membros inferiores, configurando um padrão chamado “em bota”. A manifestação sin- tomática é variável, incluindo dores lancinantes, queimação, pressão ou sintomas de parestesias, hipoestesia até quadros severos de anestesia. Estes sintomas são mais percebidos no período no- turno, acarretando distúrbios importantes do sono. O uso de analgésicos e sedativos para estes casos corre o risco de potencializar quadros de confusão mental e vertigem em idosos, propiciando quedas durante a madrugada. A pesquisa de sinais clínicos da neuropatia envolve testes de sensibilidade dolorosa, realiza- dos com agulhas; de sensibilidade tátil, através de monofilamentos de náilon com diversos diâme- tros; de sensibilidade vibratória, com o uso de diapasão; da sensibilidade térmica, com fontes de calor e frio; da resposta dos arcos reflexos, como o aquileu e o patelar; e por fim a avaliação da força muscular. A medida de condução nervosa por estímulos eletrofisiológicos deve ser reserva- da para apresentações atípicas, devido ao elevado custo, o desconforto ao paciente e resultados pouco específicos. Além do controle glicêmico rígido, o tratamento da dor pode incluir o uso de antidepressivos tricíclicos, de carbamazepina ou cremes tópicos à base de capsaicina. A acupuntu- ra pode ser benéfica em casos resistentes. A neuropatia autonômica pode determinar hipotensão postural, sudorese excessiva ou abo- lida, distúrbios gastrointestinais, incontinência ou retenção urinária e impotência sexual. Os sinais clínicos evidenciam pele ressecada, alterações pupilares, queda da pressão sistólica maior que 20mmHg após dois minutos na posição supina e variações da freqüência cardíaca, após manobras de Valsalva e inspiração profunda. A hipotensão postural pode ser amenizada pela hidratação adequada, evitando drogas potencializadoras do quadro, orientando a elevação gra- dual do corpo, a utilização de meia elástica, para aumentar o retorno venoso, e, se necessário, baixas doses de fludrocortisona. As mononeuropatias são caracterizadas por quadros dolorosos em extremidades de nervos submetidos à compressão extrínseca ou intrínseca, sendo a síndrome do túnel do carpo a mais comum. As neuropatias de nervos cranianos, particularmente o III (oculomotor), o IV (troclear) e o VII (facial), têm bom prognóstico, regredindo após algumas semanas. A neuropatia amiotrófica é um quadro dramático, mais incidente em idosos, com perda de peso acentuada, dores intensas nas coxas, fraqueza e atrofia muscular, dificultando a flexão do quadril e a deambulação. Disfunção Erétil A disfunção erétil é a incapacidade de atingir ou manter uma ereção satisfatória para a ativida- de sexual. A prevalência desta disfunção no DM é de aproximadamente 35%, chegando a valores de 60% em indivíduos acima de 60 anos. Ela é causada por distúrbios como perda da complacên- cia cavernosa, neuropatia autonômica, aterosclerose de grandes vasos ou efeito adverso de medi- camentos. Quadros de ereção noturna adequada e sintomas de impotência intermitente, não acompanhado de descontrole glicêmico, sugerem origem psicológica do distúrbio. A avaliação física deve pesquisar alterações em caracteres sexuais secundários, as presenças de fimose, placas fibróticas e balanopostites, o tamanho e consistência testicular, a sensibilidade peniana, a palpação das artérias cavernosas e o reflexo bulbocavernoso, verificado pela contração satisfatória do esfíncter anal após pressão na glande peniana. A avaliação complementar inclui a
  • 16. 124 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. ultra-sonografia com Doppler, a arteriografia, a cavernografia, as fitas demarcadas de tensão e rigi- dez peniana durante o sono REM e a resposta de ereção após injeção intracavernosa de papaverina. A terapêutica específica, orientada por médico habilitado, inclui a aplicação intracavernosa de drogas vasoativas (papaverina, fentolamina e prostaglandina), drogas orais como o sildenafil, os aparatos de ingurgitamento peniano a vácuo, as cirurgias vasculares arteriais e venosas e as próteses penianas. Distúrbios Gastrintestinais As complicações mais freqüentes do trato gastrintestinal são a monilíase gastresofágica e as disfunções motoras gastresofágicas, como refluxo esofágico, gastroparesia, diarréia e obstipação. A avaliação diagnóstica inclui a endoscopia digestiva, a manometria gastresofágica, o exame do trânsito digestivo, e coproculturas. Com relação ao tratamento, além da dieta fracionada, salienta-se a restrição do sal, para redu- zir o efeito osmótico, e das gorduras, para facilitar o esvaziamento gástrico. Em casos resistentes associam-se medicamentos estimulantes da motilidade gastresofágica (metoclopramida, domperi- dona, cisaprida, bromoprida), antidiarréicos (loperamida, colestiramina) e antibióticos na vigência de superpopulações bacterianas. Pé Diabético O pé diabético constitui uma complicação multifatorial, envolvendo a combinação de neuro- patia sensitivo-motora, neuropatia autonômica, isquemia de grandes vasos, alterações biomecâni- cas do pé e infecções, favorecendo o aparecimento de lesões ulceradas. Lesões ulceradas nos pés, geralmente secundárias a pequenos traumas, constituem a principal razão de internações hospitalares em pacientes diabéticos, gerando enormes custos, de ordem financeira e emocional. Se não tratadas de forma rápida e adequada estas lesões podem culminar com a amputação de extremidades. O DM é responsável pela maioria das amputações não-traumá- ticas de membros, com risco 40 vezes maior que indivíduos não-diabéticos. Entretanto, estudos demonstram que até 50% destas amputações podem ser prevenidas com medidas preventivas e abordagem multiprofissional de endocrinologistas, cirurgiões vasculares, ortopedistas, dermato- logistas, fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiras, podólogos, entre outros. A neuropatia do membro inferior pode ser evidenciada por sinais clínicos como hiperemia e aumento da temperatura nas extremidades, distúrbios da sudorese e redução da sensibilidade tátil, térmica e dolorosa. A atrofia muscular progressiva e as retrações tendinosas provocam deformida- des ósseas nos pés, que podem deslocar o centro de distribuição do peso. A fricção constante sobre estas áreas determina a formação de calos, edema, hematomas, fissuras e ulcerações. A determina- ção dos pontos de sobrecarga de pressão é essencial na abordagem do pé diabético, podendo ser indiretamente avaliada pela observação de deformidades na sola do calçado e dificuldades na marcha. A obesidade é um fator agravante por intensificar a carga de tensão vertical. A isquemia é avaliada pela palpação do pulso, tibial posterior e pedioso, pela história rela- tada de claudicação intermitente, ou por sinais como atraso de enchimento capilar, extremidade fria, redução de pilificação, atrofia cutânea e, ocasionalmente, gangrena digital. A utilização de arteriografia deve ser realizada de forma cautelosa pelo risco de nefrotoxicidade com o uso de contrastes radiológicos. A úlcera pode resultar também de deformidades ou espessamentos ungueais, infecções bac- terianas e fúngicas e queimaduras. Estas situações criam uma porta de entrada para inúmeras bactérias, que encontram um meio favorável à disseminação, complicando com necrose tecidual, trombose das arteríolas terminais e acometimento de estruturas profundas.
  • 17. CAPÍTULO 9 125 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. A radiografia é importante em todos os casos de úlcera para avaliar a presença de fraturas assintomáticas, corpos estranhos, sinais de osteomielite e gás no tecido subcutâneo, indicando infecção por anaeróbios. As técnicas de prevenção da úlcera pelo próprio paciente continuam sendo a medida mais eficaz para controle desta complicação (Tabela 9.5). O diabético deve ser orientado a procurar precocemente os serviços de apoio na eventualidade de lesões suspeitas, edema sem causa aparente e dores de repouso. Os podólogos especializados podem realizar o desbridamento de calos, cortar as unhas de forma retilínea, corrigindo espessa- mentos e desvios ungueais, proteger áreas de pressão, aconselhar calçados com melhor distribui- ção da carga tensional, cuidar de extremidades amputadas e limpar as feridas abertas. Uma vez instalada a úlcera no pé indica-se o repouso imediato, a limpeza com solução salina, os curativos com gazes úmidas, trocadas 2-3 vezes ao dia, além do desbridamento de todo o tecido necrótico, expondo o tecido viável com sangramento ativo, averiguando o acometimento de ossos, articulações e tendões, além da realização de raspagem de calos circundantes da lesão e drenagem de coleções profundas. A presença de isquemia pode ser corrigida pela revascularização arterial ou angioplastia, e nos casos de gangrena digital, pode ser necessária uma amputação regional. DISFUNÇÕES TIREOIDIANAS As disfunções tireoidianas vêm recebendo maior atenção dos órgãos públicos de saúde em razão da elevada prevalência, da maior disponibilidade e sensibilidade dos métodos diagnósticos, e da relativa facilidade no controle terapêutico. Tabela 9.5 Prevenção do Pé Diabético • Utilizar sapatos de boa qualidade, com solado macio e confortável, altura e largura suficiente para os dedos, cadarço ou velcro para ajuste da acomodação. • Não caminhar descalço. • Comprar calçados novos à tarde, quando a dimensão do pé é maior, e utilizá-los por poucos minutos, a cada dia, até que se adaptem aos pés. • Utilizar palmilhas e espumas próprias de proteção para áreas de saliências ósseas, calosidades ou sobrecarga de peso. • Utilizar meias de algodão ou lã para absorver melhor o suor, ajustadas corretamente, sem elásticos apertados, e trocando-as diariamente. • Cortar as unhas de forma reta e horizontal, evitando lesões da pele periungueal e retirada da cutícula. Não retirar calosidades ou usar produtos químicos sem orientação. • Usar bengalas e apoios para evitar sobrecarga de peso. • Limpar diariamente os pés (entre os dedos), com água morna e sabonete neutro, sem esfregar em demasia, utilizando panos secos e limpos para enxugá-los. • Observar com o auxílio de espelhos a presença de calos, úlceras, edemas, hiperemias, hematomas e fissuras. Tratar micoses cutâneas e ungueais. • Procurar corpos estranhos no interior do sapato antes de calçá-lo, bem como objetos perfurantes nas solas dos calçados (tachinhas, pregos...). • Evitar queimaduras com uso de bolsas de água quente ou aquecedores elétricos e aquecer os pés apenas com meias quentes. • Abolir o cigarro e ter uma boa alimentação. • Mudar constantemente a posição dos membros inferiores de pacientes acamados. • Evitar trabalhos que exigem que se fique muito tempo de pé (garçom, vendedor...).
  • 18. 126 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. A tireóide é reconhecida como um importante modulador do metabolismo orgânico, direta- mente envolvida no ritmo de crescimento, funcionamento e senescência celular. A tireóide exerce seus efeitos através dos hormônios tireoidianos (HT), que são sintetizados nos folículos tireoidia- nos, após a captação e organificação do iodo, que é então incorporado a radicais tirosínicos da proteína tireoglobulina, por ação da enzima tireoperoxidase. Os HT, principalmente a tiroxina (T4) e a triiodotironina (T3), são liberados para a circulação, onde mais de 95% se encontram na forma inativa, conjugada a proteínas plasmáticas, e o restante na forma livre ativa. A síntese e a liberação dos HT são estimuladas pelo hormônio tireoestimulante (TSH), produzido e secretado pela hipófise anterior, que por sua vez é regulado pelo hipotálamo. O TSH também apresenta efeito trófico, estimulando o crescimento dos folículos tireoidianos. O hipotireoidismo é a principal disfunção da tireóide, sendo a grande maioria dos casos de- corrente da agressão do parênquima folicular por auto-anticorpos, denominando-se doença de Hashimoto. Dependendo da população estudada a prevalência do hipotireoidismo varia de 3 a 10%, sendo mais freqüente em mulheres e idosos. O hipotireoidismo reduz a capacidade cardio- vascular, aumenta a pressão arterial, eleva as taxas de colesterol e triglicérides, e compromete a qualidade de vida do indivíduo, constituindo um modelo de aceleração do envelhecimento. O mesmo ocorre com o hipertireoidismo, acompanhado de sobrecarrega do miocárdio, desencadean- do quadros anginosos e arritmias, perda de massa muscular e desmineralização óssea. Dentre as causas de hipertireoidismo, o bócio multinodular tóxico (BMNT) se torna mais inci- dente com o avançar da idade, onde eventos mutagênicos geram clones foliculares hiperfuncionantes e autônomos. Outras causas incluem o bócio difuso tóxico auto-imune, ou doença de Basedow- Graves, o adenoma tóxico (AT) e as causas iatrogênicas, pelo uso de doses excessivas de hormônio exógeno ou substâncias de elevado teor de iodo, como contrastes iodados e a amiodarona. Os sintomas do hipotireoidismo são geralmente inespecíficos e de instalação lenta, incluindo fadiga, inapetência, fraqueza e câimbras musculares, alterações de cognição e atenção, distúrbios do humor, pele seca, pêlos quebradiços, edemas, intolerância ao frio, lentificação de reflexos, ganho de peso e sonolência. Muitos sintomas se confundem com o próprio envelhecimento, não sendo valorizados pelo paciente e familiares. O hipertireoidismo é caracterizado por quadros de agitação psíquica, tremores, taquicardia, taquiarritmias, emagrecimento, hiperfagia, intolerância ao calor e sudorese excessiva. A simples palpação da tireóide pode fornecer dados importantes relativos à dimensão, forma e consistência da glândula. Quanto aos distúrbios funcionais, a dosagem hormonal é essencial para estabelecer o diagnóstico, sendo válida a premissa de que as disfunções tireoidianas são diagnos- ticadas somente quando existe a suspeita do médico. A dosagem do TSH ultra-sensível e da fração livre de T4 (T4L) é suficiente para estabelecer com segurança o estado funcional da tireóide (Tabe- la 9.6). Como a hipófise é sensível às pequenas variações dos níveis de HT, mesmo que estes estejam ainda dentro do espectro considerado normal para a população, o TSH acaba sendo o exame mais específico da função tireoidiana. A dosagem dos níveis totais de T3 e T4 está sujeita a interferências de outras doenças, do estado nutricional e de diversas medicações, reduzindo o seu grau de sensibilidade e especificidade. Na presença de níveis normais de T4L, com dosagens elevadas ou reduzidas de TSH, em indivíduos assintomáticos ou com sintomatologia frustra, de- nominamos, respectivamente, hipotireoidismo subclínico e hipertireoidismo subclínico. A presença de auto-anticorpos, direcionados contra antígenos tireoidianos, é útil para a defi- nição etiológica em casos de disfunção hormonal. Títulos elevados de auto-anticorpos não guar- dam necessariamente relação com a função tireoidiana, podendo denotar apenas maior propensão a disfunções tireoidianas, que podem nunca vir a ocorrer. Estudos retrospectivos calcularam um risco anual de apenas 2% de evolução para hipotireoidismo em indivíduos com auto-anticorpos antitireoperoxidase detectáveis, não se justificando a realização destes exames em estudos de rastrea- mento populacional. Por outro lado, a presença de auto-anticorpos, em nível individual, tem sido
  • 19. CAPÍTULO 9 127 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. correlacionada à condição do envelhecimento, detectando-se títulos mais elevados em idosos hos- pitalizados e debilitados, quando comparados a idosos saudáveis. Alguns autores até sugerem que os auto-anticorpos constituem marcadores importantes de longevidade e envelhecimento saudá- vel, embora este conceito não seja aceito pela maioria dos especialistas. Tabela 9.6 Diagnóstico Laboratorial das Disfunções Tireoidianas Diagnóstico T4L TSH Eutireoidismo Normal Normal Hipotireoidismo Reduzido Elevado Hipotireoidismo subclínico Normal Elevado Hipertireoidismo Elevado Reduzido Hipertireoidismo subclínico Normal Reduzido O programa nacional de iodinação do sal marinho constituiu um marco na prevenção primária do bócio endêmico. A prevenção primária das disfunções auto-imunes, mediante determinação de suscetibilidade genética e da capacidade de modular a resposta imunológica, ainda é uma medida distante da realidade atual, restando apenas a prevenção secundária, através do diagnóstico preco- ce e reposição hormonal. O rastreamento populacional das disfunções tireoidianas oligo ou assin- tomáticas, através da dosagem do TSH, apresenta como argumentos favoráveis uma elevada prevalência na população, o risco cardiovascular associado, a maior propensão para desenvolver neoplasias tireoidianas, a redução na qualidade de vida, e o custo elevado de múltiplas consultas e exames complementares desnecessários aos quais o indivíduo se submeterá para a avaliação de sintomas inespecíficos. De certa forma, o risco de deficiência mental relacionado ao hipotireoidis- mo congênito já foi suficiente para se padronizar em todas as maternidades a triagem neonatal, pela dosagem capilar de TSH. Um estudo epidemiológico norte-americano comprovou a boa relação de custo-benefício no rastreamento, a cada 5 anos, de indivíduos acima de 35 anos. Outros autores preferem restringir o rastreamento para populações de alto risco como mulheres após a menopausa e no período pós- parto, quando os fenômenos auto-imunes são mais comuns, e em todos acima de 65 anos de idade, por meio de dosagens anuais de TSH. A prevenção terciária envolve o equilíbrio da reposição hormonal, o controle de distúrbios associados, como obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial, e a abordagem de nódulos com potencial neoplásico, mais comuns nas disfunções tireoidianas. Sinais que sugerem evolução neo- plásica incluem aumento progressivo das dimensões nodulares na vigência de reposição hormonal adequada, nódulos de características heterogêneas, com limites imprecisos, textura rígida, dimi- nuição da mobilidade, sintomas locais de dor, alteração de voz e disfagia e adenomegalia regional. A maioria dos nódulos apresenta comportamento benigno, necessitando apenas de seguimento ambulatorial, com apoio seriado de exames ultra-sonográficos e da biópsia por punção aspirativa nos casos suspeitos. Não se recomenda atualmente a terapia supressiva com doses suprafisiológi- cas de L-T4, pela ineficácia demonstrada e pelo risco de tireotoxicose iatrogênica. O tratamento do hipotireoidismo se faz pela reposição com a forma sintética do hormônio T4 (L-T4), em doses progressivamente crescentes, até a normalização dos níveis do TSH. A dose de reposição em idosos tende a ser menor do que em indivíduos jovens, devido à menor metaboliza-
  • 20. 128 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. ção do T4, devendo-se ter a cautela de iniciar com doses baixas (12,5 a 25mg/dia), com pe- quenos incrementos a cada 6 semanas. O risco inerente ao tratamento do hipotireoidismo, como a exacerbação de quadros anginosos, de ansiedade e aceleração da osteoporose, devem ser continuamente monitorados. A reposição em casos de hipotireoidismo subclínico ainda é controversa, embora a experiência clínica seja favorável à sua utilização na vigência de hiper- tensão arterial e dislipidemias. O tratamento do hipertireoidismo depende da etiologia envolvida. A radioioterapia é preferí- vel em pacientes sem condições cirúrgicas, enquanto a cirurgia deve ser prioritária diante da pre- sença de nódulos suspeitos. Em qualquer situação, um curso temporário de terapêutica oral com propiltiouracil ou metimazol pode estabilizar o quadro clínico até a realização da terapia definiti- va, ou até que ocorra regressão espontânea, vista em alguns casos de doença de Basedow-Graves. Os sintomas adrenérgicos-símile podem ser amenizados com o uso de β-bloqueadores. Outras opções terapêuticas incluem o carbonato de lítio, os corticosteróides e contrastes iodados orais. DISFUNÇÃO GONADAL MASCULINA O crescente aumento da população idosa mundial tem sido acompanhado de preocupações com a qualidade de vida e a participação do idoso no convívio social e familiar, onde a atividade sexual constitui um meio de prazer e harmonia nas relações interpessoais. O envelhecimento de- termina um declínio da quantidade e qualidade da atividade sexual. A denominação de andropausa, em analogia a menopausa da mulher, é inadequada, por ser este um fenômeno de evolução insidiosa e muito variável. Por outro lado, a impotência masculina, geralmente relacionada a disfunções hormonais, está, na maioria das vezes, associada a doenças sistêmicas, distúrbios do sistema nervoso autônomo, efeitos de medicamentos ou fatores emocio- nais. Embora a impotência seja uma queixa freqüente, afetando 8% de homens até 55 anos, 20% até 65 anos e 40% até 75 anos, a resposta à reposição hormonal costuma ser desanimadora. O testículo apresenta uma função reprodutora, representada pela produção de espermatozói- des nas células de Sertoli, e outra hormonal, com a síntese de testosterona pelas células de Leydig. A hipófise anterior, estimulada pelo hipotálamo, secreta o hormônio luteinizante (LH), que regula a produção de testosterona, e o hormônio folículo-estimulante (FSH), que regula a espermatogê- nese. Cerca de 40% da testosterona encontra-se ligada de forma estável à globulina carreadora de hormônios sexuais (SHBG), enquanto 60% apresentam ligação fraca à albumina plasmática e 2% circulam na forma livre ativa. Durante o envelhecimento ocorre um declínio da função testicular e da função hipotálamo- hipofisária, esta última caracterizada por reduções da amplitude e freqüência de resposta do FSH e do LH ao estímulo hipotalâmico. As alterações testiculares incluem uma redução do número de células de Leydig, da perfusão testicular, da responsividade das células de Leydig ao estímulo de LH e da capacidade de biossíntese de testosterona. Após os 40 anos de idade existe redução anual de 0,4% nos níveis de testosterona total e 1,2% nos níveis de testosterona livre. Cerca de 7% dos indivíduos entre 40 e 60 anos apresentam níveis hormonais na faixa hipogonádica, subindo esta freqüência para 21% entre 60 e 80 anos e até 35% naqueles acima de 80 anos de idade. Os critérios que definem a disfunção gonadal masculina ainda não são consensuais, sugerindo-se níveis de testosterona total inferiores a 250ng/dl, ou inferiores a 280ng/dl quando associados a sinais e sintomas típicos (Tabela 9.7). Além do efeito do envelhecimento, a obesidade também pode reduzir os níveis de testostero- na pela intensificação da aromatização adipocitária, convertendo andrógenos em estrogênios, e pelo aumento na concentração da proteína SHBG, reduzindo a disponibilidade da fração livre ativa. As doenças crônicas, as neoplasias, a desnutrição e outras disfunções endócrinas, como tireoidopatias, DM e hiperprolactinemia, podem reduzir a síntese de testosterona por inibição do sistema hipotálamo-hipofisário.
  • 21. CAPÍTULO 9 129 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. A reposição de testosterona, quando indicada em adultos hipogonádicos, melhora a sensação de bem-estar e auto-estima, aumenta a capacidade aeróbia, aumenta a massa e força muscular, aumenta a libido sexual, reduz a gordura centrípeta, melhora os padrões bioquímicos e radiológi- cos da formação óssea e aumenta a sensibilidade à insulina. Existem relatos que sugerem um efeito benéfico na prevenção da doença de Alzheimer, da artrite reumatóide e na melhora clínica de pacientes com AIDS. São objetivos ideais da reposição hormonal no idoso a obtenção de níveis circulantes de tes- tosterona superiores a 300ng/dl, mimetizando o ritmo circadiano normal, garantindo picos de con- centração entre 8 e 12 horas da manhã, e que apresentem poucos efeitos colaterais e mínimo desconforto na forma de administração. As opções atuais incluem os andrógenos aromatizáveis em preparações intramusculares, subcutâneas, e transdérmicas. A testosterona intramuscular tem baixo custo e deve ser administrada a cada 10 a 21 dias, na dose de 200-400mg. Sua concentração é inconstante, com níveis suprafisiológicos após 72 horas da injeção e níveis insuficientes antes da aplicação seguinte, além da questão do inconveniente de injeções mensais por longa duração. Os implantes subcutâneos de liberação lenta têm a praticidade da aplicação a cada 4 a 6 meses, sem contudo mimetizar o ritmo circadiano normal. Os adesivos de testosterona, utilizados ao deitar, podem mimetizar os níveis fisiológicos normais, tendo como fatores adversos o elevado custo, a necessidade de troca diária e os quadros locais de irritação cutânea. Embora os estudos não tenham verificado correlação entre o uso de testosterona e a gênese de hiperplasia e tumores prostáticos, sugere-se a realização semestral do exame de toque retal e dosa- gem do antígeno prostático, sendo o tratamento contra-indicado na presença de tumores assinto- máticos de próstata. A possibilidade de aumento da massa eritrocitária exige a medida do hematócrito a cada três meses, pelo risco de fenômenos tromboembólicos, especialmente em tabagistas ou portadores de doença pulmonar crônica. Quando o hematócrito ultrapassa a faixa de 51% reco- menda-se a realização de doação sangüínea e/ou suspensão da reposição. Com relação ao metabo- lismo lipídico tanto o hipogonadismo como a reposição de doses suprafisiológicas de testosterona constituem fatores de risco para a doença cardiovascular aterosclerótica. Idosos hipogonádicos demonstraram alterações discretamente favoráveis do perfil lipídico após seis meses de reposição, com elevação do HDL-colesterol e redução do LDL-colesterol. A testosterona também reduziu os níveis de lipoproteína (a), conferindo maior proteção contra a doença coronariana. Os casos de infarto agudo do miocárdio e hepatotoxicidade, relatados em jovens usuários de anabolizantes esteróides, ainda geram receio na administração de esteróides androgênicos. Porém, tais efeitos foram evidenciados com doses suprafisiológicas, com preparações orais deletérias ao Tabela 9.7 Sintomas e Sinais da Deficiência de Testosterona no Homem • Deterioração da sensação de bem-estar físico e falta de disposição • Fraqueza muscular e dores articulares • Diminuição da densidade mineral óssea • Aumento da sudorese e ondas de calor • Distúrbios do sono e sonolência diurna • Instabilidade emocional • Ansiedade e depressão • Menor crescimento de barba e pêlos • Impotência e redução da libido • Redução da memória e da orientação espacial • Redução da massa magra e aumento da gordura visceral • Redução da hematopoiese (tendência à anemia) • Redução da sensibilidade à insulina
  • 22. 130 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. fígado, ou com preparações injetáveis de andrógenos não-aromatizáveis, não recomendadas para o uso humano. A retenção hídrica conferida pela reposição androgênica pode acarretar edema variável e elevação da pressão arterial, ou até sobrecarga volumétrica em pacientes com baixa reserva ventricular. Outros efeitos adversos incluem o aumento da agressividade, a ginecomastia e o agravamento de casos de apnéia do sono. Alguns autores são favoráveis a reposição hormonal irrestrita dos idosos sintomáticos, mes- mo com níveis normais de testosterona, baseando-se no fato de desconhecermos os níveis basais prévios e que a queda na produção hormonal seja um fenômeno inevitável. No entanto, ainda existe controvérsia quanto à reposição androgênica em idosos, em função dos riscos possíveis com esta terapêutica e da insuficiência de dados populacionais que comprovem inequivocamente a sua eficácia. Podemos traçar um paralelo com a reposição hormonal na menopausa, tida há vários anos como prevenção segura do envelhecimento na mulher, e que ainda é cercada de incertezas após estudos recentes que questionaram a capacidade de proteção cardiovascular e aumentaram o re- ceio do câncer de mama. SOMATOPAUSA O envelhecimento é acompanhado da redução progressiva dos níveis circulantes do hormônio de crescimento (GH) e de seu efetor periférico, o fator de crescimento insulino-símile tipo I (IGF-1). Muitos dos aspectos desta deficiência se confundem com os sinais do próprio envelheci- mento, como a sarcopenia, a osteopenia e o aumento da adiposidade corporal. Alguns autores sugerem que o envelhecimento seria decorrente do declínio funcional do eixo somatotrófico (hi- potálamo-GH-IGF-1), e que o restabelecimento deste sistema constituiria uma maneira de se pro- mover o rejuvenescimento, ou ao menos retardar o envelhecimento. A deficiência de GH, em adultos com hipopituitarismo, têm sido implicada em inúmeros sintomas, acarretando redução da qualidade de vida e da capacidade de trabalho, com solicitação de aposentadoria precoce e piora das relações sociais e familiares (Tabela 9.8). Outra característi- ca importante da deficiência de GH é a mortalidade prematura por doenças cardiovasculares, oca- sionadas pelo acúmulo preferencial de gordura visceral, pela determinação de um perfil lipídico aterogênico, e pela redução da atividade fibrinolítica. A deficiência de GH guarda, assim, grande semelhança com a síndrome plurimetabólica, sugerindo uma possível conexão fisiopatológica entre a somatopausa e as complicações cardiovasculares. Tabela 9.8 Sintomas e Sinais da Deficiência de GH • Sensação de redução de bem-estar físico • Baixa auto-estima e isolamento social • Apatia e falta de vigor físico • Falta de concentração e redução da memória • Instabilidade psicológica (depressão, ansiedade, irritabilidade) • Fraqueza e redução da massa muscular • Redução da capacidade aeróbica e anaeróbica • Aumento de LDL-colesterol e triglicérides, e redução do HDL-colesterol • Redução da fibrinólise por aumento do ativador tecidual de plasminogênio • Redução da massa magra e do volume de líquido extracelular • Redução da densidade mineral óssea • Redução da taxa metabólica basal e tendência a obesidade centrípeta andróide • Redução do fluxo plasmático renal e da taxa de filtração glomerular
  • 23. CAPÍTULO 9 131 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Outros autores associam a redução do GH e IGF-1 a uma resposta fisiológica do organismo, com o intuito de inibir o crescimento de clones neoplásicos, o aumento na resistência à insulina e a piora dos quadros ateroscleróticos, como observado na acromegalia, que representa o extremo oposto da insuficiência somatotrófica. Entretanto, as concentrações hormonais na acromegalia excedem em muito os níveis fisiológicos, podendo constituir um argumento favorável à reposição. O GH exerce efeito anabólico sobre o sistema muscular, com aumento da massa e a força muscular. Este efeito é de primordial importância nos idosos ao propiciar maior estabilidade loco- motora, garantindo uma vida mais independente e com menor risco de queda, além de aumentar a capacidade da caixa respiratória, com maior capacidade funcional pulmonar e acentuação do re- flexo de tosse, prevenindo infecções respiratórias. O efeito anabólico sobre o sistema osteocondral apresenta seu auge durante o crescimento linear na criança, e na vida adulta o GH participa da remodelação óssea. Além do estímulo proliferativo sobre os osteoblastos, o GH aumenta a absor- ção intestinal de cálcio e fosfato, com incremento da densidade mineral óssea. O GH estimula a síntese protéica e o crescimento de diversos órgãos, especialmente fígado, baço, rins, timo e me- dula óssea. O GH parece ter papel importante na modulação da resposta linfomonocitária, no metabolismo da glicose, na retenção hidrossalina e um importante efeito lipolítico, com o aumento da mobilização do tecido gorduroso de localização centrípeta e visceral. O GH é um polipeptídeo sintetizado e armazenado pelas células somatotróficas da hipófise anterior, sendo secretado em 8 a 14 pulsos diários. Esta pulsatilidade é resultante da oscilação entre sinais estimulatórios, que incluem o hormônio liberador de GH (GHRH) e a grelina, e de sinais inibitórios da somatostatina. A maior parte da secreção e as maiores amplitudes de pulsos de GH ocorrem nas primeiras 4 horas de sono, quando o tônus de somatostatina é menor. A queda dos níveis de GH em idosos ocorre paralelamente à redução do período de sono, denotando uma pos- sível relação entre a somatopausa e as alterações do sono. O GH estimula a síntese de IGF-1, que potencializa seus efeitos tróficos e metabólicos. Quase 99% do IGF-1 circulam ligados a proteínas carreadoras específicas, das quais a principal é a IGFBP-3, cuja síntese é regulada pelo GH. Como o GH é liberado na forma de pulsos, a coleta de amostras aleatórias pode não representar a real situação somatotrófica. Os testes de estímulo de liberação de GH são bas- tante onerosos, sendo temerários em idosos, principalmente na indução de hipoglicemia ou o uso de clonidina. A dosagem de IGF-1 sérico, na sua maioria de origem hepática, pode não refletir fielmente a atividade de IGF-1 nos tecidos-alvo, cujo efeito parácrino é de difícil avaliação. A dosagem do IGFBP-3, por representar o resultado integrado da média de secreção diária de GH e por não sofrer influência da concentração de IGF-1, pode ser mais fidedigna na avaliação do eixo somatotrófico. Os níveis de GH, IGF-1 e IGFBP-3 atingem valores máximos até a segunda década de vida, e depois reduzem exponencialmente na ordem de 14% a cada década, em razão da atrofia dos soma- totrofos hipofisários, do aumento do tônus da somatostatina, e da menor síntese do GHRH e da grelina. Indivíduos entre 65 e 85 anos apresentam concentrações de IGF-1 50% inferiores em comparação a indivíduos de 25 a 44 anos, enquanto metade dos indivíduos acima de 70 anos apresenta deficiência parcial ou absoluta de GH. A síntese de GH é também modulada por fatores como sexo, estado emocional, peso corporal, nutrição e atividade física. A relação mútua entre o eixo gonadal e somatotrófico, observado em sua plenitude no estirão da puberdade, pode ser afe- tada em quadros de menopausa precoce e hipogonadismo masculino. Se os baixos níveis secretados de GH, observados em idosos deprimidos, diabéticos, obesos ou sedentários, são fatores causais ou conseqüentes ainda é uma questão controversa. A obesidade acarreta um círculo vicioso, em que o aumento da adiposidade corporal reduz a secreção de GH, que por sua vez aumenta a deposição de gordura corporal. As dietas muito restritivas e a desnutri- ção no idoso podem acarretar elevações dos níveis de GH, porém com queda dos níveis de IGF-1 e uma falsa impressão benéfica sobre o eixo somatotrófico, configurando na verdade uma resistên- cia à ação do GH. Os estudos que avaliaram dietas ricas em aminoácidos e oligoelementos, como ferro e zinco, sobre a síntese de GH em idosos, apresentaram resultados contraditórios.
  • 24. 132 CAPÍTULO 9 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. As terapias disponíveis para a somatopausa abrangem o GH recombinante humano (rhGH), o IGF-1 recombinante humano (rhIGF-1), o GHRH e o peptídeo liberador de GH (GHRP). Embora sejam escassos os estudos de longo prazo, objetivando a prevenção e o retardo do envelhecimento, um dos principais fatores restritivos a estas terapias é o elevado custo financeiro. Apesar da expe- riência de uso de rhGH em crianças com déficit de crescimento e adultos com hipopituitarismo adquirido, devemos aguardar novos estudos populacionais, de longa duração, antes de indicar a reposição irrestrita de rhGH com o intuito de retardar o envelhecimento, reservando estas terapias para os indivíduos com absoluta deficiência somatotrófica. Utilizam-se injeções subcutâneas diárias de rhGH, aplicadas preferencialmente à noite, antes de dormir. A dose deve sempre ser individualizada, iniciando-se com doses de 0,01mU/kg/dia e incrementando lentamente até doses plenas ao redor de 0,02 a 0,04mU/kg/dia. Os objetivos da terapia com rhGH são a normalização dos níveis de IGF-1 (0,5 a 1U/ml) e IGFBP-3, evitando-se a ocorrência de efeitos colaterais. Resultados preliminares demonstraram que o rhGH em idosos foi capaz de reduzir a massa de tecido adiposa, incrementar a massa magra, através de balanço positivo de nitrogênio e retenção hídrica, aumentar a densidade mineral óssea e normalizar os níveis de IGF-1 e IGFBP-3. Por outro lado, alguns autores demonstraram que o ganho de massa muscular observada com o uso de rhGH em idosos saudáveis não foi acompanhado de uma melhora na capacidade funcional, enquanto outros estudos demonstraram uma melhora mais acentuada da massa e da força muscular após 12 meses de exercícios musculares anaeróbicos, quando comparada aos resultados com o uso de rhGH. Portanto, ainda é desconhecido se estes efeitos na composição corporal traduzem benefíci- os da ordem funcional e de qualidade de vida em longo prazo, pela presença de outros aspectos que determinam o processo de senescência dos diversos tecidos orgânicos. Outros estudos têm aventado um papel promissor do rhGH na prevenção de estados catabóli- cos associados ao uso crônico de glicocorticóides, às dietas hipocalóricas prolongadas, ao período pós-operatório, às queimaduras extensas e às doenças crônicas, como a nefropatia terminal, a SIDA e a doença pulmonar obstrutiva crônica. Entretanto, o aumento da mortalidade relatada em estudos com idosos debilitados, internados em unidades de terapia intensiva e submetidos à repo- sição com elevadas doses de rhGH, ainda causa certa apreensão por parte de endocrinologistas e geriatras quanto ao uso de rhGH em idosos. Os efeitos colaterais do rhGH, que são mais intensos em idosos, incluem a síndrome do túnel do carpo, retenção hídrica, hipertensão arterial, cefaléia, ginecomastia, dores articulares e crescimento de processos cartilaginosos. Estes inconvenientes poderão ser contornados após estabelecer os resultados de longo prazo com outras terapias, como o GHRH e os secretagogos sintéticos orais de GH, que mimetizam melhor a fisiologia normal de secreção do GH. OBESIDADE A obesidade é uma doença crônica, de etiologia multifatorial, caracterizada pelo acúmulo ex- cessivo de gordura corporal, com comprometimento da saúde e da qualidade de vida do indivíduo. A prevalência de obesidade tem crescido de forma exponencial em todo o mundo, constituin- do uma grande epidemia global. Atualmente cerca de 35% da população adulta norte-americana é considerada obesa. No Brasil foram realizados três grandes censos populacionais, nos anos de 1975, 1989 e 1996, para determinar a prevalência da obesidade. A comparação entre os estudos de 1974 e 1996 demonstrou um aumento surpreendente da prevalência de obesidade de 2,4% para 6,9%, no sexo masculino, e de 7,0% para 12,5%, no sexo feminino. Atualmente, no Brasil, estima- se uma prevalência de obesidade somada a sobrepeso de 40% para mulheres e 27% para homens. A obesidade não representa apenas um problema estético, mas sim um conjunto de alterações endócrinas, metabólicas e psíquicas, que contribuem para o envelhecimento precoce, para a redu-