2. pais&filhos
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SEU FILHO PODE FICAR TRISTE SEM QUE ISSO INDIQUE
UM PROBLEMA, MAS A DEPRESSÃO INFANTIL EXISTE E
PRECISAMOS FALAR SOBRE ELA. ENTENDA O QUE VOCÊ,
PAI OU MÃE, PODE FAZER PARA AJUDAR
POR RAFAELA CARRILHO, filha de Joana e Alfredo
ALÉM DA
TRISTEZA
(Os nomes dos personagens desta reportagem foram trocados para preservar suas identidades)
A
infância é associada à fase mais feliz de
nossas vidas,que deixa as melhores re-
cordações, e uma etapa em que não
temos grandes problemas ou preocu-
pações. Pensar que isso pode não ser
exatamente assim não é tão simples
de aceitar. A depressão em si ainda não deixou de ser
um tabu em nossa sociedade, ainda mais quando a do-
ença é associada às crianças. Porém, sejamos claros: este
transtorno pode ocorrer também entre os mais novos.
Mas calma, esse problema existe e tem solução.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)
mostram que o transtorno depressivo é a principal cau-
sa de incapacidade de realização das tarefas do dia a dia
entre jovens de 10 a 19 anos. Segundo Caio Abujadi,
psiquiatra da infância e adolescência, filho de João Moy-
sés e Evanir, a incidência de pelo menos um episódio na
vida para crianças abaixo de 10 anos é de 5% e, até os
15 anos, pode chegar a 20%. De acordo com Gustavo
Teixeira, pai de Pedro Henrique e João Paulo, crianças
da educação infantil podem apresentar depressão, mas
a maior incidência é entre os 8 e 12 anos de idade.
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3. Você já deve ter ouvido alguém falar que outra pes-
soa está “deprimida”, querendo dizer que ela anda de-
sanimada. Porém, todos nós podemos ficar tristes sem
que isso seja uma doença. Quando se trata de depres-
são infantil, o problema é persistente e pode prejudicar
o desenvolvimento acadêmico e social das crianças. Se
seu filho foi mal em uma prova na escola ou brigou com
um colega, é normal que ele se sinta chateado. Só que
isso tende a se resolver em um curto espaço de tempo.
Não quer dizer que depressão não tem a ver
com tristeza, mas que este é apenas um dos sintomas.
Quando passageiro, é algo comum na vida de qual-
quer pessoa, adulto ou criança. “Normalmente, a tris-
teza tem um fato causador claro e a criança atraves-
sa isso em pouco tempo, quando recebe um colo ou
quando a situação se soluciona”, diz a psicóloga infantil
Daniella Faria, mãe de Maria Luisa e Maria Eduarda. Já
na depressão, o ponto desencadeador não é tão claro
e o comportamento pode persistir mesmo sem razão
aparente.“Quando ela fica assim por mais de duas se-
manas, é bom a gente começar a ficar de olho”.
Para os pequenos, é muito mais fácil identificar
uma dor externa pelo corpo do que algo que se passa
no campo emocional.“A criança não tem a capacidade
de nomear seus próprios sentimentos e emoções.Ain-
da depende muito dos adultos para atribuir significado
ao que está sentindo e localizar, por exemplo, uma tris-
teza, ou angústia” explica Ana Carolina Elston, filha de
Mônica e Rinaldo, psicóloga clínica e psicanalista.
A manifestação da depressão pode ocorrer de ou-
tras maneiras. Ana afirma que a depressão pode fazer
com que alguns sintomas físicos sejam sentidos:“Pela fal-
ta de possibilidade de expressar verbalmente o que se
passa no mundo interno, crianças tendem a somatizar a
experiência e relatar dores de barriga,ou dor de cabeça,
pressão na garganta, entre outros”, comenta Ana.
Origem do problema
Genética ou fatores externos? Não há uma resposta
simples para esta pergunta: pode ter a ver com as duas
coisas. Para o psiquiatra Gustavo Teixeira, as causas da
depressão na infância são de origem genética.“A con-
dição comportamental é mais frequente em membros
de mesma família e estudos comprovam isso.Os fatores
ambientais participam como desencadeadores da con-
dição, desde que existam fatores genéticos envolvidos”.
COMPORTAMENTO
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Já Caio Abujadi declara que embora haja a pre-
disposição, a condição só se inicia quando fatores es-
tressantes ocorrem no ambiente de convívio. Alguns
exemplos são brigas, agressões morais, maus tratos,
deficiências nutricionais, problemas de sono, dificulda-
des escolares, bullying na escola e doenças em si ou
em pessoas próximas. Os especialistas também dizem
que perdas, lutos, separações e mudanças de escola ou
residência são capazes de mobilizar conflitos psíquicos
difíceis de serem dissolvidos.
O psicólogo americano Douglas Riley, autor do li-
vro The Depressed Child: A Parent’s Guide for Rescuing
Kids (Criança Deprimida: um Guia para Pais Resgatarem
os Filhos, em tradução livre), defende que a falta de
tempo e o excesso de preocupações também colabo-
ram.“Infelizmente nós vivemos em um ambiente eco-
nômico em que pais são frequentemente forçados a
trabalhar em vários empregos para pagar as despesas.
Com isso, as crianças recebem cada vez menos tempo
dos pais. Ainda, os níveis de estresse a que crianças e
adolescentes estão submetidos vem aumentado muito
ao longo das últimas décadas”.
Notando a diferença
Um dos primeiros sinais de que seu filho pode estar
com depressão é a mudança de comportamento,prin-
cipalmente quando ela é repentina e duradoura. Falta
de apetite ou apetite seletivo, alterações no padrão do
sono, irritabilidade, diminuição da atividade física, medo
demasiado, choro excessivo e dificuldade de aprendi-
zagem são alguns dos sinais de alerta.
Mas tem outro ponto que deve ser lembrado e
precisamos nos atentar. Embora seja mais comum as-
sociar a depressão à passividade, falta de iniciativa e
desânimo, estados agressivos e hiperativos também
devem ser investigados. Além disso, a criança deprimi-
da apresenta certa incapacidade de enfrentar desafios
e a autoconfiança fica prejudicada.
Foi a perda de uma pessoa próxima que desenca-
deou a depressão em Amanda,quando ela tinha apenas
quatro anos. Seu avô foi diagnosticado com um tipo
raro de leucemia e faleceu 11 dias depois de se sentir
doente. A mãe, Helena, conta que a filha passou a não
querer ir para a escola ou ficar longe dela.Tinha crises
de choro durante as horas que passava na escola e nada
nem ninguém conseguia fazê-la sentir tranquila.
EMBORA SEJA MAIS
COMUM ASSOCIAR
A DEPRESSÃO À
PASSIVIDADE, FALTA DE
INICIATIVA E DESÂNIMO,
ESTADOS AGRESSIVOS E
HIPERATIVOS TAMBÉM
DEVEM SER INVESTIGADOS
BOM E MAU
COMPORTAMENTO
Muitas vezes, a criança
quieta é entendida como bem
comportada e a espoleta é
entendida como mal-educada.
Entretanto, segundo a psicóloga
infantil Daniella Faria, crianças
silenciosas também precisam
de atenção. Filhos quietos e
agitados podem usar esses
extremos para chamar atenção
e pedir ajuda. A inquietação
representa a complicação
de estar em tranquilidade
e a reclusão mostra uma
dificuldade de estar aberto
ao mundo e em contato com as
pessoas. A agressividade
e a irritabilidade decorrentes
da depressão também podem
ser entendidas como birra ou
desobediência, fazendo com que
fique mais difícil diferenciar os
casos. É preciso prestar atenção
ao conjunto dos fatores.
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COMPORTAMENTO
Preocupadas com a situação, as coordenadoras da
escola chamaram a mãe para uma conversa e aponta-
ram que o problema poderia ser depressão.
Depois de conversar com alguns profissionais, He-
lena resolveu optar pela terapia infantil e seguiu à ris-
ca as orientações da terapeuta. Amanda passou a fre-
quentar a escola da irmã mais velha e a família come-
çou a passar mais tempo com ela.“Foi um trabalho em
grupo que movimentou sete membros da família”. Seu
tempo livre foi preenchido com atividades criativas e
com o tratamento ela nunca mais passou por algo se-
melhante. Nesse caso, a família se
mobilizou para ajudar a garota, por
isso a união em casa é fundamental
nesse momento delicado.
Ansiedade x Depressão
É comum que esses dois problemas
se confundam e até se misturem,
mas eles também podem ser inde-
pendentes. “Comumente observa-
mos crianças com quadros depres-
sivos e com características de muita
ansiedade. Ataques de pânico, por
exemplo, podem ocorrer simultane-
amente com a depressão”, esclare-
ce o psiquiatra GustavoTeixeira. Do
mesmo modo, a ansiedade é uma
questão muito forte em uma socie-
dade que está sempre na correria
e isso se reflete nos mais novos. As
crianças precisam ter tempo de fa-
zer a lição, de brincar e até de não
fazer nada. Por isso lotar a agenda
do seu filho pode não ser a melhor saída.
É possível evitar?
Falar em prevenção não é tão simples, já que as cau-
sas da doença são multifatoriais. Mas a observação dos
pais é, de fato, peça-chave: “Todas as vezes em que
sentimos mudanças bruscas no comportamento de
nossos filhos, não podemos ficar justificando, devemos
buscar um especialista”, aconselha Caio Abujadi. Psicó-
logos e psiquiatras podem auxiliar com um treinamen-
to parental sobre como enxergar e lidar com as mu-
danças.“Mesmo que não seja um transtorno,podemos
aprender a prevenir os estados patológicos”.
Dá para tratar, sim
É importante ressaltar que, assim como em outros
quadros, o diagnóstico precoce é muito importante
para que a doença seja tratada mais facilmente e
outros problemas não sejam desencadeados. Ficar
atento ao comportamento do seu filho é um bom
começo. E, quanto mais próxima for a relação de vo-
cês, mais fácil vai ser perceber se está havendo uma
mudança preocupante. É bom ficar de olho!
Quando o Luís tinha oito anos, de um dia para
o outro a mãe perdeu o emprego e o pai come-
çou a se comportar de maneira
diferente: se trancava no quarto
e não queria falar com nenhum
dos dois. Mais tarde, o pai foi diag-
nosticado com transtorno bipo-
lar. Luís não fazia mais as tarefas
de casa, perdeu o interesse pelos
amigos e passou até a insultá-los
e agredi-los. O pediatra alertou a
mãe, Cláudia, de que poderia se
tratar de depressão infantil. Foi a
primeira vez que ela ouviu falar
sobre o transtorno.
Então, ela resolveu buscar
a psicoterapia para resolver o
caso. Em parceria com a analista,
os sintomas que mostraram ser
um problema para o desenvolvi-
mento do Luís melhoraram e ce-
deram com o tratamento. ”Nós
compreendemos que a situação
de mudança radical que vivemos
foi muito difícil para todos nós,
mas foi pior para o Luís. Reconhecer o seu sofrimen-
to e não só tratá-lo como um menino desobediente
foi fundamental para que agora as coisas caminhas-
sem bem”, declara Claudia.
Nas crianças, felizmente, o uso de medicamen-
tos nem sempre é necessário. O médico é quem
deve avaliar e, embora em alguns casos o uso de
medicação seja recomendado, em outros a psico-
terapia pode se encarregar de resolver o problema.
O trabalho da família e o da terapia em conjunto
costumam ser suficientes, mas o atendimento mul-
tidisciplinar é importante.Assim, as coisas podem se
resolver com maior rapidez e sem pânico. &
FICAR ATENTO AO
COMPORTAMENTO
DO SEU FILHO É
UM BOM COMEÇO.
E, QUANTO MAIS
PRÓXIMA FOR A
RELAÇÃO DE VOCÊS,
MAIS FÁCIL VAI
SER PERCEBER SE
ESTÁ HAVENDO UMA
MUDANÇA
6. PAPEL DOS PAIS
Para o psicólogo americano
Douglas Riley, os pais podem
ajudar e muito. Em primeiro
lugar, precisam se certificar de
que os filhos realmente tenham
tempo com eles. “Crianças e
adolescentes precisam estar
perto de adultos dispostos a
ouvir sobre seus sonhos e
desejos. Precisamos desligar
a TV, desconectar das redes
sociais e falar cara a cara”,
defende. Ele ainda explica
que precisamos perguntar
abertamente como os filhos
estão se sentindo. Assim,
você perceberá se eles estão
precisando de ajuda. E isso
só pode ser feito através de
diálogo e contato.
A PAIS&FILHOS
ACREDITA
que o melhor
tratamento
começa dentro
de casa!
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