O documento descreve a vida e obra do pintor brasileiro Eugênio de Proença Sigaud, incluindo sua educação na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, onde se tornou um defensor da arte moderna, e seu trabalho como pintor, desenhista e arquiteto ao longo de sua carreira, com foco em temas sociais como trabalhadores.
1. SIGAUD, Eugênio de Proença (1899-1979). Nascido em Santo Antônio de Carangola (RJ) e
falecido no Rio de Janeiro. Tendo chegado ao Rio em criança, seguiu mais tarde para Belo
Horizonte, de onde só retomaria à Capital em 1921, matriculando-se então na Escola Nacional
de Belas Artes:
- Em 1921 entrava para a Escola de Belas Artes, na sala do Curso Livre, regida por Brocos,
onde já encontrei um grupo rebelde à velha tradição do acadêmico, e juntos iniciamos a luta
pela arte moderna. Do grupo participavam Quirino Campofiorito, Reis Júnior, Bampi, Sigaud,
Quirino da Silva, Alberto Dezon e Oswaldo Goeldi. É fato que fora do âmbito da Escola de
Belas Artes outros já lutavam, como Di Cavalcanti, Leão Veloso, e ainda na Escola, nas aulas
de Arquitetura, Atilio Mazioli, liderando seus colegas, nos acompanhava.
Na Escola, ao mesmo tempo em que cursava as aulas de Modesto Brocos como aluno livre,
freqüentava como aluno regulamentar o curso de Arquitetura, diplomando-se engenheiro-
arquiteto:
- Também fiz o curso de arquitetura, onde me diplomei em engenheiro-arquiteto, trabalhando
assim toda a minha vida como arquiteto e pintor profissional. Era ainda também o ensino de
arquitetura todo baseado na influência da arquitetura francesa dos Prêmios de Roma,
professores retrógrados quanto a tudo que fosse inovação na técnica de construção. Não
poucos alunos se rebelavam contra este ensino. E o resultado foi o Brasil se tornar hoje um
líder da arquitetura moderna.
Em 1923 Sigaud tomou parte pela primeira vez de uma coletiva, expondo no Salão da
Primavera, que procurava ser uma tomada de posição contra a arte tradicionalista:
- Em 1923 participei pela primeira vez em uma coletiva, com os colegas já citados, e no meio
de uma farândola de velhos mestres, como Batista da Costa, Amoedo, Chambelland e toda a
falange de seus alunos, ainda pensando e pintando como em 1816.
Expondo no Salão Nacional de Belas Artes desde 1924, nele conquistou medalha de bronze
em 1936 e medalha de prata (já na Divisão Moderna) em 1942. De 1952 em diante expôs no
Salão Nacional de Arte Moderna, e em 1951 tomou parte na I Bienal de São Paulo. Foi, ainda,
um dos criadores e principais elementos do Núcleo Bernardelli, nascido em 1931 no Rio de
Janeiro.
Pintor, desenhista, gravador e arquiteto, Sigaud perseguiu inicialmente uma temática ainda
reminiscente do Simbolismo e de outras tendências artísticas do Oitocentos, na qual se
destacavam pinturas como Lúcifer (1923), ou O Eco das Montanhas da América (1925). A
essa fase inicial seguir-se-ia, até 1935 aproximadamente, segunda fase, de busca de novos
materiais e de aprimoramento expressivo. Sigaud, em entrevista concedida em 1972 e da qual
vimos transcrevendo alguns trechos, explicou o porquê dessa sua procura por novos materiais,
como a encáustica, que se incumbiria praticamente de fazer ressurgir entre nós:
- Em geral a maioria de nossos pintores tem uma preguiça mental, especialmente os de minha
geração de 1921, e pouco mais praticam além da pintura a óleo. Dos antigos, o mais inquieto,
quanto às pesquisas e processos, era o Amoedo, que por este motivo sofria zombaria mesmo
dos jovens. Não só pelo estudo como pela luta antiarte acadêmica, eu senti que existia muita
beleza em outros materiais, bem como porque, conforme o local, o assunto ou as
circunstâncias climatéricas, e bem como a necessidade de urgência, logicamente terá de ser
aplicado o processo pictórico mais adequado. Ou às vezes por sua luminosidade eu procuro
aquele processo de efeito mais brilhante. É assim que, além do óleo, aquarela, têmperas - de
ovo, leite ou a caseína -, pintei ainda o afresco, e especialmente a encáustica greco-romana
(meu Auto-Retrato, do Museu Nacional de Belas Artes, é feito com esse tipo de encáustica), e
a encáustica praticada pelos egípcios, que era pintada sobre linho a fim de cobrir o rosto da
múmia. Aplico também todos os novos processos modernos, como o duco e as tintas plásticas
atuais.
2. Por volta de 1937 o pintor descobre a temática que iria afinal transformar-se em sua marca
registrada: o assunto proletário em geral - operários e construções, carregadores, garis,
plantadores, salineiros. Ainda assim, não deixa de a intervalos evocar seu antigo mundo de
idéias, em telas que se chamam, significativamente, Expulsão do Paraíso, Ícaro, O Caçador
de Estrelas, Noel Contemplando as Águas do Dilúvio e Hércules e os Cavalos, numa
curiosa retomada da grande pintura histórica ou religiosa.
Num desenho barroco, expressando-se num estilo deliberadamente arcaico no qual mesmo a
técnica antiquíssima da encáustica parece sublinhar certa aparência de coisa antiga e, por isso
mesmo, imune à passagem do Tempo, Sigaud estrutura seus quadros em cortes abruptos, via
de regra acumulando seus operários e trabalhadores verticalmente no espaço do quadro,
encarapitando-os em torres e andaimes, no alto dos quais se equilibram precariamente (A
Torre de Concreto, Museu Nacional de Belas Artes, 1937; A Obra, Universidade Obreira do
México, 1940). Essa temática social de Sigaud não é, de resto, um simples apelo visual,
correspondendo, muito ao contrário, às suas convicções mais profundas:
- Nunca minha pintura foi um ato gratuito, e nem mesmo minha arquitetura, porque isto seria
antes de tudo uma covardia: é ela uma atitude consciente e firme, é uma finalidade com
objetivo artístico, político e social. Com ela, às vezes e especialmente, homenageio a
magnitude e a grandeza do trabalho humilde do Operário, este trabalhador anônimo em todos
os setores da grandeza da Pátria; é a minha glorificação à nossa raça mestiça, construtora do
nosso futuro de povo alegre e livre, que recebe como irmãos todos os povos do mundo.
Vale enfim uma derradeira menção às pinturas murais de Sigaud, entre as quais se destaca de
modo especial a Via Sacra da Catedral de Jacarezinho, no Paraná (1947).
Torre de concreto, óleo s/ tela, 1936;
0,76 X 0,54, Museu Nacional de Belas Artes, RJ.