Crítica produzida para a matéria de "Estética" do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas.
Obra: Os Irmãos Karamázov
1. Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Comunicação Social – Jornalismo
Pedro Henrique do Rosário Correia
Estética
Maceió
2016
2. Fiódor Dostoiévski – Os Irmãos Karamázov
1880 – Ficção
Em sua questão literária, o romance é extremamente denso. Dostoiévski explica
minunciosamente cada detalhe de cada acontecimento, dando para toda descrição presente
o liv o u a i po t ia ú i a. A divis o e liv os de t o do o a e segue u pad o ue
coloca um acontecimento em específico em foco: um determinado acontecimento seria
abordado durante os 5-14 apítulos ue o põe o liv o e o auto de o st a sua aest ia
para com a escrita de forma que os personagens têm tempo mais do que o suficiente para
serem aprofundados e abordarem inúmeros conceitos.
Dostoiévski começa com a determinação de certos arquétipos no início do romance
para desenvolvê-los durante a história. Isso é importante para o contexto geral da obra por
demonstrar uma certa conduta realista/pessimista do autor: seus arquétipos de Pai, Santo,
Soldado, Estudante/Erudito, etc., são o que demonstram as falhas da conduta humana.
Ainda que diversos artistas determinem suas obras com esta abordagem como norte,
Dostoiévski se destaca no fato de desconstruir estes conceitos abordando temas que, de certa
forma, resumem a alma humana – política, religião, divagações sobre a índole humana e
psicologia.
Apesar de parecer imaturo resumir a alma humana a tais pontos, o autor consegue
criar uma abordagem realista o suficiente para o argumento do livro se concretizar de forma
madura. Os personagens centrais para isso são, talvez, Smerdiákov e Ivan.
Ivan Fiódorovitch Karamázov, o irmão do meio, apresenta o arquétipo do
Estudante/Erudito: provocativo, manipulador, irônico e incialmente ateu. O fato de ser
i i ial e te ateu se d ao fato de se asse elha a Nietzs he ua do afi a ue o h
vi tude se i o talidade . Apesa do fato de o a edita – e de fato renegar – a ideia de
Deus, reconhece que não há virtude na existência humana sem a expectativa de uma
imortalidade, afirmando assim a importância da religião para os moldes da sociedade.
Ivan discorre sobre o seu pessimismo em relação à alma humana analisando a vida das
crianças e como elas sofrem. Se nós, como humanos supostamente virtuosos, não
conseguimos respeitar a pureza e inocência das crianças, nossa índole é, de fato, má. Apesar
de ser irônico, rígido e passar uma ideia de invulnerabilidade, Ivan sofre de alucinações, sua
saúde se torna frágil e se atém a questões que julgaria dispensáveis se sua personalidade de
aproximasse o máximo possível do arquétipo do Estudante/Erudito – como afirmar com toda
certeza não amar Katerina Ivânovna por mera vaidade.
Smerdiákov, por sua vez, representa o a u tipo d’O Tolo. I i ial e te se ap esenta
como uma figura pouco erudita, muito egocêntrico, filho bastardo, que realiza trabalhos
marginalizados e é tratado como inferior, porém se mostra, talvez, o personagem mais esperto
do romance. A forma como arquiteta o assassinato de Fiódor Pavlovitch tentando creditar a
Ivan uma cumplicidade caracteriza fortes traços de psicopatia – questão a ser mais abordada
adiante –, assim como o assassinato de animais e a tentativa de passar desapercebido dos
demais, justamente por ser colocado dentro do arquétipo de Tolo.
3. Ao passo que o assassinato de Fiódor Pavlovitch passa e Ivan começa a investigar os
fatos, Smerdiákov começa a adotar características que não dizem respeito ao seu arquétipo:
começa a se mostrar esperto, estudioso e ardiloso. Até o próprio óculos que Ivan implica
quando vai pela segunda vez entrevista-lo aparentam ao leitor não pertencerem ao
personagem – tanto que Ivan implica com o fato.
Essas desconstruções de Dostoiévski apontam para o fato de quem nem tudo é o que
parece, tanto a religião, quanto a sociedade, quanto o próprio assassinato de Fiódor
Pavlovitch. Como crítico ferrenho à igreja católica, Dostoiévski aborda a questão da religião
como sendo difusa do que aparenta ser por ser algo muito mais complexo do que apenas um
punhado de dogmas mastigados para os fiéis. O fato de haverem Starets – prática avessa à
Igreja Apostólica Romana – apo ta pa a esta uest o po utu a a fe ida da ig eja o o
uma instituição de que seus preceitos são dogmas, ou seja, indiscutível.
Ainda na questão das desconstruções, a sociedade é abordada justamente por nós
vive os e so iedade e usa os s a as . Deixa os ossas vul e a ilidades fo a da uilo
que externamos ao mundo e só colocamos para o público pontos que nos enaltecem, apesar
de por trás das máscaras nos sermos totalmente diferentes dos arquétipos – por isso
Dostoi vski o eia a idade de Skotoprigonyevsk e ado de a i ais .
Voltando à questão dos traços de psicopatia de Smerdiákov: até mesmo o fato de
Dostoiévski abordar arquétipos já demonstra uma inclinação às teorias psicanalíticas (o que
ocasionou em amizades com teóricos de Viena). Mais importante que ressaltar tais pontos na
a o dage psi a alíti a de I os Ka a zov apo ta o o plexo de dipo p ese te o
romance.
Desde o primeiro momento, Dmítri Karamázov, o irmão mais velho, não rivaliza com o
pai simplesmente pelo fato de que julgava que seu dinheiro havia sido roubado, mas pelo fato
de que ambos haviam se apaixonado por Grúchenhka. Assim, o primogênito rivaliza com o pai
pela sucessão como parceiro da mulher amada. As consequências deste fato se espalham para
outros personagens: Smerdiákov termina se matando, Ivan se sente cúmplice do assassinato e
Dmítri sente que deve ser punido, não por ter matado seu pai – pois não havia matado – mas
por desejar sua morte.
Fiódo Pavlovit h ep ese ta o a u tipo d’O Pai se do des o st uído logo de i í io
por não sentir a menor necessidade de cuidar de seus filhos, além do fato de não fazer
questão de repassá-los suas respectivas heranças. Neste caso em específico, ainda podemos
ita o a u tipo d’O Li e ti o ue des o st uído a pa ti do i í io de sua paix o po
Grúchenhka que quebra sua característica de avareza quando ele se submete à possibilidade
de lhe dar 3000 rublos, quando ao seu filho Dmítri não tinha a intenção de dar um mísero
rublo.
Por último, Alíocha caracteriza talvez o único arquétipo que não serve para
caracterizar uma decepção na índole humana. É incialmente colocado na história como O
Noviço, ap e diz d’O Sa to, e pe a e e durante toda a história sendo um benfeitor, aquele
que acredita na bondade das pessoas, o único que acreditou inteiramente em Dmítri desde o
i í io. E esposta a isso, Dostoi vski faz u a esp ie de jo ada do he ói o Ali ksiei:
sofrendo todo tipo de percalço durante a sua trajetória, o irmão mais novo deveria facilmente
perder a fé na humanidade – o que de fato quase acontece.
4. Seu mentor morre e o cadáver termina exalando odor – o que caracterizava uma
afronta à sua imagem de santo –, a mulher que inicialmente iria se casar é enferma e termina
enlouquecendo, seu pai morre, seu irmão é preso e condenado, seu outro irmão não pretende
fazer parte da sua vida, seu pai não lhe criou (nem lhe deu a mínima atenção), etc.
Talvez Alíocha seja uma representação da esperança de Dostoiévski na índole humana,
u a al a a idosa vive do o eio de u e ado de a i ais .
Em algumas passagens do livro, Aliéksiei fala de suas vontades interiores – mais um
flerte do autor com a psicanálise –, tanto ele quanto seus irmãos e até outros personagens se
efe e a isso o o se do de o ia do sa gue Ka a zov . A a o dage fa ilia , e tal
sentido, simboliza nós como seres humanos. Apesar de existirem humanos com uma índole
melhor que muitos, eles continuam sendo humanos, ou seja, seres dotados de desejos,
necessidades e limites.
Dostoiévski aborda o mesmo conceito que Lars Von Trier em Dogville: a moral é uma
linha tênue que divide o homem entre a bestialidade e à humanidade. Ultrapassar essa linha é
extremamente fácil, podendo-se assumir um papel semelhante ao de Tom em Dogville que
deveria ser o personagem com a melhor índole da vila e termina se mostrando tão ruim
ua to os out os. Os I os Ka a zov ap ese ta u a leitu a da hu a idade e os
pessimista que o filme de Von Trier, seu personagem que apresenta o arquétipo de Herói (ou
Noviço, no caso de Alíocha, que assume o papel de ambos) não termina ultrapassando a linha
para o lado da bestialidade, mas dá indícios que aquele elemento necessário para essa
ult apassage existe ta de t o do seu sa gue Ka a zov .
Voltando à questão citada inicialmente sobre escrita, algumas críticas reprovam o fato
de que o autor tenha se dispersado do tema central. Pode-se afirmar com 100% de certeza
que o romance não seria um clássico sem tais dispersões: as reflexões e abordagens sobre
ética, religião e sociedade advindas dessas dispersões são aquilo que aprofundam os
personagens e fazem a obra adquirir sua face.
Por fim, é importante ressaltar o fato de que o livro serve também como relato
histórico. A abordagem das práticas e costumes da época são provavelmente uma das mais
precisas para a sociedade russa do século XIX por se tratar de um projeto analítico da vida dos
russos naquela época.
O autor apresenta uma narrativa densa por ser muito descritivo e abordar de forma
minuciosa as características da terra, dos indivíduos, das casas, das classes sociais e das
superficialidades. Os indivíduos conseguem ser representados por personagens específicos:
Ivan, o estudante europeizado; Dmítri, o ex-soldado beberrão e briguento; Alíocha, o
benfeitor; Smerdiákov, o dissimulado; Fiódor, o libertino; Maria Kondratiévna, a vaidosa; e
assim a lista segue.
O romance caracteriza, provavelmente, uma das 5 obras máximas da humanidade.
Dostoiévski consegue abordar de forma precisa os problemas que nós enfrentamos enquanto
seres sociáveis, nossas vaidades e faz previsões extraordinárias de como a sociedade iria se
comportar dali para frente de forma sutil. Maria Kondratiévna, por exemplo, não vendeu seus
vestidos para ter onde morar, pelo contrário, se mudou para uma casa caindo aos pedaços
para não precisar vender seus vestidos: sua aparência caracterizava valor maior do que sua
saúde. De lá para cá nós não mudamos muito.