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Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes
Comunicação Social: Jornalismo, Diurno
Pedro Henrique do Rosário Correia
GANTZ COMO DESCONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Maceió, 2016
A nona arte no Japão: uma introdução
Quando se trata de quadrinho japonês – ou Mangá –, as características que o
diferencia das obras de outras nacionalidades são mais exageradas que no ocidente:
diferente dos comics americanos e da bande desinée franco-belga, os mangás vêm em
formatos menores, desenhos em preto e branco, uso de linhas grossas quase que em
todos os casos, exageros nas expressões dos personagens, várias onomatopeias e,
dentre outras características a mais importante para o que será analisado, a
capacidade de englobar vários gêneros dentro de uma mesma história (seja cowboy e
espacial ao mesmo tempo, sensual/ecchi1
e ficção científica ou vampiros/terror e
colegial).
A característica do exagero é responsável por toda a carga de humor que é
usada como quebra de tensão dentro das narrativas dos mangás. As mudanças de
representação de um personagem entre realismo e caricatura é utilizado, por exemplo,
para demonstrar uma reação, o que termina padronizando determinado conceito –
podemos observar em diversos mangás a mesma característica de caricatura em
determinado momento, seja de raiva onde o personagem se torna maior e com o rosto
desproporcional, em momento de tristeza onde os olhos ficam maiores e as lágrimas
parecem escorrer de forma exagerada ou em momentos de surpresa onde o
personagem não apresenta boca.
Um paralelo que pode ser traçado entre tais conceitos apresentados dentro dos
quadrinhos japoneses e outras mídias é a forma como o cinema, especificamente no
estilo Te o – diferente dos gêneros, o Terror pode ser apresentado em diversos
gêneros, seja Terror de ficção científica, de Suspense, Noir e etc., assim como filmes de
faroeste. Com o passar do tempo, a medida que vamos assistindo mais e mais filmes
de terror, sabemos exatamente o momento em que o filme nos dará um susto.
Ap e de os a le as aracterísticas das cenas dos filmes assim como aprendemos a
observar a característica visual dos quadrinhos, seus artifícios para nos passar a ideia
que querem que nós entendamos (como em desenhos animados onde a bolha de
sabão apresenta um retângulo branco para ilustrar um reflexo).
1
E hi ve do japo s O s e o , usado, de t o dos mangás, para se referir às obras com uma
exacerbação da sexualidade.
Sendo assim, por se tratar de um produto unicamente visual, o mangá
necessita de artifícios que consigam dar à narrativa a possibilidade de passar a
mensagem ao leitor de forma mais fácil. Por se tratar de uma arte com um
considerável tempo dentro de uma linha de tempo mais imediata, as formas que os
autores encontram para conversar com o público de forma mais simples têm se
mostrado cada vez mais numerosas. Tais inovações nas narrativas gráficas se dão pela
necessidade mercadológica de inovação num mercado onde os produtores de
conteúdo trabalham numa rotina onde tempo livre só existe aos sábados durante 3
horas2
.
Parte dessa necessidade de mudança na produção cultural pode ser
relacionada, também, às necessidades do público de narrativas mais complexas que as
já existentes. Um exemplo disso é a comparação entre obras conhecidas do público
japonês entre as décadas de 50 e 70 e nos dias atuais, onde obras como Lobo Solitário
e Sazae-san abordam o Japão feudal dos samurais e histórias do cotidiano,
respectivamente.
Um fator interessante é a forma como o Japão se relaciona com o resto do
mundo naquilo que diz respeito à sua produção de quadrinhos. Considerando o mangá
como um quadrinho, ele se insere num contexto de disputa comercial a nível mundial,
ou seja, concorre com os comics a e i a os, o gi i asilei o, a bande desinée
franco-belga e etc. Tratando-se de uma cultura diferente da nossa, é difícil para o
público do ocidente entender totalmente a narrativa de uma obra que se insere
especificamente no contexto oriental – como é o caso de Oyasumi Punpun (ou
Goodnight Punpun no ocidente) que demonstra características extremamente
japonesas em seus personagens, o que será abordado mais adiante, e obras que
necessitam de um entendimento da história do Japão como Lobo Solitário e Samurai X.
Entretanto, existem várias obras que se inserem num contexto ocidental para
conquistar o público fora do Japão e que necessitam incorporar conceitos já bem
estabelecidos para o público ocidental tanto na narrativa quanto nas técnicas de
venda. No primeiro caso, obras como Death Note, Hagime no Ippo, Tokyo Ghoul, e
2
http://www.megacurioso.com.br/cultura-nerd/42859-quer-ser-desenhista-de-manga-entao-se-liga-na-
rotina-absurda-de-um-mangaka.htm
Akira incorporam em suas narrativas conceitos mais aceitáveis para o público
ocidental, tanto nos costumes dos personagens quanto nos elementos estrangeiros –
Death Note apresenta detetives de fora do Japão, Hagime no Ippo incorpora lutadores
de boxe de outros países, Tokyo Ghoul se aproveita da onda de popularidade que os
zumbis têm no ocidente se baseando no sucesso de obras como The Walking Dead,
Zumbilândia e Resident Evil, e Akira incorpora conceitos de ficção científica, gangues
de motoqueiros e uma referência clara a testes com uma bomba nuclear em Los
Alamos3
.
No segundo caso, nas técnicas de venda, o ocidente já estava procurando
fo as de o uista u pú li o ais fiel pa a u dete i ado p oduto o se tido
de estender a capacidade de produção daquele produto. Como Jenkins aponta, o que
se fez foi estender as produções de produtos para franquias.
Cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção
de universos, à medida que os artistas criam ambientes atraentes
que não podem ser completamente explorados ou esgotados em
uma única obra, ou mesmo em uma única mídia. O universo é maior
do que o filme, maior, até, do que a franquia – já que as especulações
e elaborações dos fãs também expandem o universo em várias
di eç es. Co o e disse u e pe ie te otei ista: Qua do o e ei,
era preciso elaborar uma história, porque, sem uma boa história, não
havia um filme de verdade. Depois, quando as sequências
começaram a decolar, era preciso elaborar um personagem, porque
um bom personagem poderia sustentar múltiplas histórias. Hoje, é
preciso elaborar um universo, porque um universo pode sustentar
múltiplos personage s e últiplas hist ias, e últiplas ídias
(JENKINS, 2008, p.159).
A forma como os mangakás (autores de mangás) começaram a produzir
tornou-se diferente ao longo do tempo para acompanhar a produção conteúdo
ocidental. Atualmente vemos quadrinhos japoneses sendo incorporados a outras
mídias como animações, jogos e filmes tanto animados quanto live actions.
Hiroya Oku4
e a criação de Gantz
Hiroya Oku, desde seu primeiro trabalho (HEN), demonstra uma predisposição
para escrever histórias Seinen (denominação dada para histórias voltadas para homens
3
BATALHONE JR, Vitor Claret. Akira: porque o pesadelo já começou. AEDOS, Porto Alegre, v. 3, n. 8, p.
44-66, 2011.
4
Referem-se às pessoas no Japão utilizando o sobrenome antes do primeiro nome.
adultos nos quadrinhos japoneses) com uma característica de romance inclinado para
o Ecchi. E sua p i ei a o a iou o ue ha ado de ovi e to dos seios os
quadrinhos japoneses. Essa característica para escrever histórias mais voltadas para o
público adulto o influenciou na questão abordada anteriormente sobre a
complexidade dos gêneros nos mangás.
Antes da criação de Gantz, Oku não demonstrava um verdadeiro sucesso em
suas publicações. HEN, apesar de ter sido concluído, tem uma nota 6.46 no
Myanimelist5
(site semelhante ao IMDb para animações e quadrinhos japoneses), Zero
One, sua segunda obra, foi interrompido em um ano de publicação e tem uma nota de
6.41 no mesmo site6
. Para Gantz, a influência de filmes de ficção científica, ação e
aventura são percebidas facilmente, o próprio autor já publicou a respeito dos filmes
ue despe ta seu i te esse e feli idade no final de um dos seus mangás7
.
Toda essa característica de sensualidade no conceito e na arte de seus
trabalhos, o interesse pela narrativa ocidental e pela ficção científica fazem Gantz sua
obra prima por juntar isso tudo à denúncia de abusos dentro da sociedade japonesa,
do pensamento japonês coletivista e individualista ao mesmo tempo, da cultura pop
distópica e da forma como nós humanos nos vemos em relação aos outros seres vivos
do planeta.
O enredo e as referências
À primeira vista, as referências em Gantz podem ser interpretadas como meras
homenagens às obras que o autor se interessa. Entretanto, se analisarmos de forma
mais específica, além de homenagens, as referências dialogam com a obra de forma
que constroem a crítica que o mangá de forma mais fácil – em vez de criar toda uma
explicação para determinado assunto, a referência colocada de forma pontual
consegue entregar de forma sutil a crítica.
Isso é importante por se tratar de uma história que funciona apenas na época
em que vivemos. O título foi publicado entre os anos de 2000 e 2013, durante a
5
https://myanimelist.net/manga/2950/Hen?q=HEN
6
https://myanimelist.net/manga/1371/01
7
https://arquivogantzbrasil.blogspot.com.br/2014/08/hiroya-oku-fala-sobre-filme-duro-de.html
ebulição dos meios de comunicação, entrando na era da aceleração da comunicação
de uma forma que nunca foi vista antes. Tanto quanto Black Mirror, o mangá em
questão consegue fazer críticas ao nosso estilo de vida e à forma como estamos
lidando com a tecnologia exagerando nas possibilidades de o que pode acontecer – da
forma que Black Mirror se aproveita de conceitos inseridos na televisão por The
Twilight Zone, Gantz se aproveita dos conceitos literários de ficção científica e distopia
inseridos por autores como Aldous Huxley, Arthur C. Clark e Isaac Asimov. Uma frase
de A thu C. Cla k, po e e plo, diz ue e iste duas possi ilidades: ou estamos
sozi hos o u ive so ou ão esta os. A as são igual e te ate o iza tes 8
, e é
nesse ponto que o autor extrapola os limites da realidade.
A história gira em torno de Kurono Kei e Masaru Katou, dois jovens de ensino
médio que morrem após salvar um morador de rua que, bêbado, cai nos trilhos do
metrô. Após suas mortes, ambos os jovens não vão para o paraíso, inferno ou qualquer
provação religiosa, mas para um quarto junto com outras pessoas onde é impossível
sair – e no meio do quarto existe uma bola preta com cerca de 1 metro de altura e
largura. Depois de um determinado tempo a bola se abre, entrega uma série de
a a e tos pa a as pessoas do ua to e os a da pa a iss es o de se deve
matar alienígenas sem nenhuma explicação.
A inserção de elementos como a sensualidade das personagens femininas, a
personalidade forte dos protagonistas – em alguns casos usando isso para quebrar
conceitos da sociedade patriarcal japonesa colocando a liderança nas mãos de
personagens femininos –, a criação do design dos aliens, dos armamentos e dos
cenários e a forma como a profundidade psicológica dos personagens é abordada
moldam a forma como a obra é vista, tornando-a inconfundível.
Parte disso se dá justamente por causa de suas referências. A abordagem do
autor em relação às vanguardas europeias, criando o design de alguns aliens como se
fossem pinturas ou esculturas, se aproveitando da característica da sensualidade nas
obras de Dalí e Picasso junto ao estranho e incompreendido. Além das pinturas, o
8
https://pensador.uol.com.br/frases_arthur_c_clarke/
cinema, a televisão e a cultura japonesa de forma geral é abordada repetidamente
dentro da obra.
No caso da televisão e da cultura japonesa em geral, as referências vão de
cantores japoneses em programas de auditório, Tokusatsus – inicialmente a expressão
Tokusatsu e a utilizada pa a de o i a as p oduç es japo esas o efeitos
especiais que introduziam super-heróis japoneses para o público não ser influenciado
pelos heróis norte-americanos, mas atualmente a expressão se refere a seriados
japoneses de live action que influenciaram outros seriados, que seguem a mesma
receita, como Power Rangers; alguns exemplos são Jaspion, Jiraiya, Ultraman e Kamen
Rider 9
– e o próprio exagero dos mangás introduzido no contexto do roteiro, diferente
de outros estilos de produção dos quadrinhos japoneses onde o exagero é utilizado na
arte, por exemplo, para demonstrar emoções ou dar um alívio cômico para a obra.
No caso do cinema, como citado anteriormente, as referências variam entre
filmes de ação, ficção científica, drama, suspense e terror. Os conceitos de design
i t oduzidos po HR Gige e Alie são la a e te efe e iados e Gantz, seja
pela característica provocativa em colocar o Alien como um ser extremamente ligado à
sexualidade (sua língua é extremamente grande, ele sempre expele fluídos e todo seu
visual te u a a ato ia de falo) ou po se u viaja te do espaço. Mad Ma
demonst a u a so iedade dist pi a, O Sil io dos I o e tes a est a heza de lida
com o que é desconhecido e rever conceitos de nossa dieta onde criticamos canibais
mas fazemos atrocidades com animais, nos julgando mais importantes, enquanto seres
vivos, que outros seres do planeta – claro que o conceito de canibalismo é algo
inaceitável, mas é uma discussão muito difícil de se lidar quando acreditamos ser
inaceitável acima de todos os argumentos e comemos carne como se não houvesse
nenhum problema.
Por último, talvez o filme com referências mais claras, Matrix nos mostra uma
sociedade que, além de distópica, é totalmente controlada pelas máquinas para nos
fazer agir de acordo com seus interesses, e o principal deles é nos fazer acreditar que
toda aquela mentira é, na verdade, a verdadeira realidade.
9
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tokusatsu
Tecnologia e cultura pop como fator desumanizador
Talvez a maior crítica da obra seja no sentido de levantar a discussão para o que
estamos fazendo com a sociedade, de forma geral. Em Matrix as máquinas forjam uma
realidade virtual para ficarmos presos, assim como, na crítica de Oku, estamos tão
presos à realidade virtual que não conseguimos mais nos importar com a característica
física dos seres humanos. Não importa se o que está acontecendo é uma situação
degradante, o que fazemos hoje em dia é gravar com nossos smartphones e colocar na
internet. Quando dado às pessoas a capacidade de se passar por anônimo na internet
nos é concedida uma visão da real identidade dessas pessoas: fóruns anônimos como
os ha s da i te et, i luídos o o te to do a g , apesa de lo ais o
discussões construtivas, são lugares onde as pessoas destilam seu ódio em relação
àquilo que normalmente seria politicamente incorreto dizer publicamente.
Por isso tais locais são cheios de demonstrações de ódio às minorias, exaltação
a figuras polêmicas – como Hitler e Mussolini – e compartilhamento de material de
difícil acesso – vídeos com violência explícita são os exemplos mais frequentes. No fim
das contas o apego à tecnologia, na visão do autor, tem transformado as pessoas cada
vez mais em seres individualistas – muito mais do que a sociedade japonesa já era
antes, junto com a característica extremamente oriental na narrativa de Oyasumi
Punpun, isso será algo a ser abordado mais adiante.
Tais tecnologias e a cultura pop, na visão do mangá, tem se tornado grandes
elementos de desumanização no sentido de levar mais em consideração aquele que é
conhecido pela grande mídia ou se interessar mais quando alguém se relaciona com
quem é famoso do que realmente o algu suposta e te o u .
Essa íti a feita te ologia ta p ese te o fil e O A ut e ,
protagonizado por Jake Gyllenhaal, onde um freelancer responsável por filmar
acidentes espera a ocorrência ser filmada antes de tomar qualquer atitude – às vezes
nem mesmo toma a atitude para resolver a situação. Recentemente, a tragédia que
tirou a vida do ator Domingos Montagner foi relacionada às práticas demonstradas no
filme anteriormente citado onde a dor da atriz Camila Pitanga foi, supostamente,
utilizada para ganhar likes no Facebook10
.
Voltando ao mangá: o problema disso tudo é o que o avô de Aldous Huxley, T.
H. Hu le , ha a de teo e a do a a o i fi ito . Segu do a teo ia de Hu le , se
fornecermos a um número infinito de macacos um número infinito de máquinas de
escrever, alguns macacos em algum lugar vão acabar criando uma obra-prima – uma
peça de Shakespeare, um diálogo de Platão ou um tratado e o i o de Ada S ith
(KEEN, Andrew, 2008, p.8). Atualmente estamos mais interessados em ser o criador da
o a-p i a do ue te o pai ão pelo p i o, o que explica essa crítica de Hiroya
Oku à forma como estamos conduzindo a sociedade nos motivando por likes.
A denúncia de um Japão problemático
Grande parte da crítica de Oku à sociedade japonesa se dá na forma como ela
consegue ser excludente, mesmo depois da segunda guerra existir toda uma
propaganda em prol da reconstrução do país. Ao mesmo tempo que as pessoas são
inseridas num pensamento coletivista pela melhoria social, essas mesmas pessoas são
extremamente excludentes quando o assunto é a compaixão pelo próximo ou a
aceitação de pessoas com dificuldades seja de aprendizado ou de se encaixar na
organização que a sociedade japonesa exige – uma sociedade com taxas altíssimas de
suicídio1112
, seja por questões financeiras ou ligadas à rigidez da vida escolar, e onde há
grande incidência do fenômeno denominado Hikikomori13
, quando o indivíduo se isola
no quarto, relacionado com problemas psicológicos graves, baixa autoestima e medo
de enfrentar o estilo de sociedade que o Japão viver.
Em Oyasumi Punpun de Asano Inio, por exemplo, durante várias passagens da
narrativa mais de um personagem demonstra esse tipo de pensamento ao defender a
exclusão de pessoas que não foram bem-sucedidas em suas escolhas, seja em
questões financeiras, profissionais ou sociais – ser um Hikikomori é um exemplo e,
talvez por isso, seja mais fácil para alguns indivíduos se isolar em seus quartos que
10
https://medium.com/democratize-m%C3%ADdia/o-choro-de-camila-pitanga-e-o-espet%C3%A1culo-
de-horror-da-m%C3%ADdia-c75f226921a#.s225sopfl
11
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150705_japao_suicidio_rb
12
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150901_japao_aulas_ebc
13
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hikikomori
enfrentar um tipo de sociedade que não aceita alguém que não se enquadra em
determinadas características.
O personagem Punpun é constantemente afetado pela sua baixa autoestima, o
que faz o ex marido de sua colega de trabalho (uma mangaká) o criticar no sentido de
ser malsucedido em suas escolhas, como se fosse alguém mais fraco e menos
importante que os outros por não contribuir significativamente para a sociedade. Em
Gantz, a tia de Masaru Katou é responsável legal por ele e seu irmão após a morte de
seus pais e constantemente abusa da sua autoridade, além de ser alvo de ameaças por
defender as pessoas mais indefesas. Kurono Kei é abusado fisicamente no colégio por
não ser bom em esportes, não ser popular com as garotas e não ser alguém que chama
ate ção o al e te. Che , out o pe so age , a usado po olegas de lasse
por ser, supostamente indefeso.
Todos esses casos são comuns em todo o mundo – em casos de violência sexual
relacionada a status, o problema reside justamente em alguém achar que pode se
aproveitar de alguém por ocupar uma posição privilegiada –, o problema da sociedade
japonesa, na visão de Oku, é justamente o fato de a característica excludente da
sociedade japonesa dar ainda mais precedentes para esse tipo de mentalidade.
As questões existenciais e filosóficas
Ao longo da estória, o protagonista Kurono Kei amadurece de forma que a vida
humana passa ser muito mais importante para ele do que no começo do mangá. O
personagem à primeira vista era desinteressado com a sociedade, com a vida humana
e com aquilo que acontecia ao seu redor. Sua mudança ocorre a partir do momento
que começa um relacionamento e se vê na necessidade de ganhar a liberdade das
iss es o t a os alie íge as.
Outro personagem, mais velho, se vê constantemente visitado pelas
lembranças de sua falecida mulher. Reika, uma modelo e cantora popular no Japão,
ue pa ti ipa das iss es , se apai o a po Ku o o Kei e v duas eaç es a pa ti
dessa paixão (não retribuída por Kurono já estar num relacionamento): se sente
motivada a impressiona-lo e se sente vazia por não ter sua atenção da forma desejada.
Em vários casos as pessoas se veem numa crise existencial criada e alimentada
pela solidão e pela falta de perspectiva de algo que seja maior do que a rotina
profissional desgastante que o Japão exige. Em vários casos os personagens se
perguntam se não estão sendo enviados para o inferno por terem morrido e estarem
enfrentando constantemente aliens. Fora isso, vários personagens são envolvidos com
drogas, crimes e tem opiniões bastante controversas, o que dá um destaque ainda
maior para Kurono Kei e Masaru Katou que apresentam um pensamento mais sensato
no que diz respeito à vida humana e em como acreditam que as coisas devem ser
conduzidas. Tais conceitos remetem à Nietzsche nos conceitos de luta contra o niilismo
(onde os protagonistas dão mais importância à vida humana que outros personagens),
além-homem (onde Kurono Kei consegue, ao longo do mangá, determinar os próprios
valores fazendo a história ser um registro da sua passagem de homem para além-
homem) e eterno retorno do mesmo (onde os personagens estão constantemente
voltando para o quarto de Gantz para serem mandados em missões contra aliens).
Outro conceito nietzschiano é o da existência ou não de Deus. Em várias
passagens a estória satiriza o pensamento religioso e demonstra a forma que nós
humanos nos apegamos em promessas divinas para ter esperança em algo, o que volta
à frase de Arthur C. Clark: ou estamos sozinhos ou não, e ambas as possibilidades são
igualmente aterrorizantes – ou vivemos sob a tutela de um Deus psicopata responsável
por toda a atrocidade existente ou estamos sozinhos e não temos nada em que nos
agarrar para criar esperanças.
Por fim, a sátira às questões filosóficas mais irônica que Oku produz é o fato de
ue todos os pe so age s ue estão p ese tes de t o das iss es possue u a
bomba instalada no cérebro e não podem sair da zona de combate durante as missões
nem contar para alguém de fora sobre a existência de aliens ou qualquer coisa
relacionada a Gantz, o que, de forma extremamente satírica remete à filosofia
existencialista de Jean-Paul Sa t e o de o se hu a o est o de ado se liv e e
quem sabe da verdade – ou est fo a da Mat i – está condenado a ser prisioneiro de
tal verdade.
Gantz em outras mídias
Além de ser uma história em quadrinhos, Gantz foi adaptado para o cinema em
forma de live action e computação gráfica, video game e animação, e em quadrinho,
fora sua publicação regular, existe também o spin-off que é publicado atualmente. O
entendimento da obra não necessita do consumo da adaptação para outras mídias ou
do spin-off.
Diferente de Matrix, onde existiu uma clara intenção de criar uma narrativa
transmídia, Gantz seguiu mais uma lógica mercadológica na adaptação da estória para
outras mídias onde o consumo delas não apresenta nenhum adicional para a
experiência de consumir a história.
Apesar disso, as críticas sociais que o mangá faz à forma que a sociedade vem
se organizando, à forma como nos enxergamos sendo seres superiores e à nossa
necessidade de atenção alavancada pela popularização dos meios de comunicação em
massa são válidos o suficiente para consumir a narrativa construída por Hiroya Oku.
BATALHONE JR, Vitor Claret. Akira: porque o pesadelo já começou. AEDOS, Porto
Alegre, v. 3, n. 8, p. 44-66, 2011.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
KEEN, Andrew. O Culto do Amador: como blogs, MySpace, YouTube e a pirataria digital
estão destruindo nossa economia, cultura e valores. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
2009.
Hi o a Oku fala so e fil es . Dispo ível e :
<https://arquivogantzbrasil.blogspot.com.br/2014/08/hiroya-oku-fala-sobre-filme-
duro-de.html> . Acesso em 11 de out. de 2016
OI, Ma iko. Dia de volta às aulas é o que mais tem suicídio de jovens no Japão .
Dispon<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150901_japao_aulas_ebc
> . Acesso em 11 de out. de 2016
Por que o Japão tem u a ta a de sui idios tão alta? . Dispo ível e :
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150705_japao_suicidio_rb> .
Acesso em 11 de out. de 2016
O choro de Camila Pitanga e o espetáculo de horror da mídia . Dispo ível e :
<https://medium.com/democratize-m%C3%ADdia/o-choro-de-camila-pitanga-e-o-
espet%C3%A1culo-de-horror-da-m%C3%ADdia-c75f226921a#.s225sopfl> . Acesso em
11 de out. de 2016
TADRA, Mau í io M. Quer ser desenhista de mangá? Então se liga na rotina absurda
de um mangaká . Dispo ível e : <http://www.megacurioso.com.br/cultura-
nerd/42859-quer-ser-desenhista-de-manga-entao-se-liga-na-rotina-absurda-de-um-
mangaka.htm> . Acesso em 11 de out. de 2016
<https://myanimelist.net/manga/1371/01> . Acesso em 11 de out. de 2016
<https://myanimelist.net/manga/2950/Hen?q=HEN> . Acesso em 11 de out. de 2016
<https://pensador.uol.com.br/frases_arthur_c_clarke/> . Acesso em 11 de out. de
2016
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Hikikomori> . Acesso em 11 de out. de 2016
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Tokusatsu> . Acesso em 11 de out. de 2016

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  • 1. Universidade Federal de Alagoas Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes Comunicação Social: Jornalismo, Diurno Pedro Henrique do Rosário Correia GANTZ COMO DESCONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Maceió, 2016
  • 2. A nona arte no Japão: uma introdução Quando se trata de quadrinho japonês – ou Mangá –, as características que o diferencia das obras de outras nacionalidades são mais exageradas que no ocidente: diferente dos comics americanos e da bande desinée franco-belga, os mangás vêm em formatos menores, desenhos em preto e branco, uso de linhas grossas quase que em todos os casos, exageros nas expressões dos personagens, várias onomatopeias e, dentre outras características a mais importante para o que será analisado, a capacidade de englobar vários gêneros dentro de uma mesma história (seja cowboy e espacial ao mesmo tempo, sensual/ecchi1 e ficção científica ou vampiros/terror e colegial). A característica do exagero é responsável por toda a carga de humor que é usada como quebra de tensão dentro das narrativas dos mangás. As mudanças de representação de um personagem entre realismo e caricatura é utilizado, por exemplo, para demonstrar uma reação, o que termina padronizando determinado conceito – podemos observar em diversos mangás a mesma característica de caricatura em determinado momento, seja de raiva onde o personagem se torna maior e com o rosto desproporcional, em momento de tristeza onde os olhos ficam maiores e as lágrimas parecem escorrer de forma exagerada ou em momentos de surpresa onde o personagem não apresenta boca. Um paralelo que pode ser traçado entre tais conceitos apresentados dentro dos quadrinhos japoneses e outras mídias é a forma como o cinema, especificamente no estilo Te o – diferente dos gêneros, o Terror pode ser apresentado em diversos gêneros, seja Terror de ficção científica, de Suspense, Noir e etc., assim como filmes de faroeste. Com o passar do tempo, a medida que vamos assistindo mais e mais filmes de terror, sabemos exatamente o momento em que o filme nos dará um susto. Ap e de os a le as aracterísticas das cenas dos filmes assim como aprendemos a observar a característica visual dos quadrinhos, seus artifícios para nos passar a ideia que querem que nós entendamos (como em desenhos animados onde a bolha de sabão apresenta um retângulo branco para ilustrar um reflexo). 1 E hi ve do japo s O s e o , usado, de t o dos mangás, para se referir às obras com uma exacerbação da sexualidade.
  • 3. Sendo assim, por se tratar de um produto unicamente visual, o mangá necessita de artifícios que consigam dar à narrativa a possibilidade de passar a mensagem ao leitor de forma mais fácil. Por se tratar de uma arte com um considerável tempo dentro de uma linha de tempo mais imediata, as formas que os autores encontram para conversar com o público de forma mais simples têm se mostrado cada vez mais numerosas. Tais inovações nas narrativas gráficas se dão pela necessidade mercadológica de inovação num mercado onde os produtores de conteúdo trabalham numa rotina onde tempo livre só existe aos sábados durante 3 horas2 . Parte dessa necessidade de mudança na produção cultural pode ser relacionada, também, às necessidades do público de narrativas mais complexas que as já existentes. Um exemplo disso é a comparação entre obras conhecidas do público japonês entre as décadas de 50 e 70 e nos dias atuais, onde obras como Lobo Solitário e Sazae-san abordam o Japão feudal dos samurais e histórias do cotidiano, respectivamente. Um fator interessante é a forma como o Japão se relaciona com o resto do mundo naquilo que diz respeito à sua produção de quadrinhos. Considerando o mangá como um quadrinho, ele se insere num contexto de disputa comercial a nível mundial, ou seja, concorre com os comics a e i a os, o gi i asilei o, a bande desinée franco-belga e etc. Tratando-se de uma cultura diferente da nossa, é difícil para o público do ocidente entender totalmente a narrativa de uma obra que se insere especificamente no contexto oriental – como é o caso de Oyasumi Punpun (ou Goodnight Punpun no ocidente) que demonstra características extremamente japonesas em seus personagens, o que será abordado mais adiante, e obras que necessitam de um entendimento da história do Japão como Lobo Solitário e Samurai X. Entretanto, existem várias obras que se inserem num contexto ocidental para conquistar o público fora do Japão e que necessitam incorporar conceitos já bem estabelecidos para o público ocidental tanto na narrativa quanto nas técnicas de venda. No primeiro caso, obras como Death Note, Hagime no Ippo, Tokyo Ghoul, e 2 http://www.megacurioso.com.br/cultura-nerd/42859-quer-ser-desenhista-de-manga-entao-se-liga-na- rotina-absurda-de-um-mangaka.htm
  • 4. Akira incorporam em suas narrativas conceitos mais aceitáveis para o público ocidental, tanto nos costumes dos personagens quanto nos elementos estrangeiros – Death Note apresenta detetives de fora do Japão, Hagime no Ippo incorpora lutadores de boxe de outros países, Tokyo Ghoul se aproveita da onda de popularidade que os zumbis têm no ocidente se baseando no sucesso de obras como The Walking Dead, Zumbilândia e Resident Evil, e Akira incorpora conceitos de ficção científica, gangues de motoqueiros e uma referência clara a testes com uma bomba nuclear em Los Alamos3 . No segundo caso, nas técnicas de venda, o ocidente já estava procurando fo as de o uista u pú li o ais fiel pa a u dete i ado p oduto o se tido de estender a capacidade de produção daquele produto. Como Jenkins aponta, o que se fez foi estender as produções de produtos para franquias. Cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção de universos, à medida que os artistas criam ambientes atraentes que não podem ser completamente explorados ou esgotados em uma única obra, ou mesmo em uma única mídia. O universo é maior do que o filme, maior, até, do que a franquia – já que as especulações e elaborações dos fãs também expandem o universo em várias di eç es. Co o e disse u e pe ie te otei ista: Qua do o e ei, era preciso elaborar uma história, porque, sem uma boa história, não havia um filme de verdade. Depois, quando as sequências começaram a decolar, era preciso elaborar um personagem, porque um bom personagem poderia sustentar múltiplas histórias. Hoje, é preciso elaborar um universo, porque um universo pode sustentar múltiplos personage s e últiplas hist ias, e últiplas ídias (JENKINS, 2008, p.159). A forma como os mangakás (autores de mangás) começaram a produzir tornou-se diferente ao longo do tempo para acompanhar a produção conteúdo ocidental. Atualmente vemos quadrinhos japoneses sendo incorporados a outras mídias como animações, jogos e filmes tanto animados quanto live actions. Hiroya Oku4 e a criação de Gantz Hiroya Oku, desde seu primeiro trabalho (HEN), demonstra uma predisposição para escrever histórias Seinen (denominação dada para histórias voltadas para homens 3 BATALHONE JR, Vitor Claret. Akira: porque o pesadelo já começou. AEDOS, Porto Alegre, v. 3, n. 8, p. 44-66, 2011. 4 Referem-se às pessoas no Japão utilizando o sobrenome antes do primeiro nome.
  • 5. adultos nos quadrinhos japoneses) com uma característica de romance inclinado para o Ecchi. E sua p i ei a o a iou o ue ha ado de ovi e to dos seios os quadrinhos japoneses. Essa característica para escrever histórias mais voltadas para o público adulto o influenciou na questão abordada anteriormente sobre a complexidade dos gêneros nos mangás. Antes da criação de Gantz, Oku não demonstrava um verdadeiro sucesso em suas publicações. HEN, apesar de ter sido concluído, tem uma nota 6.46 no Myanimelist5 (site semelhante ao IMDb para animações e quadrinhos japoneses), Zero One, sua segunda obra, foi interrompido em um ano de publicação e tem uma nota de 6.41 no mesmo site6 . Para Gantz, a influência de filmes de ficção científica, ação e aventura são percebidas facilmente, o próprio autor já publicou a respeito dos filmes ue despe ta seu i te esse e feli idade no final de um dos seus mangás7 . Toda essa característica de sensualidade no conceito e na arte de seus trabalhos, o interesse pela narrativa ocidental e pela ficção científica fazem Gantz sua obra prima por juntar isso tudo à denúncia de abusos dentro da sociedade japonesa, do pensamento japonês coletivista e individualista ao mesmo tempo, da cultura pop distópica e da forma como nós humanos nos vemos em relação aos outros seres vivos do planeta. O enredo e as referências À primeira vista, as referências em Gantz podem ser interpretadas como meras homenagens às obras que o autor se interessa. Entretanto, se analisarmos de forma mais específica, além de homenagens, as referências dialogam com a obra de forma que constroem a crítica que o mangá de forma mais fácil – em vez de criar toda uma explicação para determinado assunto, a referência colocada de forma pontual consegue entregar de forma sutil a crítica. Isso é importante por se tratar de uma história que funciona apenas na época em que vivemos. O título foi publicado entre os anos de 2000 e 2013, durante a 5 https://myanimelist.net/manga/2950/Hen?q=HEN 6 https://myanimelist.net/manga/1371/01 7 https://arquivogantzbrasil.blogspot.com.br/2014/08/hiroya-oku-fala-sobre-filme-duro-de.html
  • 6. ebulição dos meios de comunicação, entrando na era da aceleração da comunicação de uma forma que nunca foi vista antes. Tanto quanto Black Mirror, o mangá em questão consegue fazer críticas ao nosso estilo de vida e à forma como estamos lidando com a tecnologia exagerando nas possibilidades de o que pode acontecer – da forma que Black Mirror se aproveita de conceitos inseridos na televisão por The Twilight Zone, Gantz se aproveita dos conceitos literários de ficção científica e distopia inseridos por autores como Aldous Huxley, Arthur C. Clark e Isaac Asimov. Uma frase de A thu C. Cla k, po e e plo, diz ue e iste duas possi ilidades: ou estamos sozi hos o u ive so ou ão esta os. A as são igual e te ate o iza tes 8 , e é nesse ponto que o autor extrapola os limites da realidade. A história gira em torno de Kurono Kei e Masaru Katou, dois jovens de ensino médio que morrem após salvar um morador de rua que, bêbado, cai nos trilhos do metrô. Após suas mortes, ambos os jovens não vão para o paraíso, inferno ou qualquer provação religiosa, mas para um quarto junto com outras pessoas onde é impossível sair – e no meio do quarto existe uma bola preta com cerca de 1 metro de altura e largura. Depois de um determinado tempo a bola se abre, entrega uma série de a a e tos pa a as pessoas do ua to e os a da pa a iss es o de se deve matar alienígenas sem nenhuma explicação. A inserção de elementos como a sensualidade das personagens femininas, a personalidade forte dos protagonistas – em alguns casos usando isso para quebrar conceitos da sociedade patriarcal japonesa colocando a liderança nas mãos de personagens femininos –, a criação do design dos aliens, dos armamentos e dos cenários e a forma como a profundidade psicológica dos personagens é abordada moldam a forma como a obra é vista, tornando-a inconfundível. Parte disso se dá justamente por causa de suas referências. A abordagem do autor em relação às vanguardas europeias, criando o design de alguns aliens como se fossem pinturas ou esculturas, se aproveitando da característica da sensualidade nas obras de Dalí e Picasso junto ao estranho e incompreendido. Além das pinturas, o 8 https://pensador.uol.com.br/frases_arthur_c_clarke/
  • 7. cinema, a televisão e a cultura japonesa de forma geral é abordada repetidamente dentro da obra. No caso da televisão e da cultura japonesa em geral, as referências vão de cantores japoneses em programas de auditório, Tokusatsus – inicialmente a expressão Tokusatsu e a utilizada pa a de o i a as p oduç es japo esas o efeitos especiais que introduziam super-heróis japoneses para o público não ser influenciado pelos heróis norte-americanos, mas atualmente a expressão se refere a seriados japoneses de live action que influenciaram outros seriados, que seguem a mesma receita, como Power Rangers; alguns exemplos são Jaspion, Jiraiya, Ultraman e Kamen Rider 9 – e o próprio exagero dos mangás introduzido no contexto do roteiro, diferente de outros estilos de produção dos quadrinhos japoneses onde o exagero é utilizado na arte, por exemplo, para demonstrar emoções ou dar um alívio cômico para a obra. No caso do cinema, como citado anteriormente, as referências variam entre filmes de ação, ficção científica, drama, suspense e terror. Os conceitos de design i t oduzidos po HR Gige e Alie são la a e te efe e iados e Gantz, seja pela característica provocativa em colocar o Alien como um ser extremamente ligado à sexualidade (sua língua é extremamente grande, ele sempre expele fluídos e todo seu visual te u a a ato ia de falo) ou po se u viaja te do espaço. Mad Ma demonst a u a so iedade dist pi a, O Sil io dos I o e tes a est a heza de lida com o que é desconhecido e rever conceitos de nossa dieta onde criticamos canibais mas fazemos atrocidades com animais, nos julgando mais importantes, enquanto seres vivos, que outros seres do planeta – claro que o conceito de canibalismo é algo inaceitável, mas é uma discussão muito difícil de se lidar quando acreditamos ser inaceitável acima de todos os argumentos e comemos carne como se não houvesse nenhum problema. Por último, talvez o filme com referências mais claras, Matrix nos mostra uma sociedade que, além de distópica, é totalmente controlada pelas máquinas para nos fazer agir de acordo com seus interesses, e o principal deles é nos fazer acreditar que toda aquela mentira é, na verdade, a verdadeira realidade. 9 https://pt.wikipedia.org/wiki/Tokusatsu
  • 8. Tecnologia e cultura pop como fator desumanizador Talvez a maior crítica da obra seja no sentido de levantar a discussão para o que estamos fazendo com a sociedade, de forma geral. Em Matrix as máquinas forjam uma realidade virtual para ficarmos presos, assim como, na crítica de Oku, estamos tão presos à realidade virtual que não conseguimos mais nos importar com a característica física dos seres humanos. Não importa se o que está acontecendo é uma situação degradante, o que fazemos hoje em dia é gravar com nossos smartphones e colocar na internet. Quando dado às pessoas a capacidade de se passar por anônimo na internet nos é concedida uma visão da real identidade dessas pessoas: fóruns anônimos como os ha s da i te et, i luídos o o te to do a g , apesa de lo ais o discussões construtivas, são lugares onde as pessoas destilam seu ódio em relação àquilo que normalmente seria politicamente incorreto dizer publicamente. Por isso tais locais são cheios de demonstrações de ódio às minorias, exaltação a figuras polêmicas – como Hitler e Mussolini – e compartilhamento de material de difícil acesso – vídeos com violência explícita são os exemplos mais frequentes. No fim das contas o apego à tecnologia, na visão do autor, tem transformado as pessoas cada vez mais em seres individualistas – muito mais do que a sociedade japonesa já era antes, junto com a característica extremamente oriental na narrativa de Oyasumi Punpun, isso será algo a ser abordado mais adiante. Tais tecnologias e a cultura pop, na visão do mangá, tem se tornado grandes elementos de desumanização no sentido de levar mais em consideração aquele que é conhecido pela grande mídia ou se interessar mais quando alguém se relaciona com quem é famoso do que realmente o algu suposta e te o u . Essa íti a feita te ologia ta p ese te o fil e O A ut e , protagonizado por Jake Gyllenhaal, onde um freelancer responsável por filmar acidentes espera a ocorrência ser filmada antes de tomar qualquer atitude – às vezes nem mesmo toma a atitude para resolver a situação. Recentemente, a tragédia que tirou a vida do ator Domingos Montagner foi relacionada às práticas demonstradas no
  • 9. filme anteriormente citado onde a dor da atriz Camila Pitanga foi, supostamente, utilizada para ganhar likes no Facebook10 . Voltando ao mangá: o problema disso tudo é o que o avô de Aldous Huxley, T. H. Hu le , ha a de teo e a do a a o i fi ito . Segu do a teo ia de Hu le , se fornecermos a um número infinito de macacos um número infinito de máquinas de escrever, alguns macacos em algum lugar vão acabar criando uma obra-prima – uma peça de Shakespeare, um diálogo de Platão ou um tratado e o i o de Ada S ith (KEEN, Andrew, 2008, p.8). Atualmente estamos mais interessados em ser o criador da o a-p i a do ue te o pai ão pelo p i o, o que explica essa crítica de Hiroya Oku à forma como estamos conduzindo a sociedade nos motivando por likes. A denúncia de um Japão problemático Grande parte da crítica de Oku à sociedade japonesa se dá na forma como ela consegue ser excludente, mesmo depois da segunda guerra existir toda uma propaganda em prol da reconstrução do país. Ao mesmo tempo que as pessoas são inseridas num pensamento coletivista pela melhoria social, essas mesmas pessoas são extremamente excludentes quando o assunto é a compaixão pelo próximo ou a aceitação de pessoas com dificuldades seja de aprendizado ou de se encaixar na organização que a sociedade japonesa exige – uma sociedade com taxas altíssimas de suicídio1112 , seja por questões financeiras ou ligadas à rigidez da vida escolar, e onde há grande incidência do fenômeno denominado Hikikomori13 , quando o indivíduo se isola no quarto, relacionado com problemas psicológicos graves, baixa autoestima e medo de enfrentar o estilo de sociedade que o Japão viver. Em Oyasumi Punpun de Asano Inio, por exemplo, durante várias passagens da narrativa mais de um personagem demonstra esse tipo de pensamento ao defender a exclusão de pessoas que não foram bem-sucedidas em suas escolhas, seja em questões financeiras, profissionais ou sociais – ser um Hikikomori é um exemplo e, talvez por isso, seja mais fácil para alguns indivíduos se isolar em seus quartos que 10 https://medium.com/democratize-m%C3%ADdia/o-choro-de-camila-pitanga-e-o-espet%C3%A1culo- de-horror-da-m%C3%ADdia-c75f226921a#.s225sopfl 11 http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150705_japao_suicidio_rb 12 http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150901_japao_aulas_ebc 13 https://pt.wikipedia.org/wiki/Hikikomori
  • 10. enfrentar um tipo de sociedade que não aceita alguém que não se enquadra em determinadas características. O personagem Punpun é constantemente afetado pela sua baixa autoestima, o que faz o ex marido de sua colega de trabalho (uma mangaká) o criticar no sentido de ser malsucedido em suas escolhas, como se fosse alguém mais fraco e menos importante que os outros por não contribuir significativamente para a sociedade. Em Gantz, a tia de Masaru Katou é responsável legal por ele e seu irmão após a morte de seus pais e constantemente abusa da sua autoridade, além de ser alvo de ameaças por defender as pessoas mais indefesas. Kurono Kei é abusado fisicamente no colégio por não ser bom em esportes, não ser popular com as garotas e não ser alguém que chama ate ção o al e te. Che , out o pe so age , a usado po olegas de lasse por ser, supostamente indefeso. Todos esses casos são comuns em todo o mundo – em casos de violência sexual relacionada a status, o problema reside justamente em alguém achar que pode se aproveitar de alguém por ocupar uma posição privilegiada –, o problema da sociedade japonesa, na visão de Oku, é justamente o fato de a característica excludente da sociedade japonesa dar ainda mais precedentes para esse tipo de mentalidade. As questões existenciais e filosóficas Ao longo da estória, o protagonista Kurono Kei amadurece de forma que a vida humana passa ser muito mais importante para ele do que no começo do mangá. O personagem à primeira vista era desinteressado com a sociedade, com a vida humana e com aquilo que acontecia ao seu redor. Sua mudança ocorre a partir do momento que começa um relacionamento e se vê na necessidade de ganhar a liberdade das iss es o t a os alie íge as. Outro personagem, mais velho, se vê constantemente visitado pelas lembranças de sua falecida mulher. Reika, uma modelo e cantora popular no Japão, ue pa ti ipa das iss es , se apai o a po Ku o o Kei e v duas eaç es a pa ti dessa paixão (não retribuída por Kurono já estar num relacionamento): se sente motivada a impressiona-lo e se sente vazia por não ter sua atenção da forma desejada.
  • 11. Em vários casos as pessoas se veem numa crise existencial criada e alimentada pela solidão e pela falta de perspectiva de algo que seja maior do que a rotina profissional desgastante que o Japão exige. Em vários casos os personagens se perguntam se não estão sendo enviados para o inferno por terem morrido e estarem enfrentando constantemente aliens. Fora isso, vários personagens são envolvidos com drogas, crimes e tem opiniões bastante controversas, o que dá um destaque ainda maior para Kurono Kei e Masaru Katou que apresentam um pensamento mais sensato no que diz respeito à vida humana e em como acreditam que as coisas devem ser conduzidas. Tais conceitos remetem à Nietzsche nos conceitos de luta contra o niilismo (onde os protagonistas dão mais importância à vida humana que outros personagens), além-homem (onde Kurono Kei consegue, ao longo do mangá, determinar os próprios valores fazendo a história ser um registro da sua passagem de homem para além- homem) e eterno retorno do mesmo (onde os personagens estão constantemente voltando para o quarto de Gantz para serem mandados em missões contra aliens). Outro conceito nietzschiano é o da existência ou não de Deus. Em várias passagens a estória satiriza o pensamento religioso e demonstra a forma que nós humanos nos apegamos em promessas divinas para ter esperança em algo, o que volta à frase de Arthur C. Clark: ou estamos sozinhos ou não, e ambas as possibilidades são igualmente aterrorizantes – ou vivemos sob a tutela de um Deus psicopata responsável por toda a atrocidade existente ou estamos sozinhos e não temos nada em que nos agarrar para criar esperanças. Por fim, a sátira às questões filosóficas mais irônica que Oku produz é o fato de ue todos os pe so age s ue estão p ese tes de t o das iss es possue u a bomba instalada no cérebro e não podem sair da zona de combate durante as missões nem contar para alguém de fora sobre a existência de aliens ou qualquer coisa relacionada a Gantz, o que, de forma extremamente satírica remete à filosofia existencialista de Jean-Paul Sa t e o de o se hu a o est o de ado se liv e e quem sabe da verdade – ou est fo a da Mat i – está condenado a ser prisioneiro de tal verdade. Gantz em outras mídias
  • 12. Além de ser uma história em quadrinhos, Gantz foi adaptado para o cinema em forma de live action e computação gráfica, video game e animação, e em quadrinho, fora sua publicação regular, existe também o spin-off que é publicado atualmente. O entendimento da obra não necessita do consumo da adaptação para outras mídias ou do spin-off. Diferente de Matrix, onde existiu uma clara intenção de criar uma narrativa transmídia, Gantz seguiu mais uma lógica mercadológica na adaptação da estória para outras mídias onde o consumo delas não apresenta nenhum adicional para a experiência de consumir a história. Apesar disso, as críticas sociais que o mangá faz à forma que a sociedade vem se organizando, à forma como nos enxergamos sendo seres superiores e à nossa necessidade de atenção alavancada pela popularização dos meios de comunicação em massa são válidos o suficiente para consumir a narrativa construída por Hiroya Oku.
  • 13. BATALHONE JR, Vitor Claret. Akira: porque o pesadelo já começou. AEDOS, Porto Alegre, v. 3, n. 8, p. 44-66, 2011. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. KEEN, Andrew. O Culto do Amador: como blogs, MySpace, YouTube e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2009. Hi o a Oku fala so e fil es . Dispo ível e : <https://arquivogantzbrasil.blogspot.com.br/2014/08/hiroya-oku-fala-sobre-filme- duro-de.html> . Acesso em 11 de out. de 2016 OI, Ma iko. Dia de volta às aulas é o que mais tem suicídio de jovens no Japão . Dispon<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150901_japao_aulas_ebc > . Acesso em 11 de out. de 2016 Por que o Japão tem u a ta a de sui idios tão alta? . Dispo ível e : <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150705_japao_suicidio_rb> . Acesso em 11 de out. de 2016 O choro de Camila Pitanga e o espetáculo de horror da mídia . Dispo ível e : <https://medium.com/democratize-m%C3%ADdia/o-choro-de-camila-pitanga-e-o- espet%C3%A1culo-de-horror-da-m%C3%ADdia-c75f226921a#.s225sopfl> . Acesso em 11 de out. de 2016 TADRA, Mau í io M. Quer ser desenhista de mangá? Então se liga na rotina absurda de um mangaká . Dispo ível e : <http://www.megacurioso.com.br/cultura- nerd/42859-quer-ser-desenhista-de-manga-entao-se-liga-na-rotina-absurda-de-um- mangaka.htm> . Acesso em 11 de out. de 2016 <https://myanimelist.net/manga/1371/01> . Acesso em 11 de out. de 2016
  • 14. <https://myanimelist.net/manga/2950/Hen?q=HEN> . Acesso em 11 de out. de 2016 <https://pensador.uol.com.br/frases_arthur_c_clarke/> . Acesso em 11 de out. de 2016 <https://pt.wikipedia.org/wiki/Hikikomori> . Acesso em 11 de out. de 2016 <https://pt.wikipedia.org/wiki/Tokusatsu> . Acesso em 11 de out. de 2016