2. Biografia
“Que há de se fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um
pouco só”.
“Passei a vida inteira tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de
acertar”.
1926 - Nasce na Ucrânia e recém-nascida vem para o Brasil com a família;
1934 – Muda-se de Recife para o Rio de Janeiro;
1943 – Forma-se na faculdade de Direito da Universidade do Brasil;
1944 – Casada com um diplomata brasileiro passa alguns anos fora do Brasil
(Itália, Suíça e EUA)
• 1959 – Separa-se do marido e volta ao Rio de Janeiro com os dois filhos;
• 1977 – Morre de câncer, em dezembro, um dia antes de seu aniversário.
3.
4. Principais obras
Perto do Coração Selvagem (1944)
A paixão segundo G.H. (1961)
A hora da estrela (1977)
Laços de Família (1960)
A Legião Estrangeira (1964)
Felicidade Clandestina (1971)
Escreveu também crônicas e literatura infantil
5. A culpa é minha
A hora da estrela
Ela que se arranje
O direito ao grito
Quanto ao futuro
Lamento de um blue
Ela não sabe gritar
Uma sensação de perda
Assovio no vento escuro
Eu não posso fazer nada
Registro dos fatos antecedentes
História lacrimogênica de cordel
Saída discreta pela porta dos fundos
A abertura do romance A hora da estrela é feita de maneira inusitada por
meio de uma sequência de treze títulos nos quais o autor Rodrigo teria
pensado antes de escolher um deles:
6.
7. Os títulos podem ser agrupados em quatro
conjuntos:
• O primeiro: A culpa é minha; Ela que se arranje; Ela não sabe gritar; Eu não posso
fazer nada e Saída discreta pela porta dos fundos. É a tematização do
sentimento de culpa.
• O segundo: O direito ao grito; Quanto ao futuro; Uma sensação de perda e
Assovio no vento escuro. É a descrição da personagem oprimida.
• O terceiro refere-se à forma e temor da narrativa, que na busca de clareza
correria o risco de ser trivial, mantendo-se popular: Lamento de um blue;
Registro dos fatos antecedentes; Histórias lacrimogênicas de cordel.
• Finalmente, há um quarto conjunto. Refere-se a um instante íntimo da
personagem – a morte. Mesmo numa condição abjeta e mesmo que seja
penoso dizer isso, Macabéa tem, afinal, a sua Hora da Estrela.
8. Características da obra
Emprego dos fluxos de consciência.
Sondagem psicológica ( analisa profundamente a alma das
personagens).
Emprego do monólogo interior: ( o narrador conversa consigo
mesmo).
Emprego da metalinguagem.
Epifania (Revelação).
10. A hora da estrela, publicado em 1977, é o último romance de
Clarice Lispector. Nele, a metalinguagem, o questionamento
sobre a criação literária, as indagações sobre o ato de existir
(a questão filosófica da existência, sintetizada na questão
“Quem sou?”) e a existência de um ser absolutamente
alienado da própria vida constituem os temas centrais da
narrativa. O livro possui três narrativas que confluem: o
drama de Rodrigo S.M., um escritor limitado que deseja
narrar a história de Macabéa; a narrativa da vida de Macabéa
e a história da própria composição da narrativa
(metalinguagem). É importante saber que não ocorre o
predomínio de uma história sobre a outra. Elas acontecem
simultaneamente.
11. Os três narradores
Rodrigo S. M., o narrador, é um escritor que não usufrui de prestígio ou de
sucesso e deseja escrever um história simples, com enredo linear e
vocabulário também simples. No afã de conhecer melhor sua
personagem, a alagoana Macabéa, Rodrigo S. M. procura se identificar
com ela e, para isso, deixa de tomar banho e fazer a barba, quase não
dorme, o que lhe confere um aspecto de cansaço; abandona qualquer
atividade que lhe proporcione prazer. Acredita que agindo assim
conseguirá descer até sua personagem, conseguirá atravessar o nojo do
contato, para finalmente identificar e compreender a personagem e a si
mesmo. Para ele, conhecer o outro é provar ainda mais da náusea, do
asco que irmana todos nessa vida. Assim, o narrador informa ao leitor que
escrever é sempre uma atividade dolorosa e que falar do outro é sempre
uma forma de conhecer a si mesmo.
12. Macabéa nasceu no sertão de Alagoas e ficou órfã aos dois anos de
idade. Foi criada por uma tia beata que a castigava constantemente. Aos
dezenove anos veio para o Rio de Janeiro e conseguiu um emprego de
datilógrafa, embora mal soubesse escrever. Divide um quarto alugado
com mais quatro moças, e seus raros momentos de prazer resumem-se a
ir ao cinema uma vez por mês e a pintar as unhas de vermelho. Como
passatempo, Macabéa escuta na madrugada a Rádio Relógio Federal,
que dá a hora certa e informações sobre os mais diversos assuntos, e
costuma recortar anúncios de jornais. O anúncio de que ela mais gosta é
o de um creme de beleza e imagina que, se um dia pudesse comprá-lo,
ela não o passaria pelo corpo – iria comê-lo. Sonha também em ser uma
estrela de cinema, como a atriz Marylin Monroe. Daí o título do livro e a
ironia que ele contém, pois o momento culminante da vida de Macabéa (a
hora de estrela) não tem nenhum glamour. Pelo contrário, será o
momento de uma morte involuntária e sem nenhum brilho.
13. A terceira narrativa é de caráter metalinguístico, pois procura desvendar
os segredos da criação literária. A começar pela “Dedicatória do Autor (Na
verdade Clarice Lispector),” a autora procura apresentar para o leitor os
processos de construção do texto literário. Clarice abandona sua
identidade social para assumir a identidade do narrador, revelando, desse
modo, os caminhos que um escritor percorre para compor sua história.
Daí o fato de o narrador Rodrigo S.M. expor ao leitor, a todo instante, as
agruras que enfrenta para poder construir sua narrativa. Afirma que a
escolha de uma linguagem simples e de um enredo linear é a melhor
solução para abordar a vida de uma moça pobre. Contudo, embora afirme
logo no começo da história que dará início à narrativa da vida de
Macabéa, ele faz antes uma série de observações sobre o processo de
construção do texto, adiando a história da nordestina.
14. Narrador
• O romance é narrado por Rodrigo S.M., um narrador interposto, que
reflete a sua vida ao personagem ao projetar-se na protagonista.
• Narrador onisciente e onipotente (ele está presente em tudo: apresenta-
se como autor da obra, funciona como uma transfiguração da verdadeira
autora).
• O narrador projeta seus pensamentos sobre literatura, desejos e decisões
a respeito do destino da protagonista.
15. Tempo
A época retratada é dos anos posteriores a 1950,
percebendo aí a paixão da protagonista (Macabéa)
pelas atrizes mais famosas de Hollywood, como
Greta Garbo e Marylin Monroe. O tempo da narrativa
está voltado mais para o psicológico.
16. Espaço
A ação se passa no Rio de Janeiro, por
umas poucas referências externas de
ruas e locais característicos.
17. Ação
O enredo não segue propriamente uma narrativa linear. Existem
três polos que podem ser formados de certa forma como
estruturas narrativas e que se misturam todo o tempo para
formar narrativa.
1- Rodrigo conta a história de Macabéa.
2- Rodrigo conta sua própria história.
3- Rodrigo tece as artimanhas da própria narrativa para explicar
criação, montagem e apresentação do próprio texto.
18. Personagens
As personagens de Clarice Lispector são seres
em busca da revelação de mundos
desconhecidos dentro de si mesmos.
Macabéa: É a protagonista do romance, moça
nordestina e humilde que enfrenta a vida na
cidade grande – Rio de janeiro – Orgulha-se de
ser datilógrafa (embora medíocre) ; virgem, semi-
analfabeta, gosta de goiabada com queijo e
coca-cola. Quer ser estrela de cinema. Ouve
notícias da Rádio – Relógio e não sabe empregá-
las na conversação.
19. • Rodrigo S.M.: É o narrador da história de Macabéa. Afirma que é escritor rico.
Sente grande dificuldade para escrever e não consegue dar a sua personagem
um destino melhor.
• Olímpico: É nordestino ambicioso e cheio de ilusões, possuidor de um passado
sujo, vem também para a cidade em busca de ascensão social. Rouba os próprios
colegas de trabalho. Foi namorado de Macabéa antes de conhecer Glória. Matou
um homem antes de vir para o Rio. Gosta de fazer discursos e mentir. Quer ser
deputado, o que acaba acontecendo segundo o narrador.
• Glória: É colega de Macabéa na firma. Cheia de Carne. Apesar de branca e
cabelos oxigenados, não consegue esconder sua origem mulata. Rouba o
namorado da colega, mas por se sentir culpada, aconselha a amiga a ir a busca
de uma cartomante, emprestando-lhe dinheiro.
• Madame Carlota: É a cartomante que já foi prostituta e dona de bordel. Abusa da
boa fé das pessoas lendo a sorte e predizendo o futuro. Serve de instrumento de
felicidade para a protagonista por uns breves momentos.
• Outros Personagens: Seu Raimundo (chefe de Macabéa), as colegas de quarto
de Macabéa e o Médico.
20. Sobre Macabéa
a) Os primeiros aspectos definidores de Macabéa são os de sua modesta origem social
(“Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num
quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa”). Órfã, criada por um tia repressora, ela é
feia, virgem, gosta de coca-cola, passa um pouco de fome e trabalha como datilógrafa no
Rio de Janeiro. No entanto, o aspecto predominante de sua medíocre personalidade é o seu
despreparo para a vida inteligente. É tão tola que sorri para as pessoas na rua, mas
ninguém lhe responde ao sorriso porque sequer a olham. Sua própria cara expressa tanta
pobreza mental que parece pedir para ser esbofeteada. Em síntese, trata-se de um ser
ínfimo, de uma “alma rala”.
b) A principal característica de Macabéa é a sua completa alienação. Ela não sabe nada de
nada.
A palavra realidade não lhe dizia nada. (...)
Ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando. (...)
Nenhuma coisa importante jamais acontecera em sua vida:
Mas vivia em tanta mesmice que de noite não se lembrava do que acontecera de manhã.
(...).
Domingo ela acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada. (...)
21. A sua inconsciência não resulta apenas da ignorância do mundo. Ela se
desconhece: “Quando acordava não sabia mais quem era”. Às vezes, diante do
espelho, não se enxergava, como se a sua tivesse sumido. A todo instante,
Rodrigo S. M. registra a alienação de Macabéa, a sua incapacidade de percepção.
Por isso, a jovem nordestina vive a dimensão do não-ser.
Algumas delimitações que Rodrigo S.M. elabora para Macabéa são tragicamente
líricas:
Ela era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto: ela era capim. (...)
Tornara-se apenas vivente em sua forma primária. (...) Era apenas fina matéria
orgânica. Existia. Só isto.
c) Quase nula é a compreensão de Macabéa a respeito da existência, seja a sua,
seja a da humanidade em geral.
Ao ser atropelada, Macabéa descobre a sua essência:“Hoje, pensou ela, hoje é o
primeiro dia de minha vida: nasci”. Há uma situação paradoxal: ela só nasce, ou
seja, só chega a ter consciência de si mesma, na hora de sua morte. Por isso
antes de morrer repete sem cessar: “Eu sou, eu sou, eu sou, eu sou”.
22. Silêncio.
Se um dia Deus vier à terra haverá silêncio grande.
O silêncio é tal que nem o pensamento pensa.
O final foi bastante grandiloquente para a vossa necessidade? Morrendo ela virou ar. Ar enérgico?
Não sei. Morreu em um instante. O instante é aquele átimo de tempo em que o pneu do carro
correndo em alta velocidade toca no chão e depois toca mais e depois toca de novo.
Etc. etc. etc. No fundo ela não passara de uma caixinha de música meio desafinada. Eu vos
pergunto:
– Qual é o peso da luz?
E agora – agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei
que a gente morre. Mas – mas eu também?
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim.
Rodrigo S.M. afirma que morre com Macabéa e mais uma vez coloca o leitor como seu interlocutor,
questionando-o sobre a grandiloquência do final da narrativa. O narrador faz uma descoberta e a
compartilha com o leitor: o destino humano é igual para todos. É a consciência da morte que nos
torna conscientes da vida.
“Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.” Seria o “por enquanto” o tempo da vida e
o “tempo de morangos” as possíveis delicadezas que podemos colher na vida? Não importa a
resposta, o importante, parece insinuar o narrador, é que sejamos capazes de formular as
perguntas.
24. Para quem está acostumado com resumos tradicionais, não é fácil fazer a síntese
de A Hora da Estrela. Isso porque, aparentemente, nada acontece. Logo nas
primeiras linhas, o que se percebe é a presença de um autor – o escritor Rodrigo
S. M. – às voltas com certos impasses de sua carreira, tentando dar início à
narrativa da história da nordestina Macabéa em sua vida cotidiana no Rio de
Janeiro.
Rodrigo S. M. declara: “Pensar é um ato. Sentir é um fato” – e essas frases
podem ser entendidas como uma apresentação da obra. De fato, as reflexões e
os sentimentos registrados pelo escritor constituem parte da narrativa. Portanto,
se o leitor espera algo acontecer para começar a fazer a sua síntese do romance,
é bom se apressar, porque a história já começou.
Macabéa é introduzida aos poucos na narrativa, sobressaindo-se das reflexões
de Rodrigo S. M. Ele se depara com ela em uma rua do Rio de Janeiro, quando,
por intermédio de uma simples troca de olhares, a história da moça lhe é
revelada. Alagoana, Macabéa perde os pais ainda muito criança e é criada por
uma tia, que, no intuito de educá-la, dá-lhe constantes pancadas da cabeça com
os nós dos dedos. Frequenta escola apenas até o terceiro ano primário e escreve
muito mal. Mesmo assim, consegue levar adiante um curso de datilografia.
25. A tia muda-se para o Rio de Janeiro e Macabéa a acompanha. Arranja emprego como
datilógrafa. Depois da morte da mãe de criação, passa a dividir um quarto de pensão
com quatro moças que trabalham como balconistas. Pouco convive com elas, que
chegam muito cansadas à noite e dormem logo, enquanto Macabéa fica ouvindo a
Rádio Relógio ao longo das madrugadas.
Certo dia, resolve faltar ao trabalho e sair para um passeio. Encontra-se então com
Olímpico de Jesus, metalúrgico nordestino. Ele a chama de “senhorinha” e a convida
para um passeio. Para ela, é o começo de um namoro. Em suas conversas, ela
exibe, sempre de forma precária, o conhecimento adquirido com as audições da Rádio
Relógio, enquanto ele afirma sua disposição de crescer e ser alguém na vida.
Em uma visita a Macabéa no local de trabalho, Olímpico conhece Glória, colega da
namorada. Interessa-se por ela e abandona Macabéa. Sem ter exata noção do quanto
isso a faz sofrer, Macabéa recolhe-se ao banheiro do escritório e passa com força o
batom vermelho nos lábios, para se sentir uma estrela de cinema.
Constrangida por lhe roubar o namorado, Glória dá dinheiro a Macabéa e aconselha
que ela procure uma cartomante. Macabéa acata a ideia e vai até Madama Carlota,
que lhe prevê um futuro brilhante e o encontro próximo de um grande amor. Ao sair da
cartomante...
26. Conclusão
Assim, A Hora da Estrela assume a inventividade
artística como metáfora da própria aventura
existencial. Uma aventura renovada pelo leitor a
cada novo ato de leitura. Fazendo da narrativa um
jogo que incorpora a voz do outro, a transfiguração
de identidade.