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Crítica do livro Desgraça de J.M. Coetzee


  Incrível como um escritor contemporâneo consegue escrever seus livros sendo ao
mesmo tempo híbrido num escancarado e sutil em veemências brutais e suaves. Este
seria o então consagrado J.M. Coetzee, autor de livros que não deveriam faltar em
especial para aqueles que desejam conhecer a África do Sul atual e seus problemas
novos, que surgem tão rápidos quanto a incapacidade do protagonista David Lurie em
compreendê-los. A escrita, sobretudo, demonstra o quão o Coetzee é um conhecedor
dos valores humanos e como eles historicamente na África do sul se dizimaram
tornando-se resquícios de como somos enxergados e enxergamos.
  Não é a toa que a academia sueca do prêmio Nobel o parabenizou com o maior
prêmio da literatura, claro a academia que sempre foi julgada por entregar prêmios a
autores que eram dos países de primeiro mundo, donde a cultura parece brotar, da
península ibérica ao leste europeu, sobretudo os Estados Unidos, se o prêmio de
Nobel à J.M. foi apenas uma forma de se desculpar por escritores fora do eixo Europa-
América do norte, nunca vamos saber, sendo ele o quarto autor do continente Africano
a adquirir um prêmio deste porte e, o segundo de seu país.
  Mas mesmo para os que se iniciam na leitura de livros consagrados nacionalmente
ou internacionalmente, já devem ter percebidos que ter um Nobel não seria uma
justificativa para dizer se este escritor é brilhante, contemporâneo e impecável em
seus textos em relatar o cotidiano (vide Marcel Proust, Fernando Pessoa, João
Guimarães Rosa, Jorge Amado, Clarisse Lispector, James Joyce, apenas para citar
alguns).
  No caso de J. M. Coetzee e seu livro Desonra, que poderia muito bem ser traduzido
como Desgraça, o retrato da África moderna e como o livro trata das condições de
vida humana, devem sim, ser considerados um dos grandes romances de nossa
época.
  Brilhante ao abordar um professor universitário, intelectual da literatura, quando
ocupa sua vida sexual com uma acompanhante de nome Soraya. Um dia
simplesmente a senhorita decide por não mais trabalhar para David Larie, com algum
motivo particular que o próprio protagonista não conhece. Assim ele, num súbito,
paquera descaradamente chegando a convidá-la para seu lar uma de suas alunas
Melanie, estudante de teatro e provavelmente o único motivo que ela iria as aulas
dele, segundo a opinião do próprio personagem. Como diria o mestre Paulo Freire, em
o seu mais importante trabalho, A Pedagogia do Oprimido, David ocupa-se justamente
na Posição do Opressor, a Oprimida sente-se coagida como arquétipo duma mulher
sul-africana a aceitar as exigências impostas e deita-se com ele várias vezes sem
conseguir demonstrar o contrário, que não quer, que não aceita esta posição como
aluna na cama dele. De repente a situação inverte antes mesmo de chegarmos ao
fundo pelo livro. Se ela denunciou para o namorado, a família, o vizinho, a reitoria, o
livro simplesmente não diz e o próprio David fica obstupefato em saber por que ela o
denunciara em assedio sexual sem antes querer desfazer esta relação, dialogar ou
justificar. Sem saber os motivos, ou se alguém a estimulou nas denuncias, ele é
dispensado do corpo docente da faculdade, desistido até mesmo de enfrentar a
situação, como dizendo, faça o que quiserem comigo, sou simplesmente culpado por
tudo aquilo que me acusam. E pelo visto, este motivo pouco lhe preocupa, o que mais
o faz ficar injuriado é o fato do assunto se tornar popular, alunos pararem de
freqüentar as aulas que leciona, pessoas olhando de esguelha pelos corredores e um
pai vindo exigir satisfações próximo ao átrio duma universidade.
  Eis então David, um professor que escrevera ensaios pouco conhecidos e ainda
sonha em escrever um livro sobre seus poetas favoritos, se muda quando não vê mais
nenhum motivo para ficar onde estar, indo até o local em que a filha mora que ele
persiste em chamar de quinta. Numa espécie contemporânea de Dante Alighieri se
exilando, mas no caso do protagonista não é por forças maiores, forças de estados ou
políticas e sim, forças introspectivas que o estimulam a buscar este “exílio”. Ao
decorrer do relato, David se depara com uma espécie de Melanie, mas na versão de
seu próprio sangue, de sua prole que ele é incapaz de enxergar como filha. Era como
um retrato de Soraya, de seus outros casos. Mas num aspecto que ele julga decrépito,
acha então que sua filha tornou-se lésbica, chegando a pensar como esta menina
outrora hippie hoje está tão feia, horrorosa consoante a própria forma dele julgar as
mulheres. David, então começa a adquirir e desenvolver uma árdua crise
existencialista e todas as idéias sobre as mulheres parecem não mais surtir efeito
diante da sociedade atual que mudou, mas o mesmo homem nada se transformou, ou
pelo menos, aparenta assim.
  Mas é ainda um reflexo daquilo que antes ele simplesmente incitou para o sexo,
agora, é a sua filha. Arquétipo semelhante daquilo que ele julgava serem as mulheres.
Uma jovem filha, que se está num local em que a desgraça e a brutalidade da vida do
campo reina, sendo simplesmente passiva diante de um certo senhor de idade de
nome Petrus, negro e vizinho da quinta que aloja aos arredores, vindo se apresentar
como um sócio de negócios com a filha. O próprio senhor não é como David, fala
estranho e errado, não olha nos semblante ao conversar, é como um egocêntrico,
versão inversa do egocentrismo do protagonista e ao que tudo indica, quando o livro
avança, este senhor aparenta estar apenas interessado nas terras da filha de David.
Ao passar pelo livro, a filha é estuprada, David vai trabalhar num canil em que os
animais são executados, pois não resta vida para eles, simplesmente são animais
abandonados pela sociedade que tem como o único destino a execução, pois não há
ninguém para cuidar deles. Se outrora o protagonista, numa conversa com a filha
compara o Golden Retriever do antigo vizinho ao homem, que tem que deixar os seus
impulsos serem saciados, agora se transtornou, esta comparação se dá em prol da
morte como única escapatória para estes animais assolados à margem dos olhos de
qualquer um, num carcomido canil.
  O protagonista se vê no âmago daquilo que mais odiaria e também na incapacidade
de assimilar aqueles problemas e percebe o quão ele faz parte, o quão julga
imaginando estar acima da razão, a quão aquela África não é lugar para sua filha, sim
poderia ser para Soraya ou para Melanie para qualquer outra mulher que ele a
sucumbisse, como Pretrus sucumbia sua filha. Saia aqui, vá a Holanda, vocifera ele
para a filha. Um verdadeiro ensaio moderno sobre a vida na África do Sul, em que os
arquétipos mais indiferentes são aceitos; enquanto os mais próximos, dos mais
achegados parentes, ou mesmo em mim, são nos desconhecidos através da desgraça
ou desonra que reina ao nosso redor.
  Como de praxe, os personagens de Coetzee, são personas contemporâneas que
se auto-julgam serem “donas da verdade”, estarem com o conhecimento acadêmico
ou não, a seus pés e tudo isto, ao mesmo tempo parece fazer o mundo acontecer
como parece não ter nenhum efeito sobre o mundo em que se vive. Não resta mais
poesias ou metáforas para explicar e justificar as opiniões sobre a África transformada,
pós-apartheid, o que acontece é que tudo isto numa requintada teoria se torna um
vazio inócuo diante da existência do ser humano.
  Certamente o livro se desenvolve fazendo com que os leitores assimilem estes
assuntos de desgraça contemporânea que se amálgama tanto a vida que a faz
parecer ter estes valores de forma intrínseca. Portanto, há-de dizer que em nenhum
momento Coetzee superestima ou subestima seus leitores, torna um texto de fácil
acesso em algo brutal, tão afiado quanto uma lamina, ou pior, mais afiado do que
estas sociedades contemporâneas e seus valores humanos jogados numa latrina de
quinta.
                                                                         P.P.F. Simões

   P.S. O nome do livro pela editora Companhia das Letras é Desonra. O livro,
entretanto poderia muito bem se chamar Desgraça, não há motivo que justifique esta
tradução, sendo que a versão portuguesa recebe o nome Desgraça.

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  • 1. Crítica do livro Desgraça de J.M. Coetzee Incrível como um escritor contemporâneo consegue escrever seus livros sendo ao mesmo tempo híbrido num escancarado e sutil em veemências brutais e suaves. Este seria o então consagrado J.M. Coetzee, autor de livros que não deveriam faltar em especial para aqueles que desejam conhecer a África do Sul atual e seus problemas novos, que surgem tão rápidos quanto a incapacidade do protagonista David Lurie em compreendê-los. A escrita, sobretudo, demonstra o quão o Coetzee é um conhecedor dos valores humanos e como eles historicamente na África do sul se dizimaram tornando-se resquícios de como somos enxergados e enxergamos. Não é a toa que a academia sueca do prêmio Nobel o parabenizou com o maior prêmio da literatura, claro a academia que sempre foi julgada por entregar prêmios a autores que eram dos países de primeiro mundo, donde a cultura parece brotar, da península ibérica ao leste europeu, sobretudo os Estados Unidos, se o prêmio de Nobel à J.M. foi apenas uma forma de se desculpar por escritores fora do eixo Europa- América do norte, nunca vamos saber, sendo ele o quarto autor do continente Africano a adquirir um prêmio deste porte e, o segundo de seu país. Mas mesmo para os que se iniciam na leitura de livros consagrados nacionalmente ou internacionalmente, já devem ter percebidos que ter um Nobel não seria uma justificativa para dizer se este escritor é brilhante, contemporâneo e impecável em seus textos em relatar o cotidiano (vide Marcel Proust, Fernando Pessoa, João Guimarães Rosa, Jorge Amado, Clarisse Lispector, James Joyce, apenas para citar alguns). No caso de J. M. Coetzee e seu livro Desonra, que poderia muito bem ser traduzido como Desgraça, o retrato da África moderna e como o livro trata das condições de vida humana, devem sim, ser considerados um dos grandes romances de nossa época. Brilhante ao abordar um professor universitário, intelectual da literatura, quando ocupa sua vida sexual com uma acompanhante de nome Soraya. Um dia simplesmente a senhorita decide por não mais trabalhar para David Larie, com algum motivo particular que o próprio protagonista não conhece. Assim ele, num súbito, paquera descaradamente chegando a convidá-la para seu lar uma de suas alunas Melanie, estudante de teatro e provavelmente o único motivo que ela iria as aulas dele, segundo a opinião do próprio personagem. Como diria o mestre Paulo Freire, em o seu mais importante trabalho, A Pedagogia do Oprimido, David ocupa-se justamente na Posição do Opressor, a Oprimida sente-se coagida como arquétipo duma mulher sul-africana a aceitar as exigências impostas e deita-se com ele várias vezes sem
  • 2. conseguir demonstrar o contrário, que não quer, que não aceita esta posição como aluna na cama dele. De repente a situação inverte antes mesmo de chegarmos ao fundo pelo livro. Se ela denunciou para o namorado, a família, o vizinho, a reitoria, o livro simplesmente não diz e o próprio David fica obstupefato em saber por que ela o denunciara em assedio sexual sem antes querer desfazer esta relação, dialogar ou justificar. Sem saber os motivos, ou se alguém a estimulou nas denuncias, ele é dispensado do corpo docente da faculdade, desistido até mesmo de enfrentar a situação, como dizendo, faça o que quiserem comigo, sou simplesmente culpado por tudo aquilo que me acusam. E pelo visto, este motivo pouco lhe preocupa, o que mais o faz ficar injuriado é o fato do assunto se tornar popular, alunos pararem de freqüentar as aulas que leciona, pessoas olhando de esguelha pelos corredores e um pai vindo exigir satisfações próximo ao átrio duma universidade. Eis então David, um professor que escrevera ensaios pouco conhecidos e ainda sonha em escrever um livro sobre seus poetas favoritos, se muda quando não vê mais nenhum motivo para ficar onde estar, indo até o local em que a filha mora que ele persiste em chamar de quinta. Numa espécie contemporânea de Dante Alighieri se exilando, mas no caso do protagonista não é por forças maiores, forças de estados ou políticas e sim, forças introspectivas que o estimulam a buscar este “exílio”. Ao decorrer do relato, David se depara com uma espécie de Melanie, mas na versão de seu próprio sangue, de sua prole que ele é incapaz de enxergar como filha. Era como um retrato de Soraya, de seus outros casos. Mas num aspecto que ele julga decrépito, acha então que sua filha tornou-se lésbica, chegando a pensar como esta menina outrora hippie hoje está tão feia, horrorosa consoante a própria forma dele julgar as mulheres. David, então começa a adquirir e desenvolver uma árdua crise existencialista e todas as idéias sobre as mulheres parecem não mais surtir efeito diante da sociedade atual que mudou, mas o mesmo homem nada se transformou, ou pelo menos, aparenta assim. Mas é ainda um reflexo daquilo que antes ele simplesmente incitou para o sexo, agora, é a sua filha. Arquétipo semelhante daquilo que ele julgava serem as mulheres. Uma jovem filha, que se está num local em que a desgraça e a brutalidade da vida do campo reina, sendo simplesmente passiva diante de um certo senhor de idade de nome Petrus, negro e vizinho da quinta que aloja aos arredores, vindo se apresentar como um sócio de negócios com a filha. O próprio senhor não é como David, fala estranho e errado, não olha nos semblante ao conversar, é como um egocêntrico, versão inversa do egocentrismo do protagonista e ao que tudo indica, quando o livro avança, este senhor aparenta estar apenas interessado nas terras da filha de David. Ao passar pelo livro, a filha é estuprada, David vai trabalhar num canil em que os
  • 3. animais são executados, pois não resta vida para eles, simplesmente são animais abandonados pela sociedade que tem como o único destino a execução, pois não há ninguém para cuidar deles. Se outrora o protagonista, numa conversa com a filha compara o Golden Retriever do antigo vizinho ao homem, que tem que deixar os seus impulsos serem saciados, agora se transtornou, esta comparação se dá em prol da morte como única escapatória para estes animais assolados à margem dos olhos de qualquer um, num carcomido canil. O protagonista se vê no âmago daquilo que mais odiaria e também na incapacidade de assimilar aqueles problemas e percebe o quão ele faz parte, o quão julga imaginando estar acima da razão, a quão aquela África não é lugar para sua filha, sim poderia ser para Soraya ou para Melanie para qualquer outra mulher que ele a sucumbisse, como Pretrus sucumbia sua filha. Saia aqui, vá a Holanda, vocifera ele para a filha. Um verdadeiro ensaio moderno sobre a vida na África do Sul, em que os arquétipos mais indiferentes são aceitos; enquanto os mais próximos, dos mais achegados parentes, ou mesmo em mim, são nos desconhecidos através da desgraça ou desonra que reina ao nosso redor. Como de praxe, os personagens de Coetzee, são personas contemporâneas que se auto-julgam serem “donas da verdade”, estarem com o conhecimento acadêmico ou não, a seus pés e tudo isto, ao mesmo tempo parece fazer o mundo acontecer como parece não ter nenhum efeito sobre o mundo em que se vive. Não resta mais poesias ou metáforas para explicar e justificar as opiniões sobre a África transformada, pós-apartheid, o que acontece é que tudo isto numa requintada teoria se torna um vazio inócuo diante da existência do ser humano. Certamente o livro se desenvolve fazendo com que os leitores assimilem estes assuntos de desgraça contemporânea que se amálgama tanto a vida que a faz parecer ter estes valores de forma intrínseca. Portanto, há-de dizer que em nenhum momento Coetzee superestima ou subestima seus leitores, torna um texto de fácil acesso em algo brutal, tão afiado quanto uma lamina, ou pior, mais afiado do que estas sociedades contemporâneas e seus valores humanos jogados numa latrina de quinta. P.P.F. Simões P.S. O nome do livro pela editora Companhia das Letras é Desonra. O livro, entretanto poderia muito bem se chamar Desgraça, não há motivo que justifique esta tradução, sendo que a versão portuguesa recebe o nome Desgraça.