O Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou um agravo de instrumento interposto pelo Município de São Carlos contra uma decisão que estendeu uma multa diária ao prefeito e secretário de saúde por descumprimento de uma obrigação de fazer. O Tribunal não conheceu do recurso por ilegitimidade ativa, mas ressaltou que a jurisprudência permite multas a gestores públicos desde que assegurado o contraditório.
1. ESTADO DE SANTA CATARINA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Gabinete Desembargador Ronei Danielli
Agravo de Instrumento n. 4000582-88.2020.8.24.0000 de São Carlos
Agravante : Município de São Carlos
Advogado : Tobias Perotto (OAB: 31009/SC)
Agravado : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Promotora : Silvana do Prado Brouwers (Promotora)
Relator(a) : Desembargador Ronei Danielli
DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA
Município de São Carlos interpôs agravo de instrumento da decisão
proferida pela magistrada da Vara Única da comarca de São Carlos que, na
execução de obrigação de fazer proposta pelo Ministério Público do Estado de
Santa Catarina, determinou a adoção de diversas providências, sob pena de
multa diária a ser imposta ao Prefeito Municipal e ao Secretário de Saúde, nestes
termos:
Deste modo, primando pela efetividade da tutela jurisdicional visada - há
muito desacreditada - ESTENDO a multa, anteriormente aplicada ao Município
executado a título de astreinte, ao Chefe do Poder Executivo, na pessoa do
Prefeito Municipal Rudi Miguel Sander, e ao Secretário da Saúde, na pessoa de
Kelen Giongo, MAJORANDO-A, fixando-a em R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de
descumprimento.
Para tanto, PROMOVA-SE a inclusão do Prefeito Municipal Rudi Miguel
Sander e do Secretário da Saúde Kelen Giongo no polo passivo da demanda.
Em seguida, INTIME-OS, pessoalmente, para no prazo de 30 (trinta) dias:
A) dar integral cumprimento à determinação judicial estabelecida em fls.
299/299-v;
B) comprovar a rescisão contratual com a empresa Clínica Médica San
Martins Mendonça Ltda., com a contratação - por meio de concurso público -
do profissional que vem sendo suprido pela citada empresa, e/ou justificar e
comprovar a impossibilidade;
C) justificar, comprovar e complementar as questões acima apontadas
acerca do controle da jorna de trabalho dos profissionais da saúde; e
D) comprovar o cumprimento integral da obrigação de publicidade dos
profissionais da saúde, nos termos ajustados no item 8 da cláusula primeira do
TAC, observando as disposições acima frisadas.
Sob pena de incidência de multa pecuniária de R$ 1.000,00 (mil reais) por
dia de descumprimento, limitada ao patamar de R$ 100.000,00 (cem mil reais),
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cuja responsabilidade pelo astreinte será exigida pessoal e individualmente,
sem prejuízo às penas de litigância e má-fé, multa pela prática de ato
atentatório à dignidade da justiça e responsabilização pelo crime de
desobediência (CPC, art. 536, § 3º)
CIENTIFIQUE-SE a parte executada que poderá opor-se ao cumprimento
da sentença por meio de impugnação, no prazo de 15 (quinze) dias (art. 525,
caput, do CPC), a qual, em regra, não terá efeito suspensivo, conforme § 6º do
art. 525 do CPC, salvo se requerido expressamente e demonstradas as
hipóteses previstas no mesmo artigo (CPC, art. 536, § 4º).
Aduziu, em síntese, a impossibilidade de extensão da multa aos
agentes políticos, sob pena de configurar violação aos princípios do contraditório
e da ampla defesa, porque não participaram efetivamente do processo.
Requereu, assim, o deferimento do efeito suspensivo e, após o
processamento do recurso, seu provimento.
Esse é o relatório.
O recurso não preenche os requisitos de admissibilidade, pois não
detém o município agravante legitimidade processual para representar os
interesses dos agentes políticos atingidos pela decisão judicial, nos termos do
art. 996 do CPC.
Cumpre destacar, entretanto, que a jurisprudência tem admitido a
cominação de astreintes aos gestores públicos, condicionando-a, entretanto, à
prévia manifestação em juízo, sob pena de violação aos princípios do
contraditório e ampla defesa: REsp 1.315.719/SE, rel. Min Herman Benjamin,
Segunda Turma, DJe 18/9/2013; AgRg no AREsp 196.946/SE, Rel. Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 16/5/2013.
A Terceira Câmara de Direito Público, inclusive, em acórdão nos
autos do processo n. 8000285-52.8.24.0000, da minha relatoria, julgado em
26/03/2019, adotou idêntico posicionamento.
Isso porque, o "art. 11 da Lei n. 7.347/85 autoriza o imposição de
multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal
"mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos
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responsáveis pela efetivação das determinações judiciais" (REsp 1.111.562/RN,
Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe
18/09/2009).
Ressalva-se, contudo, como registrado, a necessidade de se
assegurar prévio contraditório a fim de que tenha o Juízo condições de
compreender a extensão da responsabilidade dos agentes públicos.
Diante do exposto, na forma do art. 932, III, do CPC, não conheço
do agravo de instrumento interposto, diante da flagrante ilegitimidade recursal.
Oficie-se ao juízo de origem, com cópia desta decisão.
Florianópolis, 30 de janeiro de 2020.
Desembargador Ronei Danielli
Relator