Decisão determinou que aulas presenciais sejam imediatamente retomadas em todas as escolas, públicas ou privadas, que tenham Plano de Contingência contra a covid-19 aprovado. MPSC sustentou que não é possível restringir educação presencial, uma atividade essencial assim definida por lei, sem que suspensão, ainda que conjuntamente, atividades consideradas como não essenciais. Ações semelhantes ajuizadas contra os municípios de Florianópolis, Tijucas, Palhoça, Alfredo Wagner, São Pedro de Alcântara, Águas Mornas, Angelina, Anitápolis, Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz e São Bonifácio aguardam decisão judicial
Semelhante a São José: liminar suspende decreto que inverteu ordem de prioridade e desconsiderou a lei estadual que estabelece a educação como atividade essencial
Semelhante a São José: liminar suspende decreto que inverteu ordem de prioridade e desconsiderou a lei estadual que estabelece a educação como atividade essencial (20)
São José: liminar suspende decreto que inverteu ordem de prioridade e desconsiderou a lei estadual que estabelece a educação como atividade essencial
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL Nº 5004376-68.2021.8.24.0064/SC
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RÉU: MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ
DESPACHO/DECISÃO
Trato de Ação Civil Pública, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, proposta pelo Ministério Público do
Estado de Santa Catarina em face do Município de São José, objetivando liminarmente a suspensão dos efeitos do Decreto n.
14.735/2021, naquilo que afeta a Educação, autorizando-se o retorno das aulas presenciais em todas as instituições de ensino,
públicas ou privadas, estaduais ou municipais.
Esclareceu a douta Promotora que, no dia 15 de março de 2021, os Prefeitos Municipais da Associação dos Município
da Grande Florianópolis, em reunião, deliberaram conjuntamente estabelecer medidas restritivas unificadas entre todos os entes
federados da região no contexto do enfrentamento da pandemia de COVID-19. Por conseguinte, o requerido publicou o Decreto n.
14.735/2021 e, no que se refere à educação, estabeleceu:
Art. 2º. Durante o período das 18h do dia 16 de março de 2021 até as 6h do dia 23 de março de 2021, as aulas nas unidades da rede
pública e privada de ensino, incluindo educação infantil, fundamental, nível médio, EJA - educação de jovens e adultos, técnico,
ensino superior e pós-graduação e cursos livres deverão ser ministradas exclusivamente em modo remoto.
Ponderou que "as atividades escolares presenciais foram limitadas e prejudicadas de forma desproporcional e ilegal,
tendo em vista que, mesmo se tratando de atividade essencial, foi colocada em segundo plano pelo Decreto, haja vista que outras
atividades não essenciais foram privilegiadas em detrimento das crianças e adolescentes matriculadas na rede escolar".
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Concluiu afirmando que "não pode a municipalidade ceifar exclusivamente o direito à educação para privilegiar
atividades não essenciais, pois antes de ferir esse direito público subjetivo, deveria, em primeiro lugar ou no mínimo conjuntamente,
restringir todos os outros setores não tidos como essenciais".
Apresentou os fundamentos jurídicos do pedido e, por fim, juntou documentos (evento 1).
Na sequência, emendou a petição inicial para adequar os pedidos, visto que, somente após o ajuizamento da ação,
chegou ao seu conhecimento a publicação do Decreto n. 14.735/2021 (evento 05).
É o breve relato. Decido.
Inicialmente, impõe-se ressaltar que "poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em
decisão sujeita a agravo" (art. 12 da Lei n. 7.347/85) em qualquer ação civil pública, sobretudo nos conflitos que visam às
obrigações de fazer ou não fazer.
Registre-se que, com a entrada em vigor da nova lei adjetiva, o pleito liminar pode ser enquadro como tutela de
urgência de natureza antecipatória.
Dispõe o Código de Processo Civil:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano
ou o risco ao resultado útil do processo.
Assim, para a concessão da tutela de urgência, dois são os requisitos cumulativos: a) probabilidade do direito e b)
perigo de dano.
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Candido Rangel Dinamarco ensina que "probabilidade é a situação decorrente da preponderância dos motivos
convergentes a aceitação de determinada proposição, sobre os motivos divergentes, (...). A probabilidade, assim conceituada, é
menos que a certeza, porque lá os motivos divergentes não ficam afastados, mas somente suplantados; e é mais que a credibilidade,
ou verossimilhança (....). o grau de probabilidade será apreciado pelo Juiz, prudentemente e atento à gravidade da medida a
conceder" (A Reforma do Código de Processo Civil, p. 145).
Conforme a lição de Cassio Scarpinella Bueno, os requisitos presentes no dispositivo supracitado "são expressões
redacionais do que é amplamente consagrado nas expressões latinas fumus boni iuris e periculum in mora" (Novo CPC Anotado, p.
219).
No caso concreto, é possível desde logo reconhecer, dentro de um juízo de cognição sumária, a presença em nível de
suficiência dos requisitos da tutela de urgência, observada, todavia, alguma modulação.
Pois bem.
É de conhecimento geral que o retorno às aulas presenciais foi amplamente discutido desde julho de 2020,
principalmente a partir da instalação do Comitê Estratégico para Retomada das Aulas Presenciais em Santa Catarina, composto por
quinze instituições que, em sua maioria promovem a política educacional nos âmbitos estadual e municipal.
Além das Diretrizes para o Retorno às Aulas, referido grupo elaborou o Plano Estadual de Contingência para a
Educação, o qual, em suma, traça um estratégias e rotinas a fim de padronizar o enfrentamento à pandemia na seara escolar.
Na sequência, os Secretários de Estado da Saúde e da Educação, acompanhados do Chefe da Defesa Civil, lançaram a
Portaria Conjunta n. 750/2020, que passou a determinar que: a) cada município do território catarinense elaborasse o Plano de
Contingência Municipal para a Educação, seguindo o modelo do Plano Estadual (art. 1º); b) cada unidade escolar de Educação
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Básica e Profissional do território catarinense apresentasse o Plano de Contingência Escolar, adequando-o ao Plano Municipal (art.
2º); c) somente poderiam retornar às atividades de forma presencial os estabelecimentos de ensino que obtiverem a homologação do
Plano de Contingência Escolar pelo Comitê Municipal de Gerenciamento da Pandemia de COVID-19 (art. 5º).
Esse processo de maturação das medidas e estratégias de enfrentamento da pandemia do Covid-19, aparentemente
ancorado em análises científicas multidisciplinares, culminou com a edição da Lei Estadual n. 18.032/2020, a qual expressamente
considerou como essencial, dentre outras, a atividade educacional por meio de aulas presenciais (art. 1º, inciso X).
Não é só. No artigo 2º da referida Lei Estadual ficou estabelecido que:
§ 1º As restrições ao direito de exercício das atividades elencadas neste artigo determinadas pelo Poder Público, em situações
excepcionais referidas no caput deste artigo, deverão ser precedidas de decisão administrativa fundamentada da autoridade
competente.
§ 2º A decisão administrativa deverá indicar a extensão, os motivos, critérios técnicos e científicos que embasem as medidas impostas.
Vê-se, portanto, que a suspensão de atividades essenciais foge ao mero juízo de conveniência e oportunidade da
Administração Pública, uma vez que só pode ser admitida excepcionalmente e desde que devidamente fundamentada em critérios
técnicos e científicos. Aqui a discricionariedade foi mitigada pelo legislador.
Tanto isso é verdade que o Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), gestor do
projeto TCE Educação e membro do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa , Gerson Sicca, afirmou que pode haver
a suspensão das atividades presenciais das escolas, mas com algumas condições1
:
Deve haver decisão fundamentada da autoridade administrativa competente, não bastando mera decisão política do Governador,
Prefeitos ou Secretários. O ato deve ser devidamente motivado O art. 1, par.2, da Lei 18032, estabelece como deve ser essa
motivação: A decisão administrativa deverá indicar a extensão, os motivos, critérios técnicos e científicos que embasam as medidas
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impostas. Portanto, é ilegal qualquer decisão que trate a educação presencial como atividade não essencial. A suspensão de uma
atividade essencial requer o estrito cumprimento dos requisitos legais. A educação não pode ser prioridade apenas no discurso. Em
Santa Catarina, há lei expressa garantindo a sua essencialidade. Caso seja necessária a suspensão das atividades presenciais, que se
justifique a medida, apresentando, por exemplo, os dados sobre contágio nas escolas. Fala-se muito, com razão, em respeitar a
ciência. Então que se use a ciência para decidir sobre a educação presencial. Isso evitará a reprise do ano passado: um ano de
suspensão geral das atividades nas escolas, independente da avaliação dos níveis de contágio nas regiões.
E o que se vê de pronto são apenas as determinações constantes do Decreto n. 14.735/2021, sem nenhuma indicação
dos fundamentos científicos para contrapor o já mencionado planejamento coletivo e multidisciplinar do retorno das aulas (o que
poderia, por exemplo, constar em Anexos).
Esse é o mesmo pensamento do Conselho Regional de Medicina (CRM-SC), que veio a público manifestar
preocupação com a suspensão das aulas presenciais, indicando que não há razões científicas para a referida decisão2
. In verbis:
Embora estejamos, de fato, passando pelo momento mais delicado do enfrentamento à COVID-19, o CRM-SC reitera a importância de
que as decisões tomadas sejam embasadas em critérios técnicos e científicos e que sejam levadas em consideração as consequências
das mesmas.
Crianças, de forma geral, apresentam quadros mais brandos, com gravidade e mortalidade notadamente menores do que na
população adulta e, com frequência, podem não apresentar sintoma algum quando infectadas. Embora o papel da criança como
“transmissor” da COVID-19 ainda não seja completamente conhecido, sabe-se que crianças menores de 10 anos são menos
susceptíveis à infecção pelo SARS-CoV-2 do que adolescentes e adultos e há estudos mostrando que é pouco provável que crianças
sejam as fontes primárias de infecção nos domicílios, contrariamente ao que se observa em outras infecções de transmissão
respiratória.
As análises por todo mundo a respeito da transmissibilidade da COVID-19 nas escolas têm evidenciado que estas, seguidas das
medidas de higiene, distanciamento e ventilação de ambientes, são local de risco menor de contágio para as crianças do que seus
próprios domicílios. É mais comum que adultos contraiam a doença em outros locais aos quais frequentam, assim como é mais
comum que as crianças contraiam a doença dos adultos com os quais convivem, do que transmitam a eles.
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Em que pese o retorno às aulas presenciais tenha ocorrido a partir de janeiro deste ano, não foi acompanhado de sobrecarga do
sistema de saúde na atenção pediátrica, com baixa ocupação de leitos de internação e de UTI pediátricos no estado, quer destinados
à COVID-19 ou de atenção médica às demais doenças. Dados atualizados de 16 de março mostram ocupação de 71% para leitos de
UTI pediátrica geral, e somente 25% dos leitos de terapia intensiva habilitados para internação de crianças com COVID-19.
Os danos causados pela suspensão das aulas presenciais às crianças e adolescentes são imensuráveis, e não podem jamais ser
ignorados. O estresse gerado pela pandemia e a impossibilidade de se relacionar com outras crianças e professores tem relação direta
com o aumento de casos de ansiedade, de depressão, agressividade, medo, tristeza, fobia de limpeza, temor de adoecer e, o pior,
tentativas de suicídio. Além disso, vem sendo observado aumento na incidência de distúrbios alimentares e episódios de violência
doméstica, notadamente maiores na população mais vulnerável.
No mais, ao menos em cognição sumaríssima, parece que faltou também ao réu um juízo de proporcionalidade acerca
da medida de restrição das aulas presenciais em face de outras atividades de alto risco (comércio em geral, academias, shopping
centers, salões de beleza eventos sociais e esportivos) que permanecem em funcionamento, ainda que com restrições de horário.
Com efeito, diante da ausência de dados, estudos, levantamentos, relatórios, também soa prematura a avaliação de que
o recente recrudescimento da pandemia deva ser debitado à atividade escolar, como forma de justificar tamanha disparidade de
tratamento.
Os demais pedidos (5.1.2 e 5.1.3 - evento 05) ostentam uma natureza digamos preventiva, diretamente atrelada
à ocorrência de eventos futuros e incertos.
Nesse ponto, é preciso gizar que a evolução da pandemia do Covid-19 demonstrou a impossibilidade de se estabelecer
com segurança cenários vindouros. Afinal, em dado período do ano de 2020, a situação se encaminhava para uma estabilização,
dentro de um certo controle e contingenciamento. Conquanto o agravamento da crise sanitária fosse considerado uma
hipótese possível, pouco se cogitava que, sobretudo com o início da vacinação, pudesse atingir níveis muitos superiores àquilo que
até então se considerava o pico epidêmico.
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A própria Lei Estadual n. 18.032/2020, fundamento principal deste decisum, prevê a possibilidade de futuras restrições
ao exercício das atividades que qualificou como essenciais, desde que, como visto alhures, devidamente fundamentadas.
Demais disso, a intervenção judicial na concretização de políticas públicas encontra lugar quando constatado o
descompromisso direto e atual do Poder Público com a efetivação dos direitos fundamentais, especialmente se constatada a falta de
programas, de ações e de atividade para implementar os mencionados direitos. Cuida-se, como se vê, de hipótese de exceção a ser
utilizada com a devida moderação, sob pena de malferimento do princípio da separação dos poderes.
No caso concreto, o pretendido controle preventivo, por ora, se aproxima de uma espécie de direcionismo judicial com
um certo toque de futurologia, determinando de antemão o caminho a ser percorrido pelo gestor público numa situação ainda
hipotética.
Ante o exposto, autorizado pelo artigo 12 da Lei n. 7.347/85, presentes os demais requisitos do artigo 300 do Código de
Processo Civil, defiro parcialmente o pedido de tutela de urgência para, em consequência, suspender imediatamente os efeitos
do Decreto n. 14.735/2021, naquilo que afeta a Educação, autorizando e determinando o retorno das aulas presenciais em
todas as instituições de ensino com abrangência territorial na Comarca de São José/SC, públicas ou privadas, estaduais ou
municipais, que ofertam Educação Básica e que tenham Plano de Contingência Escolar aprovados.
Intimem-se.
No mais, CITE-SE, consignando que eventual resposta deverá conter de forma clara e objetiva os pontos
controvertidos.
Cumpra-se com urgência.
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Documento eletrônico assinado por OTAVIO JOSE MINATTO, Juíza de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A
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Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OTAVIO JOSE MINATTO
Data e Hora: 17/3/2021, às 8:7:42
1. https://www.nsctotal.com.br/colunistas/renato-igor/decreto-da-grande-florianopolis-que-suspende-aulas-presenciais-contraria-lei. Acesso em 17/03/2021.
2. https://crmsc.org.br/noticias/crm-sc-se-manifesta-contrario-a-suspensao-das-aulas-presenciais. Acesso em: 17/03/2021.
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