2. Por uma Antropologia da
Educação no Brasil
• A obra em destaque soma-se a outras poucas
obras presentes no cenário nacional a respeito
de antropologia e educação. A temática ainda
não alcança pleno sucesso, quer no campo da
antropologia,
quer
no
campo
da
educação,
voltadas para os temas mais
tradicionais de atuação de suas próprias áreas.
3. • Contudo, cada vez mais, a antropologia está
presente nos temas tratados na educação e nas
exigências que advêm das políticas nacionais de
educação (LDB; PCN) e das políticas de diversidade
(Leis 10.639/03 e 11.645/08) que hoje regem o
fazer educativo e impõem novas exigências no
âmbito das práticas pedagógicas, com implicações
na formação de professores e educadores
brasileiros. Por isso tudo, em boa hora, a Coleção
Temas & Educação, da Autêntica Editora, coloca em
circulação Antropologia & Educação.
4. • Os autores, doutores em antropologia, unem
esforços no sentido de “ampliar o significado da
antropologia como forma de educação”, como
afirmam na contracapa do livro, e entendem que a
obra contempla “a educação para além dos limites
físicos da escola”.
• Nesse aspecto, esse é um de seus pontos fortes, ao
tratar de questões como a pluralidade cultural e
outros assuntos relevantes no campo pedagógico.
Relevante, também, a organização da obra em
capítulos que, facilmente, introduzem o leitor leigo
ou o estudante iniciático das Ciências Sociais, da
Educação ou de outra área, no debate pretendido.
5. • A obra compreende um texto de apresentação, uma
introdução à antropologia como educação e quatro
capítulos. A partir dessa organização, torna-se
possível compreender as características centrais da
ciência antropológica no seu percurso histórico
(Capítulo I), em termos da teoria e da prática do seu
fazer científico (Capítulo II), e destacar a centralidade
do
conceito
de
cultura
e
sua
razão de ser no estudo das sociedades humanas
(Capítulo III).
6. • A unidade dos capítulos citados complementa-se
com o Capítulo IV, no qual se discutem as
possibilidades de uma antropologia da educação;
nele há, talvez, um debate iniciado, mas ainda a ser
construído.
• Encerra-se a obra com informações preciosas de
fontes multimídia, de importância significativa a
todos que se dedicam à educação, sejam estes
professores, gestores, pesquisadores, estudantes ou
outros interessados.
7. • A partir dessa apreciação geral, cabe situar alguns
debates que o conteúdo tratado suscita no campo
educacional e, com ele, contribuir mais um passo
para a construção de uma Antropologia da Educação
no Brasil, como já defendia a Profa. Dra. Aracy Lopes
da Silva e como tenho defendido em meus próprios
trabalhos.
• Chamo a atenção para o texto de apresentação da
obra, “Algumas palavras sobre a cultura e a
educação”,
do
Prof.
Carlos
Rodrigues
Brandão, expoente da antropologia brasileira e, em
particular, do debate antropológico em educação.
8. • Brandão, ao situar-nos, a nós, seres
humanos, como produto da relação entre a
natureza e a cultura, afirma que “somos seres
naturais” e que “sobre a natureza que nos é
dada, construímo-nos a nós mesmos e aos nossos
mundos”. Como seres humanos, como sujeitos
sociais.
9. • A ideia de construção é de fundamental
importância, na medida em que é a partir dela que
nos fazemos como seres sociais, que não apenas
nominam fatos e coisas, mas que se diferenciam do
mundo animal. Diferenciam-se não somente porque
sabem e sentem como esses, mas porque “sabemos
que sabemos, e nos sabemos sabendo (ou não
sabendo); e nos sentimos sabendo e nos sabemos
sentindo.”
10. • Aqui, segundo Brandão, a educação, assim como a
cultura,
se
faz
“absolutamente
íntima,
interativa,
inclusiva”.
O
autor
deduz, então, que
• a educação é – como tudo o mais que é humano e é
criação de seres humanos – uma dimensão, uma
esfera interativa e interligada a outras, um elo, uma
trama (no bom sentido da palavra) na teia de
símbolos e saberes, de sentidos e significados, como
também de códigos, de instituições que configuram
uma cultura, uma pluralidade interconectada (não
raro, entre acordos e conflitos) de culturas e entre
culturas, situadas em uma ou entre várias
sociedades. (p. 12).
11. •A
relação
entre
educação
e
cultura
é, assim, fundante e fundamental nas sociedades
humanas, posto que ambas envolvem o ensinar e
aprender em todas as dimensões da vida social.
Nesse sentido, hoje, “no presente e complexo
momento de história que compartimos”, cabenos, segundo Brandão, responder: “qual a função, a
missão e o alcance da educação?” (p. 15).
• Esse o desafio de uma antropologia da educação no
Brasil, que está por fazer.
12. • Por estar ainda em construção é que a “Introdução à
antropologia como educação” se faz necessária.
• Nela não apenas se situa a postura dos autores em
termos da antropologia e da educação, mas também
se abre uma janela de indagações preciosas que aqui
se registram como contribuição ao pensamento
dessa antropologia diferenciada. Para os autores, a
obra é uma contribuição para pensar a “antropologia
como forma de educação”, e “a educação só é
possível como prática antropológica” (p. 17).
13. • Compreendem, assim, para além do campo
acadêmico e disciplinar da antropologia em termos
de alteridade, que esta se faz “uma forma de
produzir um sentido humanista a nossas
experiências no mundo da vida cotidiana”, em razão
de sua natureza interdisciplinar; da conquista de sua
própria trajetória histórica, tal como é referida no
Capítulo I; de sua natureza epistemológica (Capítulo
II) e de sua perspectiva no tempo (Capítulo III), que
conduz à defesa de que “a antropologia é uma
forma de educação” e que “uma boa educação exige
uma prática antropológica” (Capítulo IV).
14. • A questão que merece ser apontada aqui é: poderia
(seria possível) ser qualquer prática antropológica?
Certamente não.
• Nesse sentido, o Capítulo I, “A modernidade da
Antropologia”, ao situar o nascimento dessa ciência e
seu contexto entre os séculos XIX e XX (Ciências
Clássicas e Modernas) até os tempos atuais, com o
advento da pós-modernidade, será uma tentativa de
responder a questão acima. Do conjunto de dados
apresentados, importa destacar um dos movimentos
da antropologia como “ciência aplicada”, ciência de
serviço, constituída entre 1920 e 1940.
15. • Trata-se de uma ciência voltada para a prática e de
natureza instrumental, que permitiu intenso
diálogo com os sistemas políticos da época e, em
particular, com a educação, configurando uma
antropologia da educação e da criança, logo após a
Primeira Guerra Mundial (p. 45).
• O contexto dessa antropologia da educação é bem
descrito pelos autores; contudo, falta fundamental
para alavancar a compreensão de outra
antropologia da educação ou de uma antropologia
e uma educação, hoje, mais compreensivas e
críticas, que venham a se constituir no Brasil, em
termos de teoria e prática.
16. • Não seria o caso de dizer que essa história nada pode
acrescentar a uma educação para a diversidade, em
que a pluralidade do mundo social deve ser admitida
como direito dos povos, tal como se requisita hoje.
• A contribuição da antropologia, com sua teoria e sua
prática, iluminada por sua própria transformação
histórica em uma ciência mais compreensiva e
crítica, faz-se fundamental.
• Diz de um fazer antropológico que é, a um só
tempo, transformado e transformador, e não apenas
por assumir uma concepção mais humanista, tal como
dizem os autores.
17. • O humanismo também pode ser uma armadilha na
defesa dos chamados outros, quando apenas
ideologia e não valor, inclusive por sua capacidade de
responder à natureza instrumental e técnica da
própria educação moderna.
• A antropologia é uma ciência do “fazer-fazendo”, que
se constrói pela crítica constante de seus próprios
passos, uma ciência que “aprende-e-ensina”, ao
mesmo tempo que “ensina-e-aprende”.
18. • Por essa razão, coloca-se como mais-valia no campo
educacional, desafiada pela ruptura entre ensino e
aprendizagem, seja dos que ensinam, seja dos que
aprendem.
• O desafio no qual o fazer antropológico, sua prática
e seu suporte teórico são fundamentais na educação
diz
respeito
a
re-unir
ensinoaprendizagem, tornando-se um aprender ensinando
e um ensinar aprendendo.
• Por esse arrazoado, fica a dúvida: falar de uma
antropologia da educação no Brasil seria pensar uma
“educação antropológica” (p. 19).
19. • Em pauta, o humanismo ideológico presente na
educação que herdamos, também presente no
histórico da disciplina e que, muitas vezes, para os
menos avisados, opera apenas como uma ideologia
geral e abstrata, pouco construtiva e transformadora.
• Aqui, o debate em torno do “Sentido da
etnografia”, Capítulo II da obra, por pertinência e
alcance, pode permitir a construção de uma
antropologia da educação ou de uma antropologia e
uma educação no Brasil que sejam críticas.
Aparentemente, esse é o caminhar dos autores.
20. • A etnografia abordada a partir de uma concepção
fenomenológica de ciência e, portanto, não apenas
como modos de fazer, mas também como teoria do
conhecimento, abre um panorama significativo para
pensar a unidade teoria e prática desse campo
científico.
• A “viagem” dos autores no tempo e no espaço, no
entanto, parece um pouco exaustiva, detalhista, com
relatos breves de trabalhos de campo pioneiros, e
distancia-se do conteúdo tratado no capítulo
anterior.
21. • Talvez por sua abordagem, a compreensão
metodológica das viagens, do viajar como parte do
campo epistemológico, ou seja, “uma viagem do
olhar” ( p. 69), parece ficar restrita aos sentidos
e, no que pese a excelência do texto de Roberto
Cardoso, recuperado pelos autores, não avança o
tanto que poderia.
22. • Por outro lado, não é suficiente afirmar o trabalho de
campo como “uma experiência educativa completa”
(p. 78), já que muitas pesquisas que se dizem
etnográficas, em particular na educação, não chegam
propriamente a sê-lo e sequer dimensionam o estar
em campo como sendo muito mais do que estar com
nossos sujeitos.
• Estar lá diz respeito, principalmente, às bases
epistemológicas que nos conformam como
pesquisadores; mas diz, sobretudo, de nós como
sujeitos sociais, partícipes de uma dada realidade
que é histórica e datada.
23. • Nesse caso, como realidade política que é, não pode
desconhecer a cultura que nos envolve. O fato exige
perceber a cultura não apenas como sentido e
significado, senão como mediação2, ou seja, como
um campo político de muitas possibilidades.
• Aqui, o desafio do Capítulo III ao propor-se ao
debate desse conceito central na ciência
antropológica.
• O Capítulo III – “Cultura como teoria e método” –
dedica-se a historiar a constituição paradigmática do
conceito de cultura no interior da modernidade.
24. • O texto transita entre tempos e espaços
diversos, contextualizando os muitos sentidos do
conceito em suas vertentes teóricas, porém deixa
em branco o debate do final do século XX entre
modernos e pós-modernos, em relação à validade
do conceito e/ou sua revisão.
• Um pouco desse debate poderia fornecer ao leitor
informações preciosas com respeito ao próprio
conceito e sua legitimidade forjada na modernidade
e colocar em tela a emergência de um novo campo –
os Estudos Culturais – e sua influência nas pesquisas
em educação.
25. • Essa questão exige ser ainda explorada, de modo a
revalidar a antropologia como ciência da
modernidade que tem muito a dizer no campo da
educação e muito a dizer no tocante à realidade
plural das sociedades modernas.
• Finalmente, o Capítulo IV – “Para uma antropologia
da educação” – é aquele que busca retomar a
antropologia e a educação no quadro das ciências
humanas e sociais e é, também, o que parece
compor a unidade entre a Introdução e o Capítulo I.
26. • O tripé forma o escopo mais consistente da
obra, no pensar dos autores, de uma
antropologia da educação (avalizada e
complementada
pela
excelente
apresentação), na medida em que os demais
capítulos permanecem no descrever do percurso
histórico da ciência antropológica desde os mais
remotos tempos e, com isso, distancia-se do que
o título da obra propõe como seu centro: a
própria antropologia da educação.
27. • Esta última, presente e ausente por vazios
decorrentes dessa boa intenção dos autores –
informar exaustivamente o leitor a respeito da
antropologia, das correntes e dos autores –
, destaca- se no capítulo por sua particularidade: o
diálogo com a educação.