O documento discute a violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Aponta que 34% das denúncias recebidas pelo Disque-Denúncia Nacional são de agressões físicas e psicológicas e 32% de violência sexual. Também destaca a importância de projetos de lei para melhorar a legislação de proteção de crianças e adolescentes no Código Penal e Processual brasileiro.
Artigo - Proteção aos direitos das crianças e adolescentes: obrigação social
1. Proteção aos direitos das crianças e adolescentes: obrigação social
Gleisi Hoffmann*
Em 18 de maio de 1973, Araceli Cabrera Sanches foi sequestrada, drogada, espancada,
estuprada e morta. Seu corpo, desfigurado por ácido, foi encontrado em uma via pública de
Vitória (ES), onde vivia. Tinha, então, oito anos de idade. A família calou-se diante do crime e
os acusados, que pertenciam a uma tradicional família capixaba, jamais foram punidos. O
corpo da menina só foi sepultado três anos depois. Também em um 18 de maio, mas de 2000,
foi sancionada a Lei 9.970, que instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes, baseado em projeto da então deputada federal Rita
Camata (PMDB/ES).
Com a proximidade da data, clamo à sociedade uma reflexão sobre o tema, que, infelizmente,
ainda é tão presente no nosso cotidiano. A agressão a crianças e adolescentes é uma das
piores e mais cruéis formas de desrespeito aos direitos humanos. É questão jurídica e também
caso de saúde pública. E aqui, não me atenho apenas aos abusos ou exploração sexual. Mas
também a violências físicas e psicológicas contra nossas crianças e jovens.
Desde a criação do Disque-Denúncia Nacional (número 100), em maio de 2003, até fevereiro
deste ano, o serviço, mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
(SDH), realizou mais de 2,5 milhões de atendimentos. Tendo recebido e encaminhado mais de
151 mil denúncias de todo o país.
Das denúncias recebidas, 34% correspondem a agressões físicas e psicológicas e, outros 32%, a
violência sexual. Em todas as modalidades de violência sexual – exploração sexual, tráfico de
crianças e adolescentes para fins de exploração sexual, pornografia e abuso sexual – a grande
maioria é do sexo feminino. Chega a 82% o índice nas situações de exploração sexual.
Como grande parte dos agressores está no âmbito familiar, estima-se que os números sejam
muito maiores. O que torna ainda mais crítica a situação. Pois quem deveria proteger, está
agredindo, muitas vezes em nome da “educação”. E some-se aí, a negligência, que é um tipo
de violência comum, mas muitas vezes ignorado pela sociedade. O assunto foi responsável por
34% dos registros do Disque-Denúncia Nacional, entre 2003 e 2011.
No Paraná, ligado a Universidade Federal, o Grupo de Defesa dos Direitos da Criança e
Adolescente (Dedica), desenvolve um trabalho importantíssimo de atendimento e
acompanhamento de vítimas infanto-juvenis no Hospital de Clínicas. Coordenado pela pediatra
Luci Pfeiffer, o grupo fez importante estudo que aponta para a necessidade de projetos de lei
que insiram regras nos códigos Penal e Processual voltadas à prevenção e repressão da
violência praticada contra crianças e adolescentes.
Baseado em iniciativa do Dedica, que esteve em Brasília, na semana passada, nos reunimos
com outros parlamentares ligados à Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos da
Criança e Adolescente; UFPR; ministérios e órgãos ligados a preservação dos direitos das
crianças e adolescentes, para discutir ações que resultem em projetos de Lei, com vistas a
2. melhorar e aprimorar a nossa legislação. Embora o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) já
possua uma legislação bastante avançada e ousada, é preciso recepcionar esses avanços no
Código Penal e Processual, de maneira a tornar efetivo o cumprimento dos princípios
protetivos constantes na Constituição Federal, bem como no ECA e na Convenção
Internacional dos Direitos da Criança.
A violência é um problema complexo, com múltiplas causas e com consequências
extremamente devastadoras para crianças e adolescentes vítimas de tais agressões. E
nenhuma agressão é excludente. Uma criança que sofre violência física, também é agredida
psicologicamente. E, certamente, tem muito mais probabilidade de tornar-se um adulto
violento. Especialistas apontam, inclusive, que uma criança ou adolescente que sofre abuso
sexual tem grandes chances de ser um pedófilo no futuro.
Portanto, como pais, avós, tios, irmãos, como cidadãos que somos, precisamos atuar e
fiscalizar a sociedade para evitar que tantas Aracelis, Marias, Tatianas, Sofias, Josés, Marcelos,
Rodrigos tenham seus direitos violados todos os dias, país afora. Que nesse 18 de maio
possamos refletir sobre esse cenário e mudar nossas atitudes. Sendo menos omissos e mais
engajados. Para que nossas crianças e adolescentes possam crescer sob as garantias da Carta
Magna brasileira, com proteção, saúde, educação e amor.
*Gleisi Hoffmann é senadora da República (PT/PR) e integra a Frente Parlamentar Mista em
Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente