Este documento discute a Literatura Infantil como uma experiência sensível da linguagem para as crianças. Apresenta como as crianças se relacionam com a linguagem de forma imagética e lúdica. Também discute os benefícios da leitura literária para as crianças e como promover a leitura em sala de aula de forma prazerosa e significativa.
1. Literatura Infantil:
a experiência sensível da
linguagem
Ana Paula Cecato de Oliveira
Assessoria a projetos e programas de leitura da Câmara Rio-Grandense do Livro, Professora de
Português e Literatura e Mestranda em Letras no UNIRITTER
2. • Como nós, mediadores da leitura literária,
entendemos a Literatura?
• A Literatura pode ser considerada um
método de conhecimento?
• Quando falamos em “mediação de leitura”
que ações estão implicadas neste
processo?
• Servirá à Literatura apenas a fruição, o
prazer, o deleite?
4. CRIANÇA LENDO. Da biblioteca da escola recebe-se um livro.
Nas classes inferiores é feita uma distribuição. Só uma vez e
outra ousa-se um desejo. Muitas vezes veem-se livros
cobiçosamente desejados chegar a outras mãos. Por fim,
recebia-se o seu. Por uma semana estava-se inteiramente
entregue ao empuxo do texto, que envolvia branda e
secretamente, densa e incessantemente como flocos de
neve. Dentro dele se entrava com confiança sem limites.
Quietude do livro que seduzia mais e mais! Cujo conteúdo
Nem era tão importante. Pois a leitura caía ainda no tempo
em que se inventavam histórias para si próprio na cama.
5. Seus caminhos semi-encobertos de neve a rastreia. Ao ler, ela
mantém as orelhas tapadas; seu livro fica sobre a mesa alta
demais e uma das mãos fica sempre pousada sobre a folha.
Para ela as aventuras do herói são legíveis ainda no
redemoinho das letras como figura e mensagem no empuxo
dos flocos. Sua respiração está no ar dos acontecimentos e
todas as figuras lhe sopram. Ela está misturada entre as
personagens muito mais de perto do que o adulto. É
indizivelmente concernida pelo acontecer e pelas palavras
trocadas e, quando se levanta, está totalmente coberta pela
neve do lido. (BENJAMIN, 1987, p.37)
7. Pensador alemão (15/7/1892-26/9/1940). Considerado um
dos mais importantes críticos literários da Alemanha do
início do século. Nasce em Berlim e estuda filosofia em
Freiburg, Berlim, Munique e Berna. Fixa-se em Berlim em
1920 e trabalha como crítico e tradutor. É um dos expoentes
da escola de Frankfurt, ao lado de Theodor Adorno e Max
Horkheimer. Interrompe a carreira acadêmica quando, em
1928, a Universidade de Frankfurt rejeita sua tese de
doutorado sobre A Origem do Drama Trágico Alemão,
considerada pouco convencional.
Filho de judeus, deixa a Alemanha em 1933, em virtude da
ascensão do nazismo, e muda-se para Paris. Continua a
escrever ensaios e artigos para jornais de literatura até a
invasão da França pelos nazistas, quando foge para o sul da
Europa com a intenção de escapar para os Estados Unidos
pela Espanha.
Preso pela polícia da cidade de Port-Bou, na fronteira
franco-espanhola, e informado de que seria entregue à
Gestapo, suicida-se. Sua obra rende-lhe reconhecimento
póstumo. Os ensaios contendo suas reflexões filosóficas
sobre literatura são densos e entremeados de observações
poéticas.
8. Quando e como surgiu a
denominação “Literatura
Infantil”...
9. • “O livro infantil alemão – assim como o autor
nos introduz em sua história – nasceu com o
Iluminismo. Com sua forma de educação, os
filantropos colocavam à prova o imenso
programa de formação humanista. Se o homem
era piedoso, bondoso e sociável por natureza,
então deveria ser possível fazer da criança, ser
natural por excelência, o homem mais piedoso,
mais bondoso e sociável.” (BENJAMIN, 2002, p.
54-55)
10. • O surgimento das primeiras obras é
concomitante ao estabelecimento da família
nuclear burguesa, bem como à consolidação da
instituição escolar, por volta do séc. XVIII.
• Não havia grandes preocupações estéticas,
atrelavam-se ao sentido didático-moralizante
destinado ao público escolar.
Muitas questões, ainda, são tabus no espaço
escolar, quando tratados em uma obra literária.
11. Quais seriam, então, as origens
“mais puras” da Literatura Infantil?
• A LI iniciou muito antes do que sua formalização
conceitual, através da aproximação do mundo infantil
com o mundo mítico. Nelly Novaes Coelho afirma que a
aproximação se estabelece pela identificação entre o
popular e o infantil, pois ambos são definidos por uma
“consciência primária na apreensão do eu interior ou da
realidade exterior”, mediados pelas “emoções, sentidos
e sensibilidade” (COELHO, 2000, p. 36).
• Dessa maneira, orientam-se pelo pensamento mágico,
onde prevalecem textos como mitos e lendas. Vale
lembrar, também, de um elo que se complementa à
relação estabelecida previamente: a oralidade. A
maioria das crianças começa sua história de leitor como
ouvinte de histórias, cantigas de ninar e demais gêneros
que provém da Literatura Oral.
12. • Sendo assim, a última definição parece-nos
mais oportuna, uma vez que parte de uma
concepção de literatura como forma de
expressão artística, que não precisa
comprometer-se com ensinamentos e vincular-
se ao espaço escolar.
• Há autores que lançam dúvida à denominação
“Literatura Infantil”, atribuindo “Literatura
para a infância”, defendendo que, dessa
maneira, a produção não se restringe a uma
fase da vida ou classificação etária, e abre
caminhos para unir, pelo poder da palavra,
adultos e crianças num mesmo universo
estético.
13. • “Há um provérbio em Moçambique que diz: a
vida de cada um é um rio. Assim pensado, o
tempo que nos cabe para viver é alimentado
por uma fonte eterna: a infância. E assim dita,
a infância não é um tempo passado, mas a
capacidade infinita de nos renovarmos entre
nascente e estuário. (...) a ideia de que aquilo
que chamamos de Literatura Infantil é, muitas
vezes, um estereótipo fundado numa falsa
menoridade da criança e na verdadeira
arrogância do adulto. Esse conto (A diaba e sua
filha) fala desse rio que apenas existe se nos
olharmos como eternos inventores da nossa
própria infância. Na margem desse rio,
nenhuma história tem idade porque toda a
narrativa está fora do tempo.” (Mia Couto, na
orelha do livro A diaba e sua filha, de Marie
Ndiaye)
14. • A criança exige do adulto uma representação
clara e compreensível, mas não “infantil” (no
sentido de infantilizada). Muito menos aquilo
que o adulto costuma considerar como tal. E já
que a criança possui senso aguçado mesmo
para uma seriedade distante e grave, contanto
que esta venha sincera e diretamente do
coração, muita coisa se poderia dizer a
respeito daqueles textos antigos e fora de
moda.” (BENJAMIN, 2002, p.55)
15. Literatura Infantil enquanto
experiência sensível da linguagem
• A linguagem media a relação do homem com o
seu mundo, somente na linguagem o homem
confere sentido à realidade das coisas.
• De que forma a criança se relaciona com a
linguagem?
• No universo infantil, a relação de significação
com a linguagem acontece por e com imagens,
que remetem a um mundo sensível, desprovido
de objetividade;
• Percepção imagética e lúdica do mundo.
16. Ao elaborar histórias, crianças são cenógrafos que
não se deixam censurar pelo “sentido”.
(BENJAMIN, 2002, p.70)
Fantasiada com todas as cores que capta lendo e
contemplando, a criança se vê em meio a uma
mascarada e participa dela. Lendo – pois se
encontraram as palavras apropriadas a esse baile
de máscaras, palavras que revolteiam confusamente
no meio da brincadeira como sonoros flocos de
neve. (BENJAMIN, 2002, p.70)
17. O que é um bom livro infantil?
• Antes de tudo, deve considerar o repertório, o interesse e o
propósito do leitor;
• Como mediadores, o texto deve aproximar o leitor do prazer
estético e propor “uma educação do olhar”;
• Deve permitir ao leitor a construção de sentidos a partir da
leitura;
• O essencial é que as produções cativem com o recurso à
fantasia, por seu caráter mágico, pela valorização das
sensações e emoções que os transporta para o mundo da
imaginação, edificado pelas imagens e símbolos do texto
literário. (MARTHA, 2011, p.50)
• O livro inserir-se num campo de produção cultural para a
criança.
18. O livro infantil como objeto cultural*
• Elementos externos ao texto verbal (capa, contracapa,
orelhas, paratextos, informações contextualizantes dos
autores, fonte, papel, ilustrações, projeto gráfico);
• Elementos internos (estruturais como foco narrativo,
verossimilhança, linguagem, caráter de
experimentação, intertextualidade, relação com outras
lggs, rompimento de clichês e modelos, ambiguidade e
pluralidade de significação da lggm literária, adequação
do discurso das personagens a variáveis como tempo e
espaço no mundo narrado).
• Jogo de sentidos – diálogo entre palavras e imagens –
Literatura Infantil é um gênero híbrido.
*De acordo com MARTHA, 2011, p.49-53)
19. Como trabalhar com a LI em sala de
aula, sala de leitura, biblioteca...?
• O mediador deve ser um atento observador da realidade
em que está inserido (conhecer o repertório cultural da
comunidade, se participam de eventos de letramento,
observar de que forma se expressam, quais temas lhes
interessam) e um bom conhecedor de obras clássicas e
contemporâneas de LI (o caminho pode ser o acervo
disponibilizado pelo PNBE às bibliotecas escolas é uma
ótima referência, a participação em eventos como
seminários na Feira do Livro, acesso a sites sobre o
gênero, onde podem ser encontradas resenhas dos
livros...)
20. • É preciso que a leitura e a escrita sejam
entendidas como práticas que são significadas a
partir das produções dos sujeitos envolvidos;
• Trabalhos interdisciplinares, contemplando os
níveis de expressão oral, visual e escrito;
• Contextualização da obra lida;
• Utilizar o espaço da biblioteca e outros do
ambiente escolar para leituras.
21. A convenção da maioria das escolas tem sido a de
tratar a arte da narrativa – as canções, o drama,
a ficção, o teatro, seja lá o que for – mais como
uma “decoração” do que como uma necessidade,
como algo que tenha que enfeitar o lazer, ou, às vezes,
até como moralmente exemplar. Apesar disso,
formulamos os relatos de nossas origens culturais e das
crenças que nos são mais caras sob a forma de histórias, e
não apenas o “conteúdo” dessas histórias nos atrai, mas
seu artifício narrativo. (BRUNER, 2001, p. 171 apud
CORSO, 2011 p.21).
22. Alguns sites sobre LI:
• Dobras da Leitura:
http://www.dobrasdaleitura.com/index.html
• Memórias da LIJ:
• http://www.museudapessoa.net/mdl/memoriasDaLiteratura
• Mundo da Leitura:
• http://mundodaleitura.upf.br/novo/index.php
• O livro infantil:
• http://olivroinfantil.blogspot.com.br/
• Revista Tigre Albino (poesia infantil)
• http://www.tigrealbino.com.br/
• http://programasdeleitura.blogspot.com
23. Bibliografia
• BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política.
São Paulo, Brasiliense, 1985.
• _____________. Obras Escolhidas II. Rua de Mão Única. São Paulo,
Brasiliense, 1987.
• _____________. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação.
São Paulo: Duas Cidades & Ed. 34, 2002.
• COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São
Paulo: Moderna, 2000.
• CORSO, Diana & Mario. A psicanálise na Terra do Nunca: ensaios
sobre a fantasia. Porto alegre: Penso, 2011.
• GAIMAN, Neil. Os lobos dentro das paredes. Rio de Janeiro: Rocco,
2002.
• MARINHO, Jorge Miguel. A convite das palavras: motivações para ler,
escrever e criar. São Paulo: Biruta, 2009.
• OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em Literatura Infantil e Juvenil –
com a palavra o educador. São Paulo: DCL, 2011.
• PRIETO, Heloisa. Quer ouvir uma história? Lendas e mitos no mundo
da criança. Campinas: Angra, 1999.