SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 10
Baixar para ler offline
A Loira do BanheiroRegião: Avaré, São Paulo
Informante: Lauro da Cruz CorreaIdade: 36 anos
Profissão: divulgador editorial
Relato 5
Na vida, tenho duas grandes pai-xões: literatura e cinema.Quando era menino, eu queria serator, trabalhar em filmes de aven-turas, fazer papel de astronauta, desoldado, tudo que envolvesse muitoperigo.
Relato 5
A Loira do Banheiro
56
Mas eu nasci no interior de São Paulo.
Difícil realizar um sonho desses.
Quando eu tinha dezessete anos, comecei a ler histórias
de terror. Conheço todos os grandes mestres do suspense:
Edgar Allan Poe é meu preferido, em segundo lugar está
Bram Stocker, criador de Drácula.
Durante vários anos vivi todas as emoções mais intensas,
o medo, o amor, o perigo, lendo livros ou sentado no cantinho
escuro de um cinema.
Sou um cara de sorte. Trabalho com aquilo que mais
gosto: livros. Atuo como divulgador de uma grande editora.
Percorro as escolas mostrando os lançamentos, contando as
histórias, enfim, sou pago para ler, veja só.
E sempre que eu tentava vender uma boa história de fan-
tasmas, depois fechava o livro aliviado e comentava com os
professores: escritores têm tanta imaginação... Já pensou se
tudo isso fosse verdade?
Até o dia em que descobri que o mistério nos ronda, nos
assombra, também fora dos livros e dos filmes.
E se os fantasmas existirem?
Afinal, há histórias assim no mundo todo...
Essa dúvida me persegue e tudo começou por causa de
uma história que me foi contada por três garotos apavo-
rados.
Eu caminhava pelos corredores de uma escola
levando meus livros, minha maleta com os catálo-
gos editoriais, os braços repletos de panfletos
anunciando os lançamentos.
Relato 5
A Loira do Banheiro
58
Vi a porta do banheiro masculino abrir-se com toda vio-
lência. Dela saíram três jovens de mais ou menos dezessete
anos de idade. Cabelos molhados, respiração ofegante, o
rosto em pânico. Aquilo despertou minha curiosidade.
Na saída da escola, encontrei um deles, Ricardo era seu
nome. Normalmente sou muito discreto, mas a curiosidade
me matava.
– Vem cá, me conte, por que foi que vocês saíram correndo
daquele jeito? Viram alguma assombração?
Ele custou um tempo para responder. Mas de repente
disse bem baixinho:
– Mas eu vi mesmo, eu vi um fantasma.
– Que fantasma, garoto? Você está passando bem? Quer
que eu chame sua professora?
– Não, escuta, eu só vou contar pro senhor, depois eu
quero esquecer.
– Então conte, mas é melhor sair daqui, do meio
do corredor.
Fomos até o pátio, o garoto respirou fundo e
começou a me contar:
– Bom, o negócio começou assim: eu tenho
mais dois amigos. Eu sou o Rico, depois vem
o Betão. O Betão é cético. Ele tem que ver
para crer. Só que ele nunca vê nada.
Aliás, ele vê sim. Garotas. O cara é
magrinho, tropeça em tudo, mas
faz o maior sucesso. Dá raiva,
até. Bom, tem também o João.
59
Relato 5
A Loira do Banheiro
Ele ri muito, é o contrário do Beto, acredita em tudo que
se fala. Chupa-cabra, ET de Varginha, Loira do Banheiro
e daí vai.
– E você? É cético ou crédulo? – perguntei, achando engra-
çado o jeito do menino.
– Eu? Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, como dizia
minha avó. Eu acredito e não acredito. Não vou dizer que
preciso ver para crer, porque dá de ver...
– E você já viu alguma coisa estranha, certo? – sugeri.
– Certo. Foi assim: nós três estávamos no banheiro falando
das meninas. O único de nós que já teve namorada foi o Beto,
claro. O João estava sentado no chão. E eu estava louco da
vida. Tinha levado um fora de uma garota. Foi então que tive
uma idéia. Era maligna, agora eu sei. Até hoje me arrependo.
Mas quando vi, já tinha falado: “E se a gente chamasse a tal
da Loira do Banheiro?” O senhor já ouviu
falar?
– Não – respondi, achando aquela
conversa engraçada.
– É uma loira fantasma. Ela aparece
para quem invoca seu nome.
– Vai me dizer que ela apareceu
para vocês – eu disse, incré-
dulo.
– Bem, nós fizemos
tudo que era preciso:
bater três vezes no
espelho, falando bem
Relato 5
A Loira do Banheiro
60
baixo, com voz de apaixonado, loira, loira, loira, depois, a
gente deu descarga três vezes e três pulinhos ridículos. Mas
eu estava tão bravo naquele dia... resolvi fazer palhaçada,
pensava que era só brincadeira.
Mas não era, não.
Lembro de tudo até hoje.
Corri para o espelho.
Beijei minha própria boca.
Sussurrei: loira, loirinha, vem cá...
Meus amigos morriam de rir.
Fizeram igual.
Depois, todos nós demos três descargas.
Ríamos tanto que a barriga doía.
Depois demos os três pulinhos.
Foi nisso que apareceu o diretor.
Resultado: suspensão para todos nós.
Na volta para casa, meus amigos estavam muito bravos
comigo.
De repente, eu vi. Uma loira linda. Atravessando a rua.
– A loira! – gritei.
– Você está louco? Essa loira é gente, não é fantasma coisa
nenhuma! – o João falou.
Do outro lado da calçada, a loira caminhava, sorria e
acenava de longe. Quase desmaiei. Só não desmaiei porque
apareceu outra loira. É isso mesmo. Eu ia gritar, mas daí
surgiu a última loira. Idêntica. Loiras trigêmeas. Uma para
cada um de nós.
61
Relato 5
A Loira do Banheiro
Relato 5
A Loira do Banheiro
62
Bom, atravessamos a rua feito loucos. As loiras nos ace-
navam do outro lado. Nem vimos os carros, nem ouvimos a
buzina, nem o ruído do breque.
Quando acordamos, estávamos no hospital. Uma maca ao lado
da outra. Todos nós machucados, braços, perna na tipóia.
De repente, Betão estendeu a mão para o espelho do quarto
do hospital e gritou assim:
– Olha lá as loiras!
Eu olhei. Antes não tivesse olhado.
As trigêmeas. Lindas. Idênticas. Uma para cada um de nós.
Sabe onde?
Dentro do espelho.
Acenando adeus. Rindo.
Desmaiamos outra vez.
É por isso que nunca vamos ao banheiro sozinhos, de jeito
nenhum. E se ela aparecer?
Quando o menino acabou sua história, levantou-se e foi
embora rapidamente.
Fiquei pensando, essa história dava uma bom conto de
terror, a garotada inventa cada coisa para acabar com o
tédio... Loira do Banheiro!
Mas, naquela noite, sonhei com lindas loiras fantasma-
góricas, dançando nos reflexos dos espelhos, na tela da
televisão...
Acordei pensando que aquilo já estava virando um exa-
gero. Afinal, era só um desses casos malucos, bobagem de
criança.
63
Relato 5
A Loira do Banheiro
Acontece que, daquele dia em diante, cada vez que entro
no banheiro de uma escola, lembro-me da loira fantasma.
Confesso que, ao longo do tempo, encontrei várias outras
crianças assustadas com essa mesma assombração. Parece
epidemia. Um medo que contagia. É, porque aos poucos, vou
ser sincero, eu também comecei a sentir medo. Mesmo sendo
um adulto, mesmo conhecendo tantas histórias e tantos filmes
de terror, há dias em que entro no banheiro bem rápido, lavo
as mãos sem olhar para o espelho e, quando fecho a porta,
respiro bem aliviado.
E se for tudo verdade?
E se os fantasmas existirem?
Como é que ficam os vivos?
Uma coisa eu sei.
Depois da Loira, todas as outras histórias viraram boba-
gem, invenção de escritor.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Branca+de+neve+e+os+sete+anões
Branca+de+neve+e+os+sete+anõesBranca+de+neve+e+os+sete+anões
Branca+de+neve+e+os+sete+anõesVilma Amaral
 
Exercícios vocativo com gabarito
Exercícios vocativo com gabaritoExercícios vocativo com gabarito
Exercícios vocativo com gabaritoCarolina Souza
 
Exercicios extra 6 ano artigos e numerais
Exercicios extra 6 ano artigos e numeraisExercicios extra 6 ano artigos e numerais
Exercicios extra 6 ano artigos e numeraisElaine Rabelo
 
Atividade interdisciplinar portugues ensino religioso sobre familia.doc
Atividade interdisciplinar portugues ensino religioso sobre  familia.docAtividade interdisciplinar portugues ensino religioso sobre  familia.doc
Atividade interdisciplinar portugues ensino religioso sobre familia.docAtividades Diversas Cláudia
 
Livro - Contos de terror - 5º ano "E"
Livro - Contos de terror - 5º ano "E"Livro - Contos de terror - 5º ano "E"
Livro - Contos de terror - 5º ano "E"Guilherme Leão
 
Lista de exercícios de Inglês (sexto ano)
Lista de exercícios de Inglês (sexto ano)Lista de exercícios de Inglês (sexto ano)
Lista de exercícios de Inglês (sexto ano)Paula Meyer Piagentini
 
Texto A coisa de Ruth Rocha
Texto A coisa de Ruth RochaTexto A coisa de Ruth Rocha
Texto A coisa de Ruth RochaRose Tavares
 
Atividades referente ao filme; Extraordinário
Atividades referente ao filme; ExtraordinárioAtividades referente ao filme; Extraordinário
Atividades referente ao filme; ExtraordinárioFrancilene Barbbosa
 
Explorando o texto a princesa e a ervilha
 Explorando o texto a princesa e a ervilha Explorando o texto a princesa e a ervilha
Explorando o texto a princesa e a ervilhapipatcleopoldina
 

Mais procurados (20)

D8 (5º ano mat.)
D8 (5º ano   mat.)D8 (5º ano   mat.)
D8 (5º ano mat.)
 
Higiene na historia do brasil
Higiene na historia do brasilHigiene na historia do brasil
Higiene na historia do brasil
 
Branca+de+neve+e+os+sete+anões
Branca+de+neve+e+os+sete+anõesBranca+de+neve+e+os+sete+anões
Branca+de+neve+e+os+sete+anões
 
Exercícios vocativo com gabarito
Exercícios vocativo com gabaritoExercícios vocativo com gabarito
Exercícios vocativo com gabarito
 
Exercicios extra 6 ano artigos e numerais
Exercicios extra 6 ano artigos e numeraisExercicios extra 6 ano artigos e numerais
Exercicios extra 6 ano artigos e numerais
 
Atividade interdisciplinar portugues ensino religioso sobre familia.doc
Atividade interdisciplinar portugues ensino religioso sobre  familia.docAtividade interdisciplinar portugues ensino religioso sobre  familia.doc
Atividade interdisciplinar portugues ensino religioso sobre familia.doc
 
Gabarito: Atividade interdisciplinar: Bullying – 8º ou 9ª ano – Com resposta
 Gabarito: Atividade interdisciplinar:  Bullying – 8º ou 9ª ano – Com resposta Gabarito: Atividade interdisciplinar:  Bullying – 8º ou 9ª ano – Com resposta
Gabarito: Atividade interdisciplinar: Bullying – 8º ou 9ª ano – Com resposta
 
Fábulas 1
Fábulas 1Fábulas 1
Fábulas 1
 
Tipos de sujeito e predicado- exercícios
Tipos de sujeito e predicado-   exercícios Tipos de sujeito e predicado-   exercícios
Tipos de sujeito e predicado- exercícios
 
Nomes de animais em ingles
Nomes de animais em inglesNomes de animais em ingles
Nomes de animais em ingles
 
Livro - Contos de terror - 5º ano "E"
Livro - Contos de terror - 5º ano "E"Livro - Contos de terror - 5º ano "E"
Livro - Contos de terror - 5º ano "E"
 
INTERPRETAÇÃO DE TEXTO: CUIDE DAS SUAS ATITUDES – 8º OU 9º ANO
INTERPRETAÇÃO DE TEXTO: CUIDE DAS SUAS ATITUDES – 8º OU 9º ANOINTERPRETAÇÃO DE TEXTO: CUIDE DAS SUAS ATITUDES – 8º OU 9º ANO
INTERPRETAÇÃO DE TEXTO: CUIDE DAS SUAS ATITUDES – 8º OU 9º ANO
 
Valorização a vida
Valorização a vidaValorização a vida
Valorização a vida
 
Lista de exercícios de Inglês (sexto ano)
Lista de exercícios de Inglês (sexto ano)Lista de exercícios de Inglês (sexto ano)
Lista de exercícios de Inglês (sexto ano)
 
Ensino religioso
Ensino religiosoEnsino religioso
Ensino religioso
 
Atividade (cláudia) um dia você aprende
Atividade (cláudia) um dia você aprendeAtividade (cláudia) um dia você aprende
Atividade (cláudia) um dia você aprende
 
Prova 7ano ensino religioso 2b pet 2
Prova 7ano ensino religioso 2b pet 2Prova 7ano ensino religioso 2b pet 2
Prova 7ano ensino religioso 2b pet 2
 
Texto A coisa de Ruth Rocha
Texto A coisa de Ruth RochaTexto A coisa de Ruth Rocha
Texto A coisa de Ruth Rocha
 
Atividades referente ao filme; Extraordinário
Atividades referente ao filme; ExtraordinárioAtividades referente ao filme; Extraordinário
Atividades referente ao filme; Extraordinário
 
Explorando o texto a princesa e a ervilha
 Explorando o texto a princesa e a ervilha Explorando o texto a princesa e a ervilha
Explorando o texto a princesa e a ervilha
 

Destaque

Retratos da Leitura em Esteio
Retratos da Leitura em EsteioRetratos da Leitura em Esteio
Retratos da Leitura em EsteioAna Paula Cecato
 
Conto de mistério
Conto de mistérioConto de mistério
Conto de mistériofernandavsm
 
Constituição de acervo para bibliotecas
Constituição de acervo para bibliotecasConstituição de acervo para bibliotecas
Constituição de acervo para bibliotecasAna Paula Cecato
 
Leitura e conhecimento no espaço da biblioteca escolar
Leitura e conhecimento no espaço da biblioteca escolarLeitura e conhecimento no espaço da biblioteca escolar
Leitura e conhecimento no espaço da biblioteca escolarAna Paula Cecato
 
Tessituras literatura infantil
Tessituras   literatura infantilTessituras   literatura infantil
Tessituras literatura infantilAna Paula Cecato
 
Literatura infantil.narrativa
Literatura infantil.narrativaLiteratura infantil.narrativa
Literatura infantil.narrativaAna Paula Cecato
 
Projeto de leitura literária
Projeto de leitura literáriaProjeto de leitura literária
Projeto de leitura literáriaAna Paula Cecato
 
end of life chemotherapy
end of life chemotherapyend of life chemotherapy
end of life chemotherapykhoirul anwar
 

Destaque (10)

Historias de terror
Historias de terrorHistorias de terror
Historias de terror
 
Retratos da Leitura em Esteio
Retratos da Leitura em EsteioRetratos da Leitura em Esteio
Retratos da Leitura em Esteio
 
Conto de mistério
Conto de mistérioConto de mistério
Conto de mistério
 
Constituição de acervo para bibliotecas
Constituição de acervo para bibliotecasConstituição de acervo para bibliotecas
Constituição de acervo para bibliotecas
 
Leitura e conhecimento no espaço da biblioteca escolar
Leitura e conhecimento no espaço da biblioteca escolarLeitura e conhecimento no espaço da biblioteca escolar
Leitura e conhecimento no espaço da biblioteca escolar
 
Tessituras literatura infantil
Tessituras   literatura infantilTessituras   literatura infantil
Tessituras literatura infantil
 
Literatura infantil.narrativa
Literatura infantil.narrativaLiteratura infantil.narrativa
Literatura infantil.narrativa
 
Projeto de leitura literária
Projeto de leitura literáriaProjeto de leitura literária
Projeto de leitura literária
 
end of life chemotherapy
end of life chemotherapyend of life chemotherapy
end of life chemotherapy
 
Modelo de capa trabalhos
Modelo de capa trabalhosModelo de capa trabalhos
Modelo de capa trabalhos
 

Semelhante a A loira do banheiro

A história de Florzinha
A história de FlorzinhaA história de Florzinha
A história de FlorzinhaSylvia Seny
 
Gil cleber-a-lenda-de-chapeuzinho-vermelho
Gil cleber-a-lenda-de-chapeuzinho-vermelhoGil cleber-a-lenda-de-chapeuzinho-vermelho
Gil cleber-a-lenda-de-chapeuzinho-vermelhoflavioholograma
 
Memórias de um lobo mau
Memórias de um lobo mauMemórias de um lobo mau
Memórias de um lobo mauCarlos Pinheiro
 
Apenas uma noite
Apenas uma noiteApenas uma noite
Apenas uma noiteEdivanfff
 
Crônicas para jovens, Clarice Lispector.pptx
Crônicas para jovens,  Clarice Lispector.pptxCrônicas para jovens,  Clarice Lispector.pptx
Crônicas para jovens, Clarice Lispector.pptxCrisBiagio
 
A bolsa amarela
A bolsa amarelaA bolsa amarela
A bolsa amarelagi_76
 
Alessandro d'avenia branca como o leite, vermelha como o sangue
Alessandro d'avenia   branca como o leite, vermelha como o sangueAlessandro d'avenia   branca como o leite, vermelha como o sangue
Alessandro d'avenia branca como o leite, vermelha como o sangueLudmila Moreira
 
Capítulo 1 ataques, contra-ataques e conquistas
Capítulo 1   ataques, contra-ataques e conquistasCapítulo 1   ataques, contra-ataques e conquistas
Capítulo 1 ataques, contra-ataques e conquistasIolanda Medina
 
Lygia bojunga nunes a bolsa amarela
Lygia bojunga nunes   a bolsa amarelaLygia bojunga nunes   a bolsa amarela
Lygia bojunga nunes a bolsa amarelaEstado do RS
 
A confidente da rameira caduca
A confidente da rameira caducaA confidente da rameira caduca
A confidente da rameira caducaArthur Dellarubia
 
Mundo fabuloso
Mundo fabulosoMundo fabuloso
Mundo fabulosoCrisBiagio
 
A moreninha de_joaquim_manuel_de_macedo
A moreninha de_joaquim_manuel_de_macedoA moreninha de_joaquim_manuel_de_macedo
A moreninha de_joaquim_manuel_de_macedoMClara
 

Semelhante a A loira do banheiro (20)

A história de Florzinha
A história de FlorzinhaA história de Florzinha
A história de Florzinha
 
Gil cleber-a-lenda-de-chapeuzinho-vermelho
Gil cleber-a-lenda-de-chapeuzinho-vermelhoGil cleber-a-lenda-de-chapeuzinho-vermelho
Gil cleber-a-lenda-de-chapeuzinho-vermelho
 
Blog
BlogBlog
Blog
 
Aprofundamento 04
Aprofundamento 04Aprofundamento 04
Aprofundamento 04
 
Zeli pausa
Zeli pausaZeli pausa
Zeli pausa
 
Memórias de um lobo mau
Memórias de um lobo mauMemórias de um lobo mau
Memórias de um lobo mau
 
Apenas uma noite
Apenas uma noiteApenas uma noite
Apenas uma noite
 
Crônicas para jovens, Clarice Lispector.pptx
Crônicas para jovens,  Clarice Lispector.pptxCrônicas para jovens,  Clarice Lispector.pptx
Crônicas para jovens, Clarice Lispector.pptx
 
A bolsa amarela
A bolsa amarelaA bolsa amarela
A bolsa amarela
 
Alessandro d'avenia branca como o leite, vermelha como o sangue
Alessandro d'avenia   branca como o leite, vermelha como o sangueAlessandro d'avenia   branca como o leite, vermelha como o sangue
Alessandro d'avenia branca como o leite, vermelha como o sangue
 
Pausa - Moacyr Scliar
Pausa  - Moacyr ScliarPausa  - Moacyr Scliar
Pausa - Moacyr Scliar
 
Capítulo 1 ataques, contra-ataques e conquistas
Capítulo 1   ataques, contra-ataques e conquistasCapítulo 1   ataques, contra-ataques e conquistas
Capítulo 1 ataques, contra-ataques e conquistas
 
Lygia bojunga nunes a bolsa amarela
Lygia bojunga nunes   a bolsa amarelaLygia bojunga nunes   a bolsa amarela
Lygia bojunga nunes a bolsa amarela
 
Lendas e causos
Lendas e causosLendas e causos
Lendas e causos
 
A confidente da rameira caduca
A confidente da rameira caducaA confidente da rameira caduca
A confidente da rameira caduca
 
Mundo fabuloso
Mundo fabulosoMundo fabuloso
Mundo fabuloso
 
Pressão
PressãoPressão
Pressão
 
A moreninha de_joaquim_manuel_de_macedo
A moreninha de_joaquim_manuel_de_macedoA moreninha de_joaquim_manuel_de_macedo
A moreninha de_joaquim_manuel_de_macedo
 
Lendas e causos
Lendas e causosLendas e causos
Lendas e causos
 
D 11.pptx
D 11.pptxD 11.pptx
D 11.pptx
 

Mais de Ana Paula Cecato

Somos feitos de histórias: reflexões sobre a literatura e a biblioteca
Somos feitos de histórias: reflexões sobre a literatura e a bibliotecaSomos feitos de histórias: reflexões sobre a literatura e a biblioteca
Somos feitos de histórias: reflexões sobre a literatura e a bibliotecaAna Paula Cecato
 
Lista de escolas Lendo pra Valer
Lista de escolas Lendo pra ValerLista de escolas Lendo pra Valer
Lista de escolas Lendo pra ValerAna Paula Cecato
 
Estratégias digitais na educação - Escritora e especialista em Informática na...
Estratégias digitais na educação - Escritora e especialista em Informática na...Estratégias digitais na educação - Escritora e especialista em Informática na...
Estratégias digitais na educação - Escritora e especialista em Informática na...Ana Paula Cecato
 
Projeto de leitura na EMEF Maria Gusmão Britto (São Leopoldo) - Profª Neusa P...
Projeto de leitura na EMEF Maria Gusmão Britto (São Leopoldo) - Profª Neusa P...Projeto de leitura na EMEF Maria Gusmão Britto (São Leopoldo) - Profª Neusa P...
Projeto de leitura na EMEF Maria Gusmão Britto (São Leopoldo) - Profª Neusa P...Ana Paula Cecato
 
LEndo pra Valer na EEEF Porto Alegre
LEndo pra Valer na EEEF Porto AlegreLEndo pra Valer na EEEF Porto Alegre
LEndo pra Valer na EEEF Porto AlegreAna Paula Cecato
 
Maribel Soares: é hora da história
Maribel Soares: é hora da históriaMaribel Soares: é hora da história
Maribel Soares: é hora da históriaAna Paula Cecato
 
Tessituras: apresentação de Rosane Castro
Tessituras: apresentação de Rosane CastroTessituras: apresentação de Rosane Castro
Tessituras: apresentação de Rosane CastroAna Paula Cecato
 
Relato de experiência - EEEF Ezequiel Nunes Filho (Esteio)
Relato de experiência - EEEF Ezequiel Nunes Filho (Esteio)Relato de experiência - EEEF Ezequiel Nunes Filho (Esteio)
Relato de experiência - EEEF Ezequiel Nunes Filho (Esteio)Ana Paula Cecato
 
Tessituras: Poesia oral e autoral
Tessituras: Poesia oral e autoralTessituras: Poesia oral e autoral
Tessituras: Poesia oral e autoralAna Paula Cecato
 
Literatura e primeira infância
Literatura e primeira infânciaLiteratura e primeira infância
Literatura e primeira infânciaAna Paula Cecato
 
Como se faz um livro? Elaine Martiza
Como se faz um livro? Elaine MartizaComo se faz um livro? Elaine Martiza
Como se faz um livro? Elaine MartizaAna Paula Cecato
 
Como se faz um livro? Gláucia de Souza
Como se faz um livro? Gláucia de SouzaComo se faz um livro? Gláucia de Souza
Como se faz um livro? Gláucia de SouzaAna Paula Cecato
 
Programas de Leitura Lendo pra Valer
Programas de Leitura Lendo pra ValerProgramas de Leitura Lendo pra Valer
Programas de Leitura Lendo pra ValerAna Paula Cecato
 
Programa de Leitura Adote um Escritor
Programa de Leitura Adote um EscritorPrograma de Leitura Adote um Escritor
Programa de Leitura Adote um EscritorAna Paula Cecato
 
Programa de Leitura LeiturAção
Programa de Leitura LeiturAçãoPrograma de Leitura LeiturAção
Programa de Leitura LeiturAçãoAna Paula Cecato
 

Mais de Ana Paula Cecato (20)

Somos feitos de histórias: reflexões sobre a literatura e a biblioteca
Somos feitos de histórias: reflexões sobre a literatura e a bibliotecaSomos feitos de histórias: reflexões sobre a literatura e a biblioteca
Somos feitos de histórias: reflexões sobre a literatura e a biblioteca
 
Lista de escolas Lendo pra Valer
Lista de escolas Lendo pra ValerLista de escolas Lendo pra Valer
Lista de escolas Lendo pra Valer
 
Coração de bigodes
Coração de bigodesCoração de bigodes
Coração de bigodes
 
Estratégias digitais na educação - Escritora e especialista em Informática na...
Estratégias digitais na educação - Escritora e especialista em Informática na...Estratégias digitais na educação - Escritora e especialista em Informática na...
Estratégias digitais na educação - Escritora e especialista em Informática na...
 
Projeto de leitura na EMEF Maria Gusmão Britto (São Leopoldo) - Profª Neusa P...
Projeto de leitura na EMEF Maria Gusmão Britto (São Leopoldo) - Profª Neusa P...Projeto de leitura na EMEF Maria Gusmão Britto (São Leopoldo) - Profª Neusa P...
Projeto de leitura na EMEF Maria Gusmão Britto (São Leopoldo) - Profª Neusa P...
 
Dedilhando Sonhos
Dedilhando SonhosDedilhando Sonhos
Dedilhando Sonhos
 
LEndo pra Valer na EEEF Porto Alegre
LEndo pra Valer na EEEF Porto AlegreLEndo pra Valer na EEEF Porto Alegre
LEndo pra Valer na EEEF Porto Alegre
 
Maribel Soares: é hora da história
Maribel Soares: é hora da históriaMaribel Soares: é hora da história
Maribel Soares: é hora da história
 
Tessituras: apresentação de Rosane Castro
Tessituras: apresentação de Rosane CastroTessituras: apresentação de Rosane Castro
Tessituras: apresentação de Rosane Castro
 
Relato de experiência - EEEF Ezequiel Nunes Filho (Esteio)
Relato de experiência - EEEF Ezequiel Nunes Filho (Esteio)Relato de experiência - EEEF Ezequiel Nunes Filho (Esteio)
Relato de experiência - EEEF Ezequiel Nunes Filho (Esteio)
 
Livro ilustrado
Livro ilustrado Livro ilustrado
Livro ilustrado
 
Literatura Juvenil
Literatura JuvenilLiteratura Juvenil
Literatura Juvenil
 
Tessituras: Poesia oral e autoral
Tessituras: Poesia oral e autoralTessituras: Poesia oral e autoral
Tessituras: Poesia oral e autoral
 
Relato de experiência
Relato de experiênciaRelato de experiência
Relato de experiência
 
Literatura e primeira infância
Literatura e primeira infânciaLiteratura e primeira infância
Literatura e primeira infância
 
Como se faz um livro? Elaine Martiza
Como se faz um livro? Elaine MartizaComo se faz um livro? Elaine Martiza
Como se faz um livro? Elaine Martiza
 
Como se faz um livro? Gláucia de Souza
Como se faz um livro? Gláucia de SouzaComo se faz um livro? Gláucia de Souza
Como se faz um livro? Gláucia de Souza
 
Programas de Leitura Lendo pra Valer
Programas de Leitura Lendo pra ValerProgramas de Leitura Lendo pra Valer
Programas de Leitura Lendo pra Valer
 
Programa de Leitura Adote um Escritor
Programa de Leitura Adote um EscritorPrograma de Leitura Adote um Escritor
Programa de Leitura Adote um Escritor
 
Programa de Leitura LeiturAção
Programa de Leitura LeiturAçãoPrograma de Leitura LeiturAção
Programa de Leitura LeiturAção
 

A loira do banheiro

  • 1.
  • 2. A Loira do BanheiroRegião: Avaré, São Paulo Informante: Lauro da Cruz CorreaIdade: 36 anos Profissão: divulgador editorial Relato 5 Na vida, tenho duas grandes pai-xões: literatura e cinema.Quando era menino, eu queria serator, trabalhar em filmes de aven-turas, fazer papel de astronauta, desoldado, tudo que envolvesse muitoperigo.
  • 3. Relato 5 A Loira do Banheiro 56 Mas eu nasci no interior de São Paulo. Difícil realizar um sonho desses. Quando eu tinha dezessete anos, comecei a ler histórias de terror. Conheço todos os grandes mestres do suspense: Edgar Allan Poe é meu preferido, em segundo lugar está Bram Stocker, criador de Drácula. Durante vários anos vivi todas as emoções mais intensas, o medo, o amor, o perigo, lendo livros ou sentado no cantinho escuro de um cinema. Sou um cara de sorte. Trabalho com aquilo que mais gosto: livros. Atuo como divulgador de uma grande editora. Percorro as escolas mostrando os lançamentos, contando as histórias, enfim, sou pago para ler, veja só. E sempre que eu tentava vender uma boa história de fan- tasmas, depois fechava o livro aliviado e comentava com os professores: escritores têm tanta imaginação... Já pensou se tudo isso fosse verdade? Até o dia em que descobri que o mistério nos ronda, nos assombra, também fora dos livros e dos filmes. E se os fantasmas existirem? Afinal, há histórias assim no mundo todo... Essa dúvida me persegue e tudo começou por causa de uma história que me foi contada por três garotos apavo- rados. Eu caminhava pelos corredores de uma escola levando meus livros, minha maleta com os catálo- gos editoriais, os braços repletos de panfletos anunciando os lançamentos.
  • 4.
  • 5. Relato 5 A Loira do Banheiro 58 Vi a porta do banheiro masculino abrir-se com toda vio- lência. Dela saíram três jovens de mais ou menos dezessete anos de idade. Cabelos molhados, respiração ofegante, o rosto em pânico. Aquilo despertou minha curiosidade. Na saída da escola, encontrei um deles, Ricardo era seu nome. Normalmente sou muito discreto, mas a curiosidade me matava. – Vem cá, me conte, por que foi que vocês saíram correndo daquele jeito? Viram alguma assombração? Ele custou um tempo para responder. Mas de repente disse bem baixinho: – Mas eu vi mesmo, eu vi um fantasma. – Que fantasma, garoto? Você está passando bem? Quer que eu chame sua professora? – Não, escuta, eu só vou contar pro senhor, depois eu quero esquecer. – Então conte, mas é melhor sair daqui, do meio do corredor. Fomos até o pátio, o garoto respirou fundo e começou a me contar: – Bom, o negócio começou assim: eu tenho mais dois amigos. Eu sou o Rico, depois vem o Betão. O Betão é cético. Ele tem que ver para crer. Só que ele nunca vê nada. Aliás, ele vê sim. Garotas. O cara é magrinho, tropeça em tudo, mas faz o maior sucesso. Dá raiva, até. Bom, tem também o João.
  • 6. 59 Relato 5 A Loira do Banheiro Ele ri muito, é o contrário do Beto, acredita em tudo que se fala. Chupa-cabra, ET de Varginha, Loira do Banheiro e daí vai. – E você? É cético ou crédulo? – perguntei, achando engra- çado o jeito do menino. – Eu? Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, como dizia minha avó. Eu acredito e não acredito. Não vou dizer que preciso ver para crer, porque dá de ver... – E você já viu alguma coisa estranha, certo? – sugeri. – Certo. Foi assim: nós três estávamos no banheiro falando das meninas. O único de nós que já teve namorada foi o Beto, claro. O João estava sentado no chão. E eu estava louco da vida. Tinha levado um fora de uma garota. Foi então que tive uma idéia. Era maligna, agora eu sei. Até hoje me arrependo. Mas quando vi, já tinha falado: “E se a gente chamasse a tal da Loira do Banheiro?” O senhor já ouviu falar? – Não – respondi, achando aquela conversa engraçada. – É uma loira fantasma. Ela aparece para quem invoca seu nome. – Vai me dizer que ela apareceu para vocês – eu disse, incré- dulo. – Bem, nós fizemos tudo que era preciso: bater três vezes no espelho, falando bem
  • 7. Relato 5 A Loira do Banheiro 60 baixo, com voz de apaixonado, loira, loira, loira, depois, a gente deu descarga três vezes e três pulinhos ridículos. Mas eu estava tão bravo naquele dia... resolvi fazer palhaçada, pensava que era só brincadeira. Mas não era, não. Lembro de tudo até hoje. Corri para o espelho. Beijei minha própria boca. Sussurrei: loira, loirinha, vem cá... Meus amigos morriam de rir. Fizeram igual. Depois, todos nós demos três descargas. Ríamos tanto que a barriga doía. Depois demos os três pulinhos. Foi nisso que apareceu o diretor. Resultado: suspensão para todos nós. Na volta para casa, meus amigos estavam muito bravos comigo. De repente, eu vi. Uma loira linda. Atravessando a rua. – A loira! – gritei. – Você está louco? Essa loira é gente, não é fantasma coisa nenhuma! – o João falou. Do outro lado da calçada, a loira caminhava, sorria e acenava de longe. Quase desmaiei. Só não desmaiei porque apareceu outra loira. É isso mesmo. Eu ia gritar, mas daí surgiu a última loira. Idêntica. Loiras trigêmeas. Uma para cada um de nós.
  • 8. 61 Relato 5 A Loira do Banheiro
  • 9. Relato 5 A Loira do Banheiro 62 Bom, atravessamos a rua feito loucos. As loiras nos ace- navam do outro lado. Nem vimos os carros, nem ouvimos a buzina, nem o ruído do breque. Quando acordamos, estávamos no hospital. Uma maca ao lado da outra. Todos nós machucados, braços, perna na tipóia. De repente, Betão estendeu a mão para o espelho do quarto do hospital e gritou assim: – Olha lá as loiras! Eu olhei. Antes não tivesse olhado. As trigêmeas. Lindas. Idênticas. Uma para cada um de nós. Sabe onde? Dentro do espelho. Acenando adeus. Rindo. Desmaiamos outra vez. É por isso que nunca vamos ao banheiro sozinhos, de jeito nenhum. E se ela aparecer? Quando o menino acabou sua história, levantou-se e foi embora rapidamente. Fiquei pensando, essa história dava uma bom conto de terror, a garotada inventa cada coisa para acabar com o tédio... Loira do Banheiro! Mas, naquela noite, sonhei com lindas loiras fantasma- góricas, dançando nos reflexos dos espelhos, na tela da televisão... Acordei pensando que aquilo já estava virando um exa- gero. Afinal, era só um desses casos malucos, bobagem de criança.
  • 10. 63 Relato 5 A Loira do Banheiro Acontece que, daquele dia em diante, cada vez que entro no banheiro de uma escola, lembro-me da loira fantasma. Confesso que, ao longo do tempo, encontrei várias outras crianças assustadas com essa mesma assombração. Parece epidemia. Um medo que contagia. É, porque aos poucos, vou ser sincero, eu também comecei a sentir medo. Mesmo sendo um adulto, mesmo conhecendo tantas histórias e tantos filmes de terror, há dias em que entro no banheiro bem rápido, lavo as mãos sem olhar para o espelho e, quando fecho a porta, respiro bem aliviado. E se for tudo verdade? E se os fantasmas existirem? Como é que ficam os vivos? Uma coisa eu sei. Depois da Loira, todas as outras histórias viraram boba- gem, invenção de escritor.