2. O ano de 2017
ficou marcado no Cursinho Livre da Lapa (CLL) pela
falta de um espaço que abrigasse as atividades e,
consequentemente, pelo reduzido período letivo.
As aulas tiveram início em agosto, ao invés de no
mês de março, como em 2016. A alta rotatividade
na reestruturação do grupo de educadores também
se mostrou uma questão fundamental que coloca
inclusive em risco a coerência entre os princípios
do cursinho e as práticas pedagógicas nas relações
estabelecidas no projeto. Como resposta a esses
dois problemas foi organizada uma formação, tendo
em vista a discussão dos princípios entre os novos
componentes do Cursinho. A procura por um novo
espaço e esta formação entre educadores tornou a
jornada intensiva de dezembro a agosto. O espaço
que nos foi então disponibilizado para o segundo
semestre, a Escola Estadual Pereira Barreto, na
Lapa, logo se mostrou uma solução temporária por
causa das relações ali construídas que muitas vezes
entraram em choque com a proposta do Cursinho.
Na articulação entre entender e resistir
a esses efeitos residem os maiores progressos
do Cursinho em 2017. Entre estes resultados, se
destaca a primeira semana de aulas organizada fora
da escola, no Tendal da Lapa. Cada grande área
de conhecimento (Exatas, Linguagens etc.) propôs
um dia de atividades cujo objetivo era o estímulo ao
pensamento crítico na análise de seus respectivos
conteúdos programáticos e sua relação com o
cotidiano de cada um. Humanidades, por exemplo,
organizou uma saída de campo pelo centro na qual
discutiu-se desde a colonização e a criação da vila
de São Paulo até os processos de gentrificação
pelos quais aquela e outras regiões da cidade
passaram e passam. Essa primeira experiência
foi fundamental tanto para aproximar as e os
estudantes dos princípios do Cursinho, como para
que todos se conhecessem melhor.
O pouco tempo de aulas de agosto até o
Enem, principal prova para os estudantes, tornou
o processo de aprendizagem difícil. Isso porque
o conhecimento crítico é um princípio para o CLL
e, assim, buscamos problematizar as construções
sociais dominantes, inclusive em relação aos
conteúdos e competências exigidos no vestibular.
Tentamos, por exemplo, mostrar como as áreas de
Matemática e Física andam juntas, sendo a primeira
uma linguagem para se acessar a segunda. Nas
aulas de redação, buscamos que os estudantes
destrinchem, debatam e se apropriem dos temas
sobre os quais escrevem. Em Interpretação de texto,
uma novidade na grade em 2017, a proposta foi a
leitura e análise crítica de textos, como foi feito com
“A importância do ato de ler”, de Paulo Freire, lido
coletivamente, em voz alta, frase por frase, com
pausas destinadas a dúvidas e debates. Também
seguimos estudando Filosofia e Sociologia, não em
busca de respostas prontas, mas sim do questionar
e do se apropriar da “história do pensamento” para
assim pensar algumas respostas coletivas (e não
definitivas) às mais diversas questões. Obviamente,
caminhos de construção do conhecimento como
esses demandam tempo. O desafio foi mais uma vez
o equilíbrio entre o que é cobrado em vestibulares e
o exercício do pensamento crítico.
Entre nossas reflexões
de final do ano, percebemos que
a ausência de um geógrafo na procura por um
espaço fez com que subestimássemos a influência
deste último em nossas experiências. O fato de
estarmos em uma escola estadual fez com que
reproduzíssemos em certo grau os vícios da
educação formal escolarizada, como relacionamentos
baseados em violências simbólicas mediadas não
só pelo espaço físico, mas também por pessoas do
próprio ambiente escolar que cumprem com suas
atividades atribuídas pela escola. É emblemático
como as inspetoras trataram as pessoas do
Cursinho com a mesma violência com que lidam com
estudantes da escola. Esse ambiente e relações
atrapalharam as aulas e a organização do CLL,
uma vez que estimulam dinâmicas hierarquizadas e
disciplinadoras que se materializamem na sala de
aula nas diferentes responsabilidades das partes
e, inclusive, na dificuldade de questionar alguns
privilégios de educadores/as.
Dia de aula no Parque
da Água Branca
Aula de Linguagens
3. Na primeira semana de aulas,
multiplicar as discussões em sala e fixar um espaço
na grade para assembleias entre estudantes foram
as estratégias empregadas para nos opormos
a tais efeitos. As assembleias de estudantes
apresentavam a limitação clara de não assimilarem
demandas das relações no cursinho, em grande
parte pela dificuldade em estarmos em um ambiente
escolar convencional. Ainda assim, a partir delas foi
articulada uma nova experiência fora da escola para
que estudantes que começaram após a primeira
semana pudessem também ter contato com a
discussão dos princípios que orientam nossas
práticas pedagógicas. A dinâmica foi desenvolvida
no parque da Água Branca. A aula neste dia
aconteceu em outro ambiente, com um pique-nique
e seguida de uma conversa sobre os princípios e a
história do Cursinho.
Foi um dia marcante para estudantes, que relatam
ter gostado da dinâmica, além de terem participado
ativa e diretamente da sua construção. Em nossa
avaliação, esse dia foi importante para reafirmar
nosso modelo de organização e sensibilizar
estudantes que ingressaram dias depois da
semana inaugural. Depois desse encontro, as aulas
ganharam outra cor e a proximidade e o afeto se
fizeram maior de fato.
A evasão de educadores e
estudantes é um desafio do
Cursinho desde seu primeiro ano. Algumas de
suas causas são também comuns a anos anteriores:
a incompatibilidade entre horários de trabalho e de
aula no cursinho, a dificuldade de educadores que
cursam ensino superior em manterem-se envolvidos
em ambos os projetos ou a falta de dinheiro para o
transporte.
Por outro lado, outras causas foram incorporadas,
sendo a saúde mental dos estudantes a principal
delas, em função da ansiedade gerada pela
relação entre estudantes e vestibular, pela postura
preconceituosa de uma funcionária da escola e
pela parceria público-privada entre a escola e uma
empresa de telecomunicações que ofereceu um
curso profissionalizante no mesmo horário de
aulas do cursinho. A única situação de evasão
ocasionada por um conflito interno foi mediada pelo
Cursinho através de uma assembleia fora da escola,
com a participação de estudantes e educadores
(incluindo a pessoa que saiu do projeto) para que
todos pudessem compartilhar sua opinião a esse
respeito e para que não houvesse margem para
unilateralidade nas decisões a respeito deste
conflito. Quanto a cada um destes obstáculos,
desde o transporte até as dificuldades emocionais
de cursistas, o Cursinho procurou alternativas e
resoluções em conjunto, sendo bem-sucedido em
algumas situações, porém transparente em todas.
A partir das experências do CLL
acumuladas nos últimos anos e
sobretudo em 2017, algumas mudanças foram
propostas para 2018.
A primeira delas é sermos um coletivo de educação
libertária que tem como um de seus eixos de ação
o cursinho. Acreditamos que o grupo deve agir
para além da preparação ao vestibular. A ideia é
que assim possamos atuar não apenas em nossas
salas de aula, mas ter um engajamento mais amplo
e coerente com os nossos princípios, como pensar
permanentemente a questão da educação e da
prática pedagógica libertária e nos articular a outros
coletivos e lutas. Nesse sentido, uma primeira
formação pedagógica já foi organizada no início
deste ano em conjunto com outros cursinhos livres
de São Paulo. Os modelos de aula e cronogramas
serão agora discutidos a partir da disponibilidade
e visão de ensino de cada um dos participantes.
É consenso que devemos manter encontros
regulares, mas que eles não sejam mais pautados
por uma disciplina, mas por temas/ projetos que
visem envolver todos os estudantes e educadores.
No entanto, o formato e atuação dessa nova
organização do Cursinho seguem em aberto para
serem discutidos e experimentados. Em relação
ao espaço, no entanto, a decisão é certa: em
2018 buscamos um lugar que seja nosso - e não
de um outro grupo ou instituição -, prezando pela
autonomia do coletivo e por uma realização mais
plena de seus objetivos e princípios.
Experimento na aula
de Química