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FORMAÇÃO DE EDUCADORES
DO CURSINHO LIVRE DA LAPA 2017
APONTAMENTOS SOBRE UMA FORMAÇÃO
POLÍTICO-PEDAGÓGICA
MAIO DE 2017
LAPA, SÃO PAULO
2
Material produzido pela formação de educadores do
Cursinho Livre da Lapa em maio de 2017.
Informações ou apoio à nossa campanha de financiamento
coletivo em
facebook.com/cursinholivredalapa/
lapalivre@gmail.com
3
SUMÁRIO
APONTAMENTOS SOBRE UMA FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA.....5
TRECHOS DOS TEXTOS DE APOIO PARA A FORMAÇÃO.............9
APOIO MÚTUO............................................11
AUTONOMIA..............................................15
HORIZONTALIDADE........................................17
AÇÃO DIRETA............................................20
ANTICAPITALISMO........................................23
CONHECIMENTO CRÍTICO...................................26
COMBATE AOS MECANISMOS DE EXCLUSÃO E COOPTAÇÃO.........32
FEDERALISMO............................................36
4
.
5
APONTAMENTOS SOBRE UMA FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA
Após completarmos dois anos em atividade, nós do Cursinho
Livre da Lapa sentimos necessidade de nos reunirmos novamente para
pensarmos os princípios sobre os quais fundamentamos nossa
pedagogia libertária desde 2015, ano que marca o início efetivo do
cursinho. Podemos dizer que não há o modus operandi em educação
libertária. Muitas pessoas se dedicaram a pensar e fazer uma
prática pedagógica que não caísse no autoritarismo, cada qual
adaptada às necessidades de resistência de sua época. O CLL nasceu
tomando como inspiração porções de algumas experiências do
passado, como a Escola Moderna, de Francisco Ferrer, e de outras
mais recentes, como os bachilleratos populares na Argentina,
passando por pensadores de diferentes linhas.
Definimos que nossa formação teria cada encontro baseado em um
dos oito princípios, com um ou mais textos disparadores do debate.
Iniciamos as reuniões em 02 de março de 2017, aproveitando o hiato
que passamos enquanto não tínhamos um local onde pudessem ocorrer
as aulas. Por isso, os encontros não tiveram local fixo. Faremos
um breve relato das questões suscitadas em cada encontro, os
incômodos e questionamentos que surgiram. A segunda parte dessa
publicação conta com excertos de alguns textos utilizados, a fim
de incitar debates e semear ideias. Este não é um material
conclusivo, mas sim um compartilhamento de reflexões que surgiram
ao longo desse processo, e segundo as quais pretendemos seguir um
caminhar pedagógico. Queremos produzir futuramente um material
sobre a quais trilhas essa formação nos levará.
O primeiro encontro foi sobre Apoio Mútuo, e a partir dele
criamos uma rotina que se manteve nos próximos. Utilizamos como
texto disparador a introdução do livro Ajuda Mútua: um fato de
evolução, de Piotr Kropotkin. A partir dele começamos a pensar se
há como lidar internamente com esse princípio sem problematizar de
forma sistemática a competição da sociedade em que estamos
inseridos(as), e em como adotá-lo de forma prática nas aulas. A
questão da competição no vestibular foi um assunto debatido, e
colocamos a necessidade de se adotar uma estratégia a fim de
preparar estudantes para lidar com essa pressão; levantamos a
possibilidade de marcar a identidade de classe para ficar mais
compreensível em quais campos se compete e em quais se apoia
mutuamente, tendo como horizonte uma transformação social.
Iniciamos o segundo encontro a partir de uma questão: por qual
razão a Autonomia é um dos nossos princípios? Refletimos também
sobre as dificuldades de se criar na grade de aulas espaços de
6
discussão que fujam dos conteúdos tradicionais e dos vestibulares,
ressaltando a importância de formação e engajamento do corpo de
educadores, de todas as áreas, para problematização de conteúdos e
experimentação de formas não convencionais de relação ensino-
aprendizagem e o incentivo à busca de autonomia por parte dos(as)
estudantes. Seguimos lançando o desafio de como colocar em prática
essas ideias. O texto Roda de conversa: uma proposta metodológica
para a construção de um espaço de diálogo no ensino médio lançou o
terceiro encontro, sobre Horizontalidade, a euforia inicial que
esse tipo de organização causa, e o afastamento que normalmente
vem a gerar depois. Reforçamos a importância de educadores se
empenharem na criação de um espaço que negue autoritarismo, já que
essa não é uma relação que se aprende como norma na sociedade em
que vivemos. Paralelamente, percebemos como os(as)educandos(as)
trazem contribuições muito importantes para construção da
horizontalidade, e apontamos essa troca como um ponto a se seguir.
No quarto encontro trabalhamos o princípio da Ação Direta, e
ali surgiu a ideia de produzirmos materiais sobre a própria
formação e acerca de outros assuntos, que se configurariam como
uma estratégia da própria ação direta. Partindo da possível
contradição entre o cursinho visar uma preparação para o
vestibular paralelamente à uma posição contrária à esse sistema,
vimos uma possibilidade de mediação e de atuação visando o fim
dessa barreira que impede que classes exploradas e marginalizadas
acessem a Universidade. A própria (r)existência de Cursinhos
Livres, baseados em pedagogia libertária, poderiam ser vistos como
uma ação direta?
A partir do texto A Instrução Integral de Mikhail Bakunin
partimos para o quinto encontro, sobre Anticapitalismo. Notamos
diversas ligações com os pontos discutidos no encontro anterior,
especialmente diante do fato de a educação ter se tornado uma
mercadoria, e a formação universitária um produto que poucos podem
adquirir. Reforçamos a importância de se trabalhar pedagogicamente
de forma a negar a mecânica excludente e hierárquica, e o trabalho
a fim de democratizar o acesso à Universidade pública. O tema do
sexto encontro foi o princípio Conhecimento Crítico. Tivemos a
ideia de estabelecer um dia, semanalmente ou quinzenalmente, no
qual a aula seria externa e interdisciplinar, cada estudante
poderia definir o que quer estudar/ investigar, desenvolveria um
plano e no final todos socializariam suas descobertas. Levantamos
também a importância de não se esgotar os assuntos trabalhados em
aula, deixando espaço para que a sala seja um ambiente de
construção. Alguns incômodos surgiram, e pontuamos a necessidade
de se criar estratégias para que o espaço de educação libertária
não se torne uma “bolha”, apartada da sociedade.
7
O sétimo encontro teve como pauta o princípio antes denominado
por Valorização das Minorias Políticas, e que após o debate passou
a ser Combate aos Mecanismos de Exclusão e Cooptação. O que nos
levou a essa mudança foi perceber que os princípios anteriores
foram escritos a partir da oposição de algo a ser combatido
(competição x apoio mútuo, autonomia x heteronomia etc.).
Reconhecemos que mecanismos de exclusão emecanismos de cooptação
são ferramentas do capital para manutenção da ordem social, e não
basta valorizarmos as diferenças ou defender o multiculturalismo
de um tipo ou outropara o CLL ser um instrumento de combate aos
mecanismos de exclusão e cooptação. No último encontro tratamos do
princípioFederalismo, e nos deparamos com certa dificuldade em
desenvolver um conceito sobre o tema que abarcasse a ideia
preestabelecida sobre esse sistema de organização. Instituímos o
princípio pensando em uma divisão que combatesse a centralidade e
que valorizasse a autonomia de cada área semperder de vista a
coletividade, pensando também na relação com outros
cursinhos. Optamos por retomar o debate posteriormente, depois de
buscarmos materiais que nos tragam mais pontos de vista.
Essa formação não pretende ser o fim de um processo, mas o
despertar. Esperamos manter o CLL por muito tempo, mesmo com todas
as dificuldades postas. Ainda há muito o que se compartilhar,
aprender, ensinar. A turma de estudantes de 2017 potencializará
muito o que conversamos nesses encontramos. Seguimos!
Saúde e Anarquia!
Cursinho Livre da Lapa
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TRECHOS DOS TEXTOS DE APOIO PARA A FORMAÇÃO
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APOIO MÚTUO
Ajuda mútua - um fator de evolução
Piotr Alexeyevich Kropotkin (Moscou, 1842 – Dmitrov, 1921) foi um
geógrafo e escritor anarquista. Rejeitou seu título de príncipe e,
na adolescência, foi obrigado a servir o exército, onde entrou em
contato com a literatura revolucionária da época. Percorreu
milhares de quilômetros a pé do círculo polar ártico, registrando
diferentes fenômenos naturais e que o inspirou a propor uma teoria
de evolução paralela a de Darwin, defendida em seu livro Ajuda
Mútua. Participou da I Associação Internacional de Trabalhadores e
foi preso diversas vezes por sua militância política.
Trechos do texto:
Dois aspectos da vida animal me impressionaram muito durante
as viagens que fiz em minha juventude à Sibéria Oriental e ao
norte da Manchúria. Um deles foi a extrema dureza da luta pela
vida que a maioria das espécies animais tem de travar contra uma
Natureza inclemente; a enorme destruição da vida que
periodicamente resulta da ação das forças naturais; e a
consequente escassez de vida no vasto território que tive ocasião
de observar. E o outro foi que, mesmo naqueles poucos lugares onde
a vida animal prolifera em abundância, não consegui descobrir,
embora estivesse procurando atentamente, aquela luta cruel pelos
meios de subsistência entre animais que pertencem à mesma espécie,
considerada pela maioria dos darwinistas (embora nem sempre pelo
próprio Darwin) a característica dominante da luta pela
sobrevivência e o principal fator da evolução.
[...]
Sempre que eu via a vida animal em abundância, como nos lagos
onde dezenas de espécies e milhões de indivíduos se reúnem para
criar a prole; nas colônias de roedores; nas migrações de pássaros
que aconteciam naquela época numa escala verdadeiramente
“amazônica” ao longo do Ussuri; e principalmente numa migração de
gamos que testemunhei no Amur, durante a qual dezenas de milhares
desses animais inteligentes se reuniram, vindos de um território
imenso e partindo antes da chegada das grandes nevascas para
cruzar o Amur no ponto onde ele é mais estreito – em todas essas
cenas da vida animal que passaram diante dos meus olhos, vi a
ajuda mútua e o apoio mútuo acontecerem em tal proporção que fui
levado a suspeitar ali da existência de uma característica da
maior importância para a manutenção da vida, a preservação de cada
12
espécie e sua evolução posterior.
E finalmente vi, entre o gado e os cavalos semisselvagens da
Transbaikalia, e entre os ruminantes selvagens de toda parte,
entre os esquilos, por exemplo, que, quando os animais têm de
lutar contra a escassez de alimento em consequência de uma das
causas mencionadas acima, toda aquela parte da espécie que é
afetada pela calamidade sai da provação tão depauperada em termos
de vigor e saúde que nenhuma evolução progressiva da espécie pode
se basear nesses períodos de competição feroz.
Por isso, mais tarde, quando as relações entre o darwinismo e
a sociologia me chamaram a atenção, não pude concordar com nenhuma
das obras e panfletos escritos sobre esse tema tão importante.
Todos eles tentavam provar que os seres humanos, devido à
superioridade de sua inteligência e de seus conhecimentos, podiam
mitigar entre si a dureza da luta pela vida. Mas, ao mesmo tempo,
todos eles concordavam que a luta pelos meios de subsistência, a
luta de todo animal contra seus semelhantes, e de cada ser humano
contra todos os outros, era uma “lei da Natureza”.
Eu não podia aceitar esse ponto de vista, porque estava
convencido de que admitir uma implacável guerra interna pela vida
no seio de cada espécie – e ver nessa guerra uma condição de
progresso – era admitir algo que não só não havia ainda sido
provado, como também não fora confirmado pela observação direta.
[...]
Uma ressalva que se pode fazer a este livro é que tanto os
animais quanto os seres humanos estão representados de maneira
demasiado favorável; que suas características sociáveis são
enfatizadas, enquanto seus instintos antissociais e de
autoafirmação são apenas mencionados. Mas isso era inevitável.
Ouvimos tanto falar ultimamente da “luta implacável e cruel pela
vida” (que dizem ser) travada por cada animal contra todos os
outros, e por cada ser humano civilizado contra todos os outros
“selvagens”, e de cada homem civilizado contra todos os seus
semelhantes, afirmações que acabaram se tornando um artigo de fé,
que se tornou necessário, antes de mais nada, opor-lhes uma longa
série na verdades que mostram a vida animal e humana de um ponto
de vista bem distinto. Tornou-se necessário mostrar a importância
incontestável que os hábitos sociáveis desempenham na Natureza e
na evolução progressiva tanto das espécies animais quanto dos
seres humanos; provar que eles fornecem, aos animais uma proteção
maior contra seus inimigos e, com muita frequência, facilidade
para obter comida (provisões para o inverno, migrações etc.),
longevidade e, por conseguinte, maior desenvolvimento das
13
faculdades intelectuais; e que tais hábitos deram aos homens, além
dessas vantagens, a possibilidade de criar aquelas instituições
que lhes possibilitaram sobreviver em sua luta implacável contra a
Natureza, e progredir, apesar de todas as vicissitudes de sua
história. Foi o que fiz.
Este é um livro sobre a lei da Ajuda Mútua, vista como um dos
principais fatores da evolução, e não sobre todos os fatores da
evolução e seus respectivos valores. Era preciso que este primeiro
livro fosse escrito para que se tornasse possível escrever um
outro.
Eu certamente seria o último a subestimar o papel que a
autoafirmação do indivíduo desempenhou na evolução da humanidade.
Mas, a meu ver, esse tópico requer um tratamento muito mais
profundo que o recebido até agora. Na história da humanidade, a
autoafirmação individual foi e continua sendo algo bem diferente e
muito mais amplo e profundo do que a ideia tacanha, banal e pouco
inteligente que, para um grande número de autores, passa por
“individualismo” e “assertividade”. Além disso, os indivíduos que
fazem história não se limitam àqueles que os historiadores
consideram heróis. Portanto, minha intenção é, se as
circunstâncias assim o permitirem, discutir em separado o papel
desempenhado pela autoafirmação do indivíduo na evolução
progressiva da humanidade. Aqui só posso fazer a seguinte
observação geral: quando, no decorrer da História, as instituições
de ajuda mútua da tribo, a comunidade aldeã, as guildas, a cidade
medieval começaram a perder seu caráter primitivo, a ser invadidas
por elementos parasitários, tornando-se assim obstáculos ao
progresso, a revolta dos indivíduos contra essas instituições
sempre assumiram dois aspectos diferentes. Parte daqueles que se
rebelaram procurou purificar as instituições antigas ou criar uma
forma superior de comunidade; tentou, por exemplo, introduzir o
princípio da “compensação”, em lugar da lex talionis e, mais
tarde, o perdão dos pecados ou um ideal mais elevado ainda de
igualdade perante a consciência humana, em lugar da “compensação”,
de acordo com o valor de sua classe. Mas, ao mesmo tempo, outra
parte dos mesmos rebeldes fazia todo o possível para demolir as
instituições protetoras de apoio mútuo, sem nenhuma outra intenção
além de aumentar a própria riqueza e os próprios poderes. Nessa
disputa de três lados, entre as duas classes de indivíduos
revoltados e os defensores da ordem estabelecida, está a
verdadeira tragédia da História. No entanto, definir essa disputa
e estudar honestamente a parte desempenhada por cada uma dessas
três forças na evolução da humanidade exigiria pelo menos tantos
anos de trabalho quantos levei para escrever este livro.
[...]
14
Assim que começamos a estudar os animais – não apenas em
laboratórios e museus, mas nas florestas e nas pradarias, nas
estepes e nas montanhas –, percebemos imediatamente que, apesar da
magnitude das hostilidades e do extermínio entre as várias
espécies, e principalmente entre as várias classes de animais,
existe, ao mesmo tempo, a mesma quantidade – ou talvez mais – de
apoio, ajuda e defesa mútuos entre animais da mesma espécie ou,
pelo menos, da mesma sociedade. A sociabilidade e a luta de todos
contra todos são, no mesmo grau, uma lei da Natureza. É claro que
seria dificílimo estimar, mesmo que superficialmente, a
importância numérica relativa de ambas as séries de fatos. Mas, se
nos valermos de uma prova indireta e perguntarmos à Natureza “Quem
são os mais aptos: aqueles que vivem em guerra ou aqueles que se
apóiam mutuamente?”, vemos de imediato e sem sombra de dúvida que
são estes últimos. Os que adquirem hábitos de ajuda mútua têm mais
chances de sobreviver e atingem, em suas classes respectivas, o
desenvolvimento mais elevado do intelecto e da organização
corporal. Considerando os incontáveis fatos que podem ser
apresentados para corroborar essa visão, podemos dizer com
segurança que tanto a ajuda mútua quanto a luta de todos contra
todos são uma lei da vida animal; mas, enquanto fator de evolução,
a primeira tem provavelmente uma importância muito maior, na
medida em que favorece o desenvolvimento dos hábitos e
características que asseguram a manutenção e a evolução da
espécie, além de maior bem-estar e melhor qualidade de vida para o
indivíduo com o menor dispêndio de energia.
[...]
A primeira coisa que nos impressiona quando começamos a
estudar a luta pela sobrevivência em ambos os seus aspectos – o
literal e o metafórico – é a abundância de casos de ajuda mútua,
não apenas para criar a prole, como reconhece a maioria dos
evolucionistas, mas também para a segurança do indivíduo e para
sua provisão do alimento necessário. A ajuda mútua é a regra em
muitas das grandes divisões do reino animal. Existe realmente
entre os animais inferiores, e devemos estar preparados para um
dia descobrir, com os estudiosos da microbiologia, casos de ajuda
mútua inconsciente até mesmo na vida de microrganismos.
KROPOTKIN, Piotr. Ajuda Mútua – um fator de evolução. A Senhora
Editora, São Sebastião, 2009.
15
AUTONOMIA
Instruir para Revoltar
Fernand Pelloutier foi um anarcossindicalista francês. Foi líder
das Bolsas de Trabalho, importante união sindical francesa, desde
1895 até a sua morte em 1901. Em 1902, as Bolsas de Trabalho
integraram-se à Confederação Geral do Trabalho.
Trechos do texto:
No que concerne ao ensino, as Bolsas podem dividir-se em duas
categorias: aquelas que se limitaram ao ensino profissional,
teórico e prático, e as outras que, mais ambiciosas, introduziram
ali (não fazendo, por sinal, senão preceder as outras) um ensino
eclético, abordando os conhecimentos os mais diversos.
Não podemos, mesmo sumariamente, dizer aqui tudo o que fizeram
umas e outras para reagir, segundo a expressão de um membro da
Bolsa do Trabalho de Toulouse, contra a tendência dominante na
indústria moderna de fazer da criança um trabalhador manual, um
acessório inconsciente da máquina, em vez de fazer dela um
colaborador inteligente. M. Vachon consagrou sobre isso uma grande
parte de sua obra, e ainda assim não disse tudo. Nós nos
limitaremos, então, a indicar as matérias tratadas por algumas
Bolsas e a opinião exprimida por uma delas sobre o papel ao qual
elas pretendem no campo do ensino.
Entre as Bolsas da primeira categoria, encontramos Saint-
Étienne, Marselha, Toulouse. Marselha tem nove cursos: marcenaria
e ebanisteria, metalurgia, estereotomia, carpintaria, carroceria,
cabelereiro, corte de couro, alfaiataria, tipografia e litografia.
Saint-Étienne, além de dois desses cursos, possui os seguintes:
geometria e desenho mecânico, geometria e desenho para os
operários da construção civil, traçagem de linhas curvas para os
caldeireiros e os funileiros, produção de roscas para os torneiros
mecânicos, escola de traçado para os carpinteiros, produção de
cartões para os tecelões, costura e economia doméstica,
aritmética, carroceria, pintura e fiação, arpentagem e
nivelamento. A última estatística geral, isto é, aquela do
exercício 1899- 1900, acusa, para o período de 1o de outubro a 30
de junho, a ocorrência de 597 Sessões de duas horas cada uma; a
média dos alunos é de 426. Todo ano, por ocasião da distribuição
das recompensas aos laureados de cada um dos cursos professados na
Bolsa, a Administração da Bolsa organiza uma festa familial
(concerto ou baile) cujas receitas são usadas para a compra de
materiais escolares em proveito dos alunos necessitados
16
sindicalizados ou filhos de sindicalizados.
Montpellier possui cinco cursos: cursos de sapateiro, corte,
ebanista, cabelereiro e culinária. Toulouse, que recebe uma
bastante forte Subvenção anual, criou vinte cursos e abriu uma
magnífica oficina tipográfica. O conselho geral da Alta Garonne
concede-lhe todo ano 300 francos, destinados a serem convertidos
em prêmios para os alunos, e cuja distribuição é precedida por uma
exposição pública dos trabalhos executados durante o exercício. Os
cursos, que até soldados freqüentam, são visitados todas as noites
pelo administrador de serviço; eles, por sinal, produziram
resultados tais que a Bolsa projeta fazer os alunos participarem
dos concursos instituídos pelo Ministério do Comércio para a
obtenção de bolsas de viagem.
Entre as Bolsas da segunda categoria, podemos citar as de
Paris e Nimes. Em Paris, um certo número de Sindicatos aderentes à
União do Sena, organizou, de concerto com a Associação politécnica
que forneceu os professores, cursos de eletricidade industrial,
contabilidade comercial, estenografia, desenho, mecânica e química
aplicadas, geometria prática e álgebra, direito comercial e
industrial, construção de automóveis, línguas alemã e inglesa.
Seria inútil dizer o que são esses cursos, pois a Associação
politécnica mostrou abundantemente, em matéria de ensino, seu
valor: mas é duvidoso que eles possam ser muito proveitosos aos
alunos, e isso por duas razões que se devem à própria organização
da Bolsa do Trabalho de Paris.
Nas Bolsas do Trabalho de província, os cursos são
acompanhados assiduamente pelas mesmas pessoas durante toda a
duração, porque essas Bolsas, em vez de serem, como a de Paris,
vastos imóveis nos quais os sindicatos só podem ter entre eles
relações difíceis ou sumárias, são pequenas e ardentes núcleos de
atividade sindical, proporcionando, assim, o entendimento e a
colaboração mais fáceis e completos, podendo fazer ali cursos de
autênticas escolas, nas quais os alunos são, por assim dizer,
obrigados a frequentar. Em Paris, Por outro lado, esses cursos são
exclusivamente teóricos. A quantidade excessiva de sindicatos
concentrados nas ruas Château-d'Eau e J.-J. Rousseau (onde quase
todos os escritórios são ocupados por duas organizações) proíbe
até mesmo sonhar com a criação de cursos práticos. Eis por que
muitos sindicatos, notadamente aqueles da tipografia parisiense,
mecânicos, operários especializados em automóveis, passamaneiros,
marceneiros etc., decidiram-se a organizar, fora da Bolsa, um
ensino prático cujos serviços são extraordinários.
CHAMBAT, Grégory. Instruir para Revoltar – Fernand Pelloutier e a
educação rumo a uma pedagogia de ação direta. Editora Faísca, 2006.
17
HORIZONTALIDADE
Roda de Conversa: Uma Proposta Metodológica Para A Construção De
Um Espaço De Diálogo no Ensino Médio
Marcia Cristina Henares de Melo, da Faculdade de Educação,
Administração e Tecnologia de Ibaiti; e Gilmar de Carvalho Cruz,
da Universidade Estadual do Centro-Oeste e Universidade Estadual
de Ponta Grossa. Nesse trabalho, eles propõem e analisam a Roda de
Conversa enquanto possibilidade metodológica para a comunicação
entre alunos e professores no Ensino Médio em uma escola pública
em Ibaiti, Paraná. Os debates foram pautados por assuntos
relacionados à adolescência, e a análise dos dados revelou
dificuldades nessa relação que impedem uma discussão mais direta e
efetiva no cotidiano da sala de aula, ainda que as rodas entre
alunos e também entre professores tenham se mostrado, segundo o
trabalho, “um instrumento eficaz para o estabelecimento de um
espaço de diálogo e interação”.
Trechos do texto:
[...]
Neste estudo os dois grupos para as Rodas de Conversa – grupos
de alunos e grupo de professores – foram formados,
respectivamente, por alunos e professores cujos nomes apareciam
nos registros da coordenação pedagógica, pelo fato de terem
solicitado, em algum momento, intervenção para resolução de
conflitos em sala de aula, bem como por alunos cujos nomes não
apareciam nesses registros, mas sugeridos por coordenadores,
professores e colegas.
A escolha de grupos diferentes ocorreu pela intenção de
confrontar possíveis divergências nas percepções desses sujeitos
com relação à adolescência, objeto da investigação da pesquisa,
pois interessava-nos desvelar se a maneira de perceber a
adolescência, por parte de professores e alunos que,
frequentemente, se evolvem em conflitos e tensões no dia-a-dia da
escola, se diferencia daqueles que, normalmente, não se envolvem
nessas situações. Isso porque, em muitos momentos de mediação de
conflitos entre professor e aluno ficava latente na fala de
professores, e até mesmo de alunos, que o fato de ser adolescente
justificaria este ou aquele ato deflagrador do conflito mediado.
Era como se a adolescência estivesse, naturalmente, vinculada a um
tipo de comportamento irresponsável ou até mesmo agressivo.
[...]
18
Os contatos com os alunos foram rápidos e fáceis, pois eles se
mostraram receptivos e curiosos com o que aconteceria no grupo.
Ficaram entusiasmados com a possibilidade de participarem de uma
‛discussão’. O mesmo não aconteceu entre os professores. A primeira
dificuldade foi em relação ao convite: as professoras que mais
apresentavam registros de queixas de alunos nos cadernos da
Coordenação Pedagógica não aceitaram participar da Roda de
Conversa, alegando falta de tempo e até mesmo “não ter mais idade
para isso”, como disse em tom de brincadeira uma delas. A falta de
tempo e de indisponibilidade foi a justificativa mais presente
para o declínio ao convite. Após algumas conversas, quatro
professores, que atendiam aos critérios previamente estabelecidos,
aceitaram participar das Rodas de Conversa, duas das quais sob a
condição de que os encontros acontecessem em horários que elas
estivessem na escola; os outros dois professores disseram que não
se importariam de comparecer em outro horário. Assim, entramos em
contato com a direção da escola e pedimos autorização para
realizarmos os encontros do grupo no momentos de hora-atividade
dos professores que haviam aceitado participar da pesquisa.
[...]
Os grupos ficaram constituídos, então por seis professores e
seis alunos que aceitaram participar voluntariamente da Roda de
Conversa, instrumento de construção de dados eleito para este
estudo. O número de participantes dos grupos seguiu a organização
proposta para o Grupo focal, que sugere entre seis e 15
participantes.
[...]
Mediar o grupo dos professores se mostrou uma tarefa mais
complexa do que mediar o grupo de alunos, pois o grupo apresentou
maior dificuldade em manter a discussão focada no tema proposto e
também houve a dificuldade relativa ao fato de um ou outro
participante tentar monopolizar a conversa, o que tornava um pouco
mais difícil a mediação.
[...]
A realização da Roda de Conversa apresentou um desafio desde o
momento dos convites até sua efetivação. A maneira como a
pesquisadora passou a ser vista no próprio ambiente de trabalho,
que até então era de absoluta familiaridade, foi substituída por
um clima de reserva e desconfiança. A perspectiva de ser
‛investigado’ parece trazer certo desconforto ao ambiente docente.
Um tratamento mais formal toma corpo onde antes havia total
informalidade e descontração. A preocupação, por parte de alguns
19
professores, em dizer o que é correto, ou o que se aproxima do
ideal, do esperado, para essa ou aquela resposta, com base em
teorias educacionais que sustentam (ou deveriam sustentar) a
prática pedagógica, ficou muito visível em alguns momentos.
[...]
Por meio das provocações erigidas nas Rodas de Conversa, a fim
de desvelar as percepções sobre os conceitos de adolescência, foi
possível promover diversas reflexões sobre a relação
professor/aluno no contexto escolar. Todos puderam expressar
livremente suas inquietações e expectativas num clima de
informalidade e, ao mesmo tempo, de seriedade. A experiência de
sentir-se protagonista do cotidiano escolar foi vivenciada pelos
participantes, à medida que suas falas expressavam verdades
pertencentes não apenas a si mesmos, mas a seus pares, conforme
descobriam no decorrer das discussões. O contentamento e a
satisfação em relação a essas descobertas puderam ser percebidos
ao final de cada encontro, quando professores e alunos expressavam
o desejo de que a Roda de Conversa acontecesse com mais frequência
na escola.
Foi possível, ainda, vislumbrar tal metodologia sendo
utilizada como proposta de ferramenta pedagógica, bem como
proposta de formação continuada de professores, reuniões
pedagógicas e conselhos de classe, uma vez que o diálogo se
estabelece e possibilita compreender que a reflexão individual não
se desenvolve sem o crescimento de comunidades críticas. Assim, a
reflexão capaz de levar à compreensão e reelaboração de conceitos
e conhecimentos encontra na Roda de Conversa um espaço
privilegiado para seu desenvolvimento. Espaço esse que pode
contribuir para a articulação entre experiências pessoais e
profissionais, gerando em seus participantes uma postura de maior
disponibilidade ao enfrentamento das questões presentes no
cotidiano escolar. A Roda de Conversa, mais que um instrumento de
coleta de dados, mostrou-se um eficiente espaço de reflexão, capaz
de promover avanços nas relações que se estabelecem no cotidiano
escolar.
MELO, Marcia Cristina Henares de. CRUZ, Gilmar de Carvalho. Roda de
conversa: uma proposta metodológica para a construção de um espaço de
diálogo no Ensino Médio. Imagens da Educação. Maringá, v. 4, n. 2, p. 31-
39, 2014. Disponível
em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ImagensEduc/%20article/view/22
222
20
AÇÃO DIRETA
O sentido da ação direta
Eduardo Colombo é filósofo anarquista de grande trajetória na militância,
da Argentina (Quilmes, 1929), médico e profissão psicanalista. Ele tinha
uma militância ativa no movimento estudantil no anos quarenta, com idéias
libertárias . Foi professor de psicologia social nas universidades de La
Plata e Buenos Aires, que teve que deixar o trabalho após o golpe militar
da época (1966). Durante este período, ele também fez parte da Federação
dos Trabalhadores da Reinão na Argentina (FORA), e foi responsável pela
“La Protesta” publicação anarquista, publicado em Buenos Aires.
Trechos do texto:
A ação direta está enraizada profundamente no solo da ajuda mútua.
A solidariedade é a base da organização operária; é coletivamente que os
explorados podem se libertar e, ao unir suas forças, acabam por impor aos
poderosos suas reivindicações: uma sociedade livre e justa, a abolição do
salário, o nivelamento das hierarquias e das fortunas.
[...]
Ao se esquecer da ação direta, o movimento operário de hoje se
encontra travado pelos ferros do legalismo, impotente após deixar nas
mãos de uma burocracia de representações sindicais a direção da luta,
condenado a greves corporativas e manifestações simbólicas, oferecendo um
medíocre contraponto à classe dominante.
[...]
Outras modalidades de ação social, econômica e política começaram a
surgir desde os primeiros passos do proletariado militante, modalidades
que priorizavam o federalismo e a autonomia das organizações de classe
fundadas sob a consciência que “a emancipação dos trabalhadores deve ser
obrados próprios trabalhadores”. A ação direta, assim, se tornou logo a
alma do ramo antiautoritário da Primeira Internacional, para depois se
consolidar no sindicalismo revolucionário e no anarquismo.
[...]
A ideia e a prática da ação direta foram elaboradas no conflito que
percorreu subrepticiamente à Internacional desde sua fundação, na reunião
de St. Martin’s Hall, em setembro de 1864, até a Conferência de Londres,
de setembro de 1871.
[...]
Os antiautoritários nunca negaram a capacidade política da ação
operária ou de classe, mas sim combateram a delegação da luta política a
uma organização que não seja a organização de classe. Eles se opõem à
21
representação parlamentar e ao compromisso eleitoralista, que estão na
natureza de todo partido que ambiciona o “poder político” entendido como
um órgão central de governo, ou seja, um Estado. A conquista prévia do
poder central enquanto condição necessária para a mudança revolucionária
da sociedade e a organização subsequente de um “poder político
autoproclamado provisório e revolucionário” são o meio mais certo de se
estabelecer uma nova elite, parar a revolução e permanecer no velho
mundo. Assim compreenderam os anarquistas uma verdade que a história
mostrou sem qualquer pudor.
Sobre esses dois pilares – a inquietante autonomia de decisões
tomadas na base, sem chefes nem dirigentes, e sua consequência, a não-
delegação da vontade operária a representantes políticos -, constrói-se a
noção de ação direta.
Além disso, a ação direta não se limita a essas duas proposições,
como um método: há alguma coisa em sua ideia, um sopro profundo que a
carrega e que é essa consciência espontânea que, por natureza, não
concerne à legalidade; há em seu horizonte as luzes da emancipação, a
mudança radical da sociedade, a revolução social.
[...]
Os internacionalistas de Saint-Imier já tinham dito: “A greve é
para nós um meio precioso de luta, mas não temos qualquer ilusão sobre
seus resultados econômicos. Nós a vemos como um produto do antagonismo
entre o trabalho e o capital, [e porque ela permite] preparar, por
simples lutas econômicas, o proletariado para a grande luta
revolucionária e definitiva que, destruindo todo privilégio e toda
distinção de classe, dará ao operário o direito de gozar do produto
integral de seu trabalho...”.
[...]
Entretanto, acontecem as greves pelas 8 horas de trabalho nos
Estados Unidos, e os anarquistas do mundo inteiro farão dos Mártires de
Chicago e do Primeiro de Maio um símbolo do confronto sem concessões com
a burguesia. A agitação e as greves pelas 8 horas darão um impulso
crescente a todos que defendem a ação direta. A partir de 1886, Joseph
Tortelier, do sindicato dos carpinteiros, se esforça sem repouso para
fazer o trabalhadores entenderem a necessidade de recorrer à greve
simultânea de todos e de todos os ofícios, e Fernand Pelloutier, pegando
o bastão, dará toda uma amplidão à questão da greve geral. Em fevereiro
de 1892, quatorze Bolsas de Trabalho se reúnem em Saint-Étienne, com a
finalidade de se federar, e declaram de início sua independência ao
afirmar que os trabalhadores devem “rejeitar de modo absoluto toda
influência dos poderes administrativos e governamentais”.
[...]
Os militantes sindicalistas estão resolutos a reivindicar sua
autonomia e romper os laços de dependência com os partidos. Vota-se uma
22
moção que diz: “(Considerando) que o último meio revolucionário é a greve
geral”, o Congresso “decide: há de se providenciar imediatamente a
organização da greve geral”. O resultado da votação é de 65 para 37
contra e 9 abstenções. A ruptura é consagrada, e os guesdistas abandonam
o local. O caminho está aberto para a ação dos anarquistas para o
sindicalismo revolucionário.
[...]
Os anos que se seguem serão o período da formação e da
consolidação, em diferentes países, das associações de trabalhadores
centradas na ação direta e na autonomia das federações 21 . A luta
cotidiana dos trabalhadores para se desfazer da exploração e da miséria
será feita pela dicotomia entre o recurso à greve parcial, a petição às
autoridades, a ação legislativa e a prática parlamentar de um lado, e de
outro a ação direta, a força da organização coletiva, a sabotagem, a
“ginástica revolucionária”.
[...]
Em paralelo do sentido primário,construído sobre a experiência
histórica do proletariado militante, outras formas do agir dos revoltados
em situações diversas foram assimiladas à ação direta. Ainda em 1876,
logo após o congresso de Berna, os delegados federais Errico Malatesta e
Carlo Cafiero enviam uma carta ao Boletim da Federação Jurassiana
declarando que “a federação italiana acredita que o feito insurrecional,
destinado a afirmar por atos os princípios socialistas, é o meio de
propaganda mais eficaz”. Juntando o feito à palavra, movidos pelos mesmos
alertas de Pisacane 30 em relação aos doutrinários, os internacionalistas
buscam incitar a insurreição popular nas vilas do Benevento, na Itália
(Banda del Matese, março de 1877). Assim nasce uma concepção da ação
chamada “propaganda pelo feito” que, derivando uma quinzena de anos
depois o ato individual, deixará uma marca persistente no imaginário
coletivo ao relacionar, com o pathos do sangue despejado e do sacrifício
assumido, “o anarquista e a bomba”.
Transformada em clichê, essa imagem será constantemente repetida e
estimulada pela imprensa burguesa, deixando sob a sombra as profundas
diferenças que existem entre uma ação destinada a suscitar a insurreição,
o tiranicídio e o atentado às cegas.
COLOMBO, Eduardo, O sentido da ação direta. Refráctions, núm. 25, 2010.
23
ANTICAPITALISMO
A educação integral
Mikhail Bakunin (1814-1876) foi um teórico político e importante
revolucionário russo, uma das figuras mais fundamentais para o
anarquismo, na Europa Ocidental, do século XIX.
Trechos do texto:
A primeira questão que temos de considerar hoje é esta: Poderá
ser completa a emancipação das massas operárias enquanto recebam
uma instrução inferior à dos burgueses ou enquanto haja, em geral,
uma classe qualquer, numerosa ou não, mas que por nascimento tenha
os privilégios de uma educação superior e mais completa? Propor
esta questão não é começar a resolvê-la. Não é evidente que entre
dois homens dotados de uma inteligência natural mais ou menos
igual, o que for mais instruído, cujo conhecimento se tenha
ampliado pela ciência e que compreendendo melhor o encadeamento
dos fatos naturais e sociais, compreenderá com mais facilidade e
mais amplamente o caráter do meio em que se encontra, que se
sentirá mais livre, que será mais hábil e forte que o outro Quem
souber mais dominará naturalmente a quem menos sabe e não
existindo em princípio entre duas classes sociais mais que esta só
diferença de instrução e de educação, essa diferença produzirá em
pouco tempo todas as demais e o mundo voltará a encontrar-se em
sua situação atual, isto é, dividido numa massa de escravos e num
pequeno número de dominadores, os primeiros trabalhando, como hoje
em dia, para os segundos.
Entende-se agora porque os socialistas burgueses não pedem
mais que ‘instrução’ para o povo, um pouco mais que agora, e
porque nós, democratas socialistas, pedimos para o povo ‘instrução
integral’, toda a instrução, tão completa quanto requer a força
intelectual do século, a fim de que por cima da classe operária
não haja de agora em diante nenhuma classe que possa saber mais e
que precisamente por isto possa explorá-la e dominá-la. Os
socialistas burgueses querem a manutenção das classes, pois cada
uma deve, segundo eles, representar uma função social diferente.
Eles queriam, conservando-as, aliviar, minorar e dissimular as
bases históricas da sociedade atual, a desigualdade e a injustiça,
que nós queremos destruir. Do que resulta que entre os socialistas
burgueses e nós não é possível acordo, conciliação nem coalizão
alguma. Mas, se dirá — e este é o princípio a que se nos opõe e
que os senhores doutrinários de todas as cores consideram
irresistível — que é impossível que a humanidade inteira se
dedique à ciência: morreria de fome. É preciso, portanto, que
24
enquanto uns estudam, outros trabalhem para produzir os objetos
necessários para viverem em primeiro lugar e depois para os homens
que se dedicam exclusivamente a trabalhos intelectuais; pois estes
homens não trabalham só para eles: seus descobrimentos
científicos, além de ampliar o conhecimento humano, não melhoram a
condição de todos os seres humanos, sem exceções, ao aplicá-los na
indústria e na agricultura e, em geral, na vida política e social?
Suas criações artísticas, não enobrecem a vida de todo mundo? Mas
não. Não de todo mundo. E o repúdio maior que teríamos que dirigir
à ciência e às artes é precisamente não estender seus benefícios e
não exercer sua influência útil mais que sobre uma mínima parte da
sociedade, excluindo e por conseguinte prejudicando a imensa
maioria.
Hoje pode-se afirmar acerca do progresso da ciência e das
artes o que se diz, e com razão, nos países mais civilizados do
mundo, acerca do prodigioso desenvolvimento da indústria, do
comércio, do crédito, da riqueza social, em uma palavra. Esta
riqueza é totalmente exclusiva e tende a ser cada dia mais, ao
concentrar-se sempre em mãos de uns poucos e lançar a pequena
burguesia, as capas inferiores da classe média, em direção ao
proletariado, de maneira que o desenvolvimento e o progresso estão
em razão direta com a miséria crescente das massas operárias.
Assim resulta que se abre cada dia mais o abismo que separa a
minoria feliz e privilegiada dos milhões de trabalhadores que
vivem com o trabalho de suas mãos, e que enquanto mais felizes são
os felizes exploradores do trabalho popular, mais infortunados são
os trabalhadores. Que se recorde, frente a fabulosa opulência do
grande mundo aristocrático, financeiro, comercial e industrial da
Inglaterra, a situação miserável dos operários deste mesmo país.
Que se leia e releia a carta, tão ingênua e dilaceradora, escrita
faz pouco tempo por um inteligente e honesto ourives em Londres,
Walter Dugan, que se envenenou ‘voluntariamente’; com sua mulher e
seus filhos para escapar às humilhações da miséria e as torturas
da fome; então haverá que confessar que esta civilização tão
glorificada não significa, desde o ponto de vista material, mais
que opressão e ruína para o povo. E o mesmo ocorre com os modernos
avanços da ciência e das artes. São imensos estes progressos, é
verdade.
Mas, quanto mais extraordinários são, mais se convertem em
causas de escravidão intelectual e, portanto, material; origem de
miséria e inferioridade para o povo, pois também elas alargam a
distância que já separa a inteligência popular da das classes
privilegiadas. A primeira, desde o ponto de vista da capacidade
natural, está hoje evidentemente menos usada, menos sofisticada e
menos corrompida pela necessidade de defender interesses injustos
e é, por conseguinte, mais forte que a inteligência burguesa; mas,
25
por outro lado, esta última possui todas as armas da ciência e
estas armas são formidáveis. Sucede a princípio que um operário
muito inteligente se vê obrigado a emudecer ante um erudito tonto,
que lhe faz calar não por maior finura de espírito, da qual
carece, mas por instrução, da qual o operário é privado e que o
outro pôde receber, pois enquanto sua estupidez se desenvolvia
cientificamente nas escolas, o trabalho do operário lhe vestia,
lhe dava casa, o alimentava e lhe proporcionava tudo, os
professores e os livros necessários a sua instrução.
BAKUNIN, Mikhail. A Educação Integral.
26
CONHECIMENTO CRÍTICO
A arquitetura organizacional da Paidéia para a formação da
subjetividade autônoma: a vivência da autogestão.
Clóvis Nicanor Kassick. Possui Graduação em Faculdade de Educação
Técnicas Agrícolas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul-
UFRGS (1971) e Graduação em Pedagogia pela Federação de
Estabelecimentos de Ensino Superior Em Novo Hamburgo-FEEVALE
(1976), Especialização em Administração de Sistemas Educacionais
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (1979);
Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina-
UFSC (1992) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas-UNICAMP (2001). Professor Adjunto II aposentado da UFSC,
atualmente é professor da Universidade do Sul de Santa Catarina-
UNISUL, no Curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação-
Mestrado em Educação, com ênfase nos fundamentos da Educação.
(fonte: Escavador)
Trechos do texto:
O ponto de partida para pensar a “arquitetura organizacional”
da Paidéia foram às análises já realizadas no sentido de entender
a forma pela qual se organiza a escola convencional e os reais
objetivos que a alicerçam 1 . Neste sentido, foi necessária a
compreensão de que a autogestão representa o próprio conteúdo da
arquitetura organizacional, que precisa ser apreendido, para
constituir a subjetividade autônoma.
Estes referenciais balizaram nosso “olhar” e análises sobre a
Escola Paidéia e sobre o que ali se faz.
O primeiro olhar que lançamos sobre ela, através da
bibliografia por ela produzida, mostra-nos uma Paidéia que rompe
profundamente com a estrutura organizacional da escola
convencional, alicerçando-se nos princípios de uma educação
Anarquista. Ela passa a ideia de que esta ruptura ocorre de forma
natural em seu interior sem maiores traumas, sem maiores
consequências, nas suas relações.
Contudo, um segundo olhar, que tem por base os depoimentos dos
envolvidos e a observação direta do dia-a- dia e do “fazer
didático” concretizado, mostra-nos que a busca desta outra
organização não se deu, nem se dá, de forma tranquila. Ao
contrário, está eivada de incoerências, de contradições próprias
da sociedade na qual ela se insere e dos diferentes “pensares” de
seus participantes. A observação nos possibilitou “ver” os
27
diferentes discursos e, sobretudo, a construção diária da educação
autogestionária, através das ações das crianças e jovens da
Paidéia, à medida que, simultaneamente, constituíam-se em
subjetividades autônomas.
Ainda que a Paidéia, internamente, se mostre contraditória em
vários momentos, é notório que há uma busca, uma intenção e um
desejo por uma educação diferente e que forme um Sujeito Singular.
A observação direta das ações das crianças na Paidéia nos
permitiu traçar a rotina pedagógica e inferir princípios
pedagógicos nos quais elas alicerçam seu fazer diário,
constituindo um projeto pedagógico próprio, diferente dos demais
para elas projetados, que acreditamos ser o responsável pela
formação da subjetividade autônoma.
A arquitetura organizacional se caracteriza pela ausência
daquilo que constitui fundamento na escola convencional: o
currículo com todos os seus instrumentos de controle.
Sabemos que deve parecer estranho falar de uma escola que não
tem disciplinas nem conteúdos que os alunos são obrigados a
estudar. Que não tenha professores para organizar e
mandar/determinar, o que os alunos devem ou não devem fazer. Onde
não há avaliação para controlar/disciplinar os alunos e obrigá-los
à sala de aula, e, sobretudo, que não dê “nota” como forma de
condicionar determinados “comportamentos”, isto é, para garantir o
submetimento da vontade do aluno à vontade do professor, que
expressa a vontade da escola, que expressa a vontade do Estado, qu
expressa a vontade de quem tem interesse, poder e domínio para
fazer valer a sua própria vontade.
Deve ser difícil imaginar uma escola cujo currículo é não ter
currículo, ou uma escola que não é escola. Deve ser muito difícil,
portanto, imaginar uma EX-cola Libertária Denominam-se de escola,
ainda que a forma como se estruturam e funcionam, contrarie e
contradiga a “ideia” de escola, pois a palavra escola, possui já
um “pré-conceito” que é o da estrutura e funcionamento da “escola
convencional”, que todos nós conhecemos e frequentamos.
Em função da forma como a Paidéia se organiza, totalmente
diferente da organização da Escola Convencional, preferimos chamá-
la de Paidéia: Espaço de convivência educativa, ou Espaço de
convivência da Paidéia.
Então, o espaço de convivência da Paidéia, inicia suas
atividades às 10h da manhã e vai até as 18horas. Como a Paidéia se
situa nos arredores da cidade de Mérida, a mais ou menos 3 km do
28
centro da cidade, um ônibus fretado, cujo pagamento está incluído
no valor da mensalidade paga, apanha as crianças na cidade, pela
manhã, levando-as de volta as 18 horas.
Apanhávamos o mesmo ônibus para ir à Paidéia e, nele, já
constatávamos uma primeira surpresa: As crianças transpiravam
felicidade e contentamento em irem para a Paidéia.
Cada criança que entrava no ônibus era efusivamente saudada
pelas demais. Era algo espontâneo, franco - a alegria do re-
encontro. Podia-se perceber a satisfação deste reencontro diário,
pelo carinho e amizade entre eles, sobretudo, o cuidado das
crianças maiores para com os menores, querendo saber como estavam,
como tinham passado.
Chegando à Paidéia, todas elas, num primeiro e breve momento,
circulavam pela mesma, como que para se re-encontrarem com o
espaço que haviam deixado no dia anterior. E, aqui, uma segunda
surpresa. O deslocamento das crianças pela Paidéia se dava sem
correrias, sem empurrões, sem gritarias, sem atropelos, como é
comum verificar-se nas escolas convencionais. Elas simplesmente
andavam pela Paidéia, encontrando e cumprimentando os adultos que
lá já estavam.
Ato seguinte, os grupos iv se reuniam em suas salas, sem
qualquer participação e/ou determinação de adultos para, em
assembleia, definir o que iriam realizar em favor da coletividade
da Paidéia.
De acordo com uma programação estabelecida em Assembleia
Geral, um dos grupos de crianças (juntamente com um adulto e com
um ou dois jovens do grupo dos maiores), responsável do dia pela
alimentação, vai para a cozinha preparar o desjejum. Este mesmo
grupo fica, neste dia, responsável em prover toda alimentação para
todos da Paidéia, preparando o desjejum, o almoço e a merenda no
final da tarde, antes de irem embora.
Enquanto isso, os demais grupos se ocupam em realizar a
atividade que escolheram em favor do coletivo, pois, a primeira
atividade do dia é a de realizar algo em benefício de todos.
Verifica-se, portanto, que a primeira atividade do dia refere-se
ao aprendizado da autogestão grupal, tendo em vista o bem comum e
o usufruto coletivo, isto é, formação para a cooperação e
solidariedade.
Após o desjejum, é tempo para as atividades de
pesquisa/investigação – Tempo de Estudos - que tanto pode ser
29
individual como em grupo. Este tempo reservado para pesquisa é
para que a criança dê conta do compromisso que assumiu, em
Assembleia Geral, diante do Coletivo, em pesquisar/investigar um
determinado tema/assunto que ela mesma escolheu. Percebe-se aí, a
razão para que Na Paidéia não haja currículo, disciplinas,
programas, planos, conteúdos escolares pré-determinados que a
criança deva dar conta. É ela quem define o que quer estudar e
quanto tempo ficará estudando aquele assunto. Esta definição
inicia com a criança/jovem apresentando e discutindo em seu grupo
de faixa etária o que pretende estudar, com quem e por quanto
tempo o fará. É o momento em que realiza seu plano de estudos,
para o qual recebe ajuda do seu grupo. Este planejamento é escrito
por ela, no caso de já ser alfabetizada, ou por um colega ou
adulto se não o for e é apresentado e discutido em Assembleia
Geral, que ainda pode sugerir questões/recursos/pessoas que
poderão auxiliar naquela investigação.
Novamente, percebe-se aqui, o caráter cooperativo e solidário
das ações, construindo a aprendizagem da autogestão.
Esta forma de organizar os estudos é o que temos chamado de
“Organização Anárquica do Conhecimento” (KASSICK, 2006), em
oposição ao currículo disciplinar e fragmentado da escola
convencional. Esta Organização Anárquica do Conhecimento preserva
a sua unidade e contextualização, pois a criança ao investigar
determinado assunto, estará envolvida com todas as áreas do
conhecimento que constituem aquele fazer.
Concluído o estudo, ela deverá socializar, com o coletivo, a
pesquisa realizada, através das assembleias de exposição.
Constata-se que a segunda atividade do dia ensina a autogestão, a
cooperação e a solidariedade necessária à construção do
conhecimento; à sua comunicação e socialização e, portanto, o
estabelecimento das relações sociais e, sobretudo, à vivência da
metodologia investigativa, responsável pelo desenvolvimento do
“espírito investigativo” que irá gerar, como decorrência, a
autonomia intelectual, ou, o autodidatismo, característica básica
da Pedagogia Libertária.
Já o grupo que está responsável pela alimentação de todos da
Paidéia, apreende, pela aplicação e vivência na realidade, os
conhecimentos que envolvem a preparação dos alimentos, bem como a
importância social e comunitária do trabalho, a satisfação e
benefício coletivo que ele gera.
Das 14 às 15 horas é o horário do almoço, após o que,
novamente o espaço/tempo é destinado a estudos e/ou socialização
de resultados de investigação. Esta socialização é realizada de
30
três formas diferentes. Num primeiro momento a criança apresenta
os estudos que realizou, ao seu grupo, na assembleia de exposição
com a presença de um adulto que convida ou que orientou seus
estudos. Posteriormente a apresentação e discussão do trabalho,
ela procederá as indicações/correções, se necessárias. Após, ela
informa aos demais grupos sobre o seu estudo, se prontificando a
explicá-lo nos grupos que assim o desejarem, o que via de regra
ocorre. A terceira forma de socializar, se configura nos
“cadernos” que ela elabora sobre o seu estudo para que este
material escrito constitua material de leitura/consulta na
biblioteca da Paidéia, para outras crianças, noutros momentos.
Vemos, portanto, que o importante para a Paidéia não é “o que
a criança estuda”, mas sim “o como estuda”, razão pela qual
podemos afirmar, que qualquer conhecimento é importante, desde que
ajude o sujeito a desenvolver o “olhar investigativo sobre a
realidade”.
Portanto, a metodologia de aprendizagem nesta arquitetura
organizacional é a de investigação, e seu processo, a re-
construção do conhecimento, para o qual não há necessidade de
controle, seja de frequência, seja de nota. A criança estuda
porque problematizou, ou seja, significou uma determinada situação
que merece ser investigada para ser resolvida, na qual, sente
prazer em sua resolução, pois o mesmo possui uma razão para que
ela o investigue, razão esta determinada por ela própria, pela sua
curiosidade e interesse em conhecer e resolver àquele determinado
assunto.
Se a metodologia de aprendizagem é a investigação, o
espaço/tempo da aprendizagem é toda a Paidéia e além dela. A
criança aprende nas relações que estabelece com os grupos. Ela
pode, a qualquer momento, participar de atividades de outros
grupos, desde que aceita. Ela é livre para ir e vir do espaço de
seu grupo para o dos demais. Ainda que cada grupo tenha uma sala
onde se reúnem em assembleias próprias do grupo para decisões
conjuntas, não ficam presas a este único espaço.
A Assembleia Geral é outro espaço/tempo didático importante na
aprendizagem da autogestão, onde a criança aprende a se manifestar
sobre decisões que são tomadas coletivamente sobre a arquitetura
organizacional da Paidéia.
As Assembleias Gerais ocorriam, nesta época, todas as sextas
feiras, e se constitui no espaço/tempo de poder, de decisões
grupais de toda a ordem, seja das questões administrativas-
financeiras; de planejamento (do que comprar; estabelecer o
cardápio, designar competências, etc.); seja de ordem pessoal ou
31
coletivas sobre o desenvolvimento de ações educativas. Assim, a
assembleia geral, constitui-se em espaço/tempo didático, logo, de
aprendizagem da auto-organização e gestão solidária e cooperativa.
A cozinha também se constitui num espaço/tempo de constante
aprendizagem, para o grupo encarregado da alimentação,
principalmente porque o adulto ou os jovens, a medida que estão
preparando os alimentos junto com as crianças menores, estão, na
informalidade, questionando-os sobre os saberes envolvidos naquele
fazer.
Às 17 horas é servida a merenda e, após, os grupos se reúnem
em assembleia para novamente decidirem quais atividades
realizarão, com objetivos coletivos, até as 18 horas quando
retornam para suas casas. É esta arquitetura organizacional da
Paidéia, a responsável pelo processo de aprendizagem da
autogestão. Dela decorre aquilo que chamamos da formação das
subjetividades autônomas.
Foi atrás destas subjetividades e de suas marcas, que em 2009
para lá voltamos no intuito de verificar como os ex-paideianos
estavam inseridos na sociedade, tendo em vista sua educação nesta
arquitetura organizacional.
KASSICK, Clovis Nicanor. A arquitetura organizacional da Paidéia
para a formação da subjetividade autônoma: a vivência da
autogestão.
32
COMBATE AOS MECANISMOS DE EXCLUSÃO E COOPTAÇÃO
Multiculturalismo – Diferenças Culturais e Práticas Pedagógicas
Antonio Flávio Moreira e Vera Maria Candau (organizadores).
Antonio Moreira é mestre em Educação pela UFRJ e doutor pelo
Instituto de Educação da Universidade de Londres. Tem experiência
na área de educação com ênfase em currículo, atuando
principalmente nos temas escola, teorias de currículo, prática
curricular, história do currículo, multiculturalismo e formação de
professores. Vera Candau possui doutorado e pós-doutorado em
Educação pela Universidad Complutense de Madrid. Suas principais
áreas de atuação são educação multi/intercultural, cotidiano
escolar, didática, educação em direitos humanos e formação de
educadores/as.
Trechos do texto:
A problemática da educação escolar está na ordem do dia e
abarca diferentes dimensões: universalização da escolarização,
qualidade da educação, projetos político-pedagógicos, dinâmica
interna das escolas, concepções curriculares, relações com a
comunidade, função social da escola, indisciplina e violências
escolares, processos de avaliação no plano institucional e
nacional, formação de professores/as, entre outras.
O que parece consensual é a necessidade de se reinventar a
educação escolar (CANDAU, 2005) para que possa oferecer espaços e
tempos de ensino-aprendizagem significativos e desafiantes para os
contextos sociopolíticos e culturais atuais e as inquietudes de
crianças e jovens.
Este trabalho pretende oferecer alguns elementos para
aprofundar na compreensão das relações entre educação e cultura
(s), particularmente nas sociedades multiculturais em que vivemos.
Parto da afirmação de que não há educação que não esteja
imersa nos processos culturais do contexto em que se situa. Neste
sentido, não é possível conceber uma experiência pedagógica
"desculturizada", isto é, desvinculada totalmente, das questões
culturais da sociedade. Existe uma relação intrínseca entre
educação e cultura (s). Estes universos estão profundamente
entrelaçados e não podem ser analisados a não ser a partir de sua
íntima articulação. No entanto, há momentos históricos em que se
experimenta um descompasso, um estranhamento e mesmo um confronto
intenso nestas relações. Acredito que estamos vivendo um desses
momentos.
33
Partindo destas afirmações básicas, considero importante que
nos perguntemos: o que há de novo na maneira contemporânea de
conceber estas relações? Por que se fala e se discute tão
acaloradamente hoje sobre as relações entre educação e cultura(s)?
Que especificidade esta problemática tem na atualidade?
Uma primeira aproximação a esta problemática nos vem dada
pelos inúmeros trabalhos de autores com diferentes orientações
teórico-metodológicas, que têm analisado e denunciado o caráter em
geral padronizador, homogeneizador e monocultural da educação,
especialmente presente no que se denomina como ‘cultura escolar’ e
‘cultura da escola’ (FORQUIN, 1993).
Nesta perspectiva, afirma Gimeno Sacristán (2001: 123-124):
A diversidade na educação é ambivalência, porque é
desafio a satisfazer, realidade com a qual devemos contar
e problema para o qual há respostas contrapostas. É uma
chamada a respeitar a condição da realidade humana e da
cultura, forma parte de um programa defendido pela
perspectiva democrática, é uma pretensão das políticas de
inclusão social e se opõe ao domínio das totalidades
únicas do pensamento moderno. Uma das aspirações básicas
do programa prodiversidade nasce da rebelião ou da
resistência às tendências homogeneizadoras provocadas
pelas instituições modernas regidas pela pulsão de
estender um projeto com fins de universalidade que, ao
mesmo tempo, tende a provocar a submissão do que é
diverso e contínuo "normalizando-o" e distribuindo-o em
categorias próprias de algum tipo de classificação. Ordem
e caos, unidade e diferença, inclusão e exclusão em
educação são condições contraditórias da orientação
moderna. [...] E, se a ordem é o que mais nos ocupa, a
ambivalência é o que mais nos preocupa. A modernidade
abordou a diversidade de duas formas básicas: assimilando
tudo que é diferente a padrões unitários ou "segregando-
o" em categorias fora da "normalidade" dominante.
Hoje esta consciência do caráter homogeneizador e monocultural
da escola é cada vez mais forte, assim como a consciência da
necessidade de romper com esta e construir práticas educativas em
que a questão da diferença e do multiculturalismo se façam cada
vez mais presentes.
Uma outra contribuição que consideramos muito interessante
para uma nova compreensão das relações entre educação e cultura(s)
diz respeito a uma concepção da escola como um espaço de
34
cruzamento de culturas, fluido e complexo, atravessado por tensões
e conflitos.
Para Perez Gómez (1994; 2001), a escola deve ser concebida
como um espaço ecológico de cruzamento de culturas, cuja
responsabilidade específica que a distingue de outras instâncias
de socialização e lhe confere identidade e relativa autonomia é a
mediação reflexiva daquelas influências plurais que as direrentes
culturas exercem de forma permanente sobre as novas gerações.
O responsável definitivo da natureza, do sentido e da
consistência do que os alunos e as alunas aprendem em sua
vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento de
culturas que se produz na escola, entre as propostas da
cultura crítica, alojada nas disciplinas científicas,
artísticas e filosóficas; as determinações da cultura
acadêmica, refletidas nas definições que constituem o
currículo; os influxos da cultura social constituída
pelos valores hegemônicos do cenário social; as pressões
do cotidiano da cultura institucional presente nos
papéis, nas normas, nas rotinas e nos ritos próprios da
escola como instituição específica; e as características
da cultura experiencial adquirida individualmente pelo
aluno através da experiência nos intercâmbios espontâneos
com seu meio (PEREZ GÓMEZ, 2001: 17).
Conceber a dinâmica escolar nesta perspectiva supõe repensar
seus diferentes componentes e romper com a tendência
homogeneizadora e padronizadora que impregna suas práticas. Para
Moreira e Candau (2003: 161):
A escola sempre teve dificuldade em lidar com a
pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e
neutralizá-las. Sente-se mais confortável com a
homogeneização e a padronização. No entanto, abrir
espaços para a diversidade, a diferença e para o
cruzamento de culturas constitui o grande desafio que
está chamada a enfrentar.
No momento atual, as questões culturais não podem ser
ignoradas pelos educadores e educadoras, sob o risco de que a
escola cada vez se distancie mais dos universos simbólicos, das
mentalidades e das inquietudes das crianças e jovens de hoje.
Parto deste universo de preocupações. Acredito que o mal-estar
que se vem acentuando em nossas escolas, entre os professores e
professoras, assim como entre os alunos e alunas, exige que nos
enfrentemos com a questão da crise atual da escola não de um modo
35
superficial, que tenta reduzi-la à inadequação de métodos e
técnicas, à introdução das novas tecnologias da informação e da
comunicação de forma intensiva, ou ao ajuste da escola à lógica do
mercado e da chamada modernização. Situo a crise da escola em um
nível mais profundo. Faço minhas as palavras de Veiga Neto (2003:
110) quando afirma:
Sentimos que a escola está em crise porque_percebemos que
ela está cada vez mais desenraizada da sociedade. [...] A
educação escolarizada funcionou como uma imensa
maquinaria encarregada de fabricar o sujeito moderno.
[...] Mas o mundo mudou e continua mudando rapidamente
sem que a escola esteja acompanhando tais mudanças (VEIGA
NETO, 2003:110).
MOREIRA, A. F. B.; Candau, V. (Org.). Multiculturalismo:
diferenças culturais e práticas pedagógicas. Editora Vozes.
36
FEDERALISMO
Do Princípio Federativo
Pierre Joseph Proudhon (1809 — 1865) foi um filósofo político e
economista francês. É um dos mais importantes autores do
anarquismo. Foi o primeiro a se reivindicar anarquista, num
momento em que o termo carregava um sentido pejorativo nos
círculos revolucionários. Envolveu-se em polêmicas com Marx. Após
a revolução de 1848 passou a se denominar federalista.
Trechos do texto:
[Primeiro capítulo: Dualismo político – autoridade e liberdade:
Oposição e conexão destas duas noções]
Antes de dizer o que se entende por federação, convém
relembrar em poucas páginas a origem e a filiação desta ideia. A
teoria do sistema federativo é inteiramente nova: creio mesmo
poder afirmar que ainda não foi apresentada por ninguém. Esta,
contudo, intimamente ligada à teoria geral dos governos, mais
precisamente, é a sua conclusão necessária.
Entre tantas constituições que a filosofia propõe e que a
história mostra na prática, só uma reúne as condições de justiça,
ordem, liberdade e de duração sem as quais a sociedade e o
indivíduo não podem viver. A verdade é única como a natureza:
seria estranho que fosse de outro modo para o espírito e para a
sua obra mais grandiosa, a sociedade. Todos os jornalistas
admitiram esta unidade da legislação humana, e, sem negar a
variedade de aplicações reclamada pela diferença de tempos e
lugares e a natureza própria de cada nação; sem desconhecer o
lugar próprio, que em todo o sistema político deve ser concedido à
liberdade, todos se esforçaram para adaptar as suas doutrinas a
ela. Tento mostrar que esta constituição única, cujo
reconhecimento será o maior esforço de razão dos povos, não é
outra senão o sistema federativo. Toda a forma de governo que se
afaste dele deve ser considerado como uma criação empírica, esboço
provisório, mais ou menos cômodo, sob o qual a sociedade se abriga
um instante, e que, semelhante à tenda do Árabe, desaparece de
manha depois de ter sido montada à noite.
Uma análise rigorosa é pois aqui indispensável, e a primeira
verdade que é importante que o leitor fique convicto com essa
leitura, é a de que a política, infinitamente variável como arte
de aplicação, é, quanto aos princípios que a regem, uma ciência de
37
demonstração exata, nem mais nem menos que a geometria ou a
álgebra.
A ordem política repousa fundamentalmente em dois princípios
contrários, a AUTORIDADE e a Liberdade: o primeiro iniciador, o
segundo determinante; este tendo por corolário a liberdade de
pensamento, aquele a fé que obedece.
Contra esta primeira proposição, não penso que uma só voz se
possa levantar. A Autoridade e a Liberdade são tão antigas como a
raça humana: nascem conosco, e perpetuam-se em cada um de nós.
Notemos apenas uma coisa, a que poucos leitores atentaram: estes
dois princípios formam, por assim dizer, um par cujos termos,
indissoluvelmente ligados um ao outro, são contudo irredutíveis um
ao outro e permanecem, independentemente do que façamos, em luta
perpétua. A Autoridade supõe necessariamente uma Liberdade que a
reconheça ou a negue; a liberdade por seu lado, no sentido
político do termo, supõe igualmente uma autoridade que lide com
ela, a reprima ou a tolere. Suprima-se uma das duas, a outra não
faz mais sentido: a autoridade, sem uma liberdade que discuta,
resista ou se submeta, é uma palavra vã; a liberdade, sem uma
autoridade que a equilibre, é um contra-senso.
O princípio de autoridade, princípio familiar, patriarcal,
magistral, monárquico, teocrático, tendente à hierarquia, à
centralização, à absorção, é dado pela natureza, por conseguinte,
essencialmente fatal ou divino, como quisermos. A sua ação,
combatida, dificultada pelo princípio contrário, pode
indefinidamente ampliar-se ou restringir-se, mas sem nunca poder
desaparecer.
O princípio de liberdade, pessoal, individualista crítico;
agente de divisão, eleição, transação, é dado pelo espírito.
Princípio essencialmente arbitral por consequência, superior à
Natureza da qual se serve, ao destino que domina; ilimitado nas
suas aspirações; suscetível, como o seu oposto, de extensão e de
restrição, mas também do mesmo modo que ele incapaz de se esgotar
pelo desenvolvimento, como de desaparecer pela derrota.
Surge daí que em toda a sociedade, mesmo a mais autoritária,
uma parte é necessariamente deixada à liberdade; igualmente em
toda a sociedade, mesmo a mais liberal, uma parte é reservada à
autoridade. Esta condição é absoluta; nenhuma combinação política
se lhe pode eximir. A despeito do entendimento cujo esforço leva
incessantemente a resolver a diversidade na unidade, os dois
princípios continuam presentes e sempre em oposição. O movimento
político resulta da sua tendência inelutável e da sua mútua
reação.
38
Tudo isto, confesso-o, não tem talvez nada de novo, e mais de
um leitor me perguntará se é tudo o que tenho para lhe ensinar.
Ninguém nega nem a Natureza nem o Espírito, mesmo com a
obscuridade que os possa envolver; não há um só jornalista que se
pronuncie contra a Autoridade ou a Liberdade, mesmo se a sua
conciliação, a sua separação e eliminação parecem igualmente
impossível. Onde quero então chegar, debatendo este lugar comum?
Vou dizê-lo: é que toda as constituições políticas, todo os
sistemas de governo, incluindo o federalismo, podem resumir-se a
esta fórmula, o Equilíbrio da autoridade pela liberdade e vice-
versa; é devido a isso que as categorias adotadas desde
Aristóteles pela imensidão dos autores e com a ajuda dos quais os
governos se classificam, os Estados se diferenciam, as nações se
distinguem, monarquia, aristocracia, democracia etc., neste caso
exceto o federalismo, reduzem-se a construção hipotéticas,
empíricas, nas quais a razão e a justiça não obtêm senão uma
satisfação imperfeita: é que todos estes estabelecimentos,
fundados sobre as mesmas coordenadas incompletas, diferentes
somente pelos interesses, os pressupostos, a rotina, no fundo
assemelham-se e equivalem-se; é que deste modo se não fosse o mal-
estar causado pela aplicação desses falsos sistemas, e cuja
paixões irritadas, interesses ofendidos, amores próprios
decepcionados se acusam mutuamente, nós estaríamos quanto ao
essencial das coisas, muito próximo de um entendimento; por
último, que todas estas divisões de partidos entre as quais a
nossa imaginação cava abismos, todas estas divergências de opinião
qu nos parecem insolúveis, todos estes antagonismos de sorte que
nos parecem sem remédio, encontrariam de repente a sua equação
definitiva na teoria do governo federativo.
Quantas coisas, direis vós, em uma oposição gramatical:
AUTORIDADE-Liberdade!... Pois bem! Sim. Reparei que as
inteligências comuns, que as crianças apreendem melhor a verdade
transportada para uma fórmula abstrata do que desenvolvida em uma
volume de dissertações e de fatos. Quis ao mesmo tempo resumir
este estudo para aqueles que não podem ler livros, e torná-lo mais
peremptório trabalhando com noções simples. AUTORIDADE, Liberdade,
duas ideias opostas uma à outra, condenadas a viver em luta ou a
desaparecer juntas: eis algo certamente que é difícil. Tenha tão a
paciência de ler, leitor amigo, e se compreendeu este primeiro e
curto capítulo, depois me dirá o seu parecer*.
[Sétimo capítulo – Emergência da ideia de federação]
[...]
39
Para que o contrato político possa cumprir a condição
sinalagmática e comutativa que sugere a ideia de democracia; para
que, encerrando-se em limites corretos, ele continue vantajoso e
cômodo para todos, é preciso que o cidadão, entrando na
associação, primeiro tenha a receber do Estado como o que lhe
sacrifica; segundo, que conserve toda sua liberdade, soberania e
iniciativa, menos o que é relativo ao objeto especial para o qual
o contrato foi feito e para o qual se pede a garantia do Estado.
Assim regulado e compreendido, o contrato político é o que eu
chamo uma federação.
FEDERAÇÃO, do latim foedus, genitivo foederis, quer dizer
pacto, contrato, tratado, convenção, aliança etc., é uma convenção
pela qual um ou mais chefes de família, uma ou mais comunas, um ou
mais grupos de comuna ou Estados, obrigam-se reciprocamente uns em
relação aos outros para um ou mais objetos particulares, cuja
carga incumbe especial e exclusivamente aos delegados da
federação.
Retomemos esta definição.
O que faz a essência e o caráter do contrato federativo, e
para o qual chamo a atenção do leitor, é que nesse sistema os
contratantes, chefes de família, comuna, cantões, províncias ou
Estados, não somente se obrigam sinalagmática e comutativamenteuns
em relação aos outros, como se reservam individualmente, formando
o pacto, mais direito, liberdade, autoridade, propriedade, do que
abandonam.
Não era assim, por exemplo, na sociedade universal de bens e
ganhos, autorizada pelo Código Civil, dita comunidade, imagem em
miniatura de todos os Estados absolutos. Aquele que se compromete
numa associação dessa espécie, sobretudo se ela é perpétua, está
rodeado de mais entraves, submetido a mais responsabilidades do
que conserva de iniciativas. Mas é também o que faz a raridade
desse contrato, em que todos os tempos tornou a vida cenobítica
insuportável. Todo o compromisso, mesmo sinalagmático e
comutativo, que, exigindo dos associados a totalidade dos seus
esforços, não deixa nada à sua independência e os devota por
inteiro à associação, é um compromisso excessivo, que repugna
igualmente ao cidadão ou ao homem.
De acordo com esses princípio tendo o contrato de federação
por objeto, em termos gerais, garantir aos Estados confederados a
sua soberania, o seu território, a liberdade de seus cidadãos;
regular os deus diferendos; prover, através de medidas gerais, a
tudo o que interesse à segurança e à prosperidade comum; este
40
contrato, dizia eu, apesar da grandeza dos interesses em jogo, é
essencialmente restrito. A Autoridade encarregada da sua execução
não pode nunca retirá-la aos seus constituintes; quero dizer que
as atribuições federais nunca podem exceder em número e em
realidade as das autoridades comunais ou provinciais, do mesmo
modo que essas não podem exceder os direitos e prerrogativas do
homem e do cidadão. Se fosse de outro modo, a comuna seria uma
comunidade; a federação tornar-se- ia uma centralização
monárquica; a autoridade federal de simples mandatária e função
subordinada que deve ser, seria olhada como preponderante; em
lugar de ser limitada a um serviço especial, ela tenderia a
abarcar toda a atividade e toda a iniciativa; os Estados
confederados seriam convertidos em prefeituras, intendências
sucursais ou diretoriais. O corpo político, assim transformado,
poderia chamar-se república, democracia ou tudo que vos apetecer:
não seria mais um Estado constituído na plenitude das suas
autonomias, não seria mais uma confederação.
A mesma coisa se passaria, como mais razão ainda, se, por um
falso motivo de economia, por deferência ou qualquer outra causa,
as comunas, cantões ou Estados confederados encarregassem um deles
da administração ou governo dos outros. A república, de
federativa, tornar-se- ia unitária; estaria no caminho do
despotismo.
Em resumo, o sistema federativo é o oposto da hierarquia ou
centralização administrativa e governamental a qual distingue, ex
aequo [em latim no original, em igualdade de circunstâncias], as
democracias imperiais, as monarquias constitucionais e as
repúblicas unitárias. A sua lei fundamental, característica, é
esta: na federação, os atributos da autoridade central
especializam-se e restringem-se, diminuem de número, de
intermediários, e se ouso assim dizer, de intensidade, na medida
em que a Confederação se desenvolve pela acessão de novos Estados.
Nos governos centralizados, ao contrário, os atributos do poder
supremo aumentam, estendem-se e imediatizam-se, colocando na
competência do príncipe os assuntos das províncias, comunas,
corporações e particulares, na relação direta da superfície
territorial e do número da população. Daí essa sobrecarga sob a
qual desaparece toda a liberdade não só comunal e provincial, mas
mesmo individual e nacional.
PROUDHON, Pierre-Joseph. Do Princípio Federativo. Nu:Sol
Imaginário, 2001.
41
.
42
.
43
.
44
Material produzido pela formação de educadores do
Cursinho Livre da Lapa em maio de 2017.
Informações ou apoio à nossa campanha de financiamento
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Formação de educadores do Cursinho Livre da Lapa 2017

  • 1. FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CURSINHO LIVRE DA LAPA 2017 APONTAMENTOS SOBRE UMA FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA MAIO DE 2017 LAPA, SÃO PAULO
  • 2. 2 Material produzido pela formação de educadores do Cursinho Livre da Lapa em maio de 2017. Informações ou apoio à nossa campanha de financiamento coletivo em facebook.com/cursinholivredalapa/ lapalivre@gmail.com
  • 3. 3 SUMÁRIO APONTAMENTOS SOBRE UMA FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA.....5 TRECHOS DOS TEXTOS DE APOIO PARA A FORMAÇÃO.............9 APOIO MÚTUO............................................11 AUTONOMIA..............................................15 HORIZONTALIDADE........................................17 AÇÃO DIRETA............................................20 ANTICAPITALISMO........................................23 CONHECIMENTO CRÍTICO...................................26 COMBATE AOS MECANISMOS DE EXCLUSÃO E COOPTAÇÃO.........32 FEDERALISMO............................................36
  • 4. 4 .
  • 5. 5 APONTAMENTOS SOBRE UMA FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA Após completarmos dois anos em atividade, nós do Cursinho Livre da Lapa sentimos necessidade de nos reunirmos novamente para pensarmos os princípios sobre os quais fundamentamos nossa pedagogia libertária desde 2015, ano que marca o início efetivo do cursinho. Podemos dizer que não há o modus operandi em educação libertária. Muitas pessoas se dedicaram a pensar e fazer uma prática pedagógica que não caísse no autoritarismo, cada qual adaptada às necessidades de resistência de sua época. O CLL nasceu tomando como inspiração porções de algumas experiências do passado, como a Escola Moderna, de Francisco Ferrer, e de outras mais recentes, como os bachilleratos populares na Argentina, passando por pensadores de diferentes linhas. Definimos que nossa formação teria cada encontro baseado em um dos oito princípios, com um ou mais textos disparadores do debate. Iniciamos as reuniões em 02 de março de 2017, aproveitando o hiato que passamos enquanto não tínhamos um local onde pudessem ocorrer as aulas. Por isso, os encontros não tiveram local fixo. Faremos um breve relato das questões suscitadas em cada encontro, os incômodos e questionamentos que surgiram. A segunda parte dessa publicação conta com excertos de alguns textos utilizados, a fim de incitar debates e semear ideias. Este não é um material conclusivo, mas sim um compartilhamento de reflexões que surgiram ao longo desse processo, e segundo as quais pretendemos seguir um caminhar pedagógico. Queremos produzir futuramente um material sobre a quais trilhas essa formação nos levará. O primeiro encontro foi sobre Apoio Mútuo, e a partir dele criamos uma rotina que se manteve nos próximos. Utilizamos como texto disparador a introdução do livro Ajuda Mútua: um fato de evolução, de Piotr Kropotkin. A partir dele começamos a pensar se há como lidar internamente com esse princípio sem problematizar de forma sistemática a competição da sociedade em que estamos inseridos(as), e em como adotá-lo de forma prática nas aulas. A questão da competição no vestibular foi um assunto debatido, e colocamos a necessidade de se adotar uma estratégia a fim de preparar estudantes para lidar com essa pressão; levantamos a possibilidade de marcar a identidade de classe para ficar mais compreensível em quais campos se compete e em quais se apoia mutuamente, tendo como horizonte uma transformação social. Iniciamos o segundo encontro a partir de uma questão: por qual razão a Autonomia é um dos nossos princípios? Refletimos também sobre as dificuldades de se criar na grade de aulas espaços de
  • 6. 6 discussão que fujam dos conteúdos tradicionais e dos vestibulares, ressaltando a importância de formação e engajamento do corpo de educadores, de todas as áreas, para problematização de conteúdos e experimentação de formas não convencionais de relação ensino- aprendizagem e o incentivo à busca de autonomia por parte dos(as) estudantes. Seguimos lançando o desafio de como colocar em prática essas ideias. O texto Roda de conversa: uma proposta metodológica para a construção de um espaço de diálogo no ensino médio lançou o terceiro encontro, sobre Horizontalidade, a euforia inicial que esse tipo de organização causa, e o afastamento que normalmente vem a gerar depois. Reforçamos a importância de educadores se empenharem na criação de um espaço que negue autoritarismo, já que essa não é uma relação que se aprende como norma na sociedade em que vivemos. Paralelamente, percebemos como os(as)educandos(as) trazem contribuições muito importantes para construção da horizontalidade, e apontamos essa troca como um ponto a se seguir. No quarto encontro trabalhamos o princípio da Ação Direta, e ali surgiu a ideia de produzirmos materiais sobre a própria formação e acerca de outros assuntos, que se configurariam como uma estratégia da própria ação direta. Partindo da possível contradição entre o cursinho visar uma preparação para o vestibular paralelamente à uma posição contrária à esse sistema, vimos uma possibilidade de mediação e de atuação visando o fim dessa barreira que impede que classes exploradas e marginalizadas acessem a Universidade. A própria (r)existência de Cursinhos Livres, baseados em pedagogia libertária, poderiam ser vistos como uma ação direta? A partir do texto A Instrução Integral de Mikhail Bakunin partimos para o quinto encontro, sobre Anticapitalismo. Notamos diversas ligações com os pontos discutidos no encontro anterior, especialmente diante do fato de a educação ter se tornado uma mercadoria, e a formação universitária um produto que poucos podem adquirir. Reforçamos a importância de se trabalhar pedagogicamente de forma a negar a mecânica excludente e hierárquica, e o trabalho a fim de democratizar o acesso à Universidade pública. O tema do sexto encontro foi o princípio Conhecimento Crítico. Tivemos a ideia de estabelecer um dia, semanalmente ou quinzenalmente, no qual a aula seria externa e interdisciplinar, cada estudante poderia definir o que quer estudar/ investigar, desenvolveria um plano e no final todos socializariam suas descobertas. Levantamos também a importância de não se esgotar os assuntos trabalhados em aula, deixando espaço para que a sala seja um ambiente de construção. Alguns incômodos surgiram, e pontuamos a necessidade de se criar estratégias para que o espaço de educação libertária não se torne uma “bolha”, apartada da sociedade.
  • 7. 7 O sétimo encontro teve como pauta o princípio antes denominado por Valorização das Minorias Políticas, e que após o debate passou a ser Combate aos Mecanismos de Exclusão e Cooptação. O que nos levou a essa mudança foi perceber que os princípios anteriores foram escritos a partir da oposição de algo a ser combatido (competição x apoio mútuo, autonomia x heteronomia etc.). Reconhecemos que mecanismos de exclusão emecanismos de cooptação são ferramentas do capital para manutenção da ordem social, e não basta valorizarmos as diferenças ou defender o multiculturalismo de um tipo ou outropara o CLL ser um instrumento de combate aos mecanismos de exclusão e cooptação. No último encontro tratamos do princípioFederalismo, e nos deparamos com certa dificuldade em desenvolver um conceito sobre o tema que abarcasse a ideia preestabelecida sobre esse sistema de organização. Instituímos o princípio pensando em uma divisão que combatesse a centralidade e que valorizasse a autonomia de cada área semperder de vista a coletividade, pensando também na relação com outros cursinhos. Optamos por retomar o debate posteriormente, depois de buscarmos materiais que nos tragam mais pontos de vista. Essa formação não pretende ser o fim de um processo, mas o despertar. Esperamos manter o CLL por muito tempo, mesmo com todas as dificuldades postas. Ainda há muito o que se compartilhar, aprender, ensinar. A turma de estudantes de 2017 potencializará muito o que conversamos nesses encontramos. Seguimos! Saúde e Anarquia! Cursinho Livre da Lapa
  • 8. 8
  • 9. 9 . TRECHOS DOS TEXTOS DE APOIO PARA A FORMAÇÃO
  • 10. 10 .
  • 11. 11 APOIO MÚTUO Ajuda mútua - um fator de evolução Piotr Alexeyevich Kropotkin (Moscou, 1842 – Dmitrov, 1921) foi um geógrafo e escritor anarquista. Rejeitou seu título de príncipe e, na adolescência, foi obrigado a servir o exército, onde entrou em contato com a literatura revolucionária da época. Percorreu milhares de quilômetros a pé do círculo polar ártico, registrando diferentes fenômenos naturais e que o inspirou a propor uma teoria de evolução paralela a de Darwin, defendida em seu livro Ajuda Mútua. Participou da I Associação Internacional de Trabalhadores e foi preso diversas vezes por sua militância política. Trechos do texto: Dois aspectos da vida animal me impressionaram muito durante as viagens que fiz em minha juventude à Sibéria Oriental e ao norte da Manchúria. Um deles foi a extrema dureza da luta pela vida que a maioria das espécies animais tem de travar contra uma Natureza inclemente; a enorme destruição da vida que periodicamente resulta da ação das forças naturais; e a consequente escassez de vida no vasto território que tive ocasião de observar. E o outro foi que, mesmo naqueles poucos lugares onde a vida animal prolifera em abundância, não consegui descobrir, embora estivesse procurando atentamente, aquela luta cruel pelos meios de subsistência entre animais que pertencem à mesma espécie, considerada pela maioria dos darwinistas (embora nem sempre pelo próprio Darwin) a característica dominante da luta pela sobrevivência e o principal fator da evolução. [...] Sempre que eu via a vida animal em abundância, como nos lagos onde dezenas de espécies e milhões de indivíduos se reúnem para criar a prole; nas colônias de roedores; nas migrações de pássaros que aconteciam naquela época numa escala verdadeiramente “amazônica” ao longo do Ussuri; e principalmente numa migração de gamos que testemunhei no Amur, durante a qual dezenas de milhares desses animais inteligentes se reuniram, vindos de um território imenso e partindo antes da chegada das grandes nevascas para cruzar o Amur no ponto onde ele é mais estreito – em todas essas cenas da vida animal que passaram diante dos meus olhos, vi a ajuda mútua e o apoio mútuo acontecerem em tal proporção que fui levado a suspeitar ali da existência de uma característica da maior importância para a manutenção da vida, a preservação de cada
  • 12. 12 espécie e sua evolução posterior. E finalmente vi, entre o gado e os cavalos semisselvagens da Transbaikalia, e entre os ruminantes selvagens de toda parte, entre os esquilos, por exemplo, que, quando os animais têm de lutar contra a escassez de alimento em consequência de uma das causas mencionadas acima, toda aquela parte da espécie que é afetada pela calamidade sai da provação tão depauperada em termos de vigor e saúde que nenhuma evolução progressiva da espécie pode se basear nesses períodos de competição feroz. Por isso, mais tarde, quando as relações entre o darwinismo e a sociologia me chamaram a atenção, não pude concordar com nenhuma das obras e panfletos escritos sobre esse tema tão importante. Todos eles tentavam provar que os seres humanos, devido à superioridade de sua inteligência e de seus conhecimentos, podiam mitigar entre si a dureza da luta pela vida. Mas, ao mesmo tempo, todos eles concordavam que a luta pelos meios de subsistência, a luta de todo animal contra seus semelhantes, e de cada ser humano contra todos os outros, era uma “lei da Natureza”. Eu não podia aceitar esse ponto de vista, porque estava convencido de que admitir uma implacável guerra interna pela vida no seio de cada espécie – e ver nessa guerra uma condição de progresso – era admitir algo que não só não havia ainda sido provado, como também não fora confirmado pela observação direta. [...] Uma ressalva que se pode fazer a este livro é que tanto os animais quanto os seres humanos estão representados de maneira demasiado favorável; que suas características sociáveis são enfatizadas, enquanto seus instintos antissociais e de autoafirmação são apenas mencionados. Mas isso era inevitável. Ouvimos tanto falar ultimamente da “luta implacável e cruel pela vida” (que dizem ser) travada por cada animal contra todos os outros, e por cada ser humano civilizado contra todos os outros “selvagens”, e de cada homem civilizado contra todos os seus semelhantes, afirmações que acabaram se tornando um artigo de fé, que se tornou necessário, antes de mais nada, opor-lhes uma longa série na verdades que mostram a vida animal e humana de um ponto de vista bem distinto. Tornou-se necessário mostrar a importância incontestável que os hábitos sociáveis desempenham na Natureza e na evolução progressiva tanto das espécies animais quanto dos seres humanos; provar que eles fornecem, aos animais uma proteção maior contra seus inimigos e, com muita frequência, facilidade para obter comida (provisões para o inverno, migrações etc.), longevidade e, por conseguinte, maior desenvolvimento das
  • 13. 13 faculdades intelectuais; e que tais hábitos deram aos homens, além dessas vantagens, a possibilidade de criar aquelas instituições que lhes possibilitaram sobreviver em sua luta implacável contra a Natureza, e progredir, apesar de todas as vicissitudes de sua história. Foi o que fiz. Este é um livro sobre a lei da Ajuda Mútua, vista como um dos principais fatores da evolução, e não sobre todos os fatores da evolução e seus respectivos valores. Era preciso que este primeiro livro fosse escrito para que se tornasse possível escrever um outro. Eu certamente seria o último a subestimar o papel que a autoafirmação do indivíduo desempenhou na evolução da humanidade. Mas, a meu ver, esse tópico requer um tratamento muito mais profundo que o recebido até agora. Na história da humanidade, a autoafirmação individual foi e continua sendo algo bem diferente e muito mais amplo e profundo do que a ideia tacanha, banal e pouco inteligente que, para um grande número de autores, passa por “individualismo” e “assertividade”. Além disso, os indivíduos que fazem história não se limitam àqueles que os historiadores consideram heróis. Portanto, minha intenção é, se as circunstâncias assim o permitirem, discutir em separado o papel desempenhado pela autoafirmação do indivíduo na evolução progressiva da humanidade. Aqui só posso fazer a seguinte observação geral: quando, no decorrer da História, as instituições de ajuda mútua da tribo, a comunidade aldeã, as guildas, a cidade medieval começaram a perder seu caráter primitivo, a ser invadidas por elementos parasitários, tornando-se assim obstáculos ao progresso, a revolta dos indivíduos contra essas instituições sempre assumiram dois aspectos diferentes. Parte daqueles que se rebelaram procurou purificar as instituições antigas ou criar uma forma superior de comunidade; tentou, por exemplo, introduzir o princípio da “compensação”, em lugar da lex talionis e, mais tarde, o perdão dos pecados ou um ideal mais elevado ainda de igualdade perante a consciência humana, em lugar da “compensação”, de acordo com o valor de sua classe. Mas, ao mesmo tempo, outra parte dos mesmos rebeldes fazia todo o possível para demolir as instituições protetoras de apoio mútuo, sem nenhuma outra intenção além de aumentar a própria riqueza e os próprios poderes. Nessa disputa de três lados, entre as duas classes de indivíduos revoltados e os defensores da ordem estabelecida, está a verdadeira tragédia da História. No entanto, definir essa disputa e estudar honestamente a parte desempenhada por cada uma dessas três forças na evolução da humanidade exigiria pelo menos tantos anos de trabalho quantos levei para escrever este livro. [...]
  • 14. 14 Assim que começamos a estudar os animais – não apenas em laboratórios e museus, mas nas florestas e nas pradarias, nas estepes e nas montanhas –, percebemos imediatamente que, apesar da magnitude das hostilidades e do extermínio entre as várias espécies, e principalmente entre as várias classes de animais, existe, ao mesmo tempo, a mesma quantidade – ou talvez mais – de apoio, ajuda e defesa mútuos entre animais da mesma espécie ou, pelo menos, da mesma sociedade. A sociabilidade e a luta de todos contra todos são, no mesmo grau, uma lei da Natureza. É claro que seria dificílimo estimar, mesmo que superficialmente, a importância numérica relativa de ambas as séries de fatos. Mas, se nos valermos de uma prova indireta e perguntarmos à Natureza “Quem são os mais aptos: aqueles que vivem em guerra ou aqueles que se apóiam mutuamente?”, vemos de imediato e sem sombra de dúvida que são estes últimos. Os que adquirem hábitos de ajuda mútua têm mais chances de sobreviver e atingem, em suas classes respectivas, o desenvolvimento mais elevado do intelecto e da organização corporal. Considerando os incontáveis fatos que podem ser apresentados para corroborar essa visão, podemos dizer com segurança que tanto a ajuda mútua quanto a luta de todos contra todos são uma lei da vida animal; mas, enquanto fator de evolução, a primeira tem provavelmente uma importância muito maior, na medida em que favorece o desenvolvimento dos hábitos e características que asseguram a manutenção e a evolução da espécie, além de maior bem-estar e melhor qualidade de vida para o indivíduo com o menor dispêndio de energia. [...] A primeira coisa que nos impressiona quando começamos a estudar a luta pela sobrevivência em ambos os seus aspectos – o literal e o metafórico – é a abundância de casos de ajuda mútua, não apenas para criar a prole, como reconhece a maioria dos evolucionistas, mas também para a segurança do indivíduo e para sua provisão do alimento necessário. A ajuda mútua é a regra em muitas das grandes divisões do reino animal. Existe realmente entre os animais inferiores, e devemos estar preparados para um dia descobrir, com os estudiosos da microbiologia, casos de ajuda mútua inconsciente até mesmo na vida de microrganismos. KROPOTKIN, Piotr. Ajuda Mútua – um fator de evolução. A Senhora Editora, São Sebastião, 2009.
  • 15. 15 AUTONOMIA Instruir para Revoltar Fernand Pelloutier foi um anarcossindicalista francês. Foi líder das Bolsas de Trabalho, importante união sindical francesa, desde 1895 até a sua morte em 1901. Em 1902, as Bolsas de Trabalho integraram-se à Confederação Geral do Trabalho. Trechos do texto: No que concerne ao ensino, as Bolsas podem dividir-se em duas categorias: aquelas que se limitaram ao ensino profissional, teórico e prático, e as outras que, mais ambiciosas, introduziram ali (não fazendo, por sinal, senão preceder as outras) um ensino eclético, abordando os conhecimentos os mais diversos. Não podemos, mesmo sumariamente, dizer aqui tudo o que fizeram umas e outras para reagir, segundo a expressão de um membro da Bolsa do Trabalho de Toulouse, contra a tendência dominante na indústria moderna de fazer da criança um trabalhador manual, um acessório inconsciente da máquina, em vez de fazer dela um colaborador inteligente. M. Vachon consagrou sobre isso uma grande parte de sua obra, e ainda assim não disse tudo. Nós nos limitaremos, então, a indicar as matérias tratadas por algumas Bolsas e a opinião exprimida por uma delas sobre o papel ao qual elas pretendem no campo do ensino. Entre as Bolsas da primeira categoria, encontramos Saint- Étienne, Marselha, Toulouse. Marselha tem nove cursos: marcenaria e ebanisteria, metalurgia, estereotomia, carpintaria, carroceria, cabelereiro, corte de couro, alfaiataria, tipografia e litografia. Saint-Étienne, além de dois desses cursos, possui os seguintes: geometria e desenho mecânico, geometria e desenho para os operários da construção civil, traçagem de linhas curvas para os caldeireiros e os funileiros, produção de roscas para os torneiros mecânicos, escola de traçado para os carpinteiros, produção de cartões para os tecelões, costura e economia doméstica, aritmética, carroceria, pintura e fiação, arpentagem e nivelamento. A última estatística geral, isto é, aquela do exercício 1899- 1900, acusa, para o período de 1o de outubro a 30 de junho, a ocorrência de 597 Sessões de duas horas cada uma; a média dos alunos é de 426. Todo ano, por ocasião da distribuição das recompensas aos laureados de cada um dos cursos professados na Bolsa, a Administração da Bolsa organiza uma festa familial (concerto ou baile) cujas receitas são usadas para a compra de materiais escolares em proveito dos alunos necessitados
  • 16. 16 sindicalizados ou filhos de sindicalizados. Montpellier possui cinco cursos: cursos de sapateiro, corte, ebanista, cabelereiro e culinária. Toulouse, que recebe uma bastante forte Subvenção anual, criou vinte cursos e abriu uma magnífica oficina tipográfica. O conselho geral da Alta Garonne concede-lhe todo ano 300 francos, destinados a serem convertidos em prêmios para os alunos, e cuja distribuição é precedida por uma exposição pública dos trabalhos executados durante o exercício. Os cursos, que até soldados freqüentam, são visitados todas as noites pelo administrador de serviço; eles, por sinal, produziram resultados tais que a Bolsa projeta fazer os alunos participarem dos concursos instituídos pelo Ministério do Comércio para a obtenção de bolsas de viagem. Entre as Bolsas da segunda categoria, podemos citar as de Paris e Nimes. Em Paris, um certo número de Sindicatos aderentes à União do Sena, organizou, de concerto com a Associação politécnica que forneceu os professores, cursos de eletricidade industrial, contabilidade comercial, estenografia, desenho, mecânica e química aplicadas, geometria prática e álgebra, direito comercial e industrial, construção de automóveis, línguas alemã e inglesa. Seria inútil dizer o que são esses cursos, pois a Associação politécnica mostrou abundantemente, em matéria de ensino, seu valor: mas é duvidoso que eles possam ser muito proveitosos aos alunos, e isso por duas razões que se devem à própria organização da Bolsa do Trabalho de Paris. Nas Bolsas do Trabalho de província, os cursos são acompanhados assiduamente pelas mesmas pessoas durante toda a duração, porque essas Bolsas, em vez de serem, como a de Paris, vastos imóveis nos quais os sindicatos só podem ter entre eles relações difíceis ou sumárias, são pequenas e ardentes núcleos de atividade sindical, proporcionando, assim, o entendimento e a colaboração mais fáceis e completos, podendo fazer ali cursos de autênticas escolas, nas quais os alunos são, por assim dizer, obrigados a frequentar. Em Paris, Por outro lado, esses cursos são exclusivamente teóricos. A quantidade excessiva de sindicatos concentrados nas ruas Château-d'Eau e J.-J. Rousseau (onde quase todos os escritórios são ocupados por duas organizações) proíbe até mesmo sonhar com a criação de cursos práticos. Eis por que muitos sindicatos, notadamente aqueles da tipografia parisiense, mecânicos, operários especializados em automóveis, passamaneiros, marceneiros etc., decidiram-se a organizar, fora da Bolsa, um ensino prático cujos serviços são extraordinários. CHAMBAT, Grégory. Instruir para Revoltar – Fernand Pelloutier e a educação rumo a uma pedagogia de ação direta. Editora Faísca, 2006.
  • 17. 17 HORIZONTALIDADE Roda de Conversa: Uma Proposta Metodológica Para A Construção De Um Espaço De Diálogo no Ensino Médio Marcia Cristina Henares de Melo, da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti; e Gilmar de Carvalho Cruz, da Universidade Estadual do Centro-Oeste e Universidade Estadual de Ponta Grossa. Nesse trabalho, eles propõem e analisam a Roda de Conversa enquanto possibilidade metodológica para a comunicação entre alunos e professores no Ensino Médio em uma escola pública em Ibaiti, Paraná. Os debates foram pautados por assuntos relacionados à adolescência, e a análise dos dados revelou dificuldades nessa relação que impedem uma discussão mais direta e efetiva no cotidiano da sala de aula, ainda que as rodas entre alunos e também entre professores tenham se mostrado, segundo o trabalho, “um instrumento eficaz para o estabelecimento de um espaço de diálogo e interação”. Trechos do texto: [...] Neste estudo os dois grupos para as Rodas de Conversa – grupos de alunos e grupo de professores – foram formados, respectivamente, por alunos e professores cujos nomes apareciam nos registros da coordenação pedagógica, pelo fato de terem solicitado, em algum momento, intervenção para resolução de conflitos em sala de aula, bem como por alunos cujos nomes não apareciam nesses registros, mas sugeridos por coordenadores, professores e colegas. A escolha de grupos diferentes ocorreu pela intenção de confrontar possíveis divergências nas percepções desses sujeitos com relação à adolescência, objeto da investigação da pesquisa, pois interessava-nos desvelar se a maneira de perceber a adolescência, por parte de professores e alunos que, frequentemente, se evolvem em conflitos e tensões no dia-a-dia da escola, se diferencia daqueles que, normalmente, não se envolvem nessas situações. Isso porque, em muitos momentos de mediação de conflitos entre professor e aluno ficava latente na fala de professores, e até mesmo de alunos, que o fato de ser adolescente justificaria este ou aquele ato deflagrador do conflito mediado. Era como se a adolescência estivesse, naturalmente, vinculada a um tipo de comportamento irresponsável ou até mesmo agressivo. [...]
  • 18. 18 Os contatos com os alunos foram rápidos e fáceis, pois eles se mostraram receptivos e curiosos com o que aconteceria no grupo. Ficaram entusiasmados com a possibilidade de participarem de uma ‛discussão’. O mesmo não aconteceu entre os professores. A primeira dificuldade foi em relação ao convite: as professoras que mais apresentavam registros de queixas de alunos nos cadernos da Coordenação Pedagógica não aceitaram participar da Roda de Conversa, alegando falta de tempo e até mesmo “não ter mais idade para isso”, como disse em tom de brincadeira uma delas. A falta de tempo e de indisponibilidade foi a justificativa mais presente para o declínio ao convite. Após algumas conversas, quatro professores, que atendiam aos critérios previamente estabelecidos, aceitaram participar das Rodas de Conversa, duas das quais sob a condição de que os encontros acontecessem em horários que elas estivessem na escola; os outros dois professores disseram que não se importariam de comparecer em outro horário. Assim, entramos em contato com a direção da escola e pedimos autorização para realizarmos os encontros do grupo no momentos de hora-atividade dos professores que haviam aceitado participar da pesquisa. [...] Os grupos ficaram constituídos, então por seis professores e seis alunos que aceitaram participar voluntariamente da Roda de Conversa, instrumento de construção de dados eleito para este estudo. O número de participantes dos grupos seguiu a organização proposta para o Grupo focal, que sugere entre seis e 15 participantes. [...] Mediar o grupo dos professores se mostrou uma tarefa mais complexa do que mediar o grupo de alunos, pois o grupo apresentou maior dificuldade em manter a discussão focada no tema proposto e também houve a dificuldade relativa ao fato de um ou outro participante tentar monopolizar a conversa, o que tornava um pouco mais difícil a mediação. [...] A realização da Roda de Conversa apresentou um desafio desde o momento dos convites até sua efetivação. A maneira como a pesquisadora passou a ser vista no próprio ambiente de trabalho, que até então era de absoluta familiaridade, foi substituída por um clima de reserva e desconfiança. A perspectiva de ser ‛investigado’ parece trazer certo desconforto ao ambiente docente. Um tratamento mais formal toma corpo onde antes havia total informalidade e descontração. A preocupação, por parte de alguns
  • 19. 19 professores, em dizer o que é correto, ou o que se aproxima do ideal, do esperado, para essa ou aquela resposta, com base em teorias educacionais que sustentam (ou deveriam sustentar) a prática pedagógica, ficou muito visível em alguns momentos. [...] Por meio das provocações erigidas nas Rodas de Conversa, a fim de desvelar as percepções sobre os conceitos de adolescência, foi possível promover diversas reflexões sobre a relação professor/aluno no contexto escolar. Todos puderam expressar livremente suas inquietações e expectativas num clima de informalidade e, ao mesmo tempo, de seriedade. A experiência de sentir-se protagonista do cotidiano escolar foi vivenciada pelos participantes, à medida que suas falas expressavam verdades pertencentes não apenas a si mesmos, mas a seus pares, conforme descobriam no decorrer das discussões. O contentamento e a satisfação em relação a essas descobertas puderam ser percebidos ao final de cada encontro, quando professores e alunos expressavam o desejo de que a Roda de Conversa acontecesse com mais frequência na escola. Foi possível, ainda, vislumbrar tal metodologia sendo utilizada como proposta de ferramenta pedagógica, bem como proposta de formação continuada de professores, reuniões pedagógicas e conselhos de classe, uma vez que o diálogo se estabelece e possibilita compreender que a reflexão individual não se desenvolve sem o crescimento de comunidades críticas. Assim, a reflexão capaz de levar à compreensão e reelaboração de conceitos e conhecimentos encontra na Roda de Conversa um espaço privilegiado para seu desenvolvimento. Espaço esse que pode contribuir para a articulação entre experiências pessoais e profissionais, gerando em seus participantes uma postura de maior disponibilidade ao enfrentamento das questões presentes no cotidiano escolar. A Roda de Conversa, mais que um instrumento de coleta de dados, mostrou-se um eficiente espaço de reflexão, capaz de promover avanços nas relações que se estabelecem no cotidiano escolar. MELO, Marcia Cristina Henares de. CRUZ, Gilmar de Carvalho. Roda de conversa: uma proposta metodológica para a construção de um espaço de diálogo no Ensino Médio. Imagens da Educação. Maringá, v. 4, n. 2, p. 31- 39, 2014. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ImagensEduc/%20article/view/22 222
  • 20. 20 AÇÃO DIRETA O sentido da ação direta Eduardo Colombo é filósofo anarquista de grande trajetória na militância, da Argentina (Quilmes, 1929), médico e profissão psicanalista. Ele tinha uma militância ativa no movimento estudantil no anos quarenta, com idéias libertárias . Foi professor de psicologia social nas universidades de La Plata e Buenos Aires, que teve que deixar o trabalho após o golpe militar da época (1966). Durante este período, ele também fez parte da Federação dos Trabalhadores da Reinão na Argentina (FORA), e foi responsável pela “La Protesta” publicação anarquista, publicado em Buenos Aires. Trechos do texto: A ação direta está enraizada profundamente no solo da ajuda mútua. A solidariedade é a base da organização operária; é coletivamente que os explorados podem se libertar e, ao unir suas forças, acabam por impor aos poderosos suas reivindicações: uma sociedade livre e justa, a abolição do salário, o nivelamento das hierarquias e das fortunas. [...] Ao se esquecer da ação direta, o movimento operário de hoje se encontra travado pelos ferros do legalismo, impotente após deixar nas mãos de uma burocracia de representações sindicais a direção da luta, condenado a greves corporativas e manifestações simbólicas, oferecendo um medíocre contraponto à classe dominante. [...] Outras modalidades de ação social, econômica e política começaram a surgir desde os primeiros passos do proletariado militante, modalidades que priorizavam o federalismo e a autonomia das organizações de classe fundadas sob a consciência que “a emancipação dos trabalhadores deve ser obrados próprios trabalhadores”. A ação direta, assim, se tornou logo a alma do ramo antiautoritário da Primeira Internacional, para depois se consolidar no sindicalismo revolucionário e no anarquismo. [...] A ideia e a prática da ação direta foram elaboradas no conflito que percorreu subrepticiamente à Internacional desde sua fundação, na reunião de St. Martin’s Hall, em setembro de 1864, até a Conferência de Londres, de setembro de 1871. [...] Os antiautoritários nunca negaram a capacidade política da ação operária ou de classe, mas sim combateram a delegação da luta política a uma organização que não seja a organização de classe. Eles se opõem à
  • 21. 21 representação parlamentar e ao compromisso eleitoralista, que estão na natureza de todo partido que ambiciona o “poder político” entendido como um órgão central de governo, ou seja, um Estado. A conquista prévia do poder central enquanto condição necessária para a mudança revolucionária da sociedade e a organização subsequente de um “poder político autoproclamado provisório e revolucionário” são o meio mais certo de se estabelecer uma nova elite, parar a revolução e permanecer no velho mundo. Assim compreenderam os anarquistas uma verdade que a história mostrou sem qualquer pudor. Sobre esses dois pilares – a inquietante autonomia de decisões tomadas na base, sem chefes nem dirigentes, e sua consequência, a não- delegação da vontade operária a representantes políticos -, constrói-se a noção de ação direta. Além disso, a ação direta não se limita a essas duas proposições, como um método: há alguma coisa em sua ideia, um sopro profundo que a carrega e que é essa consciência espontânea que, por natureza, não concerne à legalidade; há em seu horizonte as luzes da emancipação, a mudança radical da sociedade, a revolução social. [...] Os internacionalistas de Saint-Imier já tinham dito: “A greve é para nós um meio precioso de luta, mas não temos qualquer ilusão sobre seus resultados econômicos. Nós a vemos como um produto do antagonismo entre o trabalho e o capital, [e porque ela permite] preparar, por simples lutas econômicas, o proletariado para a grande luta revolucionária e definitiva que, destruindo todo privilégio e toda distinção de classe, dará ao operário o direito de gozar do produto integral de seu trabalho...”. [...] Entretanto, acontecem as greves pelas 8 horas de trabalho nos Estados Unidos, e os anarquistas do mundo inteiro farão dos Mártires de Chicago e do Primeiro de Maio um símbolo do confronto sem concessões com a burguesia. A agitação e as greves pelas 8 horas darão um impulso crescente a todos que defendem a ação direta. A partir de 1886, Joseph Tortelier, do sindicato dos carpinteiros, se esforça sem repouso para fazer o trabalhadores entenderem a necessidade de recorrer à greve simultânea de todos e de todos os ofícios, e Fernand Pelloutier, pegando o bastão, dará toda uma amplidão à questão da greve geral. Em fevereiro de 1892, quatorze Bolsas de Trabalho se reúnem em Saint-Étienne, com a finalidade de se federar, e declaram de início sua independência ao afirmar que os trabalhadores devem “rejeitar de modo absoluto toda influência dos poderes administrativos e governamentais”. [...] Os militantes sindicalistas estão resolutos a reivindicar sua autonomia e romper os laços de dependência com os partidos. Vota-se uma
  • 22. 22 moção que diz: “(Considerando) que o último meio revolucionário é a greve geral”, o Congresso “decide: há de se providenciar imediatamente a organização da greve geral”. O resultado da votação é de 65 para 37 contra e 9 abstenções. A ruptura é consagrada, e os guesdistas abandonam o local. O caminho está aberto para a ação dos anarquistas para o sindicalismo revolucionário. [...] Os anos que se seguem serão o período da formação e da consolidação, em diferentes países, das associações de trabalhadores centradas na ação direta e na autonomia das federações 21 . A luta cotidiana dos trabalhadores para se desfazer da exploração e da miséria será feita pela dicotomia entre o recurso à greve parcial, a petição às autoridades, a ação legislativa e a prática parlamentar de um lado, e de outro a ação direta, a força da organização coletiva, a sabotagem, a “ginástica revolucionária”. [...] Em paralelo do sentido primário,construído sobre a experiência histórica do proletariado militante, outras formas do agir dos revoltados em situações diversas foram assimiladas à ação direta. Ainda em 1876, logo após o congresso de Berna, os delegados federais Errico Malatesta e Carlo Cafiero enviam uma carta ao Boletim da Federação Jurassiana declarando que “a federação italiana acredita que o feito insurrecional, destinado a afirmar por atos os princípios socialistas, é o meio de propaganda mais eficaz”. Juntando o feito à palavra, movidos pelos mesmos alertas de Pisacane 30 em relação aos doutrinários, os internacionalistas buscam incitar a insurreição popular nas vilas do Benevento, na Itália (Banda del Matese, março de 1877). Assim nasce uma concepção da ação chamada “propaganda pelo feito” que, derivando uma quinzena de anos depois o ato individual, deixará uma marca persistente no imaginário coletivo ao relacionar, com o pathos do sangue despejado e do sacrifício assumido, “o anarquista e a bomba”. Transformada em clichê, essa imagem será constantemente repetida e estimulada pela imprensa burguesa, deixando sob a sombra as profundas diferenças que existem entre uma ação destinada a suscitar a insurreição, o tiranicídio e o atentado às cegas. COLOMBO, Eduardo, O sentido da ação direta. Refráctions, núm. 25, 2010.
  • 23. 23 ANTICAPITALISMO A educação integral Mikhail Bakunin (1814-1876) foi um teórico político e importante revolucionário russo, uma das figuras mais fundamentais para o anarquismo, na Europa Ocidental, do século XIX. Trechos do texto: A primeira questão que temos de considerar hoje é esta: Poderá ser completa a emancipação das massas operárias enquanto recebam uma instrução inferior à dos burgueses ou enquanto haja, em geral, uma classe qualquer, numerosa ou não, mas que por nascimento tenha os privilégios de uma educação superior e mais completa? Propor esta questão não é começar a resolvê-la. Não é evidente que entre dois homens dotados de uma inteligência natural mais ou menos igual, o que for mais instruído, cujo conhecimento se tenha ampliado pela ciência e que compreendendo melhor o encadeamento dos fatos naturais e sociais, compreenderá com mais facilidade e mais amplamente o caráter do meio em que se encontra, que se sentirá mais livre, que será mais hábil e forte que o outro Quem souber mais dominará naturalmente a quem menos sabe e não existindo em princípio entre duas classes sociais mais que esta só diferença de instrução e de educação, essa diferença produzirá em pouco tempo todas as demais e o mundo voltará a encontrar-se em sua situação atual, isto é, dividido numa massa de escravos e num pequeno número de dominadores, os primeiros trabalhando, como hoje em dia, para os segundos. Entende-se agora porque os socialistas burgueses não pedem mais que ‘instrução’ para o povo, um pouco mais que agora, e porque nós, democratas socialistas, pedimos para o povo ‘instrução integral’, toda a instrução, tão completa quanto requer a força intelectual do século, a fim de que por cima da classe operária não haja de agora em diante nenhuma classe que possa saber mais e que precisamente por isto possa explorá-la e dominá-la. Os socialistas burgueses querem a manutenção das classes, pois cada uma deve, segundo eles, representar uma função social diferente. Eles queriam, conservando-as, aliviar, minorar e dissimular as bases históricas da sociedade atual, a desigualdade e a injustiça, que nós queremos destruir. Do que resulta que entre os socialistas burgueses e nós não é possível acordo, conciliação nem coalizão alguma. Mas, se dirá — e este é o princípio a que se nos opõe e que os senhores doutrinários de todas as cores consideram irresistível — que é impossível que a humanidade inteira se dedique à ciência: morreria de fome. É preciso, portanto, que
  • 24. 24 enquanto uns estudam, outros trabalhem para produzir os objetos necessários para viverem em primeiro lugar e depois para os homens que se dedicam exclusivamente a trabalhos intelectuais; pois estes homens não trabalham só para eles: seus descobrimentos científicos, além de ampliar o conhecimento humano, não melhoram a condição de todos os seres humanos, sem exceções, ao aplicá-los na indústria e na agricultura e, em geral, na vida política e social? Suas criações artísticas, não enobrecem a vida de todo mundo? Mas não. Não de todo mundo. E o repúdio maior que teríamos que dirigir à ciência e às artes é precisamente não estender seus benefícios e não exercer sua influência útil mais que sobre uma mínima parte da sociedade, excluindo e por conseguinte prejudicando a imensa maioria. Hoje pode-se afirmar acerca do progresso da ciência e das artes o que se diz, e com razão, nos países mais civilizados do mundo, acerca do prodigioso desenvolvimento da indústria, do comércio, do crédito, da riqueza social, em uma palavra. Esta riqueza é totalmente exclusiva e tende a ser cada dia mais, ao concentrar-se sempre em mãos de uns poucos e lançar a pequena burguesia, as capas inferiores da classe média, em direção ao proletariado, de maneira que o desenvolvimento e o progresso estão em razão direta com a miséria crescente das massas operárias. Assim resulta que se abre cada dia mais o abismo que separa a minoria feliz e privilegiada dos milhões de trabalhadores que vivem com o trabalho de suas mãos, e que enquanto mais felizes são os felizes exploradores do trabalho popular, mais infortunados são os trabalhadores. Que se recorde, frente a fabulosa opulência do grande mundo aristocrático, financeiro, comercial e industrial da Inglaterra, a situação miserável dos operários deste mesmo país. Que se leia e releia a carta, tão ingênua e dilaceradora, escrita faz pouco tempo por um inteligente e honesto ourives em Londres, Walter Dugan, que se envenenou ‘voluntariamente’; com sua mulher e seus filhos para escapar às humilhações da miséria e as torturas da fome; então haverá que confessar que esta civilização tão glorificada não significa, desde o ponto de vista material, mais que opressão e ruína para o povo. E o mesmo ocorre com os modernos avanços da ciência e das artes. São imensos estes progressos, é verdade. Mas, quanto mais extraordinários são, mais se convertem em causas de escravidão intelectual e, portanto, material; origem de miséria e inferioridade para o povo, pois também elas alargam a distância que já separa a inteligência popular da das classes privilegiadas. A primeira, desde o ponto de vista da capacidade natural, está hoje evidentemente menos usada, menos sofisticada e menos corrompida pela necessidade de defender interesses injustos e é, por conseguinte, mais forte que a inteligência burguesa; mas,
  • 25. 25 por outro lado, esta última possui todas as armas da ciência e estas armas são formidáveis. Sucede a princípio que um operário muito inteligente se vê obrigado a emudecer ante um erudito tonto, que lhe faz calar não por maior finura de espírito, da qual carece, mas por instrução, da qual o operário é privado e que o outro pôde receber, pois enquanto sua estupidez se desenvolvia cientificamente nas escolas, o trabalho do operário lhe vestia, lhe dava casa, o alimentava e lhe proporcionava tudo, os professores e os livros necessários a sua instrução. BAKUNIN, Mikhail. A Educação Integral.
  • 26. 26 CONHECIMENTO CRÍTICO A arquitetura organizacional da Paidéia para a formação da subjetividade autônoma: a vivência da autogestão. Clóvis Nicanor Kassick. Possui Graduação em Faculdade de Educação Técnicas Agrícolas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS (1971) e Graduação em Pedagogia pela Federação de Estabelecimentos de Ensino Superior Em Novo Hamburgo-FEEVALE (1976), Especialização em Administração de Sistemas Educacionais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (1979); Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC (1992) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP (2001). Professor Adjunto II aposentado da UFSC, atualmente é professor da Universidade do Sul de Santa Catarina- UNISUL, no Curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação- Mestrado em Educação, com ênfase nos fundamentos da Educação. (fonte: Escavador) Trechos do texto: O ponto de partida para pensar a “arquitetura organizacional” da Paidéia foram às análises já realizadas no sentido de entender a forma pela qual se organiza a escola convencional e os reais objetivos que a alicerçam 1 . Neste sentido, foi necessária a compreensão de que a autogestão representa o próprio conteúdo da arquitetura organizacional, que precisa ser apreendido, para constituir a subjetividade autônoma. Estes referenciais balizaram nosso “olhar” e análises sobre a Escola Paidéia e sobre o que ali se faz. O primeiro olhar que lançamos sobre ela, através da bibliografia por ela produzida, mostra-nos uma Paidéia que rompe profundamente com a estrutura organizacional da escola convencional, alicerçando-se nos princípios de uma educação Anarquista. Ela passa a ideia de que esta ruptura ocorre de forma natural em seu interior sem maiores traumas, sem maiores consequências, nas suas relações. Contudo, um segundo olhar, que tem por base os depoimentos dos envolvidos e a observação direta do dia-a- dia e do “fazer didático” concretizado, mostra-nos que a busca desta outra organização não se deu, nem se dá, de forma tranquila. Ao contrário, está eivada de incoerências, de contradições próprias da sociedade na qual ela se insere e dos diferentes “pensares” de seus participantes. A observação nos possibilitou “ver” os
  • 27. 27 diferentes discursos e, sobretudo, a construção diária da educação autogestionária, através das ações das crianças e jovens da Paidéia, à medida que, simultaneamente, constituíam-se em subjetividades autônomas. Ainda que a Paidéia, internamente, se mostre contraditória em vários momentos, é notório que há uma busca, uma intenção e um desejo por uma educação diferente e que forme um Sujeito Singular. A observação direta das ações das crianças na Paidéia nos permitiu traçar a rotina pedagógica e inferir princípios pedagógicos nos quais elas alicerçam seu fazer diário, constituindo um projeto pedagógico próprio, diferente dos demais para elas projetados, que acreditamos ser o responsável pela formação da subjetividade autônoma. A arquitetura organizacional se caracteriza pela ausência daquilo que constitui fundamento na escola convencional: o currículo com todos os seus instrumentos de controle. Sabemos que deve parecer estranho falar de uma escola que não tem disciplinas nem conteúdos que os alunos são obrigados a estudar. Que não tenha professores para organizar e mandar/determinar, o que os alunos devem ou não devem fazer. Onde não há avaliação para controlar/disciplinar os alunos e obrigá-los à sala de aula, e, sobretudo, que não dê “nota” como forma de condicionar determinados “comportamentos”, isto é, para garantir o submetimento da vontade do aluno à vontade do professor, que expressa a vontade da escola, que expressa a vontade do Estado, qu expressa a vontade de quem tem interesse, poder e domínio para fazer valer a sua própria vontade. Deve ser difícil imaginar uma escola cujo currículo é não ter currículo, ou uma escola que não é escola. Deve ser muito difícil, portanto, imaginar uma EX-cola Libertária Denominam-se de escola, ainda que a forma como se estruturam e funcionam, contrarie e contradiga a “ideia” de escola, pois a palavra escola, possui já um “pré-conceito” que é o da estrutura e funcionamento da “escola convencional”, que todos nós conhecemos e frequentamos. Em função da forma como a Paidéia se organiza, totalmente diferente da organização da Escola Convencional, preferimos chamá- la de Paidéia: Espaço de convivência educativa, ou Espaço de convivência da Paidéia. Então, o espaço de convivência da Paidéia, inicia suas atividades às 10h da manhã e vai até as 18horas. Como a Paidéia se situa nos arredores da cidade de Mérida, a mais ou menos 3 km do
  • 28. 28 centro da cidade, um ônibus fretado, cujo pagamento está incluído no valor da mensalidade paga, apanha as crianças na cidade, pela manhã, levando-as de volta as 18 horas. Apanhávamos o mesmo ônibus para ir à Paidéia e, nele, já constatávamos uma primeira surpresa: As crianças transpiravam felicidade e contentamento em irem para a Paidéia. Cada criança que entrava no ônibus era efusivamente saudada pelas demais. Era algo espontâneo, franco - a alegria do re- encontro. Podia-se perceber a satisfação deste reencontro diário, pelo carinho e amizade entre eles, sobretudo, o cuidado das crianças maiores para com os menores, querendo saber como estavam, como tinham passado. Chegando à Paidéia, todas elas, num primeiro e breve momento, circulavam pela mesma, como que para se re-encontrarem com o espaço que haviam deixado no dia anterior. E, aqui, uma segunda surpresa. O deslocamento das crianças pela Paidéia se dava sem correrias, sem empurrões, sem gritarias, sem atropelos, como é comum verificar-se nas escolas convencionais. Elas simplesmente andavam pela Paidéia, encontrando e cumprimentando os adultos que lá já estavam. Ato seguinte, os grupos iv se reuniam em suas salas, sem qualquer participação e/ou determinação de adultos para, em assembleia, definir o que iriam realizar em favor da coletividade da Paidéia. De acordo com uma programação estabelecida em Assembleia Geral, um dos grupos de crianças (juntamente com um adulto e com um ou dois jovens do grupo dos maiores), responsável do dia pela alimentação, vai para a cozinha preparar o desjejum. Este mesmo grupo fica, neste dia, responsável em prover toda alimentação para todos da Paidéia, preparando o desjejum, o almoço e a merenda no final da tarde, antes de irem embora. Enquanto isso, os demais grupos se ocupam em realizar a atividade que escolheram em favor do coletivo, pois, a primeira atividade do dia é a de realizar algo em benefício de todos. Verifica-se, portanto, que a primeira atividade do dia refere-se ao aprendizado da autogestão grupal, tendo em vista o bem comum e o usufruto coletivo, isto é, formação para a cooperação e solidariedade. Após o desjejum, é tempo para as atividades de pesquisa/investigação – Tempo de Estudos - que tanto pode ser
  • 29. 29 individual como em grupo. Este tempo reservado para pesquisa é para que a criança dê conta do compromisso que assumiu, em Assembleia Geral, diante do Coletivo, em pesquisar/investigar um determinado tema/assunto que ela mesma escolheu. Percebe-se aí, a razão para que Na Paidéia não haja currículo, disciplinas, programas, planos, conteúdos escolares pré-determinados que a criança deva dar conta. É ela quem define o que quer estudar e quanto tempo ficará estudando aquele assunto. Esta definição inicia com a criança/jovem apresentando e discutindo em seu grupo de faixa etária o que pretende estudar, com quem e por quanto tempo o fará. É o momento em que realiza seu plano de estudos, para o qual recebe ajuda do seu grupo. Este planejamento é escrito por ela, no caso de já ser alfabetizada, ou por um colega ou adulto se não o for e é apresentado e discutido em Assembleia Geral, que ainda pode sugerir questões/recursos/pessoas que poderão auxiliar naquela investigação. Novamente, percebe-se aqui, o caráter cooperativo e solidário das ações, construindo a aprendizagem da autogestão. Esta forma de organizar os estudos é o que temos chamado de “Organização Anárquica do Conhecimento” (KASSICK, 2006), em oposição ao currículo disciplinar e fragmentado da escola convencional. Esta Organização Anárquica do Conhecimento preserva a sua unidade e contextualização, pois a criança ao investigar determinado assunto, estará envolvida com todas as áreas do conhecimento que constituem aquele fazer. Concluído o estudo, ela deverá socializar, com o coletivo, a pesquisa realizada, através das assembleias de exposição. Constata-se que a segunda atividade do dia ensina a autogestão, a cooperação e a solidariedade necessária à construção do conhecimento; à sua comunicação e socialização e, portanto, o estabelecimento das relações sociais e, sobretudo, à vivência da metodologia investigativa, responsável pelo desenvolvimento do “espírito investigativo” que irá gerar, como decorrência, a autonomia intelectual, ou, o autodidatismo, característica básica da Pedagogia Libertária. Já o grupo que está responsável pela alimentação de todos da Paidéia, apreende, pela aplicação e vivência na realidade, os conhecimentos que envolvem a preparação dos alimentos, bem como a importância social e comunitária do trabalho, a satisfação e benefício coletivo que ele gera. Das 14 às 15 horas é o horário do almoço, após o que, novamente o espaço/tempo é destinado a estudos e/ou socialização de resultados de investigação. Esta socialização é realizada de
  • 30. 30 três formas diferentes. Num primeiro momento a criança apresenta os estudos que realizou, ao seu grupo, na assembleia de exposição com a presença de um adulto que convida ou que orientou seus estudos. Posteriormente a apresentação e discussão do trabalho, ela procederá as indicações/correções, se necessárias. Após, ela informa aos demais grupos sobre o seu estudo, se prontificando a explicá-lo nos grupos que assim o desejarem, o que via de regra ocorre. A terceira forma de socializar, se configura nos “cadernos” que ela elabora sobre o seu estudo para que este material escrito constitua material de leitura/consulta na biblioteca da Paidéia, para outras crianças, noutros momentos. Vemos, portanto, que o importante para a Paidéia não é “o que a criança estuda”, mas sim “o como estuda”, razão pela qual podemos afirmar, que qualquer conhecimento é importante, desde que ajude o sujeito a desenvolver o “olhar investigativo sobre a realidade”. Portanto, a metodologia de aprendizagem nesta arquitetura organizacional é a de investigação, e seu processo, a re- construção do conhecimento, para o qual não há necessidade de controle, seja de frequência, seja de nota. A criança estuda porque problematizou, ou seja, significou uma determinada situação que merece ser investigada para ser resolvida, na qual, sente prazer em sua resolução, pois o mesmo possui uma razão para que ela o investigue, razão esta determinada por ela própria, pela sua curiosidade e interesse em conhecer e resolver àquele determinado assunto. Se a metodologia de aprendizagem é a investigação, o espaço/tempo da aprendizagem é toda a Paidéia e além dela. A criança aprende nas relações que estabelece com os grupos. Ela pode, a qualquer momento, participar de atividades de outros grupos, desde que aceita. Ela é livre para ir e vir do espaço de seu grupo para o dos demais. Ainda que cada grupo tenha uma sala onde se reúnem em assembleias próprias do grupo para decisões conjuntas, não ficam presas a este único espaço. A Assembleia Geral é outro espaço/tempo didático importante na aprendizagem da autogestão, onde a criança aprende a se manifestar sobre decisões que são tomadas coletivamente sobre a arquitetura organizacional da Paidéia. As Assembleias Gerais ocorriam, nesta época, todas as sextas feiras, e se constitui no espaço/tempo de poder, de decisões grupais de toda a ordem, seja das questões administrativas- financeiras; de planejamento (do que comprar; estabelecer o cardápio, designar competências, etc.); seja de ordem pessoal ou
  • 31. 31 coletivas sobre o desenvolvimento de ações educativas. Assim, a assembleia geral, constitui-se em espaço/tempo didático, logo, de aprendizagem da auto-organização e gestão solidária e cooperativa. A cozinha também se constitui num espaço/tempo de constante aprendizagem, para o grupo encarregado da alimentação, principalmente porque o adulto ou os jovens, a medida que estão preparando os alimentos junto com as crianças menores, estão, na informalidade, questionando-os sobre os saberes envolvidos naquele fazer. Às 17 horas é servida a merenda e, após, os grupos se reúnem em assembleia para novamente decidirem quais atividades realizarão, com objetivos coletivos, até as 18 horas quando retornam para suas casas. É esta arquitetura organizacional da Paidéia, a responsável pelo processo de aprendizagem da autogestão. Dela decorre aquilo que chamamos da formação das subjetividades autônomas. Foi atrás destas subjetividades e de suas marcas, que em 2009 para lá voltamos no intuito de verificar como os ex-paideianos estavam inseridos na sociedade, tendo em vista sua educação nesta arquitetura organizacional. KASSICK, Clovis Nicanor. A arquitetura organizacional da Paidéia para a formação da subjetividade autônoma: a vivência da autogestão.
  • 32. 32 COMBATE AOS MECANISMOS DE EXCLUSÃO E COOPTAÇÃO Multiculturalismo – Diferenças Culturais e Práticas Pedagógicas Antonio Flávio Moreira e Vera Maria Candau (organizadores). Antonio Moreira é mestre em Educação pela UFRJ e doutor pelo Instituto de Educação da Universidade de Londres. Tem experiência na área de educação com ênfase em currículo, atuando principalmente nos temas escola, teorias de currículo, prática curricular, história do currículo, multiculturalismo e formação de professores. Vera Candau possui doutorado e pós-doutorado em Educação pela Universidad Complutense de Madrid. Suas principais áreas de atuação são educação multi/intercultural, cotidiano escolar, didática, educação em direitos humanos e formação de educadores/as. Trechos do texto: A problemática da educação escolar está na ordem do dia e abarca diferentes dimensões: universalização da escolarização, qualidade da educação, projetos político-pedagógicos, dinâmica interna das escolas, concepções curriculares, relações com a comunidade, função social da escola, indisciplina e violências escolares, processos de avaliação no plano institucional e nacional, formação de professores/as, entre outras. O que parece consensual é a necessidade de se reinventar a educação escolar (CANDAU, 2005) para que possa oferecer espaços e tempos de ensino-aprendizagem significativos e desafiantes para os contextos sociopolíticos e culturais atuais e as inquietudes de crianças e jovens. Este trabalho pretende oferecer alguns elementos para aprofundar na compreensão das relações entre educação e cultura (s), particularmente nas sociedades multiculturais em que vivemos. Parto da afirmação de que não há educação que não esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa. Neste sentido, não é possível conceber uma experiência pedagógica "desculturizada", isto é, desvinculada totalmente, das questões culturais da sociedade. Existe uma relação intrínseca entre educação e cultura (s). Estes universos estão profundamente entrelaçados e não podem ser analisados a não ser a partir de sua íntima articulação. No entanto, há momentos históricos em que se experimenta um descompasso, um estranhamento e mesmo um confronto intenso nestas relações. Acredito que estamos vivendo um desses momentos.
  • 33. 33 Partindo destas afirmações básicas, considero importante que nos perguntemos: o que há de novo na maneira contemporânea de conceber estas relações? Por que se fala e se discute tão acaloradamente hoje sobre as relações entre educação e cultura(s)? Que especificidade esta problemática tem na atualidade? Uma primeira aproximação a esta problemática nos vem dada pelos inúmeros trabalhos de autores com diferentes orientações teórico-metodológicas, que têm analisado e denunciado o caráter em geral padronizador, homogeneizador e monocultural da educação, especialmente presente no que se denomina como ‘cultura escolar’ e ‘cultura da escola’ (FORQUIN, 1993). Nesta perspectiva, afirma Gimeno Sacristán (2001: 123-124): A diversidade na educação é ambivalência, porque é desafio a satisfazer, realidade com a qual devemos contar e problema para o qual há respostas contrapostas. É uma chamada a respeitar a condição da realidade humana e da cultura, forma parte de um programa defendido pela perspectiva democrática, é uma pretensão das políticas de inclusão social e se opõe ao domínio das totalidades únicas do pensamento moderno. Uma das aspirações básicas do programa prodiversidade nasce da rebelião ou da resistência às tendências homogeneizadoras provocadas pelas instituições modernas regidas pela pulsão de estender um projeto com fins de universalidade que, ao mesmo tempo, tende a provocar a submissão do que é diverso e contínuo "normalizando-o" e distribuindo-o em categorias próprias de algum tipo de classificação. Ordem e caos, unidade e diferença, inclusão e exclusão em educação são condições contraditórias da orientação moderna. [...] E, se a ordem é o que mais nos ocupa, a ambivalência é o que mais nos preocupa. A modernidade abordou a diversidade de duas formas básicas: assimilando tudo que é diferente a padrões unitários ou "segregando- o" em categorias fora da "normalidade" dominante. Hoje esta consciência do caráter homogeneizador e monocultural da escola é cada vez mais forte, assim como a consciência da necessidade de romper com esta e construir práticas educativas em que a questão da diferença e do multiculturalismo se façam cada vez mais presentes. Uma outra contribuição que consideramos muito interessante para uma nova compreensão das relações entre educação e cultura(s) diz respeito a uma concepção da escola como um espaço de
  • 34. 34 cruzamento de culturas, fluido e complexo, atravessado por tensões e conflitos. Para Perez Gómez (1994; 2001), a escola deve ser concebida como um espaço ecológico de cruzamento de culturas, cuja responsabilidade específica que a distingue de outras instâncias de socialização e lhe confere identidade e relativa autonomia é a mediação reflexiva daquelas influências plurais que as direrentes culturas exercem de forma permanente sobre as novas gerações. O responsável definitivo da natureza, do sentido e da consistência do que os alunos e as alunas aprendem em sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento de culturas que se produz na escola, entre as propostas da cultura crítica, alojada nas disciplinas científicas, artísticas e filosóficas; as determinações da cultura acadêmica, refletidas nas definições que constituem o currículo; os influxos da cultura social constituída pelos valores hegemônicos do cenário social; as pressões do cotidiano da cultura institucional presente nos papéis, nas normas, nas rotinas e nos ritos próprios da escola como instituição específica; e as características da cultura experiencial adquirida individualmente pelo aluno através da experiência nos intercâmbios espontâneos com seu meio (PEREZ GÓMEZ, 2001: 17). Conceber a dinâmica escolar nesta perspectiva supõe repensar seus diferentes componentes e romper com a tendência homogeneizadora e padronizadora que impregna suas práticas. Para Moreira e Candau (2003: 161): A escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização. No entanto, abrir espaços para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o grande desafio que está chamada a enfrentar. No momento atual, as questões culturais não podem ser ignoradas pelos educadores e educadoras, sob o risco de que a escola cada vez se distancie mais dos universos simbólicos, das mentalidades e das inquietudes das crianças e jovens de hoje. Parto deste universo de preocupações. Acredito que o mal-estar que se vem acentuando em nossas escolas, entre os professores e professoras, assim como entre os alunos e alunas, exige que nos enfrentemos com a questão da crise atual da escola não de um modo
  • 35. 35 superficial, que tenta reduzi-la à inadequação de métodos e técnicas, à introdução das novas tecnologias da informação e da comunicação de forma intensiva, ou ao ajuste da escola à lógica do mercado e da chamada modernização. Situo a crise da escola em um nível mais profundo. Faço minhas as palavras de Veiga Neto (2003: 110) quando afirma: Sentimos que a escola está em crise porque_percebemos que ela está cada vez mais desenraizada da sociedade. [...] A educação escolarizada funcionou como uma imensa maquinaria encarregada de fabricar o sujeito moderno. [...] Mas o mundo mudou e continua mudando rapidamente sem que a escola esteja acompanhando tais mudanças (VEIGA NETO, 2003:110). MOREIRA, A. F. B.; Candau, V. (Org.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Editora Vozes.
  • 36. 36 FEDERALISMO Do Princípio Federativo Pierre Joseph Proudhon (1809 — 1865) foi um filósofo político e economista francês. É um dos mais importantes autores do anarquismo. Foi o primeiro a se reivindicar anarquista, num momento em que o termo carregava um sentido pejorativo nos círculos revolucionários. Envolveu-se em polêmicas com Marx. Após a revolução de 1848 passou a se denominar federalista. Trechos do texto: [Primeiro capítulo: Dualismo político – autoridade e liberdade: Oposição e conexão destas duas noções] Antes de dizer o que se entende por federação, convém relembrar em poucas páginas a origem e a filiação desta ideia. A teoria do sistema federativo é inteiramente nova: creio mesmo poder afirmar que ainda não foi apresentada por ninguém. Esta, contudo, intimamente ligada à teoria geral dos governos, mais precisamente, é a sua conclusão necessária. Entre tantas constituições que a filosofia propõe e que a história mostra na prática, só uma reúne as condições de justiça, ordem, liberdade e de duração sem as quais a sociedade e o indivíduo não podem viver. A verdade é única como a natureza: seria estranho que fosse de outro modo para o espírito e para a sua obra mais grandiosa, a sociedade. Todos os jornalistas admitiram esta unidade da legislação humana, e, sem negar a variedade de aplicações reclamada pela diferença de tempos e lugares e a natureza própria de cada nação; sem desconhecer o lugar próprio, que em todo o sistema político deve ser concedido à liberdade, todos se esforçaram para adaptar as suas doutrinas a ela. Tento mostrar que esta constituição única, cujo reconhecimento será o maior esforço de razão dos povos, não é outra senão o sistema federativo. Toda a forma de governo que se afaste dele deve ser considerado como uma criação empírica, esboço provisório, mais ou menos cômodo, sob o qual a sociedade se abriga um instante, e que, semelhante à tenda do Árabe, desaparece de manha depois de ter sido montada à noite. Uma análise rigorosa é pois aqui indispensável, e a primeira verdade que é importante que o leitor fique convicto com essa leitura, é a de que a política, infinitamente variável como arte de aplicação, é, quanto aos princípios que a regem, uma ciência de
  • 37. 37 demonstração exata, nem mais nem menos que a geometria ou a álgebra. A ordem política repousa fundamentalmente em dois princípios contrários, a AUTORIDADE e a Liberdade: o primeiro iniciador, o segundo determinante; este tendo por corolário a liberdade de pensamento, aquele a fé que obedece. Contra esta primeira proposição, não penso que uma só voz se possa levantar. A Autoridade e a Liberdade são tão antigas como a raça humana: nascem conosco, e perpetuam-se em cada um de nós. Notemos apenas uma coisa, a que poucos leitores atentaram: estes dois princípios formam, por assim dizer, um par cujos termos, indissoluvelmente ligados um ao outro, são contudo irredutíveis um ao outro e permanecem, independentemente do que façamos, em luta perpétua. A Autoridade supõe necessariamente uma Liberdade que a reconheça ou a negue; a liberdade por seu lado, no sentido político do termo, supõe igualmente uma autoridade que lide com ela, a reprima ou a tolere. Suprima-se uma das duas, a outra não faz mais sentido: a autoridade, sem uma liberdade que discuta, resista ou se submeta, é uma palavra vã; a liberdade, sem uma autoridade que a equilibre, é um contra-senso. O princípio de autoridade, princípio familiar, patriarcal, magistral, monárquico, teocrático, tendente à hierarquia, à centralização, à absorção, é dado pela natureza, por conseguinte, essencialmente fatal ou divino, como quisermos. A sua ação, combatida, dificultada pelo princípio contrário, pode indefinidamente ampliar-se ou restringir-se, mas sem nunca poder desaparecer. O princípio de liberdade, pessoal, individualista crítico; agente de divisão, eleição, transação, é dado pelo espírito. Princípio essencialmente arbitral por consequência, superior à Natureza da qual se serve, ao destino que domina; ilimitado nas suas aspirações; suscetível, como o seu oposto, de extensão e de restrição, mas também do mesmo modo que ele incapaz de se esgotar pelo desenvolvimento, como de desaparecer pela derrota. Surge daí que em toda a sociedade, mesmo a mais autoritária, uma parte é necessariamente deixada à liberdade; igualmente em toda a sociedade, mesmo a mais liberal, uma parte é reservada à autoridade. Esta condição é absoluta; nenhuma combinação política se lhe pode eximir. A despeito do entendimento cujo esforço leva incessantemente a resolver a diversidade na unidade, os dois princípios continuam presentes e sempre em oposição. O movimento político resulta da sua tendência inelutável e da sua mútua reação.
  • 38. 38 Tudo isto, confesso-o, não tem talvez nada de novo, e mais de um leitor me perguntará se é tudo o que tenho para lhe ensinar. Ninguém nega nem a Natureza nem o Espírito, mesmo com a obscuridade que os possa envolver; não há um só jornalista que se pronuncie contra a Autoridade ou a Liberdade, mesmo se a sua conciliação, a sua separação e eliminação parecem igualmente impossível. Onde quero então chegar, debatendo este lugar comum? Vou dizê-lo: é que toda as constituições políticas, todo os sistemas de governo, incluindo o federalismo, podem resumir-se a esta fórmula, o Equilíbrio da autoridade pela liberdade e vice- versa; é devido a isso que as categorias adotadas desde Aristóteles pela imensidão dos autores e com a ajuda dos quais os governos se classificam, os Estados se diferenciam, as nações se distinguem, monarquia, aristocracia, democracia etc., neste caso exceto o federalismo, reduzem-se a construção hipotéticas, empíricas, nas quais a razão e a justiça não obtêm senão uma satisfação imperfeita: é que todos estes estabelecimentos, fundados sobre as mesmas coordenadas incompletas, diferentes somente pelos interesses, os pressupostos, a rotina, no fundo assemelham-se e equivalem-se; é que deste modo se não fosse o mal- estar causado pela aplicação desses falsos sistemas, e cuja paixões irritadas, interesses ofendidos, amores próprios decepcionados se acusam mutuamente, nós estaríamos quanto ao essencial das coisas, muito próximo de um entendimento; por último, que todas estas divisões de partidos entre as quais a nossa imaginação cava abismos, todas estas divergências de opinião qu nos parecem insolúveis, todos estes antagonismos de sorte que nos parecem sem remédio, encontrariam de repente a sua equação definitiva na teoria do governo federativo. Quantas coisas, direis vós, em uma oposição gramatical: AUTORIDADE-Liberdade!... Pois bem! Sim. Reparei que as inteligências comuns, que as crianças apreendem melhor a verdade transportada para uma fórmula abstrata do que desenvolvida em uma volume de dissertações e de fatos. Quis ao mesmo tempo resumir este estudo para aqueles que não podem ler livros, e torná-lo mais peremptório trabalhando com noções simples. AUTORIDADE, Liberdade, duas ideias opostas uma à outra, condenadas a viver em luta ou a desaparecer juntas: eis algo certamente que é difícil. Tenha tão a paciência de ler, leitor amigo, e se compreendeu este primeiro e curto capítulo, depois me dirá o seu parecer*. [Sétimo capítulo – Emergência da ideia de federação] [...]
  • 39. 39 Para que o contrato político possa cumprir a condição sinalagmática e comutativa que sugere a ideia de democracia; para que, encerrando-se em limites corretos, ele continue vantajoso e cômodo para todos, é preciso que o cidadão, entrando na associação, primeiro tenha a receber do Estado como o que lhe sacrifica; segundo, que conserve toda sua liberdade, soberania e iniciativa, menos o que é relativo ao objeto especial para o qual o contrato foi feito e para o qual se pede a garantia do Estado. Assim regulado e compreendido, o contrato político é o que eu chamo uma federação. FEDERAÇÃO, do latim foedus, genitivo foederis, quer dizer pacto, contrato, tratado, convenção, aliança etc., é uma convenção pela qual um ou mais chefes de família, uma ou mais comunas, um ou mais grupos de comuna ou Estados, obrigam-se reciprocamente uns em relação aos outros para um ou mais objetos particulares, cuja carga incumbe especial e exclusivamente aos delegados da federação. Retomemos esta definição. O que faz a essência e o caráter do contrato federativo, e para o qual chamo a atenção do leitor, é que nesse sistema os contratantes, chefes de família, comuna, cantões, províncias ou Estados, não somente se obrigam sinalagmática e comutativamenteuns em relação aos outros, como se reservam individualmente, formando o pacto, mais direito, liberdade, autoridade, propriedade, do que abandonam. Não era assim, por exemplo, na sociedade universal de bens e ganhos, autorizada pelo Código Civil, dita comunidade, imagem em miniatura de todos os Estados absolutos. Aquele que se compromete numa associação dessa espécie, sobretudo se ela é perpétua, está rodeado de mais entraves, submetido a mais responsabilidades do que conserva de iniciativas. Mas é também o que faz a raridade desse contrato, em que todos os tempos tornou a vida cenobítica insuportável. Todo o compromisso, mesmo sinalagmático e comutativo, que, exigindo dos associados a totalidade dos seus esforços, não deixa nada à sua independência e os devota por inteiro à associação, é um compromisso excessivo, que repugna igualmente ao cidadão ou ao homem. De acordo com esses princípio tendo o contrato de federação por objeto, em termos gerais, garantir aos Estados confederados a sua soberania, o seu território, a liberdade de seus cidadãos; regular os deus diferendos; prover, através de medidas gerais, a tudo o que interesse à segurança e à prosperidade comum; este
  • 40. 40 contrato, dizia eu, apesar da grandeza dos interesses em jogo, é essencialmente restrito. A Autoridade encarregada da sua execução não pode nunca retirá-la aos seus constituintes; quero dizer que as atribuições federais nunca podem exceder em número e em realidade as das autoridades comunais ou provinciais, do mesmo modo que essas não podem exceder os direitos e prerrogativas do homem e do cidadão. Se fosse de outro modo, a comuna seria uma comunidade; a federação tornar-se- ia uma centralização monárquica; a autoridade federal de simples mandatária e função subordinada que deve ser, seria olhada como preponderante; em lugar de ser limitada a um serviço especial, ela tenderia a abarcar toda a atividade e toda a iniciativa; os Estados confederados seriam convertidos em prefeituras, intendências sucursais ou diretoriais. O corpo político, assim transformado, poderia chamar-se república, democracia ou tudo que vos apetecer: não seria mais um Estado constituído na plenitude das suas autonomias, não seria mais uma confederação. A mesma coisa se passaria, como mais razão ainda, se, por um falso motivo de economia, por deferência ou qualquer outra causa, as comunas, cantões ou Estados confederados encarregassem um deles da administração ou governo dos outros. A república, de federativa, tornar-se- ia unitária; estaria no caminho do despotismo. Em resumo, o sistema federativo é o oposto da hierarquia ou centralização administrativa e governamental a qual distingue, ex aequo [em latim no original, em igualdade de circunstâncias], as democracias imperiais, as monarquias constitucionais e as repúblicas unitárias. A sua lei fundamental, característica, é esta: na federação, os atributos da autoridade central especializam-se e restringem-se, diminuem de número, de intermediários, e se ouso assim dizer, de intensidade, na medida em que a Confederação se desenvolve pela acessão de novos Estados. Nos governos centralizados, ao contrário, os atributos do poder supremo aumentam, estendem-se e imediatizam-se, colocando na competência do príncipe os assuntos das províncias, comunas, corporações e particulares, na relação direta da superfície territorial e do número da população. Daí essa sobrecarga sob a qual desaparece toda a liberdade não só comunal e provincial, mas mesmo individual e nacional. PROUDHON, Pierre-Joseph. Do Princípio Federativo. Nu:Sol Imaginário, 2001.
  • 41. 41 .
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  • 43. 43 .
  • 44. 44 Material produzido pela formação de educadores do Cursinho Livre da Lapa em maio de 2017. Informações ou apoio à nossa campanha de financiamento coletivo em facebook.com/cursinholivredalapa/ lapalivre@gmail.com