Para entender a sociologia bourdieusiana, se faz necessário, assim como sugere nosso autor, remontar as condições de ‘campos’ que geraram o autor e sua teoria.
2. Pierre Félix Bourdieu ,
(Deguin, 01 de agosto
de 1930 - Paris, 23 de
janeiro de 2002).
3. Para entender a sociologia bourdieusiana,
se faz necessário, assim como sugere nosso
autor, remontar as condições deremontar as condições de
‘campos’ que geraram o autor e sua‘campos’ que geraram o autor e sua
teoria.teoria.
Para isso, é necessário nos aproximarmos
da tendência científica, do início do século
XX, e que precisamente na França, ao longo
dos anos 50 e 60, influenciou grande parte
dos intelectuais do meio acadêmico e,
assim, as respectivas áreas do
conhecimento.
4. Pierre Bourdieu é reconhecido como
sociólogo e colaborou para que a sociologia
se desenvolvesse ao longo de suas
publicações. Contudo, sua formaçãosua formação
inicial não se deu no campo sociológicoinicial não se deu no campo sociológico..
“Sob pena de surpreender um leitor que
espera talvez me ver começar pelo começo,
isto é, pela evocação de meus primeiros anos
e do universo social da minha infância, eis
por que devo, como exige o bom método,
examinar de início o estado do campo no
momento em que nele ingressei, por
volta dos anos 50”. (Bourdieu, 2005, p 40).
5. Seguindo o modelo proposto pelo autor em
seu Esboço da auto-análise (2005). Nos
aproximamos da visão do autor em relação ao
campo em que se fez. Com efeito,
reconheceremos na vida intelectual de
Bourdieu: “O efeito do campo exerce-se
em parte por meio do confronto com as
tomadas de posição de todos ou de
parcela daqueles que também estão
engajados no campo (...)”. (Bourdieu, 2005.
p 55).
6. Numa época em que a filosofiafilosofia, na
França, era considerada “disciplina-“disciplina-
rainha”,rainha”, detentora de maior prestígio
em relação a outras áreas do
conhecimento, sobretudo em relação à
Sociologia, ignorada pelos intelectuais
e que sofria uma nítida aversão,
poucos foram aqueles que romperam
essa barreira: (...)
7. Percebido pelos profanos como próxima de uma
espécie de jornalismo por conta de seu objeto, a
sociologia é ainda desvalorizada perante a
filosofia por sua feição de vulgaridade
cientificista, inclusive positivista, que avulta
mais ainda quando ela atinge as crenças mais
indiscutíveis do mundo intelectual, como as que
dizem respeito à arte e à literatura, ou, então,
quando ameaça ‘reduzir’ (um dos efeitos ou
desfeitas com mais freqüência imputados ao
‘sociologismo’) os valores sagrados da
pessoa e da cultura, em suma, da pessoa
cultivada. (Bourdieu, 2005, p 49).
8. Por certo, aquele que alcançava o
almejado diploma em filosofia gozava
de reconhecimento no meio
acadêmico. Tal titulação confere
status, ou ainda, um capital simbólico,
já que os filósofos desfrutavam dos objetos
e disciplinas mais caros ao meio
acadêmico, quer dizer, pesquisavam e
estudavam os objetos que estavam à
altura dos filósofos.
9. Assim se constituíam a legitimidade
estatutária de uma aristocracia escolar
universalmente reconhecida e, o
sentido de altivez que impõe ao
‘filósofo’ digno desse nome as
maiores ambições intelectuais e lhe
impede o rebaixamento ao se ligar a
certas disciplinas ou objetos; em
especial aqueles objetos com que
lidam os especialistas das ciências
sociais.
10. Entretanto, esse sentimento de pertence
não se apossa de todos os estudantes ou
intelectuais da época, inclusive de Pierre
Bourdieu. “Sem ser verdadeiramente
inconscientes, minhas ‘escolhas’
manifestavam-se, sobretudo, pelas
recusas e pelas antipatias intelectuais
com freqüência pouco articuladas (...).”
(Bourdieu, 2005, p 38) .
11. Assim, aqueles que não se encontravam
no existencialismo e, por que não, no
HABITUSHABITUS filosófico da época, recorriam a
linhas diferentes do pensamento
hegemônico filosófico da época, e que
deixou marcas distintivas em Pierre
Bourdieu. Sobretudo, a aproximação e
contato com Georges Canguilhem que, nas
palavras de Pierre Bourdieu: “(...) me ajudou
muito a conceber a possibilidade realista de
viver a vida intelectual de outro jeito.”
12. Sartre era o expoente destes
intelectuais e, claro, da filosofia.
Sobre este, havia sido criada a idéia
do “intelectual total”. Logo,
Bourdieu não nega a admiração
que dispensou por Sartre. “Tanto
para mim como para todos os que
têm alguma relação com a filosofia,
é claro que o personagem de Sartre
exerceu, quer no âmbito
intelectual, quer no domínio da
política, uma fascinação não
destituída de certa ambivalência.”
(Bourdieu, 2005, p 45).
13. Ainda jovem Bourdieu formou-se em
1954 no curso de Filosofia. Nesse mesmo
ano foi nomeado professor assistente do
curso de filosofia no liceu de Moulins.
Contudo, em meados de 1955, Pierre
Bourdieu, então com 25 anos é
convocado para o serviço militar na
Argélia. Recusa fazer a Escola dos Oficiais
de Reserva e se envolve em discussões
pouco amigáveis com oficiais de alta
patente do exército francês, o que resulta na
ordem para partir para a guerra.
14. Na Argélia, apesar da violência da
guerra, empreende observações e
desenvolve estudos. Em 1958, findado
o período de guerra, Bourdieu
decidiu continuar na Argélia. Para
tanto, assumiu o cargo de professor
assistente na Faculdade de Letras de
Argel, onde lecionou filosofia e
sociologia.
15. Em 1960, Bourdieu retorna a Paris.
Recebe um convite de Raymond Aron
para tornar-se seu assistente na
Faculdade de Letras de Paris. No ano
seguinte, começou a lecionar em Lille
onde ficou até 1964, ano em que inicia na
Escola de Altos Estudos em Ciências
Sociais (EHESS).
16. No ano de 1970, cria o laboratório
“Centro de Sociologia da Educação e
da Cultura” junto ao Centro de
Sociologia Européia, em que será diretor
até o ano de 1984. Contudo, alcançou o
apogeu no ano de 1981 quando foi
nomeado professor titular da cadeira
de Sociologia no prestigiado Collège
de France
17. Esse percurso acadêmico ou
intelectual de Bourdieu, de algum
modo, relaciona-se com seu meio
familiar. Tal origem confere
determinadas disposições corporais
que, com certeza, refletem
sensivelmente seu modo de pensar e
agir e contribuem para que lhe
simpatizem ou repilam.
18. Esse aspecto está intrínseco na obra de
Pierre Bourdieu. Ademais, se expressa
num estilo extremamente particular de
conduzir suas pesquisas, na escolha
dos objetos, muitas vezes, socialmente
secundários, politicamente
insignificantes e intelectualmente
desdenhados”
19. É claro que a conversão que tive de fazer para
chegar à sociologia não deixava de ter ligação
com a minha trajetória social. Passei a maior
parte da juventude numa pequena aldeia
escondida no sudoeste da França. E só pude
satisfazer as exigências da instituição escolar
renunciando a muitas de minhas experiências
e aquisições primeiras, e não apenas ao meu
sotaque... Na França, o fato de ser originário
de uma província longínqua, principalmente
quando é situada ao sul do rio Loire, confere
algumas propriedades que têm uma certa
equivalência com a situação colonial.
20. A espécie de relação de exterioridade objetiva e
subjetiva que resulta disso favorece uma relação
muito peculiar com as instituições centrais da
sociedade francesa, principalmente no mundo
intelectual. Há formas mais ou menos sutis de
racismo social, que despertam forçosamente um
certo tipo de lucidez; o fato de ser
constantemente lembrado da sua estranheza
leva a perceber coisas que outros não podem ver
nem sentir. Dito isso, é verdade que sou um
produto da Escola Normal que traiu a Escola
Normal. (Bourdieu, P. & Wacquant apud
Bonnewitz, 2003, p 11)
21. (...) enquanto a posteridade fica confinada
às obras, os contemporâneos têm uma
experiência direta ou quase direta, pelos
jornais, pelo rádio, hoje pela televisão, mas
ainda pelo boato e pela intriga, da pessoa
em sua totalidade, de seu corpo, de suas
maneiras, de sua indumentária, de sua voz e
de seu sotaque – traços que, salvo alguma
exceção marcante, não deixam vestígios nos
textos –, bem como de suas ligações, de suas
tomadas de posição políticas, de seus
amores e de suas amizades etc. (Bourdieu,
2005, p 54).
22. Bourdieu introduziu uma síntese teórica entre o
modelo durkheimiano e o estruturalismo. O
estruturalismo se conecta à sociologia de
Durkheim na medida em que pretende
desvendar justamente o peso das estruturas
sociais por trás das ações dos sujeitos. Na
verdade, trata-se aqui de uma versão mais
radical do modelo de Durkheim, que leva às
últimas conseqüências o ponto de partida
segundo o qual os indivíduos estão submetidos
ao controle das estruturas da sociedade.
23. Para o estruturalismo em geral, e também
para o de Bourdieu na sua primeira fase de
produção, publicada por volta da década de
1960, os sujeitos sociais são vistos como
uma espécie de marionetes das estruturas
dominantes. Para o sociólogo francês, a
teoria durkheimiana e o estrtuturalismo
permitem demonstrar como os indivíduos,
em sua ação, apenas reproduzem as
orientações determinadas pela estrutural
social vigente.
24. Segundo ele, os agentes sociais,
mesmo aqueles que pensam estar
liberados das determinações sociais,
são na verdade movidos por, digamos
assim, forças ocultas, que os
estimulam a agir, mesmo que não
tenham consciência disso
25. São essas ‘condições objetivas’ que o
investigador deve desvendar, pois nelas é
que residem as explicações. Os sujeitos da
ação estão ausentes daquele nível da
sociedade em que são objetivamente
determinadas as ações. O sujeito não existe.
O que chamamos de ação, para Bourdieu,
é na verdade o processo pela qual as
estruturas se reproduzem.
26. O sujeito está simplesmente submetido aos
desígnios da sociedade, faz o que suas
estruturas determinam, não sabe disso e
ainda é iludido pelos discursos dominantes,
que o fazem pensar que sua ação é
resultante de vontade própria.
27. No entanto, quando o autor remete ao
‘modo de pensamento estrutural’,
precisamos nos ater a algumas
particularidades.
28. Se eu tivesse de caracterizar o meu
trabalho em duas palavras [...], falaria de
constructivist structuralism ou de
structuralist constructivism, tomando a
palavra ‘estruturalismo’ num sentido
muito diferente daquele que lhe dá a
tradição saussuriana ou lévi-
straussiana., (2003, p 17).
29. Por ‘estruturalismo’ ou ‘estruturalista’,
quero dizer que existem, no próprio
mundo social, e não apenas nos sistemas
simbólicos, linguagem, mito, etc.,
estruturas objetivas, independentes da
consciência e da vontade dos agentes, que
são capazes de orientar ou de comandar
as práticas ou as representações destes
agentes. Por ‘construtivismo’, quero dizer
que há uma gênese social, por um lado dos
esquemas de percepção, pensamento e ação
[...], por outro lado das estrutura sociais.
(Bourdieu apud Bonnewitz).
30. Se eu gostasse de rótulos, diria que tento
elaborar um estruturalismo genético: a
análise das estruturas objetivas – dos
diferentes campos – é inseparável da
análise da gênese, no seio dos indivíduos
biológicos, das estruturas mentais que
são, em parte, o produto da incorporação
das estruturas sociais e da análise da
gênese destas próprias estruturas sociais.
(Bourdieu apud Bonnewitz, 2003, p 16).
31. A contribuição de Bourdieu, se
articula em torno de dois temas
recorrentes: os mecanismos de
dominação e a lógica das práticas
de agentes sociais num espaço
social inigualitário e conflituoso, ou
ainda, sobre a questão da mediação
entre o agente social e a sociedade.
32. No aspecto especificamente teórico das
influências que Bourdieu sofreu, além
do que já vimos, o sociólogo demonstra
então uma disposição eclética e,
contudo, bastante seletiva, que
levava a rechaçar as certezas
moldadas para restringir o universo
dos recursos teóricos e das
possibilidades empíricas.
33. Desde o começo do meu trabalho, pareceu-
me que seria possível fazer com que a
sociologia progredisse decisivamente se
conseguisse reunir os conhecimentos, na
aparência antagônicos ou, em todo caso,
dispersos, desta disciplina; se, em outras
palavras, conseguisse integrar, sem
recorrer a conciliações retóricas ou a
compromissos ecléticos, as tradições
simbolizadas pelos nomes dos ‘pais
fundadores’:
34. [...]Marx, Durkheim, Weber, e a superar as
oposições, epistemologicamente fictícias
mas socialmente reais, entre os ‘teóricos’ e os
‘empiristas’ ou ainda, dentre estes últimos,
entre os partidários da indagação estatística
e os que defendem a observação etnográfica.
Para isto, era preciso criar as condições
sociais para uma prática científica realmente
coletiva e, portanto, unificada (...). (Bourdieu,
1983, p 38).
35. Dessa maneira, para que Bourdieu
pudesse dar seqüência em suas
pesquisas sem se perder, por um lado,
no objetivismo ou, por outro lado, num
subjetivismo, propõe um novo modo
de conhecimento, (...) “que pretende
articular dialeticamente o ator
social e a estrutura social” (Ortiz,
1994, p 8), em outras palavras, o
método praxiológico (1974, 1989):
36. (...) o conhecimento que podemos chamar
de praxiológico tem como objeto não
somente o sistema das relações objetivas
que o mundo de conhecimento objetivista
constrói, mas também as relações
dialéticas entre essas estruturas e as
disposições estruturadas nas quais elas
se atualizam e que tendem a reproduzi-
las, isto é, o duplo processo de
interiorização da exterioridade e
exteriorização da interioridade:
37. [...] este conhecimento supõe uma ruptura
com o modo de conhecimento
objetivista, quer dizer, um
questionamento das condições de
possibilidade e, por aí, dos limites do
ponto de vista objetivo e objetivante que
apreende as práticas de fora, enquanto
fato acabado, em lugar de construir seu
principio gerador situando-se no próprio
movimento de sua efetivação. (Bourdieu,
1983, p 47).
38. Assim, o método praxiológico proposto
por Bourdieu pode, a nosso ver, ser
sugerido como sendo a síntese da
proposta sociológica do autor, em que se
pode observar a objetivação da
estrutura de seu campo teórico em
ação, tornando-se evidente a
importância tanto dos elementos
como da forma de apreensão e
articulação dos objetos pesquisados.
39. O resultado desta proposta teórica se
constitui em uma diversificada gama de
áreas pesquisadas tanto por Bourdieu e
sua equipe na França como pelos demais
pesquisadores mundo afora, nas mais
diferentes áreas como as da economia,
da cultura, das artes e da educação entre
outras.
40. Sobre o seu método Bourdieu afirma:
(...)explicita a verdade da experiência
primeira do mundo social, isto é, a relaçãoa relação
dede familiaridade com o meio familiar,familiaridade com o meio familiar,
apreensão do mundoapreensão do mundo social como mundosocial como mundo
natural e evidente, sobre o qual, pornatural e evidente, sobre o qual, por
definição, não se pensadefinição, não se pensa e que exclui a
questão de suas próprias condições de
possibilidade. (Bourdieu, 1983, p 46).
método Bourdieu afirma:
41. (...) constrói relações objetivas (isto é,constrói relações objetivas (isto é,
econômicas ou lingüísticas), queeconômicas ou lingüísticas), que
estruturam as práticas e asestruturam as práticas e as
representações das práticasrepresentações das práticas (ou seja, o
conhecimento primeiro, prático e tácito,
do mundo familiar), ao preço de uma
ruptura com esse conhecimento
primeiro e, portanto, com os
pressupostos tacitamente assumidos que
conferem ao mundo social seu caráter de
evidência e de natural (...). (Bourdieu,
1983, p 46)
42.
43. O habitus bourdieusiano é o mediador, ou ainda,
o elo, que garante a coerência e sustentação de
sua concepção de sociedade e de agente
social individual. Do mesmo modo, os ataques
científicos mais rígidos serão, em grande parte,
direcionados a esta noção. Através desta
construção sociológica, advinda de inúmeras
pesquisas teóricas e empíricas do autor, que
contribuíam para seu aprimoramento, nos
aproximaremos do conceito central da
sociologia prática de Pierre Bourdieu.
44. Segundo o autor, o habitus está arraigadohabitus está arraigado
às condições materiais de existência daàs condições materiais de existência da
classe ou fração declasse ou fração de classe a qual o agenteclasse a qual o agente
pertence.pertence. Vale dizer que o sociólogo
também opera uma redefinição da classe
social marxista . Em poucas palavras, oo
sociólogo articula três modos desociólogo articula três modos de
compreensão das classes sociais, acompreensão das classes sociais, a
sabersaber: a classe social marxista: a classe social marxista definidadefinida
economicamente;economicamente; o estilo de vida ouo estilo de vida ou
Stand weberianoStand weberiano
45. considerado não apenas do ponto deconsiderado não apenas do ponto de
vista de suas propriedades intrínsecasvista de suas propriedades intrínsecas
ou de suas relações mecânicas, masou de suas relações mecânicas, mas
também, segundotambém, segundo suas relaçõessuas relações
simbólicassimbólicas como sistema de diferençascomo sistema de diferenças
percebidas e apreciadas pelos própriospercebidas e apreciadas pelos próprios
sujeitos sociais, como estrutura desujeitos sociais, como estrutura de
separações diferenciais, deseparações diferenciais, de distinçõesdistinções
significantes.significantes.; e, por último, tomou; e, por último, tomou aa
idéia durkheimiana das relações entreidéia durkheimiana das relações entre
os grupos e suas ‘formas deos grupos e suas ‘formas de
classificação’.classificação’.
46. Com isso, podemos dizer que oo habitushabitus
aproxima-se de uma herança socialaproxima-se de uma herança social
que o agente e/ou um conjunto deque o agente e/ou um conjunto de
agentes, que participam deagentes, que participam de
determinada classe ou estrato dedeterminada classe ou estrato de
classe social, recebem durante,classe social, recebem durante,
podemos dizer, o processo depodemos dizer, o processo de
socialização ou o processo desocialização ou o processo de
aprendizagem.aprendizagem. Com efeito, o conceito
de habitus permite compreender de que
maneira o homem se torna um ser
social.
47. A relação entre o meio social e o agente
social inerente aquele, possui peso
considerável na produção de esquemas
de percepção e formas de classificação,
ou seja, no desenvolvimento de uma
matriz de percepções e apreciações do
mundo social.
48. De acordo com Bourdieu: Cada agente,
quer ele saiba ou não, quer ele queira ou
não, é produtor e reprodutor de sentido
objetivo: porque suas ações e suas obras
são o produto de um modus operandi do
qual ele não é o produtor e do qual não
tem domínio consciente.
49. Diferentemente das avaliações
eruditas que se corrigem depois de
cada experiência segundo rigorosas
regras de cálculo, as avaliações
práticas conferem um peso
desmesurado às primeiras
experiências, na medida em que são as
estruturas características de um tipo
determinado de condições de
existência que,
50. através da necessidade econômica e
social que elas fazem pesar sobre o
universo relativamente autônomo das
relações familiares, ou melhor, no
interior das manifestações
propriamente familiares dessa
necessidade externa (por exemplo,
interditos, preocupações, lições de
moral, conflitos, gostos etc), produzem
as estruturas da apreciação de toda
experiência ulterior.
51. Essa filiação social a qual os agentes
se inserem favorece a produção de
inclinações, tendências, enfim,
predisposições, afinal, ocupar
determinado espaço social requer,
numa linguagem próxima a de
Bourdieu, um conjunto de capitais
específicos.
52. Utilizando o duplo movimento que o
sociólogo francês enunciou em seu
método praxiológico, ou seja, a
“interiorização da exterioridade e a
exteriorização da interioridade”,
procuramos compreender de que
maneira agentes situados numa mesma
classe social ou estrato de classe
tendem, ou seja, tem mais
probabilidades, a práticas sociais
homogêneas, eventualmente, fruto do
habitus de classe.
53. (...) é mais fácil pensar em termos de
realidades que podem, por assim dizer, ser
vistas claramente, grupos, indivíduos, que
pensar em termos de relações. É mais fácil,
por exemplo, pensar a diferenciação social
como forma de grupos definidos como
populações, através da noção de classe, ou
mesmo de antagonismos entre esses grupos,
que pensá-la em forma de um espaço de
relações. (Bourdieu, 1989, p 28)
54. A partir disso, encontramos a possibilidade
de aproximação ao modo como Bourdieu
construiu sua teoria do espaço social. Assim,
num primeiro momento, indica o
rompimento ou uma vontade de
distanciamento com o modo de pensamento
substancialista e realista e, em seguida,
aponta sucessivas rupturas com a teoria
marxista de classe social. Desta última,
apresenta pelo menos três tendências e, em
seguida, sugere o distanciamento destas
características, tais como:
55. (...) a tendência a privilegiar as substâncias –
neste caso, os grupos reais, cujo número, cujos
limites, cujos membros, etc. se pretende definir
– em detrimento das relações e com a ilusão
intelectualista que leva a considerar a classe
teórica, construída pelo cientista, como uma
classe real, um grupo efetivamente mobilizado;
ruptura com o economicismo que leva a
reduzir o campo social (...) unicamente ao
campo econômico (...); por fim, com o
objetivismo, que caminha lado a lado com o
intelectualismo e que leva a ignorar as lutas
simbólicas desenvolvidas nos diferentes campos
(...). (Bourdieu, 1989, p 133)
56. As hierarquizações empreendidas pelas
representações tradicionais, geralmente,
apresentadas através de pirâmide social
e analisadas, em geral, somente pelo
aspecto das condições materiais de
existência, são duplamente redutoras. Em
outras palavras, redutoras não apenas no
plano empírico, pois analisam somente um
princípio de hierarquização, como também,
no plano teórico em que omitem a condição
necessária para a definição de uma classe
social, ou seja, a relação com as outras
classes.
57. O autor, para efetivamente se
distanciar das concepções dos
pensamentos marxista, substancialista
e realista, propõe o termo campo de
poder em relação à classe
dominante. De acordo com Pierre
Bourdieu a nova noção empregada,
essa sim apresenta característica
realista, já que:
58. (...) designa uma população
verdadeiramente real de detentores dessa
realidade tangível que se chama poder (...),
entendendo por tal as relações de forças
entre as posições sociais que garantem aos
seus ocupantes um quantum suficiente de
força social – ou de capital – de modo a que
estes tenham a possibilidade de entrar nas
lutas pelo monopólio do poder, entre as
quais possuem uma dimensão capital as que
têm por finalidade a definição da forma
legítima do poder (...).
59. O autor encara a sociedade enquanto
um espaço social em que coexistem
outras dimensões, outros campos e
subcampos sociais e que esses são
constituídos ou se organizam, como foi
dito, por princípios de diferenciação
ou de distribuição constituídos pelo
conjunto das propriedades que
atuam neste espaço ou nos campos
sociais, a saber, OS CAPITAIS.
60. ‘Os Capitais’ são princípios de
diferenciação, segundo Bourdieu, que
atuam no universo social. Em outras
palavras, as diferentes espécies de
capital, ou ainda, “as diferentes
formas de energia social” (Bourdieu,
1983, p 45). O sociólogo, para ilustrar,
se utiliza da metáfora do jogo:
61. (...) As espécies de capital, à maneira dos trunfos
num jogo, são os poderes que definem as
probabilidades de ganho num campo determinado
(de fato, a cada campo ou subcampo corresponde
uma espécie de capital particular, que ocorre, como
poder e como coisa em jogo, neste campo). Por
exemplo, o volume do capital cultural (o mesmo
valeria, mutatis mutandis, para o capital econômico)
determina as probabilidades agregadas de ganho
em todos os jogos em que o capital cultural é
eficiente, contribuindo deste modo para
determinar a posição no espaço social (na medida
em que esta posição é determinada pelo sucesso no
campo cultural). (Bourdieu, 1989, p 134)
62. Podemos distinguir, entre os mais comuns,
quatro diferentes espécies de capital, a
saber: O CAPITAL ECONÔMICO, O CAPITAL
CULTURAL, O CAPITAL SOCIAL e o CAPITAL
SIMBÓLICO. Dessa forma, num primeiro
contato com a obra de Bourdieu, pode-se
estranhar a utilização da palavra capital
num contexto para além de uma
perspectiva econômica. De fato, o sociólogo
empreende analogia às propriedades
inerentes ao capital de compreensão
econômica
63. O capital econômico se compõe pelos
diversos fatores de produção, posse de
terras, meios de produção, trabalho,
além do conjunto dos bens econômicos,
como: renda, patrimônios, bens materiais
enfim, as condições materiais de existência.
Ademais, essa forma de capital possui a
propriedade de ser transmitida
instantaneamente por herança, seja em
espécie, seja em propriedades.
64. O capital cultural, por sua vez, surge
da necessidade do autor em
compreender a relação entre o
desempenho escolar e o
pertencimento a determinada classe.
Para ilustrar, podemos verificar a
seguinte passagem:
65. A noção de capital cultural impôs-se,
primeiramente, como uma hipótese
indispensável para dar conta da
desigualdade de desempenho escolar de
crianças provenientes das diferentes classes
sociais, relacionando o ‘sucesso escolar’, ou
seja, os benefícios que as crianças das
diferentes classes e frações de classe podem
obter no mercado escolar, à distribuição do
capital cultural entre as classes e as frações
de classe.
66. Este ponto de partida implica em uma
ruptura com os pressupostos inerentes,
tanto à visão comum que considera o
sucesso ou fracasso escolar como efeito de
‘aptidões’ naturais, quanto às teorias do
‘capital humano’. (...) Além disso, (...)
sujeitam-se a deixar escapar, por um
paradoxo necessário, o mais oculto e
determinante socialmente dos
investimentos educativos, a saber, a
transmissão doméstica do capital cultural.
67. Assim, o capital cultural pode existir,
pelo menos, em três diferentes modos:
no estado incorporado, no estado
objetivado e no estado
institucionalizado.
68. O capital cultural no estado INCORPORADO
caracteriza-se pelas disposições duráveis
arraigadas ao organismo, ou ainda, “está
ligado ao corpo e pressupõe incorporação. A
acumulação de capital cultural exige uma
incorporação que, enquanto pressupõe um
trabalho de inculcação e de assimilação,
custa tempo que deve ser investido
pessoalmente pelo investidor (tal como o
bronzeamento, essa incorporação não pode
efetuar-se por procuração).
69. O estado OBJETIVADO. Com efeito, se caracteriza
sob a forma de bens culturais – quadros, livros,
dicionários, instrumentos, máquinas, que
constituem indícios ou a realização de teorias ou
de críticas dessas teorias, de problemáticas, etc.
No entanto, o capital cultural no estado
objetivado, para realizar-se, depende da relação
com o capital cultural incorporado. Ou seja, as
obras, quadros, livros, pinturas, etc., são
transmissíveis em sua materialidade, contudo,
apenas a propriedade jurídica é transferida, quer
dizer, a condição da apropriação específica, ou
ainda, os instrumentos, os signos, que
possibilitam desfrutar desses bens
70. E, por último, o capital cultural no
estado INSTITUCIONALIZADO, ou
seja, socialmente sancionado por
instituições. Nesse momento, ocorre
a objetivação do capital incorporado,
quer dizer, a transformação do
capital cultural em uma certificação,
qual seja, um diploma. Dessa
maneira, verificamos algumas
propriedades vinculadas ao diploma:
71. Com o diplomao diploma, essa certidão de
competência cultural que confere ao seuconfere ao seu
portador um valor convencional,portador um valor convencional,
constante e juridicamente garantido noconstante e juridicamente garantido no
que diz respeito à culturaque diz respeito à cultura, a alquimia social
produz uma forma de capital cultural queque
tem uma autonomia relativa em relaçãotem uma autonomia relativa em relação
ao seu portador e, até mesmo em relaçãoao seu portador e, até mesmo em relação
ao capital cultural que ele possuiao capital cultural que ele possui,
efetivamente, em um dado momento
histórico. (Bourdieu, 1998, p 78)
Mas, além disso:
72. Ao conferir ao capital cultural possuído
por determinado agente um
reconhecimento institucional, oo
certificado escolar permite, além disso,certificado escolar permite, além disso,
a comparação entre os diplomados e,a comparação entre os diplomados e,
até mesmo, sua ‘permuta’ (substituindoaté mesmo, sua ‘permuta’ (substituindo
os uns pelos outros naos uns pelos outros na sucessão);sucessão);
permite também estabelecer taxas depermite também estabelecer taxas de
convertibilidade entre o capitalconvertibilidade entre o capital
cultural e o capital econômicocultural e o capital econômico,
garantindo o valor em dinheiro de
determinado capital escolar. (Bourdieu,
1998, p 79).
73. O capital social, então, se define como o
conjunto das relações sociais de que
dispõe um indivíduo ou grupo.
Assim, o pertencimento ou
vinculação a um grupo possibilita
um espaço de ligações permanentes
e, sobretudo, úteis, que implicam no
desenvolvimento manutenção dessas
relações.
74. O capital social é o conjunto de recursos
atuais ou potenciais que estão ligados àestão ligados à
posse de umaposse de uma rede durável de relaçõesrede durável de relações
mais ou menosmais ou menos institucionalizadas deinstitucionalizadas de
interconhecimento e de inter-interconhecimento e de inter-
reconhecimento ou, em outrosreconhecimento ou, em outros
termos,termos, à vinculação a um grupo,à vinculação a um grupo,
como conjunto de agentes que nãocomo conjunto de agentes que não
somente são dotados de propriedadessomente são dotados de propriedades
comuns, mas também são unidos porcomuns, mas também são unidos por
ligações permanentes e úteisligações permanentes e úteis.
75. E, por último, dentre os capitais que nos
propomos a tratar, o capital simbólico,
também denominado pelo autor como
distinção. Desse modo, podemos nos
aproximar do capital simbólico colocando
que este se caracteriza pelo reconhecimento
do conjunto dos diferentes capitais. Dito de
outra maneira, o poder simbólico, poder
subordinado, é uma forma transformada,
quer dizer, irreconhecível, transfigurada e
legitimada, das outras formas de poder.
76. Em resumo, desvendando essas
espécies de capitais e colocando o
modo como os agentes ou conjunto de
agentes assumem determinada
posição no espaço social através do
volume do capital que possuem e,
também, da composição deste capital,
acreditamos, de modo bastante
simplificado, colocar o modo como
Bourdieu compreende o mundo social.
77. A posição de um determinado agente no
espaço social pode assim ser definida
pela posição que ele ocupa nos
diferentes campos, quer dizer, na
distribuição dos poderes que atuam em
cada um deles; seja, sobretudo, o capital
econômico – nas suas diferentes espécies –,
o capital cultural e o capital social e também
o capital simbólico, geralmente chamado
prestígio, reputação, fama, etc. que é a
forma percebida e reconhecida como
legítima das diferentes espécies de capital.
78. Com isso, vale ressaltar que o autor indica
uma hierarquia dos capitais e, assim,
podemos dizer que nessa perspectiva
sociológica, entre as diversas formas de
poder ou capitais atuantes nas sociedades
desenvolvidas, sobretudo, Como capital
econômico e o capital cultural são os que
fornecem os critérios de diferenciação
mais pertinente para construir o espaço
social. efeito, para Bourdieu o mundo
social é também representação e vontade,
e existir socialmente é também ser
percebido como distinto.
79. Assim o mundo social, por meio sobretudo
das propriedades e das suas distribuições,
tem acesso, na própria objetividade, aoao
estatuto deestatuto de sistema simbólico que sesistema simbólico que se
organizaorganiza segundo a lógica da diferença, dosegundo a lógica da diferença, do
desvio diferencial, constituído assim emdesvio diferencial, constituído assim em
distinção significante.distinção significante. O espaço social e as
diferenças que nele se desenham
‘espontaneamente’ tendem a funcionar
simbolicamente como espaço dos estilos de
vida conjunto de Stände, isto é, de grupos
caracterizados por estilos de vida diferentes.
80. As categorias de percepção do mundoAs categorias de percepção do mundo
social são, no essencial, produto dasocial são, no essencial, produto da
incorporação das estruturas objetivas doincorporação das estruturas objetivas do
espaço social.espaço social. Em conseqüência, levam os
agentes a tomarem o mundo social tal
comocomo ele é, a aceitarem-no como natural,
mais do que a rebelarem-se contra ele, a
oporem-lhe possíveis diferentes, e até
mesmo antagonistas: o sentido da
posição, um sentido dos limites (‘isso não
é para nós’)
81. ou, o que é a mesma coisa, um sentido
das distâncias, a marcar e a sustentar,
a respeitar e a fazer respeitar – e isto,
sem dúvida, de modo tanto mais firme
quanto mais rigorosa é a imposição do
princípio de realidade.
82. Sobretudo, o que está em disputa nesse
jogo ou no campo do poder, segundo
Bourdieu, é o domínio, a autoridade, que
pode ser necessário ou conservar ou
conquistar através dos trunfos
(capitais) herdados e, além disso, da
disposição do herdeiro em herdar.
Assim, podemos identificar a emersão
de outra questão, dessa vez, relativo à
transmissão dos capitais, ou seja, da
transmissão da herança.
83. “A illusio é um jogo social levado a sério —
fantasia subjetiva coletivamente
sancionada, calcada em uma metafísica da
distinção, pois para ser o centro do mundo
devemos ser reconhecidos como distintos,
tendo algum valor, alguma honra e
dignidade frente a nós mesmos e aos
demais. As instituições, ou os campos,
através dos atos da constituição de seus
prêmios e de alvos estabelecidos, realizam
um verdadeiro milagre:
84. "eles conseguem fazer crer aos indivíduos
consagrados que eles possuem uma
justificação para existir, ou melhor, que sua
existência serve para alguma coisa"
(Bourdieu 1996d:106). Proclamados como
dignos de tal honraria e autorizados a
receberem os lauréis da glória estarão
aqueles que melhor vivenciarem esse jogo
como algo sério, efetivo, aqueles que
fantasiarem e experienciarem sua illusio em
um grau de adesão e investimento libidinal
o mais alto possível.” (Pedro Paulo Oliveira,
2008).