O documento discute as reformas educacionais no Brasil e seus impactos no trabalho docente. Analisa como as políticas públicas têm levado a novas configurações no trabalho docente e realiza uma síntese histórica das políticas educacionais no Estado de São Paulo desde os anos 1990, destacando os efeitos centralizadores e padronizadores sobre a educação. Reflete também sobre o papel do professor como intelectual crítico frente aos desafios atuais da profissão docente.
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
Desafios da profissão docente frente às reformas educacionais
1. O CENÁRIO DA PROFISSÃO DOCENTE NO BRASIL FRENTE
ÀS REFORMAS EDUCACIONAIS E OS NOVOS DESAFIOS AO
TRABALHO DOCENTE
Discente: Fábio Mariano da Paz - fmpaz@ig.com.br
Doutorando pela Unesp de Presidente Prudente/SP
FACULDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO
Campus Presidente Prudente
2012
2. Problematização
É a partir da década de 1990 que os profissionais da educação
passaram a denunciar com mais ênfase uma crescente
transformação dos processos educativos e das relações sociais no
interior das escolas públicas brasileiras. Precarização das condições
de trabalho, enfraquecimento dos direitos trabalhistas e da
participação democrática, políticas injustas pautadas nos resultados
obtidos nas avaliações externas e reformas curriculares passaram a
atingir, especialmente, o trabalho docente.
3. OBJETIVOS:
1) analisar como as políticas públicas e reformas educacionais têm
levado a novas reconfigurações no trabalho docente;
2) realizar uma síntese histórica das políticas educacionais no Estado
de São Paulo, partindo da correlação entre as ações do governo
federal e sua articulação com as políticas estaduais;
3) refletir a partir das ideias de Paulo Freire e outros autores, sobre o
papel do professor enquanto intelectual crítico e reflexivo frente aos
desafios do cenário atual da profissão docente.
4. Políticas Públicas e Reformas Educacionais: novas
configurações para o trabalho docente na atualidade
Abordar o cenário da profissão docente no Brasil implica reconhecer o
crescimento de sua importância social, política e econômica,
principalmente a partir da década de 1960, com a progressiva
democratização do acesso à educação pública e regulamentação da
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº
4024/1961.
5. Para Tardif e Lessard (2009), o alcance das políticas educacionais é ainda
maior, pois os professores constituem, em razão do seu número e da
função que desempenham, um dos mais importantes grupos ocupacionais
e uma das principais peças da economia das sociedades modernas. Eles
representam, juntamente com os profissionais da saúde, a principal carga
orçamentária dos Estados nacionais. Ao buscar definir o trabalho docente,
esses autores explicitam que:
[...] a docência é uma forma particular de trabalho sobre o
humano, uma atividade na qual o trabalhador (o professor) se
dedica ao seu “objeto” de trabalho, que é justamente um outro ser
humano (o aluno), no modo fundamental da interação humana.
[...] ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres
humanos, para seres humanos. (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 8 e
31, grifo do autor).
6. Oliveira (2010) aponta que atualmente o trabalho docente
deve ser compreendido de forma mais ampla, abrangendo
não apenas o ensino em sala de aula ou o processo de
ensino formal, mas todas as outras atividades inerentes à
educação como a participação na gestão da escola, a
dedicação aos momentos de planejamento, a elaboração de
projetos, a discussão coletiva do currículo e da avaliação.
7. Ferreira e Hypólito (2010) afirmam que a docência “não é um trabalho
como outros por dois motivos, pelo menos: a) pelo grau de subjetividade
implicado; b) pela dificuldade em se ter absoluta mensuração do que é
produzido”.
Reiterando essa mesma posição, Arroyo (2000) e Gatti e Barreto (2009)
assinalam que o trabalho docente envolve questões que o diferenciam
completamente de outras atividades profissionais, como por exemplo, o
fato de que as tensões e preocupações resultantes do ofício não se
esgotam com o fim do expediente, mas prolongam-se durante a ida do
docente para sua casa e acarretam um alto nível de envolvimento
emocional. É esse processo de alongamento das atividades laborais para
além da jornada de trabalho que Gatti e Barreto (2009) costumam chamar
de “tempo de trabalho”, em contraposição ao “tempo de ensino” e
destacam que apesar da maioria dos professores informarem em média o
cumprimento de 30 horas semanais, geralmente esse tempo é bem
superior.
8. Freire (1996) alerta aos riscos das políticas educacionais
produzirem um enfraquecimento do ensino e do trabalho
docente ocorre quando a profissionalidade cede espaço para
definições menos rigorosas, produzindo efeitos negativos sobre
toda a carreira docente e, consequentemente, sobre sua
repercussão social e remuneratória.
9. A tentativa de reduzir a professora à condição de tia é uma
“inocente” armadilha ideológica em que, tentando-se dar a
ilusão de adocicar a vida da professora o que se tenta é
amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de
tarefas fundamentais. Entre elas, por exemplo, a de desafiar
seus alunos, desde a mais tenra e adequada idade, através de
jogos, de estórias, de leituras para compreender a necessidade
de coerência entre discurso e prática; um discurso sobre a
defesa dos fracos, dos pobres, dos descamisados e a prática
em favor dos cambados e contra os descamisados, um discurso
que nega a existência das classes sociais, seus conflitos, e a
prática política em favor exatamente dos poderosos (FREIRE,
1997, p. 18).
10. É dentro de sua experiência enquanto educador militante, que
Freire (1979) já se posicionava de maneira incisiva quanto à
necessidade de um verdadeiro compromisso e uma consciência
atenta em relação a todas as mudanças sociais e aos processos
de alienação direcionados ao campo educativo. “Estamos
convencidos de que o momento histórico da América Latina
exige de seus profissionais uma séria reflexão sobre sua
realidade, que se transforma rapidamente, e da qual resulte sua
inserção nela.” (FREIRE, 1979, p. 13).
11. De acordo com Costa (2008), embora se tenha como marco de referência
das reformas administrativas do Estado, as ocorridas principalmente após
a década de 1990, podemos dizer que o percurso das reformas segue a
linha abaixo:
1929: visando controlar os efeitos da crise, alavancar a indústria
nacional e promover a racionalização burocrática do serviço público;
1967: por meio do Decreto-Lei nº. 200, foi colocada em prática a
segunda reforma da administração federal, entretanto, ela ficou pela
metade e fracassou;
1990: com a posse de Collor como presidente, visando a redução do
poder do Estado na vida social, a implantação de uma nova moeda e
de sistemas de desestatização e racionalização, contudo, com o caos
que se instalou no período, praticamente não se efetivou em sua
plenitude.
12. Emenda Constitucional nº 19/1998, alterando dispositivos da
Constituição Federal de 1988, positivou, em nível constitucional, a
chamada Reforma Gerencial do Estado, implementada
basicamente no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso
(1995 - 1998), cujo mentor foi o então Ministro Luiz Carlos
Bresser Pereira.
13.
14.
15.
16. Os principais organismos internacionais que estimularam a
promoção de políticas reformistas no que se refere à educação
são: o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco
Mundial (BM), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), a Organização dos Estados Americanos
(OEA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) e o Programa de Reformas Educacionais da América
Latina e Caribe (PREAL). Dessas instituições, para o caso da
educação brasileira, destacamos a forte atuação do Banco
Mundial e do FMI, fundamentalmente.
17. Uma condição biônica ao êxito da invasão cultural é o convencimento por
parte dos invadidos de sua inferioridade intrínseca. Como não há nada
que não tenha seu contrário, na medida em que os invadidos vão
reconhecendo-se “inferiores”, necessariamente irão reconhecendo a
“superioridade” dos invasores. Os valores destes passam a ser a pauta
dos invadidos. Quanto mais se acentua a invasão, alienando o ser da
cultura e o ser dos invadidos, mais estes quererão parecer com aqueles:
andar como aqueles, vestir à sua maneira, falar a seu modo. [...] Não é
possível desenvolvimento de sociedades duais, reflexas, invadidas,
dependentes da sociedade metropolitana, pois que são sociedades
alienadas, cujo ponto de decisão política, econômica e cultural se
encontra fora delas – na sociedade metropolitana. Esta é que decide os
destinos, em última análise, daquelas, que apenas se transformam.
(FREIRE, 1987, p. 87)
18. Os serviços de consultoria/assessoria oferecidos em termos de
“assistência técnica”, a fim melhorar a qualidade da educação dos
países periféricos são situações em que se verifica a internalização
da ideologia do mercado, muitas vezes, de forma implícita. Essa
internalização das ideias dominantes do cenário capitalista, sem
possibilidade da participação dos educadores e demais grupos
populares nada mais é do que uma alienação inerente à ideologia
dominante.
19. Como explica Freire (1987, p. 73):
E é, precisamente, quando – às grandes maiorias – se proíbe o
direito de participarem como sujeitos da história, que elas se
encontram dominadas e alienadas. O intento de ultrapassagem do
estado de objetos para o de sujeitos – objetivo da verdadeira
revolução – não pode prescindir nem da ação das massas,
incidente na realidade a ser transformada, nem da sua reflexão.
20. Síntese histórica das políticas de
educação no Estado de São Paulo
De acordo com Russo e Carvalho (s.d), a reforma da educação pública
estadual paulista ocorreu simultaneamente à reforma da educação
nacional. Fatores que contribuíram para isto se encontram nos
mandatos de Fernando Henrique Cardoso, enquanto presidente do país,
e de Mario Covas, no governo do Estado de São Paulo, a partir de 1995.
Pertencentes ao mesmo partido político, o PSDB, tais reformas
ocorreram de modo articulado, sendo responsável por sua
implementação durante os anos dos mandatos de Mario Covas (1995-
1998 e 1999-2000), a secretária de educação Tereza Roserlei Neubauer
da Silva
21. Viriato (2001) chama a atenção para o fato de que no Estado de São
Paulo tem se fortalecido um processo centralizador, em que as medidas e
políticas educacionais, em sua grande maioria, são elaboradas sem uma
ampla participação dos educadores da rede pública. No que concerne à
gestão de Teresa Neubauer, a autora evidencia que:
No decorrer desta fase inicial, a Secretária de Educação, Profª.
Teresa Roserley Neubauer da Silva, apresentou as primeiras
medidas utilizando uma metodologia semelhante a um “quebra-
cabeça”. Os projetos foram sendo implementados sem que
pudéssemos compreender que eles faziam parte de um projeto
amplo cujo objetivo ultrapassava as finalidades apresentadas
pela SEESP. (VIRIATO, 2001, p. 18)
22. Com a morte de Covas (2000) e a eleição de Geraldo Alckmin (2003-
2006), foi indicado para dar continuidade às ações de reforma
educacional Gabriel Chalita. Posteriormente, com a saída de Alckmin
para disputar as eleições presidenciais, uma nova substituição ocorre,
culminando na designação de Maria Lúcia Vasconcelos.
Conforme Russo e Carvalho (s.d), uma nova fase política se inicia com a
eleição de José Serra (2007-2010) para governador do Estado de São
Paulo, e a indicação em 25 de julho de 2007, da secretária Maria Helena
Guimarães de Castro, responsável uma por um programa de ação com
10 metas.
23.
24. O que convém ressaltar com relação ao período de 1995 a 2007 é
que as ações de reforma educacional do governo do Estado de São Paulo
que mais afetaram o trabalho docente no sistema estadual, e resvalaram
como ideias e exemplos para todos os mais de 500 municípios do estado,
são aquelas referentes à reorganização da progressão continuada,
padronização do currículo e expectativas de aprendizagem (currículo
fechado e único para toda a rede escolar), implementação de sistemas de
avaliação, gestão dos resultados e política de incentivos por meritocracia.
Dentre as ações mais criticadas, além das contratações em caráter
temporário, mecanismo jurídico aprimorado após as alterações na
Constituição Federal por ocasião da reforma administrativa realizada por
FHC e a tentativa de uniformização do trabalho docente mediante
materiais apostilados, as medidas de bonificação pelo mérito, constantes
do programa, têm servido como modelo para muitos municípios do
estado, gerando diversas manifestações em contrário.
25. Mais fortemente no Estado de São Paulo, considerado por
muitos autores e educadores como reduto da política
neoliberal, ao contrário do que afirma o discurso
governamental, não tem existido propriamente uma
descentralização administrativa; na verdade, o que tem
existido é uma crescente centralização de poder, posto que as
escolas procuram, constantemente, mobilizar seus recursos
para implementar as políticas elaboradas pelas instâncias
centrais da Secretaria da educação, principalmente, para
atingir os resultados estipulados pelas avaliações externas.
26. [...] passa a inserir-se em um conjunto mais complexo de
interrelações, em cujo interior operam o aprofundamento das
políticas de descentralização administrativa, financeira e
pedagógica da educação, um novo aparato legal e uma série
de reformas curriculares. Essas interrelações estão
demarcadas pelo encerramento do ciclo de recuperação da
democracia política e pela aceitação das novas regras
internacionais, derivadas da globalização e da competitividade
econômica (BONAMINO, 2002, p. 15 - 16).
27. A política de avaliação externa é utilizada com uma política
de Estado, tanto é assim que após o governo Fernando
Henrique Cardoso os instrumentos de avaliação externa não
só se mantiveram, mas foram aperfeiçoados pela atual
gestão.
28. O cenário da educação no sistema de ensino estadual de São
Paulo tem sido permeado, portanto, pelas mais diversas
experiências privatistas e economicistas, partindo de uma
severa indução de alterações na legislação e publicação de
normatizações complementares, sem qualquer discussão
profunda com as entidades de classes e educadores.
De modo geral, o que cabe ressaltar com relação às reformas
educacionais postas em execução nas últimas décadas, é que
elas têm contribuído para um enxugamento da rede,
privatização de serviços, descentralização e considerável
intensificação do trabalho docente.
29. Podemos considerar que assim como o trabalho em geral,
também o trabalho docente tem sofrido relativa precarização
nos aspectos concernentes às relações de emprego. O
aumento dos contratos temporários nas redes públicas de
ensino, chegando, em alguns estados, a número
correspondente ao de trabalhadores efetivos, o arrocho
salarial, o desrespeito a um piso salarial nacional, a
inadequação ou mesmo ausência, em alguns casos, de planos
de cargos e salários, a perda de garantias trabalhistas e
previdenciárias oriundas dos processos de reforma do
Aparelho de Estado têm tornado cada vez mais agudo o
quadro de instabilidade e precariedade do emprego no
magistério público. (OLIVEIRA, 2004, p. 1140)
30. O professor como intelectual crítico e reflexivo:
desafios para uma resistência docente
Em tempos de maior permeabilidade das mídias e da
informática, dos meios de comunicação de massas e das novas
regulações e flexibilizações no campo do trabalho, mais do que
nunca dos professores é exigida a assunção de uma postura
crítica e reflexiva. Tardif e Lessard (2009) analisam que a
invasão histórica da escola por modelos de gestão e de
execução do trabalho oriundos diretamente do contexto
industrial e de outras organizações econômicas hegemônicas
nem sempre ocorre mediante um ato de reflexão sobre sua
validade para o campo educacional.
31. Para Gaspar (2001, p. 50) “ao separar radicalmente o produtor dos
meios de objetivação do trabalho e, com isso, usurpar-lhe a
coordenação do processo produtivo, o capital também alterou
radicalmente a relação daquele com os produtos e as finalidades da
produção”. Situações em que o professor tem somente a incumbência
de aplicar técnicas pedagógicas, seguir sistemas apostilados de ensino,
cumprir diretrizes emanadas dos órgãos centrais, realizar projetos com
interesses escusos aos da escola e participar de formações
comandadas por assessorias privadas, tornam os contextos
educacionais hoje, como espaços que “não se apresentam mais como
sendo obra sua, mas de um complexo produtivo em relação ao qual
sua atividade é tanto externamente mediada (dinheiro) quanto mero
meio de satisfação de outras necessidades” (GASPAR, 2001, p. 50).
32. Na seara profissional, os docentes também são constantemente
desafiados por aspectos inerentes ao processo de racionalização
econômica, “complexificação” das atividades trabalhistas e de
formação inicial e continuada. As formações aligeiradas, em grande
parte à distância e sem considerar o real contexto da escola pública
da atualidade e as lutas por melhores condições de trabalho e
remuneração são meros exemplos dos processos que levam muitos
docentes a trabalharem na confluência de contradições geradoras
de uma situação tensional.
33. Freire (1979, p. 7) aponta que num cenário como este é indispensável
que o educador adote uma postura comprometida com seu país e seu
povo, não podendo deixar de atuar com vistas à mudança, pois,
Se a possibilidade de reflexão sobre si, sobre seu estar no mundo,
associada indissoluvelmente à sua ação sobre o mundo, não
existe no ser, seu estar no mundo se reduz a um não poder
transpor os limites que lhe são impostos pelo próprio mundo,
do que resulta que este ser não é capaz de compromisso. É
um ser imerso no mundo, no seu estar, adaptado a ele e sem ter
dele consciência. Sua imersão na realidade, da qual não pode sair,
nem “distanciar-se” para admirá-la e, assim transformá-la, faz dele
um ser “fora” do seu tempo ou “sob” o tempo ou, ainda, num
tempo que não é seu. O tempo para tal ser “seria” um perpétuo
presente, um eterno hoje.
34. É a partir dos anos de 1990 que o termo “professor reflexivo” surge
na área educacional, fundamentando-se numa perspectiva de
superação de algumas práticas educativas e na necessidade de uma
reforma no que diz respeito à formação docente. (CONTRERAS,
2002; PIMENTA, 2002).
Desse modo, a construção de uma postura crítica e reflexiva não
pode ser entendida como uma conquista obtida somente nos cursos
de formação, mas durante toda a vida profissional, seja no contato
com outros educadores e com sua própria realidade, seja no
movimento de resistência diante das injustiças e tentativas de
esvaziamento da profissionalidade docente. A superação do
pensamento rotineiro, imobilista e conformista diante dos problemas
do cotidiano é o que distingue o profissional reflexivo. (ZEICHNER,
1992)
35. Ainda de acordo com suas ideias, Zeichner (1992) traz à tona que a
prática reflexiva só terá efetivo valor se realizada coletivamente, uma
vez que os problemas docentes não podem ser vistos como
exclusivos, nem suscitar o individualismo.
Entretanto, para que isso ocorra, é fundamental que o professor
reflexivo acompanhe as políticas públicas e possa dispor de
momentos em seu ambiente de trabalho para que a coletividade
reflita e discuta criticamente seus objetivos e incoerências.
36. Como assinala Tedesco (2001), para enfrentar os ajustes estruturais
do sistema capitalista, que na maioria das vezes precariza o
trabalho docente, é preciso ultrapassar as atitudes defensivas que,
a curto prazo, provocam a sensação de haver resolvido o problema,
mas que a longo prazo só poderão agravá-lo. É no mesmo sentido
que o autor insiste, inicialmente, na recuperação da paixão pelos
valores democráticos, pois se trata de uma exigência ligada à
atividade profissional docente.
37. Todo o esforço do professor frente aos desafios de seu ofício
também implica na sua rearticulação com as entidades de classe e
sindicatos. O próprio processo de reformas ocorrido no Brasil
permite observar o quanto os sindicatos foram enfraquecidos nas
últimas décadas, por meio da perseguição aos movimentos e
ativistas sindicais, punição aos servidores públicos com demissões a
bem do serviço público e suspensões, e produção de um sentimento
de que contra o governo nada pode ser feito, enfraquecendo as
forças de resistência.
Dentre os principais entidades nacionais voltados aos interesses dos
profissionais da educação, destacam-se em nível nacional a CNTE e
em nível estadual a APEOESP.
38. Freire (1987) declara que não existe mecanismo mais eficiente
para a classe dominante que deseja enfraquecer os oprimidos,
do que mantê-los fragmentados, segregados e ao mesmo
tempo, trabalha na sonorização de um discurso atrativo e de
convencimento, no qual afirma que a história é assim, a vida é
assim, que uma educação militante não é importante e que a
educação deve ser neutra, voltada ao treinamento técnico da
força de trabalho.
39. Mais do que isto, o discurso de que os sindicatos serviam apenas
aos interesses corporativistas foi mais uma tentativa de seu
desmantelamento, o que Ridenti (1995, p. 9) repudia nos seguintes
termos:
Sucede que, ao contrário da suposição desses críticos, muitas das
reivindicações do Movimento Docente – como a exigência de
concursos públicos para o preenchimento de cargos – atuam contra
o corporativismo patrimonialista. A privatização do Estado por elites
econômicas e políticas interessadas, por exemplo, em nomear seus
asseclas e protegidos para os cargos públicos.
40. Para uma atuação comprometida e reflexiva, só se pode vislumbrar a
possibilidade de avanços na melhoria da qualidade da educação, nas
condições de trabalho e nas situações de formação inicial e
continuada, diante da reassunção da luta por uma profissionalidade
docente, por um fortalecimento das entidades sindicais e por uma
atitude não ofensiva, mas, atentamente coletiva, crítica e reflexiva.
Como Freire (1992, p.77) já alertava, “sem unidade na diversidade,
não há como sequer as chamadas minorias lutarem [...]”, deste modo,
o primeiro passo para superar a denúncia da crescente precarização
das condições de trabalho, baixos salários, desmantelamento dos
direitos trabalhistas e políticas injustas de responsabilização, é adquirir
a consciência de que a educação é um ato político e, por conseguinte,
não é neutra.
Considerações Finais
41. REFERÊNCIAS
AFONSO, A. J. Políticas públicas educativas e avaliação educacional. Minho (Portugal): Universidade do Minho, 1999.
ARROYO, M. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000.
BARBOSA, A. Os salários dos professores brasileiros: implicações para o trabalho docente. Brasília: Líber Livro, 2011.
BEISIEGEL, C. R. A qualidade do ensino na escola pública. Brasília: Líber Livro, 2005.
BONAMINO, A.; FRANCO, C. Avaliação e política educacional: o processo de instituição do SAEB. Cadernos de Pesquisa.
São Paulo: n. 108, p. 101-132, nov. 1999.
BONAMINO, A. Tempos de avaliação educacional: o SAEB, seus agentes, referências e tendências. Rio de Janeiro:
Quartet, 2002.
BRASIL. Decreto-Lei nº 8.529, de 2 de janeiro de 1946. Lei Orgânica do Ensino Primário. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-8529-2-janeiro-1946-458442-publicacaooriginal-1-
pe.html>. Acesso em 07 ago. 2012.
_______. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4024.htm>. Acesso em 07 ago. 2012.
_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 07 ago. 2012
_______. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 07 ago. 2012.
BRESSER-PEREIRA, L. C. Crise econômica e reforma do Estado no Brasil. Brasília: Ed. 34, 1996.
CONTRERAS, J. A autonomia dos professores. Tradução de Sandra Trabucco Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2002. 296 p.
CORAGGIO, J. L. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto ou problemas de concepção? In:
TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (orgs.) O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1996.
COSTA, F. L da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200 anos de reformas. Ver. Adm. Pública. v.
42, n. 5. Rio de Janeiro, set./out. 2008.
42. DIAS SOBRINHO, J. Campo e caminhos da avaliação: a avaliação da educação superior no Brasil. In: FREITAS, L. C. (org.)
Avaliação: construindo o campo e a crítica. Florianópolis: Insular, 2002.
FERNANDES, R. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira, Brasília, 26 p. 2007.
FERREIRA, L. S.; HYPOLITO, A. M. De qual trabalho se fala? Movimentos de sentidos sobre a natureza, processos e condições de
trabalho dos professores. In: SEMINÁRIO DA REDE LATINO-AMERICANA DE ESTUDOS SOBRE TRABALHO DOCENTE– REDE
ESTRADO, 8., 2010, Lima. Anais... Lima: REDE ESTRADO, 2010.
FREIRE, P. R. N. Educação e Mudança. 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
______________. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______________. Pedagogia da Esperança. São Paulo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
______________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Editora Paz e Terra,
1996. (Coleção Leitura)
______________. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora Olho d’água, 1997.
PROFESSORES NO BRASIL. Disponível em: <http://www.professoresnobrasil.com.br/links sindicatos.asp>. Acesso em
10/08/2012.
GASPAR, R. C. Cidade mundial e polaridade econômica. Revista SBPM, Sao Paulo, v. 14-15, n.Especial, 2001.
GATTI, B. A.; BARRETO, E. S. S. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em:
<http://www.saopaulo.sp.gov.br/acoes/educacao/metas/acoes.htm>. Acesso em 10/08/2012.
HADAD, S. (org.) Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 2008.
IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2000. (Coleção
questões de nossa época; 77).
JUNIOR, O. B. L. As reformas administrativas no Brasil: modelos, sucessos e fracassos. Revista do Serviço Público. n. 49,
abr. - jun., 1998.
LEITE, Y. U. F.; GIORGI, C. A. G. A qualidade da escola pública, na perspectiva democrática e popular. Série Estudos -
Periódico do Mestrado em Educação da UCDB. Campo Grande, nº. 30, p. 305-323. jul./dez. 2010.
LEITE, Y. U. F. O lugar das práticas pedagógicas na formação inicial de professores. 2011. 87 f. Tese (Livre Docência) –
Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2011.
43. MARE. (Ministério da Administração e Reforma do Estado). Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília:
Presidência da República, Imprensa Oficial, 1995.
MARIN, A. J. Formação e ação docentes: tempos sombrios os que se delineiam para o futuro. In: ROMANOWSKI, J. P.; MARTINS, P.
L.; JUNQUEIRA, Sérgio R. A. (Orgs.). Conhecimento local e conhecimento universal: práticas sociais, aulas, saberes e políticas.
Curitiba: Champanhat, 2004. p.171-182.
OLIVEIRA, C. de, et. al. A municipalização do ensino brasileiro. In: Municipalização do ensino no Brasil. Belo Horizonte:
Autêntica, p. 11-36, 1999.
OLIVEIRA, D. A. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n.
89, dez. 2004.
OLIVEIRA, R. P. A transformação da educação em mercadoria no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, vol. 30, n. 108, p.
739-760, out. 2009.
OLIVEIRA, D. A. Trabalho Docente. In. OLIVEIRA, Dalila A.; DUARTE, Adriana M. C.; VIEIRA, Lívia M. F. (Org.). Dicionário:
trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG / Faculdade de Educação, 2010.
PAULA, A. P. P. de. Entre a Administração e a Política: os Desafios da Gestão Pública Democrática. Tese de Doutorado.
Unicamp, 233 p, 2003.
PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, E. (Org.). O professor
reflexivo no Brasil: gênese e critica de um conceito. 2. ed. São Paulo: Cortez, p. 12-52, 2002.
RIDENTI, Marcelo. Professores e ativistas da esfera pública. São Paulo, Cortez, 1995.
RUSSO, M.; CARVALHO, C. A política educacional do governo Serra. Disponível em:
<www.simposioestadopoliticas.ufu.br/imagens/anais/pdf/C38.pdf>. Acesso em: 22 set. 2009.
SEVERINO, A. J. Humanismo, Personalismo e os desafios sociais da educação contemporânea. Revista de Educação Pública.
Cuiabá, EdUFMT, v. 18, n. 36, p.155-164, 2009.
SINGER, P. Poder, política e educação. Revista Brasileira de Educação: São Paulo: ANPED, 1996.
TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas.
Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis: Vozes, 2009.
TEDESCO, J. C. O novo pacto educativo: educação, competitividade e cidadania na sociedade moderna. São Paulo: Ática, 1998.
VIRIATO, E. O. Política educacional do Estado de São Paulo: 1995-1998: descontrução da escola publica. São Paulo: FEUSP,
2001.
ZEICHNER, Kenneth. El maestro como profesional reflexivo. Cuadernos de pedagogia, [S.I.], n. 220, p. 44-9, 1992.