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Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida




APOSTILA DE
SOCIOLOGIA – M3
Prof. Ms. Michel Willian
Zimmermann de Almeida




                                                                      .
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
                                                            tarifas nos serviços públicos, dos reajustes monetários e
                                                            a redução da demanda, no entanto, os níveis de
                                                            produtividade não se alteraram. Com a repressão aos
                                                            sindicatos,     os    trabalhadores     perderam       sua
                                                            representatividade, e com a quase proibição das greves,
                                                            houve a perda da capacidade operaria de barganha,
                                                            somado a isso, se tem a maior inserção da mão de obra
                                                            feminina e infantil, que ampliou a disputa por empregos
                                                            deixando os trabalhadores ainda mais temerosos do
                                                            desemprego, por conta disso em 1968, 59,2% dos
                                                            trabalhadores citadinos realizavam entre 40 e 49 horas
                                                            de trabalho semanais. Assim sendo, a custa do
                                                            empobrecimento da população se transferiu renda dos
                                                            trabalhadores para a classe média, permitindo uma
                                                            aceleração no processo de acumulação de capital, que se
                                                            ancorou nos setores de bens de capital, de
                                                            responsabilidade do estado, bens duráveis, de
         TRABALHO E SINDICALISMO                            responsabilidade das multinacionais e bens de consumo,
                                     O novo regime          de responsabilidade do capital nacional.
                                     político que se                 Segundo SINGER (1982), o milagre iniciado em
                                     instala no Brasil a    1968 se deve a uma simples “abertura de torneira”, ou
                                     partir de 1964,        seja, após quatro anos de acumulação de capital, o
                                     encontra        um     governo reduziu as taxas de juros, facilitou o credito e
                                     ambiente         de    criou subsídios para estimular as multinacionais. A
                                     disputas político-     classe média que vinha com o seu consumo controlado,
                                     econômicas         e   passava a euforia impulsionada pelo credito e aumento
    reivindicações sociais. No plano econômico, a           dos salários da mão de obra especializada. Edgar de
    indústria automobilística havia influenciado as         Barros (1992), chama a atenção para o Plano de Ação
    relações comerciais no Brasil mesmo antes da sua        Econômico do Governo (PAEG), que tratou de aplicar o
    plena instalação no país, criando diversas              liberalismo econômico, e tendo como resultado a
    ramificações econômicas e originando novas elites       concentração do capital, a diminuição da inflação e o
    ligadas ao ramo metal-mecânico, que se fortaleciam      fechamento de empresas que não possuíam
    na medida em que a nação se industrializava. A          produtividade suficiente para manter os menores preços.
    instalação do parque automotivo durante o governo              Em fins da década de 70, as relações industriais
    de Juscelino Kubitschek proporcionou ao governo         começam a se transformar, os trabalhadores passam a
    aliviar tanto as pressões populares por empregos,       desenvolver técnicas alternativas de greve, já que o ato
    como as pressões do empresariado nacional ligado ao     ainda era proibido por lei, e com base na lei de
    ramo metal-mecânico, que recebia agora um novo          segurança nacional, as greves eram sufocadas com
    impulso motivado pela demanda na construção de          violência física e demissão por justa causa. Desta forma,
    automóveis e pela obrigatoriedade de nacionalização     tornava-se necessário um novo método de greves.
    das peças. No entanto, em meados de 1962 a              Segundo SILVA (1991), na primeira greve em conjunto
    indústria automobilística entra em crise, pois a        nas empresas automobilísticas e em indústrias de
    capacidade produtiva havia crescido mais do que a       autopeças, os trabalhadores simplesmente pararam ao
    capacidade do mercado.                                  lado de suas máquinas e permaneceram em silêncio.
       Cabe aqui salientar as ações econômicas do novo      Sem saber quem eram os lideres, o patronato chamou o
governo, onde, segundo Gros (1987), após a                  sindicato dos trabalhadores a cada uma das fábricas para
concretização do golpe a política econômica adotada         negociar, em nome dos trabalhadores, sendo que na Ford
durante o regime se apoiou no seguinte tripé: capital                                       a greve persistiu por um
privado nacional, capital privado internacional e capital                                   tempo maior, cinco dias.
estatal. Entre outras medidas adotadas para sanar a                                                Por conta disto, a
economia nacional, reduzir a inflação e retomar o                                           FIESP        passou      a
crescimento destaca-se: a proibição dos aumentos de                                         recomendar que seus
salários, perda da autonomia dos sindicatos,                                                membros         adotassem
aperfeiçoamento do aparelho arrecadador e do sistema                                        estratégias contras as
tributário. O resultado imediato destas medidas foi um                                      greves, indicando as
aumento de mais de 80% no custo de vida em 1964.            seguintes táticas:
       Desta forma os governos militares puderam                 a) Não pagar, em nenhuma hipótese, horas paradas
manter a inflação controlada, a custo do arrocho salarial            e não estabelecer quaisquer acordos de
da mão de obra menos qualificada, do aumento das                     indenização, pois não existindo no Brasil fundo
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          de greve, esse será um excelente recurso para as
          empresas.
      b) Tentar de todas as formas, colocar os grevistas
          na via pública[...] [para] envolver o poder
          público [...] [e] exercer uma pressão psicológica
          sobre o Sindicato do Empregados [...].
      c) Suspender        por     um    ou     dois    dias
          (disciplinarmente) aqueles que entrarem na
          Fábrica, sob condição de trabalharem e não
          cumprirem o prometido. Em última instância,
          dispensar um certo número de pessoas por justa
          causa, após [...] pedir aos trabalhadores que
          executem uma certa tarefa. (A negativa
          caracterizará um ato de insubordinação) 1.
     As reivindicações por salários e melhores condições
     de trabalho se seguiam até 1982. Com o agravamento
     da crise econômica, as empresas passaram a realizar
     demissões em massa, enfraquecendo o poder de
     reação dos sindicatos. Aproveitando-se desta
     realidade, as empresas passaram a demitir,
     prioritariamente, os operários envolvidos no
     sindicalismo, pois podiam alegar que as demissões se
     davam por conta da recessão econômica em que o
     País se encontrava. Assim, essas medidas
     intimidavam e disciplinavam os trabalhadores.

              ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES




1
    RAINHO, 1983, p. 213. Aphud: SILVA, 1991, p. 249-250.
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
                                                                        do evolucionismo, dominante na Biologia. Para
                                                                        Lombroso, o crime tem suas causas relacionadas às
                                                                        condições biológicas do delinqüente. Ou seja, algumas
                                                                        pessoas teriam predisposições genéticas e, portanto,
                                                                        naturais a praticar o crime, o que em essência, a idéia,
                                                                        defendida por Lombroso, de atavismo. Para Lombroso,
                                                                        para combater o crime seria fundamental a eugenia. Essa
                                                                        perspectiva     foi    abandonada      na    criminologia
                                                                        contemporânea, que absorveu o método sociológico para
                                                                        fazer o estudo científico do crime. De acordo com Émile
                                                                        Durkheim, em contraposição a essa versão da
                                                                        criminologia, nenhuma sociedade está livre do crime, o
                                                                        crime é um problema do delinqüente. Como uma
                                                                        sociedade é feita de um conjunto de instituições que
                                                                        pressupõem a existência de regras para a convivência
                                                                        coletiva, o crime é normal, é um padrão social. A
     O QUE SÃO CRIME E CRIMINALIDADE2                                   normalidade do crime não significa que ele seja bom,
                                         Como          nos              mas apenas que ele é um fato social ligado às condições
                                lembra      o    sociólogo              fundamentais de qualquer vida em coletividade. Nesse
                                Anthony Giddens, desvio                 sentido, o crime pode representar, por exemplo, a
                                e     crime     não    são              degeneração dos laços de solidariedade entre indivíduos
                                sinônimos,          embora              e grupos.
                                muitas        vezes     se                       Mas, segundo Durkheim, o crime pode também
                                sobreponham. O conceito                 assumir uma degenerativa da vida social, quando ele se
                                de desvio caracteriza                   configura em uma situação de anomia, ou seja, uma
                                qualquer comportamento                  situação na qual a ausência de normas ameaça a coesão
                                que viole uma norma                     social. Em outras palavras, a anomia é condição de não-
social, por isso, é um conceito muito mais abrangente do                socialização, segundo a qual as instituições da sociedade
que o conceito de crime, que se refere apenas à conduta                 são fracas para socializar o indivíduo, isto é, trazer o
inconformista que viola uma lei. Assim, o crime tem                     indivíduo ao convívio da sociedade.
uma natureza especial. Diferentemente do desvio, o                               Émile Durkheim inaugurou uma virada na
crime precisa das sanções do Direito para que possa se                  criminologia, inovando no estudo científico do crime.
solidar como conceito. O desvio, porém, refere-se ao                    Essa inovação está no fato de a Sociologia adotar a
poder social no plano da cultura e de normas                            premissa de que a prática do crime ocorre de acordo com
relacionadas a costumes. Por isso, nem todo desvio é                    o meio em que ele é praticado. Ou seja, da perspectiva
sancionado por lei, enquanto todos os crimes o são.                     de Émile Durkheim, as causas do crime devem ser
         Conceitualmente, crime é qualquer tipo de ação                 procuradas na sociedade e não no delinqüente.
que suscita uma reação organizada por parte da                                   A violência: Alguns crimes são praticados com
sociedade. Ou seja, crime é tudo a que a sociedade                      a violência. Violência é toda ação praticada por um
condena como imoral, porquanto lhe dirige uma ofensa                    indivíduo ou por um grupo contra outro indivíduo ou
ou que tenha conseqüências negativas para a vida social.                outros grupos que implique constrangimentos físicos e
A idéia de crime remete à idéia de criminalidade, a qual                morais. Normalmente, a violência é praticada com o uso
significa o conjunto dos crimes praticados em uma                       da força, significando um estado de coação que leva a
sociedade, tais conjuntos, estão definidos no Direito                   vítima a fazer ou deixar de fazer aquilo que o agressor
Penal, que faz corresponder a cada um deles uma                         lhe pede.
penalidade que a sociedade considere condizente à                                A violência pode ser legítima ou não-legítima. É
ofensa praticada. Os tipos e as práticas de crimes podem                legítima quando sua prática está balizada em uma regra
ser variados. Pode-se falar de crimes contra o patrimônio               da sociedade como o Direito. Exemplo de violência
público, como a corrupção, a concussão ou a                             legítima é aquela pratica pelo policial, que está
prevaricação, bem como pode-se falar dos crimes contra                  autorizado a agir violentamente, dentro dos limites
o patrimônio privado, como o roubo, o latrocínio, a                     estabelecidos pelo Direito, para proteger vítimas de atos
extorsão etc.                                                           criminosos. Da mesma maneira, a violência é legítima
         O estudo científico do crime começou em 1876,                  em uma situação de defesa da vida.
com a obra O delinqüente, de Cesare Lombroso. A                                  A violência não é legítima quando é seguida da
crimonologia, em seu início, baseava-se nas premissas                   prática de crime. Ou seja, como vimos anteriormente,
2
                                                                        violência não-legítima seguida de uma ação
  Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A.
GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São
                                                                        correspondente a uma ofensa à sociedade. Um
Paulo: FTD, 2008.                                                       assassinato é um tipo de violência não-legítima, porque
                                                                        corresponde a um crime. Da mesma maneira, a extorsão
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é um tipo é violência não-legítima, porque representa um                sociedade também praticam crimes, como os crimes
tipo de ameaça contra alguma pessoa em troca de uma                     do “colarinho branco”, especialmente a corrupção.
informação ou vantagem.                                                 Entretanto, a situação de anomia da criminalidade nas
        Além dessas duas modalidades de violência,                      sociedades contemporâneas relaciona-se ao poder de
pode-se pensar duas outras: a violência física e a                      consumo enquanto um cultural. Para Merton, as
violência moral ou simbólica. A violência física é a ação               sociedades capitalistas elegem o consumo como o fim
em que um indivíduo ou grupo agride, fisicamente, outro                 cultural mais importante. Ou seja, o que caracteriza as
indivíduo ou outro grupo. É o tipo de violência                         sociedades capitalistas é a busca pela riqueza. Isso
geralmente realizada pelos criminosos.                                  cria um contexto de anomia, à medida que
        A violência moral ou simbólica é aquela em que
                                                                        proporciona um meio favorável a práticas desviantes e
a agressão ocorre no plano psicológico. É tão grave
                                                                        criminosas.
quanto a violência física e pode deixar marcas profundas
                                                                                De acordo com Merton, o crime violento é a
na vítima.
                                                                        conseqüência do fator estrutural pobreza. Nas
                                                                        sociedades capitalistas, existe uma hierarquia de
                                                                        classes sociais, de acordo com a qual os grupos
                   CRIME E ANOMIA3                                      subalternos não conseguem satisfazer seus desejos de
                                                                        consumo. Uma vez que não conseguem satisfazer seus
        Veja abaixo um trecho de A divisão do                           desejos de consumo, a reação dos grupos mais pobres
trabalho social, de É Durkheim, no qual ele apresenta                   da sociedade é praticar crimes violentos, criando uma
seu conceito de crime e sua relação com a idéia de                      situação de anomia, porquanto os laços de
anomia.                                                                 solidariedade entre os grupos se tornam fracos. A
                                                                        pobreza, de acordo com Merton, é um fator estrutural
               Podemos, pois, resumindo a análise que                   da criminalidade. Essa tese de Merton se tornou
               precede, dizer que um ato é criminoso quando             fundamental na construção dos estudos sobre a
               ofende os estados fortes e definidos da                  criminalidade violenta.
               consciência coletiva. [...]                                      De fato, a correlação entre indicadores sociais
               Em outros termos, não é preciso dizer que um             e prática de crimes violentos é alta. O problema da
               ato fere a consciência comum porque é                    criminalidade violenta, nesse sentido, é um problema
               criminoso, mas que é criminoso porque fere a             de classes sociais. O combate à criminalidade,
               consciência comum. Não o reprovamos                      portanto, não se faz com o uso da violência legítima,
               porque é um crime, mas é um crime porque o               mas por políticas de redistribuição de renda, por parte
               reprovamos. Quanto à natureza intrínseca
                                                                        do Estado. A redistribuição da renda, mediante
               destes sentimentos, é impossível especificá-
               la; eles têm os objetos mais diversos e não se           políticas públicas de Estado, tornaria possível a
               poderia dar uma forma única. [...]                       satisfação de desejos de consumo pelos mais pobres,
               Existe, aliás, uma maneira de controlar o                reduzindo as taxas de crimes violentos. Estudos
               resultado a que chegamos. O que caracteriza o            contemporâneos, entretanto, ressaltam que apenas a
               crime é que ele determina a pena. Portanto, se           redistribuição de renda não basta para a contenção da
               nossa definição do crime é exata, ela deve dar           escalada da criminalidade violenta.
               conta de todas as características da pena.                                                         Do ponto de
                                                                                                          vista comparativo,
        Outros estudiosos da criminalidade e da                                                           os     países    mais
violência ressaltam existirem fatores estruturais que                                                     industrializados    e
explicam o crime na sociedade. Um dos principais                                                          que melhor fazem a
fatores explicativos do crime violento é a pobreza.                                                       redistribuição     de
Crimes violentos estão altamente correlacionados à                                                        renda     apresentam
pobreza, que é um dos principais elementos                                                                indicadores e crimes
explicativos do crime nas sociedades contemporâneas.                                                      violentos        mais
        De acordo com Robert Merton, o crime é                                                            baixos,     enquanto
explicado por uma situação de anomia, segundo a qual                    países mais pobres e com grande desigualdade
existe, nas sociedades contemporâneas, uma distorção                    apresentam indicadores mais elevados. Estudos mais
entre os desejos de consumo e a possibilidade e                         contemporâneos da criminalidade e da violência
satisfazê-los, por parte dos grupos mais pobres. Isso                   apontam para os fatores institucionais e
não quer dizer que a criminalidade seja uma prática                     socializadores. Partem do conceito de anomia, de
exclusiva dos pobres. As classes mais altas da                          Durkheim e Merton, para apontar a reação aos
                                                                        elementos de relativa normalidade da vida social. A
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 Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A.        gradativa fraqueza de instituições como a família, a
GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São   escola, as prisões e o Direito explica certa escalada
Paulo: FTD, 2008.
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
dos crimes violentos. A fraqueza de instituições                        mais violentos, há igualmente o sentimento de que
fundamentais da vida social cria um contexto que                        os crimes não são punidos; ou, quando o são, não o
favorece o surgimento e comportamentos divergentes.                     são com o rigor que seria esperado diante da
A idéia de anomia, nesse sentido, é central na                          gravidade dos crimes que têm maior repercussão na
abordagem sociológica do crime e da violência.                          opinião pública. Mas há também um outro lado da
                                                                        questão. Se muitos crimes deixam de merecer
                                                                        sanções penais, quaisquer que sejam, isso não
                                                                        significa dizer que a Justiça penal é pouco rigorosa.
                                                                        As sanções alcançam preferencialmente grupos
                                                                        sociais singulares, como negros e migrantes,
                                                                        comparativamente às sanções aplicadas a cidadãos
                                                                        brancos, procedentes das classes média e alta da
                                                                        sociedade. A imagem flagrante do sistema de
                                                                        Justiça criminal é de um funil: largo na base – área
                                                                        na qual os crimes são oficialmente detectados – e
        CRISE NO SISTEMA DE JUSTIÇA                                     estreito no gargalo, região onde situam aqueles
                 CRIMINAL4                                              crimes cujos autores chegaram a ser processados e
                                                                        por fim acabaram sendo condenados. [...]
        Não são poucos os estudos que reconhecem                                A conseqüência mais grave desse processo
a incapacidade do sistema de Justiça criminal, no                       em cadeia é a descrença dos cidadãos nas
                                  Brasil – agências                     instituições promotoras de Justiça, em especial
                                             policiais,                 encarregadas de distribuir e aplicar sanções para os
                                  Ministério Público,                   autores de crime e de violência. [...] Aqueles que
                                  tribunais de Justiça                  dispõem de recursos apelam, cada vez mais, para o
                                  e            sistema                  mercado de segurança privada, um segmento que
                                  penitenciário – em                    vem crescendo há, pelo menos, duas décadas. Em
                                  conter o crime e a                    contrapartida, a grande maioria da população
                                             violência                  urbana depende de guardas privados sem
                                  respeitados       os                  profissionalização, apóia-se perversamente na
                                  marcos do Estado                      "proteção" oferecida por traficantes locais ou
democrático de Direito. O crime cresceu e mudou                         procura resolver suas pendências e conflitos por
qualidade; porém, o sistema de Justiça permaneceu                       conta própria. Tanto num como noutro caso, seus
operando como há três ou quatro décadas. Em                             resultados contribuem ainda mais para enfraquecer
outras palavras, aumentou sobremodo o fosso entre                       a busca de soluções por intermédio das leis e do
a evolução da criminalidade e da violência e a                          funcionamento do sistema de Justiça criminal.
capacidade do Estado de impor lei e ordem [...].
        A despeito dos investimentos em segurança
pública, ora crescentes ora decrescentes, sobretudo
em recursos materiais, são notórias as dificuldades e
desafios enfrentados pelo poder público em suas
tarefas constitucionais de deter o monopólio estatal
da violência [...]. Seus sintomas contemporâneos
radicam, por exemplo, na sucessão de rebeliões nas
prisões organizadas por dirigentes do crime
organizado, como o Comando Vermelho e Terceiro
Comando no Rio de Janeiro; e o Primeiro Comando
da Capital, em São Paulo [...].
        A face visível desta crise do sistema de
Justiça criminal é, sem dúvida, a impunidade penal.
Ao lado do sentimento coletivo, amplamente                                       ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES
difundido entre cidadãos comuns, de que os crimes
cresceram, e vêm crescendo e se tornando cada vez
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 Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A.
GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São
Paulo: FTD, 2008.
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
                                                                    vida social, porque não é possível dizer o que vem
                                                                    primeiro, se o normal ou o patológico. O crime é
                                                                    normal na vida social porque não é possível pensar
                                                                    a existência de regras se não houver sua
                                                                    transgressão. Do mesmo modo que não é possível
                                                                    dizer que haja uma transgressão se não houver
                                                                    uma norma que diga o que é normal.
                                                                    Como a Sociologia é a ciência que estuda as
                                                                    instituições sociais, segundo Durkheim, podemos
                                                                    pensar que ocorrem desvios nessas instituções.
                                                                    Como instituições, de acordo com o pensador
                                                                    francês, são artifícios humanos, trata-se dos
                                                                    desvios proporcionados pelos homens dentro das
                                                                    instituições. Vamos falar, essencialmente, dos
                                                                    desvios produzidos nas instituições do Estado,
                                                                    tendo em vista a política e a luta pelo poder. Mas
            DESVIOS INSTITUCIONAIS5                                 quais são os desvios institucionais do Estado?
O que define Estado é o conjunto de suas regras
jurídicas. O fundamental é que essas normas são
postas para controlar o exercício do poder no                       Quais são os desvios institucionais?
Estado Democrático de Direito, fazendo que                                                              Para pensar a
governantes, políticos e qualquer cidadão estejam                                               ideia      de    desvios
submetidos ao império da lei. Mas essa submissão                                                institucionais,        é
dos agentes políticos não significa que não seja                                                fundamental ter em vista
possível qualquer tipo de desvio. A noção de                                                    a noção de Direito: o
desvio implica a ideia de que um agente saiu de                                                 império da lei institui
um certo caminho traçado.                                                                       aquilo que é normal e
. A norma jurídica posta pelo Estado tem a                                                      define, por sua vez,
pretensão de ser algo semelhante a um rio, porque                                               aquilo que é patológico,
determina um fluxo da ação praticada por agentes                    ou seja, o desviante da normalidade. A
humanos. Essa é a noção que a ideia de desvio                       característica fundamental do Estado de Direito é o
produz. Mas precisamos pensar. Quando é                             fato de o império da lei não permitir qualquer tipo
possível falar que um desvio ocorreu? De acordo                     de privilégio ou uso indevido do poder. A lei está a
com essa analogia com o fluxo da água de um rio,                    serviço da sociedade para controlar o poder do
o desvio ocorre sempre que o fluxo de nossa ação                    Estado e não permitir seus desvios.
social sai de sua normalidade. E onde essa                          Como a lei tem a pretensão de dar uma direção à
normalidade da ação está posta? O que diz o que                     nossa ação, os desvios institucionais apenas
é normal e patológico? O normal está instituído no                  podem ocorrer em função dela. E como o império
Direito, o qual diz o que é proibido e o que é                      da lei, de acordo com Max Weber, na
permitido. Não por acaso a palavra normal tem a                     modernidade, vem para controlar o poder e acabar
raiz etimológica da palavra norma. A norma institui                 com os privilégios, os desvios institu¬cionais
aquilo que é normal. Só podemos pensar o desvio                     devem ser pensados a partir do Direito e da razão
se houver uma norma que institui o que é normal,                    de Estado, e não dos interesses pessoais. Do
porque o desvio é, por definição, uma patologia.                    ponto de vista dos elementos centrais para pensar
Essa distinção entre o normal e o patológico foi                    os desvios institucionais, é fundamental ter a
criada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em                    noção de que esses desvios são oriundos da luta
seu livro As regras do método sociológico. A                        pelo poder e dos privilégios de certos grupos
diferença entre o normal e o patológico para                        sociais. Poder e prestígio são os fatores centrais
Durkheim é sublime e precisa de bastante reflexão,                  para a existência dos desvios institucionais. Eles
pois ela nos ajuda a entender o que dá coesão aos                   são derivados do abuso do poder, seja político seja
sistemas sociais.                                                   econômico, e dos privilégios de certos grupos
        A noção de desvio é devida ao pensamento                    sociais na sociedade. Entre os principais desvios
de Durkheim, para o qual só é possível pensar em                    institucionais estão o clientelismo, o nepotismo, a
um comportamento desviante se houver uma                            patronagem e a corrupção. São modulações dos
normalidade instituída. Por isso, Durkheim afirmou                  desvios institucionais que estão relacionadas ao
que o crime como um tipo de desvio, é normal na                     abuso do poder por certos agentes políticos ou aos
                                                                    privilégios que certos grupos sociais têm no
5                                                                   exercício de seu poder. Na modernidade, a
  Texto organizado a partir da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES,
M. M. A. GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil   separação entre o público e o privado é o elemento
cidadão. São Paulo: FTD, 2008.
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
central de constituição do Direito do Estado. O        fun¬damentalmente, em razão do dinheiro e do
anormal, portanto, o que representa o desvio, é        poder.
tudo aquilo que faz que o mundo privado não se         O papel do cidadão - É possível controlar os
diferencie do mundo público. Todos os desvios          desvios institucionais? De acordo com a noção de
institucionais   estão    relacionados       a  essa   Émile Durkheim, os desvios institucionais são
diferenciação entre o público e o privado.             normais na vida social. Clientelismo, nepotismo,
O clientelismo é uma das práticas mais antigas da      patronagem e corrupção são triviais. Mas isso não
política. Pressupõe uma relação interativa entre o     quer dizer que sejam benéficos. Ao contrário. Os
cliente e o patrão. Fundamental¬mente, o               desvios institucionais produzem ineficiência do
clientelismo é uma forma de vincular os homens         Estado e, por conseguinte, má alocação dos
livres a seus patronos, caracterizada pela troca de    recursos                                  públicos.
favores e de presentes, tendo em vista o apoio         Os desvios institucionais são normais, porque se
político. A relação entre patronos e clientes          assim não fosse não haveria razão para proibi-los.
sustenta-se, por conseguinte, em um sistema de         Ou seja, se não existisse corrupção em uma
trocas que, enquanto prática, tolera certa             sociedade, para que proibi-la? Os desvios
prevaricação do patrono em relação à res publicae      institucionais são normais na vida social e devem
(coisa pública). Ou seja, o sistema de trocas do       ser controlados. O primeiro elemento central é
clientelismo permite uma tolerância sobre o fato de    controlar o poder do Estado e proibir a existência
o chefe político elevar seu mundo privado sobre o      de qualquer forma de privilégio ou abuso de poder.
mundo público.                                         A maneira para se proibir esses desvios e permitir
O nepotismo, do mesmo modo que o clientelismo,         seu controle é criar um império da lei que seja
é um tipo de prática antiga, datada do domínio dos     igualmente respeitado por todos. E falar no império
papas sobre o império roma¬no. A palavra               da lei é pensar, fundamentalmente, a existência da
nepotismo vem do latim nepos, que quer dizer           democracia. É essencial para o controle dos
sobrinho. O nepotismo se referia ao poder dos          desvios institucionais a existência de mecanismos
sobrinhos do papa em Roma. Na acepção                  democráticos presentes no império da lei. O
moderna, o nepotismo se refere a qualquer pessoa       Estado deve adotar princípios fundamentais, como
que exerça um poder ou tenha certo privilégio          o princípio da publicidade, da moralidade e do
porquanto tenha um parente em uma posição de           dever de ofício de funcionários públicos e agentes
comando. O nepotismo institui certos privilégios na    privados.
administração do Estado e ineficiência da ordem
burocrática. O nepotismo permite a apropriação de               ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES
cargos     públicos    em     virtude     de   laços
exclusivamente      pessoais,     relacionados    ao
parentesco.
A patronagem é um sistema entre patrão e
clientes, mas que ocorre exclusivamente no plano
das instituições. A patronagem está relacionada
aos sistemas partidários e ao modo como
governantes exercem cooptação sobre os partidos.
O governante dá aos partidos políticos recursos e
poder em troca de apoio nas arenas legislativas.
Com isso, os partidos apadrinhados pelo sistema
de patronagem podem participar dos despojos, ou
seja, da distribuição dos cargos pú¬blicos para
atender aos interesses privados de políticos e
burocratas.
A corrupção, por outro lado, ocorre quando um
funcionário públi¬co recebe vantagens em troca do
não cumprimento de um dever oficial, seja para
atender ao interesse privado de outro funcionário
                                    público,    seja
                                    para atender ao
                                    interesse de um
                                    agente privado.
                                    A corrupção se
                                                 dá,
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
                                                                                 Crescimento, custarão R$ 32 milhões.
                                                                                         [...]
                                                                                         O presidente da Federação das Favelas, Rossino
                                                                                 de Castro, afirmou ser contra a medida. Disse que líderes
                                                                                 comunitários sentem medo de resistir ao projeto e que,
                                                                                 com isso, suas comunidades sejam excluídas de projetos
                                                                                 sociais do governo.
                                                                                 Para Marcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento
                                                                                 da SOS Mata Atlântica, um muro não é a melhor forma
                                                                                 de evitar o avanço de construções irregulares sobre a
                                                                                 mata. Para ela, a comunidade deve se envolver na
                                                                                 proteção das áreas verdes.
                                                                                 O sociólogo Ignácio Cano diz suspeitar que "há um
                                                                                 elemento de segurança pública no muro", escondido pelo
                                                                                 governo para não aumentar a polêmica.
   RIO FARÁ MURO EM 11 FAVELAS DE ÁREA
                 NOBRE6                                                                  Outro lado
                                                                                         Presidente da Emop (empresa pública estadual,
                                              Ao custo                           responsável pelas obras nas favelas), Ícaro Moreno
                                      de R$ 40 milhões,                          minimizou as críticas à construção dos muros. "O
                                      o governo do Rio                           Saramago deu sua opinião e eu também posso dar a
                                      vai       construir                        minha sobre o trabalho dele. Não vejo polêmica. Há uma
                                      muros no entorno                           aversão a muros, mas muros existem em casas,
                                      de 11 favelas. O                           condomínios e linhas ferroviárias."
                                      objetivo, segundo                                  Ele diz que, apesar da estabilidade da ocupação
                                      o Estado, é conter                         de algumas favelas, é preciso evitar que os moradores
                                      a expansão das                             ergam construções em áreas de risco. "A sociedade da
                                                moradias                                                           zona     sul    e    das
                                      irregulares     em                                                           comunidades apoia. O
                                      áreas            de                                                          desmatamento é ruim
vegetação. Todas as áreas escolhidas, no entanto,                                                                  para todos."
cresceram abaixo da média em comparação às demais                                                                          [...]
comunidades. O projeto, inicialmente, será implantado                                                                      O      secretário
apenas na zona sul, área nobre da cidade.                                                                          municipal              de
        Segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), órgão                                                            Urbanismo do Rio,
municipal, a área ocupada por favelas na capital subiu                                                             Sérgio Rabaça Moreira
6,88% de 1999 para 2008. As favelas escolhidas para o                            Dias, nega que a implantação de muros em favelas da
projeto cresceram, somadas, 1,18% no período. No                                 zona sul seja uma forma apenas de isolar a pobreza.
morro Dona Marta, onde o projeto está em andamento,                              Segundo        ele,     o     foco      é       ambiental.
houve redução do terreno ocupado de 0,99%. O                                     "As barreiras estão orientadas pelas áreas de maior
levantamento é feito a partir de fotos aéreas e não faz                          concentração [demográfica] e pela localização das áreas
contagem da população.                                                           de risco e de preservação ambiental."
        A iniciativa do governador Sérgio Cabral                                         [...]
(PMDB) recebeu críticas do escritor português José                                       Procurados pela reportagem, o governador
Saramago e do coordenador do Instituto Brasileiro de                             Sérgio Cabral Filho e o vice-governador Luiz Fernando
Análises Sociais e Econômicas, Itamar Silva [...].                               Pezão não quiseram comentar o assunto.
        O Estado afirma que o objetivo da medida é
conter a expansão das favelas. Serão mais de 11 mil
metros de muros de três metros de altura, ao custo
previsto de R$ 40 milhões. As construções de uma
creche, um hospital e dois centros de integração e
cidadania na Rocinha (com restaurante e usina de
reciclagem), por meio do Programa de Aceleração do


6
  Texto organizado pelo professor, a partir da obra de: Folha de S.Paulo, por:
ITALO NOGUEIRA, ANDRÉ ZAHAR. 02/4/2009. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u544553.shtml
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
                                                                fortíssima,  conforme    todas    as    pesquisas
                                                                comprovam. Se o Brasil é injusto no plano social, é
                                                                ainda mais no racial.

                                                                        Nas universidades, por exemplo, há apenas
                                                                2% de negros estudantes e apenas 1% de negros
                                                                docentes, embora eles constituam 45% da
                                                                população brasileira. É por essa razão que há
                                                                alguns anos surgiu o movimento no sentido de
                                                                implantar no Brasil iniciativas de ação afirmativa.
                      OS MITOS RACIAIS7                         Quando o movimento começou, os nacionalistas
                                                                de ocasião disseram que isso era invenção
        DOIS MANIFESTOS dividiram a sociedade
                                                                americana; alguns hesitaram em lembrar o triste
brasileira: um contra a definição de cotas para
negros e índios nas universidades e a reserva de                argumento do branqueamento gradual; outros
vagas para minorias no serviço público; outro, a                apontaram as dificuldades em distinguir as raças
favor. Nos dois manifestos, impressionam a falta                no Brasil; a maioria dos contrários argumentou que
de argumentos e a ausência de propostas                         a definição legal de raças só agravaria a situação.
alternativas dos adversários das duas políticas de
ação afirmativa, a não ser a reafirmação da                             Por quê? Porque tornaria as diferenças
universalidade dos direitos -da igualdade de todos              raciais, que no Brasil são muitas vezes imprecisas,
perante a lei.                                                  claras e, por essa razão, poria em cheque a "paz
        Esse é um princípio fundamental da nossa
                                                                racial" ou a "harmonia natural" que regeriam as
Constituição, mas, sendo ela um documento do
                                                                relações de raça no país. Vemos, assim, que há
século 20, não é um princípio vazio de conteúdo
                                                                outras versões do mito da democracia racial:
social. No século 18, a igualdade de todos perante
                                                                versões que colocam a ordem, transmutada em
a lei representava um grande avanço político
                                                                paz e em harmonia, no centro da questão. O
quando a burguesia liberal lutava contra o Estado
                                                                conservadorismo de nossa sociedade reaparece
absoluto: era a luta de uma classe média em
                                                                assim com toda a força. Além dos argumentos
ascensão contra uma aristocracia montada em
                                                                liberais da igualdade perante a lei, também os
cima de privilégios legais. Depois disso, porém, o
                                                                argumentos da defesa da ordem ressurgem no
mundo avançou politicamente. Percebeu-se que
                                                                debate. A paz social é necessária, mas não é
não bastava a igualdade perante a lei, era preciso
                                                                perpetuando a injustiça que ela será alcançada.
também a igualdade de oportunidades entre as
classes sociais e entre as raças.                                       Não basta que se almeje "um Brasil no qual
                                                                ninguém seja discriminado", como diz o manifesto
        No Brasil, preocupamo-nos apenas com a
                                                                contra. É preciso ter a coragem que 30
igualdade     social.   Alguns     avanços     foram
                                                                universidades brasileiras já tiveram e começar a
alcançados nesse campo, embora o país continue
                                                                adotar ações afirmativas contra a discriminação.
um dos mais desiguais do mundo. No plano racial,
                                                                As ações afirmativas que estão sendo propostas
porém, fomos incrivelmente displicentes. Apoiados
                                                                não são apenas justas: são razoáveis. Elas não
no fato de que somos um país mestiço -e, de fato,
                                                                ameaçam a ordem, apenas fazem avançar
somos-, supusemos que tínhamos aqui uma
                                                                modestamente a justiça. Têm razão os
democracia racial -ou quase. Não a temos -nem
                                                                subscritores do manifesto a favor quando afirmam
quase. Caetano Veloso estava certo quando
                                                                que o documento contra "parece uma reedição, no
concordou que a democracia racial no Brasil era
                                                                século 21, do imobilismo subjacente à Constituição
um mito e acrescentou: "Mas um belo mito". De
                                                                da República de 1891: zerou, num toque de
fato, é um belo mito, no sentido de nos fazer
                                                                mágica, as desigualdades causadas por séculos
orgulhosos de nossa mestiçagem e de nos levar a
                                                                de exclusão e racismo e jogou para um futuro
rejeitar toda discriminação racial. Mas a rejeição é
                                                                incerto o dia em que negros e índios poderão ter
teórica. Na prática, a discriminação no Brasil é
                                                                acesso eqüitativo à educação, às riquezas, aos
                                                                bens e aos serviços acumulados pelo Estado
7
    Luiz Carlos Bresser-Pereira, Folha de S.Paulo, 17.7.2006.
                                                                brasileiro".
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
                                                                                   Quando        os        primeiros     jesuítas     aqui
                                                                            chegaram, o processo de cristianização dos índios
                                                                            por eles empreendido facilitou a política de
                                                                            dominação da metrópole. Mesmo que possamos
                                                                            considerar não ter sido esta a intenção dos missio-
                                                                            nários, imbuídos de ardor religioso, eles foram
                                                                            vítimas de avaliações etnocêntricas, pois estavam
                                                                            convencidos da superioridade da sua cultura e
                                                      8
                                   O RACISMO                                religião. Ao "docilizarem" os índios, adequando-os
                                                                            a padrões estranhos, deram início à desintegração
             A origem da discriminação, seja ela de raça
                                                                            da cultura indígena.
ou de sexo, geralmente é conseqüência da
desigualdade social. Desde a Antigüidade grega,                                    Os colonizadores, usando a violência física,
em toda a história do mundo ocidental o poder é                             dizimaram as tribos indígenas e escravizaram os
branco, masculino e adulto.                                                 que puderam. Apesar disso, geralmente são
                                                                            enaltecidos nos relatos da história oficial como va-
             No Brasil, a longa tradição histórica de
                                                                            lentes desbravadores do sertão e conquistadores
rígidas hierarquias sociais se expressa por meio de
                                                                            que "levaram o progresso" às terras "bárbaras".
formas políticas de dominação. No entanto, ao
contrário dos EUA ou da África do Sul, locais onde                                 Em pleno século XX, apesar da con-
o racismo é explícito, os brasileiros camuflam o                            tribuição da antropologia e etnologia, continua a
preconceito por meio do "mito da democracia                                 violência contra os índios, expulsos dos seus
racial". Isso, em última análise, até prejudica o                           territórios ou aculturados de maneira inadequada
equaciona-mento do problema e a luta organizada                             por motivos os mais diversos: construção de
das vítimas do preconceito.                                                 estradas, instalação de fazendas, garimpo etc.

             O índio                                                                                        O negro

             Para analisar o problema do racismo no                                Da    mesma         forma       que    o   índio    foi
Brasil desde o seu início, precisamos lembrar que                           inferiorizado, a origem do preconceito contra o
a colonização das Américas partiu da necessidade                            negro se acha na tradição da escravidão. Não
de expansão comercial da burguesia enriquecida                              importa se para cá vieram, entre os negros
pela          Revolução            Comercial.             As     colônias   africanos,   alguns       de    seus    valorosos       chefes
significavam, portanto, não só maior possibilidade                          guerreiros. Tornados escravos, a inferiorização se
de consumo, como também a condição de                                       tornou inevitável.
fornecimento de produtos tropicais e metais
                                                                                   E, talvez para conciliar o absurdo da
preciosos            indispensáveis           para        a    expansão
                                                                            dominação com a tradição cristã, os senhores
capitalista.
                                                                            acalmaram a consciência com a convicção de que
                                                                            o negro era semi-animal, bruto e rebelde, exigindo
8
    Texto extraídos da obra: Temas de filosofia / Maria Lúcia de Arruda

Aranha, Maria Helena Pires Martins — São Paulo : Moderna, 1992.
                                                                            pulso forte por parte do dominador. Por resistir ao
                                                                            trabalho escravo, o negro passa a ser avaliado por
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
meio de estereótipos: é indolente, malandro,
cachaceiro. Ou seja, a situação subumana a que
são lançados os escravos é compreendida a partir
de uma inversão típica da ideologia: em vez de
considerar a inferiorização do negro como con-
seqüência    da   dominação,    a   dominação     é
justificada porque o negro é considerado um ser
inferior. O próprio negro interioriza a concepção do
branco, o que dificulta a afirmação de sua identi-
dade e o assumir da consciência étnica. Daí os
desvios de comportamento dos negros que, ao
desejarem se integrar no mundo dos brancos,
representam papéis reforçadores da exclusão,
agindo de acordo com padrões "brancos". É nessa
linha que ouvimos falar em "negros de alma
branca" e na valorização do "negro humilde" em
contraposição ao "negro pernóstico" que "não
reconhece seu lugar".

       ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES
Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
                                                                       compreender       a      existência      humana.      Os
                                                                       estereótipos da feminilidade geralmente resultam
                                                                       da atitude preconceituosa com relação à mulher e
                                                                       contribuem para sua discriminação. Em outras
                                                                       palavras, o estereótipo da feminilidade acentua a
                                                                       situação de dependência e infantiliza a mulher,
                                                                       vista como ser relativamente incapaz. Na história
                                                                       de todas as culturas, ela se acha confinada ao lar,
                            O MACHISMO9
                                                                       subordinada ao pai e depois ao marido, ocupando-

         Dissemos no item anterior que o poder é                       se de tarefas domésticas tais como gerar e educar

branco, masculino e adulto. Portanto, uma das                          os filhos, cuidar da alimentação e manutenção da

características       da     nossa      civilização       é     ser    casa,     sem   nunca    se    afastar   dos    domínios

androcêntrica,       ou     seja,     centrada       na       figura   domésticos.

masculina. Os direitos, deveres, aspirações e
                                                                               Talvez esse esboço da situação feminina
sentimentos das mulheres se acham há tempos
                                                                       pareça estar bastante superado nos grandes
(calculam-se seis milênios!) subordinados aos
                                                                       centros    urbanos,     onde   a   mulher      conquistou
interesses do patriarcado, isto é, ao sistema de
                                                                       espaços nos mais diversos campos de trabalho e
relações sociais que garante a dependência da
                                                                       vem garantindo sua autonomia.
mulher em relação ao homem.
                                                                               Mesmo assim, o processo de emancipação
         Geralmente as formas de dominação se
                                                                       não atingiu muitas regiões do globo, não penetrou
impõem pela "naturalização", que consiste em
                                                                       no campo. E, mesmo onde a liberação parece
considerar naturais certas características que na
                                                                       consolidada, persistem formas sutis de dominação.
verdade foram construídas a partir das relações
                                                                       Por exemplo, a mulher que trabalha fora arca com
sociais. Nasce o "mito da feminilidade", segundo o
                                                                       a dupla jornada de trabalho, uma vez que as
qual a "natureza feminina" teria certas virtudes e
                                                                       tarefas domésticas são consideradas "natural-
defeitos próprios da mulher: por um lado ela seria
                                                                       mente" incumbência feminina. A própria mulher
sensível, amorosa, altruísta, maternal, intuitiva, e
                                                                       assume esse papel, apesar do risco de não
por outro lado seria frágil, dependente, sem
                                                                       conseguir se profissionalizar sem sentimento de
iniciativa, instável, deixando-se levar pela emoção,
                                                                       culpa, nem se ocupar adequadamente com os ser-
ao mesmo tempo que também pode ser con-
                                                                       viços da casa.
siderada volúvel, dissimulada e perigosa...
                                                                               Além disso, sabemos que as mulheres são
         Mas todas as vezes que procuramos definir
                                                                       discriminadas      profissionalmente,          recebendo
o "ser-em-si", tal como a "natureza do homem", a
                                                                       remuneração abaixo dos homens para serviços
"natureza da mulher", a "natureza da criança", cor-
                                                                       idênticos, sendo preteridas em cargos de chefia e
remos o risco de forjar estereótipos, formas
                                                                       constantemente excluídas da vida política.
simplificadas,       redutoras      e    empobrecidas            de
                                                                               Quando     a     duras     penas    conseguem
9
 Texto extraídos da obra: Temas de filosofia / Maria Lúcia de          conquistar cargos públicos, com freqüência ocorre
Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins — São Paulo : Moderna,
1992.                                                                  a confusão entre o público e o privado, ou seja, as
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pessoas não conseguem separar a figura pública
da deputada, senadora ou ministra da figura de
mãe, mulher ou amante. Os mexericos que
envolvem a conduta sexual da mulher adquirem tal
dimensão que chegam a comprometer os critérios
de avaliação do seu desempenho profissional.

       Podemos     dizer   que   o   processo    de
emancipação feminina é a grande e principal
revolução   do   século    XX,   e   a   que    mais
fundamentalmente vem subvertendo a ordem do
mundo. Reconhecer que a mulher é um ser
humano integral e que, apesar de diferente do ho-
mem, pode conviver com ele muito além da
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uma humanidade mais justa (e, por que não, mais
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Apostila de Sociologia do Trabalho e Sindicalismo no Brasil

  • 1. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida APOSTILA DE SOCIOLOGIA – M3 Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida .
  • 2. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida tarifas nos serviços públicos, dos reajustes monetários e a redução da demanda, no entanto, os níveis de produtividade não se alteraram. Com a repressão aos sindicatos, os trabalhadores perderam sua representatividade, e com a quase proibição das greves, houve a perda da capacidade operaria de barganha, somado a isso, se tem a maior inserção da mão de obra feminina e infantil, que ampliou a disputa por empregos deixando os trabalhadores ainda mais temerosos do desemprego, por conta disso em 1968, 59,2% dos trabalhadores citadinos realizavam entre 40 e 49 horas de trabalho semanais. Assim sendo, a custa do empobrecimento da população se transferiu renda dos trabalhadores para a classe média, permitindo uma aceleração no processo de acumulação de capital, que se ancorou nos setores de bens de capital, de responsabilidade do estado, bens duráveis, de TRABALHO E SINDICALISMO responsabilidade das multinacionais e bens de consumo, O novo regime de responsabilidade do capital nacional. político que se Segundo SINGER (1982), o milagre iniciado em instala no Brasil a 1968 se deve a uma simples “abertura de torneira”, ou partir de 1964, seja, após quatro anos de acumulação de capital, o encontra um governo reduziu as taxas de juros, facilitou o credito e ambiente de criou subsídios para estimular as multinacionais. A disputas político- classe média que vinha com o seu consumo controlado, econômicas e passava a euforia impulsionada pelo credito e aumento reivindicações sociais. No plano econômico, a dos salários da mão de obra especializada. Edgar de indústria automobilística havia influenciado as Barros (1992), chama a atenção para o Plano de Ação relações comerciais no Brasil mesmo antes da sua Econômico do Governo (PAEG), que tratou de aplicar o plena instalação no país, criando diversas liberalismo econômico, e tendo como resultado a ramificações econômicas e originando novas elites concentração do capital, a diminuição da inflação e o ligadas ao ramo metal-mecânico, que se fortaleciam fechamento de empresas que não possuíam na medida em que a nação se industrializava. A produtividade suficiente para manter os menores preços. instalação do parque automotivo durante o governo Em fins da década de 70, as relações industriais de Juscelino Kubitschek proporcionou ao governo começam a se transformar, os trabalhadores passam a aliviar tanto as pressões populares por empregos, desenvolver técnicas alternativas de greve, já que o ato como as pressões do empresariado nacional ligado ao ainda era proibido por lei, e com base na lei de ramo metal-mecânico, que recebia agora um novo segurança nacional, as greves eram sufocadas com impulso motivado pela demanda na construção de violência física e demissão por justa causa. Desta forma, automóveis e pela obrigatoriedade de nacionalização tornava-se necessário um novo método de greves. das peças. No entanto, em meados de 1962 a Segundo SILVA (1991), na primeira greve em conjunto indústria automobilística entra em crise, pois a nas empresas automobilísticas e em indústrias de capacidade produtiva havia crescido mais do que a autopeças, os trabalhadores simplesmente pararam ao capacidade do mercado. lado de suas máquinas e permaneceram em silêncio. Cabe aqui salientar as ações econômicas do novo Sem saber quem eram os lideres, o patronato chamou o governo, onde, segundo Gros (1987), após a sindicato dos trabalhadores a cada uma das fábricas para concretização do golpe a política econômica adotada negociar, em nome dos trabalhadores, sendo que na Ford durante o regime se apoiou no seguinte tripé: capital a greve persistiu por um privado nacional, capital privado internacional e capital tempo maior, cinco dias. estatal. Entre outras medidas adotadas para sanar a Por conta disto, a economia nacional, reduzir a inflação e retomar o FIESP passou a crescimento destaca-se: a proibição dos aumentos de recomendar que seus salários, perda da autonomia dos sindicatos, membros adotassem aperfeiçoamento do aparelho arrecadador e do sistema estratégias contras as tributário. O resultado imediato destas medidas foi um greves, indicando as aumento de mais de 80% no custo de vida em 1964. seguintes táticas: Desta forma os governos militares puderam a) Não pagar, em nenhuma hipótese, horas paradas manter a inflação controlada, a custo do arrocho salarial e não estabelecer quaisquer acordos de da mão de obra menos qualificada, do aumento das indenização, pois não existindo no Brasil fundo
  • 3. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida de greve, esse será um excelente recurso para as empresas. b) Tentar de todas as formas, colocar os grevistas na via pública[...] [para] envolver o poder público [...] [e] exercer uma pressão psicológica sobre o Sindicato do Empregados [...]. c) Suspender por um ou dois dias (disciplinarmente) aqueles que entrarem na Fábrica, sob condição de trabalharem e não cumprirem o prometido. Em última instância, dispensar um certo número de pessoas por justa causa, após [...] pedir aos trabalhadores que executem uma certa tarefa. (A negativa caracterizará um ato de insubordinação) 1. As reivindicações por salários e melhores condições de trabalho se seguiam até 1982. Com o agravamento da crise econômica, as empresas passaram a realizar demissões em massa, enfraquecendo o poder de reação dos sindicatos. Aproveitando-se desta realidade, as empresas passaram a demitir, prioritariamente, os operários envolvidos no sindicalismo, pois podiam alegar que as demissões se davam por conta da recessão econômica em que o País se encontrava. Assim, essas medidas intimidavam e disciplinavam os trabalhadores. ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES 1 RAINHO, 1983, p. 213. Aphud: SILVA, 1991, p. 249-250.
  • 4. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida do evolucionismo, dominante na Biologia. Para Lombroso, o crime tem suas causas relacionadas às condições biológicas do delinqüente. Ou seja, algumas pessoas teriam predisposições genéticas e, portanto, naturais a praticar o crime, o que em essência, a idéia, defendida por Lombroso, de atavismo. Para Lombroso, para combater o crime seria fundamental a eugenia. Essa perspectiva foi abandonada na criminologia contemporânea, que absorveu o método sociológico para fazer o estudo científico do crime. De acordo com Émile Durkheim, em contraposição a essa versão da criminologia, nenhuma sociedade está livre do crime, o crime é um problema do delinqüente. Como uma sociedade é feita de um conjunto de instituições que pressupõem a existência de regras para a convivência coletiva, o crime é normal, é um padrão social. A O QUE SÃO CRIME E CRIMINALIDADE2 normalidade do crime não significa que ele seja bom, Como nos mas apenas que ele é um fato social ligado às condições lembra o sociólogo fundamentais de qualquer vida em coletividade. Nesse Anthony Giddens, desvio sentido, o crime pode representar, por exemplo, a e crime não são degeneração dos laços de solidariedade entre indivíduos sinônimos, embora e grupos. muitas vezes se Mas, segundo Durkheim, o crime pode também sobreponham. O conceito assumir uma degenerativa da vida social, quando ele se de desvio caracteriza configura em uma situação de anomia, ou seja, uma qualquer comportamento situação na qual a ausência de normas ameaça a coesão que viole uma norma social. Em outras palavras, a anomia é condição de não- social, por isso, é um conceito muito mais abrangente do socialização, segundo a qual as instituições da sociedade que o conceito de crime, que se refere apenas à conduta são fracas para socializar o indivíduo, isto é, trazer o inconformista que viola uma lei. Assim, o crime tem indivíduo ao convívio da sociedade. uma natureza especial. Diferentemente do desvio, o Émile Durkheim inaugurou uma virada na crime precisa das sanções do Direito para que possa se criminologia, inovando no estudo científico do crime. solidar como conceito. O desvio, porém, refere-se ao Essa inovação está no fato de a Sociologia adotar a poder social no plano da cultura e de normas premissa de que a prática do crime ocorre de acordo com relacionadas a costumes. Por isso, nem todo desvio é o meio em que ele é praticado. Ou seja, da perspectiva sancionado por lei, enquanto todos os crimes o são. de Émile Durkheim, as causas do crime devem ser Conceitualmente, crime é qualquer tipo de ação procuradas na sociedade e não no delinqüente. que suscita uma reação organizada por parte da A violência: Alguns crimes são praticados com sociedade. Ou seja, crime é tudo a que a sociedade a violência. Violência é toda ação praticada por um condena como imoral, porquanto lhe dirige uma ofensa indivíduo ou por um grupo contra outro indivíduo ou ou que tenha conseqüências negativas para a vida social. outros grupos que implique constrangimentos físicos e A idéia de crime remete à idéia de criminalidade, a qual morais. Normalmente, a violência é praticada com o uso significa o conjunto dos crimes praticados em uma da força, significando um estado de coação que leva a sociedade, tais conjuntos, estão definidos no Direito vítima a fazer ou deixar de fazer aquilo que o agressor Penal, que faz corresponder a cada um deles uma lhe pede. penalidade que a sociedade considere condizente à A violência pode ser legítima ou não-legítima. É ofensa praticada. Os tipos e as práticas de crimes podem legítima quando sua prática está balizada em uma regra ser variados. Pode-se falar de crimes contra o patrimônio da sociedade como o Direito. Exemplo de violência público, como a corrupção, a concussão ou a legítima é aquela pratica pelo policial, que está prevaricação, bem como pode-se falar dos crimes contra autorizado a agir violentamente, dentro dos limites o patrimônio privado, como o roubo, o latrocínio, a estabelecidos pelo Direito, para proteger vítimas de atos extorsão etc. criminosos. Da mesma maneira, a violência é legítima O estudo científico do crime começou em 1876, em uma situação de defesa da vida. com a obra O delinqüente, de Cesare Lombroso. A A violência não é legítima quando é seguida da crimonologia, em seu início, baseava-se nas premissas prática de crime. Ou seja, como vimos anteriormente, 2 violência não-legítima seguida de uma ação Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A. GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São correspondente a uma ofensa à sociedade. Um Paulo: FTD, 2008. assassinato é um tipo de violência não-legítima, porque corresponde a um crime. Da mesma maneira, a extorsão
  • 5. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida é um tipo é violência não-legítima, porque representa um sociedade também praticam crimes, como os crimes tipo de ameaça contra alguma pessoa em troca de uma do “colarinho branco”, especialmente a corrupção. informação ou vantagem. Entretanto, a situação de anomia da criminalidade nas Além dessas duas modalidades de violência, sociedades contemporâneas relaciona-se ao poder de pode-se pensar duas outras: a violência física e a consumo enquanto um cultural. Para Merton, as violência moral ou simbólica. A violência física é a ação sociedades capitalistas elegem o consumo como o fim em que um indivíduo ou grupo agride, fisicamente, outro cultural mais importante. Ou seja, o que caracteriza as indivíduo ou outro grupo. É o tipo de violência sociedades capitalistas é a busca pela riqueza. Isso geralmente realizada pelos criminosos. cria um contexto de anomia, à medida que A violência moral ou simbólica é aquela em que proporciona um meio favorável a práticas desviantes e a agressão ocorre no plano psicológico. É tão grave criminosas. quanto a violência física e pode deixar marcas profundas De acordo com Merton, o crime violento é a na vítima. conseqüência do fator estrutural pobreza. Nas sociedades capitalistas, existe uma hierarquia de classes sociais, de acordo com a qual os grupos CRIME E ANOMIA3 subalternos não conseguem satisfazer seus desejos de consumo. Uma vez que não conseguem satisfazer seus Veja abaixo um trecho de A divisão do desejos de consumo, a reação dos grupos mais pobres trabalho social, de É Durkheim, no qual ele apresenta da sociedade é praticar crimes violentos, criando uma seu conceito de crime e sua relação com a idéia de situação de anomia, porquanto os laços de anomia. solidariedade entre os grupos se tornam fracos. A pobreza, de acordo com Merton, é um fator estrutural Podemos, pois, resumindo a análise que da criminalidade. Essa tese de Merton se tornou precede, dizer que um ato é criminoso quando fundamental na construção dos estudos sobre a ofende os estados fortes e definidos da criminalidade violenta. consciência coletiva. [...] De fato, a correlação entre indicadores sociais Em outros termos, não é preciso dizer que um e prática de crimes violentos é alta. O problema da ato fere a consciência comum porque é criminalidade violenta, nesse sentido, é um problema criminoso, mas que é criminoso porque fere a de classes sociais. O combate à criminalidade, consciência comum. Não o reprovamos portanto, não se faz com o uso da violência legítima, porque é um crime, mas é um crime porque o mas por políticas de redistribuição de renda, por parte reprovamos. Quanto à natureza intrínseca do Estado. A redistribuição da renda, mediante destes sentimentos, é impossível especificá- la; eles têm os objetos mais diversos e não se políticas públicas de Estado, tornaria possível a poderia dar uma forma única. [...] satisfação de desejos de consumo pelos mais pobres, Existe, aliás, uma maneira de controlar o reduzindo as taxas de crimes violentos. Estudos resultado a que chegamos. O que caracteriza o contemporâneos, entretanto, ressaltam que apenas a crime é que ele determina a pena. Portanto, se redistribuição de renda não basta para a contenção da nossa definição do crime é exata, ela deve dar escalada da criminalidade violenta. conta de todas as características da pena. Do ponto de vista comparativo, Outros estudiosos da criminalidade e da os países mais violência ressaltam existirem fatores estruturais que industrializados e explicam o crime na sociedade. Um dos principais que melhor fazem a fatores explicativos do crime violento é a pobreza. redistribuição de Crimes violentos estão altamente correlacionados à renda apresentam pobreza, que é um dos principais elementos indicadores e crimes explicativos do crime nas sociedades contemporâneas. violentos mais De acordo com Robert Merton, o crime é baixos, enquanto explicado por uma situação de anomia, segundo a qual países mais pobres e com grande desigualdade existe, nas sociedades contemporâneas, uma distorção apresentam indicadores mais elevados. Estudos mais entre os desejos de consumo e a possibilidade e contemporâneos da criminalidade e da violência satisfazê-los, por parte dos grupos mais pobres. Isso apontam para os fatores institucionais e não quer dizer que a criminalidade seja uma prática socializadores. Partem do conceito de anomia, de exclusiva dos pobres. As classes mais altas da Durkheim e Merton, para apontar a reação aos elementos de relativa normalidade da vida social. A 3 Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A. gradativa fraqueza de instituições como a família, a GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São escola, as prisões e o Direito explica certa escalada Paulo: FTD, 2008.
  • 6. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida dos crimes violentos. A fraqueza de instituições mais violentos, há igualmente o sentimento de que fundamentais da vida social cria um contexto que os crimes não são punidos; ou, quando o são, não o favorece o surgimento e comportamentos divergentes. são com o rigor que seria esperado diante da A idéia de anomia, nesse sentido, é central na gravidade dos crimes que têm maior repercussão na abordagem sociológica do crime e da violência. opinião pública. Mas há também um outro lado da questão. Se muitos crimes deixam de merecer sanções penais, quaisquer que sejam, isso não significa dizer que a Justiça penal é pouco rigorosa. As sanções alcançam preferencialmente grupos sociais singulares, como negros e migrantes, comparativamente às sanções aplicadas a cidadãos brancos, procedentes das classes média e alta da sociedade. A imagem flagrante do sistema de Justiça criminal é de um funil: largo na base – área na qual os crimes são oficialmente detectados – e CRISE NO SISTEMA DE JUSTIÇA estreito no gargalo, região onde situam aqueles CRIMINAL4 crimes cujos autores chegaram a ser processados e por fim acabaram sendo condenados. [...] Não são poucos os estudos que reconhecem A conseqüência mais grave desse processo a incapacidade do sistema de Justiça criminal, no em cadeia é a descrença dos cidadãos nas Brasil – agências instituições promotoras de Justiça, em especial policiais, encarregadas de distribuir e aplicar sanções para os Ministério Público, autores de crime e de violência. [...] Aqueles que tribunais de Justiça dispõem de recursos apelam, cada vez mais, para o e sistema mercado de segurança privada, um segmento que penitenciário – em vem crescendo há, pelo menos, duas décadas. Em conter o crime e a contrapartida, a grande maioria da população violência urbana depende de guardas privados sem respeitados os profissionalização, apóia-se perversamente na marcos do Estado "proteção" oferecida por traficantes locais ou democrático de Direito. O crime cresceu e mudou procura resolver suas pendências e conflitos por qualidade; porém, o sistema de Justiça permaneceu conta própria. Tanto num como noutro caso, seus operando como há três ou quatro décadas. Em resultados contribuem ainda mais para enfraquecer outras palavras, aumentou sobremodo o fosso entre a busca de soluções por intermédio das leis e do a evolução da criminalidade e da violência e a funcionamento do sistema de Justiça criminal. capacidade do Estado de impor lei e ordem [...]. A despeito dos investimentos em segurança pública, ora crescentes ora decrescentes, sobretudo em recursos materiais, são notórias as dificuldades e desafios enfrentados pelo poder público em suas tarefas constitucionais de deter o monopólio estatal da violência [...]. Seus sintomas contemporâneos radicam, por exemplo, na sucessão de rebeliões nas prisões organizadas por dirigentes do crime organizado, como o Comando Vermelho e Terceiro Comando no Rio de Janeiro; e o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo [...]. A face visível desta crise do sistema de Justiça criminal é, sem dúvida, a impunidade penal. Ao lado do sentimento coletivo, amplamente ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES difundido entre cidadãos comuns, de que os crimes cresceram, e vêm crescendo e se tornando cada vez 4 Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A. GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008.
  • 7. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida vida social, porque não é possível dizer o que vem primeiro, se o normal ou o patológico. O crime é normal na vida social porque não é possível pensar a existência de regras se não houver sua transgressão. Do mesmo modo que não é possível dizer que haja uma transgressão se não houver uma norma que diga o que é normal. Como a Sociologia é a ciência que estuda as instituições sociais, segundo Durkheim, podemos pensar que ocorrem desvios nessas instituções. Como instituições, de acordo com o pensador francês, são artifícios humanos, trata-se dos desvios proporcionados pelos homens dentro das instituições. Vamos falar, essencialmente, dos desvios produzidos nas instituições do Estado, tendo em vista a política e a luta pelo poder. Mas DESVIOS INSTITUCIONAIS5 quais são os desvios institucionais do Estado? O que define Estado é o conjunto de suas regras jurídicas. O fundamental é que essas normas são postas para controlar o exercício do poder no Quais são os desvios institucionais? Estado Democrático de Direito, fazendo que Para pensar a governantes, políticos e qualquer cidadão estejam ideia de desvios submetidos ao império da lei. Mas essa submissão institucionais, é dos agentes políticos não significa que não seja fundamental ter em vista possível qualquer tipo de desvio. A noção de a noção de Direito: o desvio implica a ideia de que um agente saiu de império da lei institui um certo caminho traçado. aquilo que é normal e . A norma jurídica posta pelo Estado tem a define, por sua vez, pretensão de ser algo semelhante a um rio, porque aquilo que é patológico, determina um fluxo da ação praticada por agentes ou seja, o desviante da normalidade. A humanos. Essa é a noção que a ideia de desvio característica fundamental do Estado de Direito é o produz. Mas precisamos pensar. Quando é fato de o império da lei não permitir qualquer tipo possível falar que um desvio ocorreu? De acordo de privilégio ou uso indevido do poder. A lei está a com essa analogia com o fluxo da água de um rio, serviço da sociedade para controlar o poder do o desvio ocorre sempre que o fluxo de nossa ação Estado e não permitir seus desvios. social sai de sua normalidade. E onde essa Como a lei tem a pretensão de dar uma direção à normalidade da ação está posta? O que diz o que nossa ação, os desvios institucionais apenas é normal e patológico? O normal está instituído no podem ocorrer em função dela. E como o império Direito, o qual diz o que é proibido e o que é da lei, de acordo com Max Weber, na permitido. Não por acaso a palavra normal tem a modernidade, vem para controlar o poder e acabar raiz etimológica da palavra norma. A norma institui com os privilégios, os desvios institu¬cionais aquilo que é normal. Só podemos pensar o desvio devem ser pensados a partir do Direito e da razão se houver uma norma que institui o que é normal, de Estado, e não dos interesses pessoais. Do porque o desvio é, por definição, uma patologia. ponto de vista dos elementos centrais para pensar Essa distinção entre o normal e o patológico foi os desvios institucionais, é fundamental ter a criada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em noção de que esses desvios são oriundos da luta seu livro As regras do método sociológico. A pelo poder e dos privilégios de certos grupos diferença entre o normal e o patológico para sociais. Poder e prestígio são os fatores centrais Durkheim é sublime e precisa de bastante reflexão, para a existência dos desvios institucionais. Eles pois ela nos ajuda a entender o que dá coesão aos são derivados do abuso do poder, seja político seja sistemas sociais. econômico, e dos privilégios de certos grupos A noção de desvio é devida ao pensamento sociais na sociedade. Entre os principais desvios de Durkheim, para o qual só é possível pensar em institucionais estão o clientelismo, o nepotismo, a um comportamento desviante se houver uma patronagem e a corrupção. São modulações dos normalidade instituída. Por isso, Durkheim afirmou desvios institucionais que estão relacionadas ao que o crime como um tipo de desvio, é normal na abuso do poder por certos agentes políticos ou aos privilégios que certos grupos sociais têm no 5 exercício de seu poder. Na modernidade, a Texto organizado a partir da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A. GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil separação entre o público e o privado é o elemento cidadão. São Paulo: FTD, 2008.
  • 8. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida central de constituição do Direito do Estado. O fun¬damentalmente, em razão do dinheiro e do anormal, portanto, o que representa o desvio, é poder. tudo aquilo que faz que o mundo privado não se O papel do cidadão - É possível controlar os diferencie do mundo público. Todos os desvios desvios institucionais? De acordo com a noção de institucionais estão relacionados a essa Émile Durkheim, os desvios institucionais são diferenciação entre o público e o privado. normais na vida social. Clientelismo, nepotismo, O clientelismo é uma das práticas mais antigas da patronagem e corrupção são triviais. Mas isso não política. Pressupõe uma relação interativa entre o quer dizer que sejam benéficos. Ao contrário. Os cliente e o patrão. Fundamental¬mente, o desvios institucionais produzem ineficiência do clientelismo é uma forma de vincular os homens Estado e, por conseguinte, má alocação dos livres a seus patronos, caracterizada pela troca de recursos públicos. favores e de presentes, tendo em vista o apoio Os desvios institucionais são normais, porque se político. A relação entre patronos e clientes assim não fosse não haveria razão para proibi-los. sustenta-se, por conseguinte, em um sistema de Ou seja, se não existisse corrupção em uma trocas que, enquanto prática, tolera certa sociedade, para que proibi-la? Os desvios prevaricação do patrono em relação à res publicae institucionais são normais na vida social e devem (coisa pública). Ou seja, o sistema de trocas do ser controlados. O primeiro elemento central é clientelismo permite uma tolerância sobre o fato de controlar o poder do Estado e proibir a existência o chefe político elevar seu mundo privado sobre o de qualquer forma de privilégio ou abuso de poder. mundo público. A maneira para se proibir esses desvios e permitir O nepotismo, do mesmo modo que o clientelismo, seu controle é criar um império da lei que seja é um tipo de prática antiga, datada do domínio dos igualmente respeitado por todos. E falar no império papas sobre o império roma¬no. A palavra da lei é pensar, fundamentalmente, a existência da nepotismo vem do latim nepos, que quer dizer democracia. É essencial para o controle dos sobrinho. O nepotismo se referia ao poder dos desvios institucionais a existência de mecanismos sobrinhos do papa em Roma. Na acepção democráticos presentes no império da lei. O moderna, o nepotismo se refere a qualquer pessoa Estado deve adotar princípios fundamentais, como que exerça um poder ou tenha certo privilégio o princípio da publicidade, da moralidade e do porquanto tenha um parente em uma posição de dever de ofício de funcionários públicos e agentes comando. O nepotismo institui certos privilégios na privados. administração do Estado e ineficiência da ordem burocrática. O nepotismo permite a apropriação de ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES cargos públicos em virtude de laços exclusivamente pessoais, relacionados ao parentesco. A patronagem é um sistema entre patrão e clientes, mas que ocorre exclusivamente no plano das instituições. A patronagem está relacionada aos sistemas partidários e ao modo como governantes exercem cooptação sobre os partidos. O governante dá aos partidos políticos recursos e poder em troca de apoio nas arenas legislativas. Com isso, os partidos apadrinhados pelo sistema de patronagem podem participar dos despojos, ou seja, da distribuição dos cargos pú¬blicos para atender aos interesses privados de políticos e burocratas. A corrupção, por outro lado, ocorre quando um funcionário públi¬co recebe vantagens em troca do não cumprimento de um dever oficial, seja para atender ao interesse privado de outro funcionário público, seja para atender ao interesse de um agente privado. A corrupção se dá,
  • 9. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida Crescimento, custarão R$ 32 milhões. [...] O presidente da Federação das Favelas, Rossino de Castro, afirmou ser contra a medida. Disse que líderes comunitários sentem medo de resistir ao projeto e que, com isso, suas comunidades sejam excluídas de projetos sociais do governo. Para Marcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento da SOS Mata Atlântica, um muro não é a melhor forma de evitar o avanço de construções irregulares sobre a mata. Para ela, a comunidade deve se envolver na proteção das áreas verdes. O sociólogo Ignácio Cano diz suspeitar que "há um elemento de segurança pública no muro", escondido pelo governo para não aumentar a polêmica. RIO FARÁ MURO EM 11 FAVELAS DE ÁREA NOBRE6 Outro lado Presidente da Emop (empresa pública estadual, Ao custo responsável pelas obras nas favelas), Ícaro Moreno de R$ 40 milhões, minimizou as críticas à construção dos muros. "O o governo do Rio Saramago deu sua opinião e eu também posso dar a vai construir minha sobre o trabalho dele. Não vejo polêmica. Há uma muros no entorno aversão a muros, mas muros existem em casas, de 11 favelas. O condomínios e linhas ferroviárias." objetivo, segundo Ele diz que, apesar da estabilidade da ocupação o Estado, é conter de algumas favelas, é preciso evitar que os moradores a expansão das ergam construções em áreas de risco. "A sociedade da moradias zona sul e das irregulares em comunidades apoia. O áreas de desmatamento é ruim vegetação. Todas as áreas escolhidas, no entanto, para todos." cresceram abaixo da média em comparação às demais [...] comunidades. O projeto, inicialmente, será implantado O secretário apenas na zona sul, área nobre da cidade. municipal de Segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), órgão Urbanismo do Rio, municipal, a área ocupada por favelas na capital subiu Sérgio Rabaça Moreira 6,88% de 1999 para 2008. As favelas escolhidas para o Dias, nega que a implantação de muros em favelas da projeto cresceram, somadas, 1,18% no período. No zona sul seja uma forma apenas de isolar a pobreza. morro Dona Marta, onde o projeto está em andamento, Segundo ele, o foco é ambiental. houve redução do terreno ocupado de 0,99%. O "As barreiras estão orientadas pelas áreas de maior levantamento é feito a partir de fotos aéreas e não faz concentração [demográfica] e pela localização das áreas contagem da população. de risco e de preservação ambiental." A iniciativa do governador Sérgio Cabral [...] (PMDB) recebeu críticas do escritor português José Procurados pela reportagem, o governador Saramago e do coordenador do Instituto Brasileiro de Sérgio Cabral Filho e o vice-governador Luiz Fernando Análises Sociais e Econômicas, Itamar Silva [...]. Pezão não quiseram comentar o assunto. O Estado afirma que o objetivo da medida é conter a expansão das favelas. Serão mais de 11 mil metros de muros de três metros de altura, ao custo previsto de R$ 40 milhões. As construções de uma creche, um hospital e dois centros de integração e cidadania na Rocinha (com restaurante e usina de reciclagem), por meio do Programa de Aceleração do 6 Texto organizado pelo professor, a partir da obra de: Folha de S.Paulo, por: ITALO NOGUEIRA, ANDRÉ ZAHAR. 02/4/2009. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u544553.shtml
  • 10. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida fortíssima, conforme todas as pesquisas comprovam. Se o Brasil é injusto no plano social, é ainda mais no racial. Nas universidades, por exemplo, há apenas 2% de negros estudantes e apenas 1% de negros docentes, embora eles constituam 45% da população brasileira. É por essa razão que há alguns anos surgiu o movimento no sentido de implantar no Brasil iniciativas de ação afirmativa. OS MITOS RACIAIS7 Quando o movimento começou, os nacionalistas de ocasião disseram que isso era invenção DOIS MANIFESTOS dividiram a sociedade americana; alguns hesitaram em lembrar o triste brasileira: um contra a definição de cotas para negros e índios nas universidades e a reserva de argumento do branqueamento gradual; outros vagas para minorias no serviço público; outro, a apontaram as dificuldades em distinguir as raças favor. Nos dois manifestos, impressionam a falta no Brasil; a maioria dos contrários argumentou que de argumentos e a ausência de propostas a definição legal de raças só agravaria a situação. alternativas dos adversários das duas políticas de ação afirmativa, a não ser a reafirmação da Por quê? Porque tornaria as diferenças universalidade dos direitos -da igualdade de todos raciais, que no Brasil são muitas vezes imprecisas, perante a lei. claras e, por essa razão, poria em cheque a "paz Esse é um princípio fundamental da nossa racial" ou a "harmonia natural" que regeriam as Constituição, mas, sendo ela um documento do relações de raça no país. Vemos, assim, que há século 20, não é um princípio vazio de conteúdo outras versões do mito da democracia racial: social. No século 18, a igualdade de todos perante versões que colocam a ordem, transmutada em a lei representava um grande avanço político paz e em harmonia, no centro da questão. O quando a burguesia liberal lutava contra o Estado conservadorismo de nossa sociedade reaparece absoluto: era a luta de uma classe média em assim com toda a força. Além dos argumentos ascensão contra uma aristocracia montada em liberais da igualdade perante a lei, também os cima de privilégios legais. Depois disso, porém, o argumentos da defesa da ordem ressurgem no mundo avançou politicamente. Percebeu-se que debate. A paz social é necessária, mas não é não bastava a igualdade perante a lei, era preciso perpetuando a injustiça que ela será alcançada. também a igualdade de oportunidades entre as classes sociais e entre as raças. Não basta que se almeje "um Brasil no qual ninguém seja discriminado", como diz o manifesto No Brasil, preocupamo-nos apenas com a contra. É preciso ter a coragem que 30 igualdade social. Alguns avanços foram universidades brasileiras já tiveram e começar a alcançados nesse campo, embora o país continue adotar ações afirmativas contra a discriminação. um dos mais desiguais do mundo. No plano racial, As ações afirmativas que estão sendo propostas porém, fomos incrivelmente displicentes. Apoiados não são apenas justas: são razoáveis. Elas não no fato de que somos um país mestiço -e, de fato, ameaçam a ordem, apenas fazem avançar somos-, supusemos que tínhamos aqui uma modestamente a justiça. Têm razão os democracia racial -ou quase. Não a temos -nem subscritores do manifesto a favor quando afirmam quase. Caetano Veloso estava certo quando que o documento contra "parece uma reedição, no concordou que a democracia racial no Brasil era século 21, do imobilismo subjacente à Constituição um mito e acrescentou: "Mas um belo mito". De da República de 1891: zerou, num toque de fato, é um belo mito, no sentido de nos fazer mágica, as desigualdades causadas por séculos orgulhosos de nossa mestiçagem e de nos levar a de exclusão e racismo e jogou para um futuro rejeitar toda discriminação racial. Mas a rejeição é incerto o dia em que negros e índios poderão ter teórica. Na prática, a discriminação no Brasil é acesso eqüitativo à educação, às riquezas, aos bens e aos serviços acumulados pelo Estado 7 Luiz Carlos Bresser-Pereira, Folha de S.Paulo, 17.7.2006. brasileiro".
  • 11. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida Quando os primeiros jesuítas aqui chegaram, o processo de cristianização dos índios por eles empreendido facilitou a política de dominação da metrópole. Mesmo que possamos considerar não ter sido esta a intenção dos missio- nários, imbuídos de ardor religioso, eles foram vítimas de avaliações etnocêntricas, pois estavam convencidos da superioridade da sua cultura e 8 O RACISMO religião. Ao "docilizarem" os índios, adequando-os a padrões estranhos, deram início à desintegração A origem da discriminação, seja ela de raça da cultura indígena. ou de sexo, geralmente é conseqüência da desigualdade social. Desde a Antigüidade grega, Os colonizadores, usando a violência física, em toda a história do mundo ocidental o poder é dizimaram as tribos indígenas e escravizaram os branco, masculino e adulto. que puderam. Apesar disso, geralmente são enaltecidos nos relatos da história oficial como va- No Brasil, a longa tradição histórica de lentes desbravadores do sertão e conquistadores rígidas hierarquias sociais se expressa por meio de que "levaram o progresso" às terras "bárbaras". formas políticas de dominação. No entanto, ao contrário dos EUA ou da África do Sul, locais onde Em pleno século XX, apesar da con- o racismo é explícito, os brasileiros camuflam o tribuição da antropologia e etnologia, continua a preconceito por meio do "mito da democracia violência contra os índios, expulsos dos seus racial". Isso, em última análise, até prejudica o territórios ou aculturados de maneira inadequada equaciona-mento do problema e a luta organizada por motivos os mais diversos: construção de das vítimas do preconceito. estradas, instalação de fazendas, garimpo etc. O índio O negro Para analisar o problema do racismo no Da mesma forma que o índio foi Brasil desde o seu início, precisamos lembrar que inferiorizado, a origem do preconceito contra o a colonização das Américas partiu da necessidade negro se acha na tradição da escravidão. Não de expansão comercial da burguesia enriquecida importa se para cá vieram, entre os negros pela Revolução Comercial. As colônias africanos, alguns de seus valorosos chefes significavam, portanto, não só maior possibilidade guerreiros. Tornados escravos, a inferiorização se de consumo, como também a condição de tornou inevitável. fornecimento de produtos tropicais e metais E, talvez para conciliar o absurdo da preciosos indispensáveis para a expansão dominação com a tradição cristã, os senhores capitalista. acalmaram a consciência com a convicção de que o negro era semi-animal, bruto e rebelde, exigindo 8 Texto extraídos da obra: Temas de filosofia / Maria Lúcia de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins — São Paulo : Moderna, 1992. pulso forte por parte do dominador. Por resistir ao trabalho escravo, o negro passa a ser avaliado por
  • 12. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida meio de estereótipos: é indolente, malandro, cachaceiro. Ou seja, a situação subumana a que são lançados os escravos é compreendida a partir de uma inversão típica da ideologia: em vez de considerar a inferiorização do negro como con- seqüência da dominação, a dominação é justificada porque o negro é considerado um ser inferior. O próprio negro interioriza a concepção do branco, o que dificulta a afirmação de sua identi- dade e o assumir da consciência étnica. Daí os desvios de comportamento dos negros que, ao desejarem se integrar no mundo dos brancos, representam papéis reforçadores da exclusão, agindo de acordo com padrões "brancos". É nessa linha que ouvimos falar em "negros de alma branca" e na valorização do "negro humilde" em contraposição ao "negro pernóstico" que "não reconhece seu lugar". ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES
  • 13. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida compreender a existência humana. Os estereótipos da feminilidade geralmente resultam da atitude preconceituosa com relação à mulher e contribuem para sua discriminação. Em outras palavras, o estereótipo da feminilidade acentua a situação de dependência e infantiliza a mulher, vista como ser relativamente incapaz. Na história de todas as culturas, ela se acha confinada ao lar, O MACHISMO9 subordinada ao pai e depois ao marido, ocupando- Dissemos no item anterior que o poder é se de tarefas domésticas tais como gerar e educar branco, masculino e adulto. Portanto, uma das os filhos, cuidar da alimentação e manutenção da características da nossa civilização é ser casa, sem nunca se afastar dos domínios androcêntrica, ou seja, centrada na figura domésticos. masculina. Os direitos, deveres, aspirações e Talvez esse esboço da situação feminina sentimentos das mulheres se acham há tempos pareça estar bastante superado nos grandes (calculam-se seis milênios!) subordinados aos centros urbanos, onde a mulher conquistou interesses do patriarcado, isto é, ao sistema de espaços nos mais diversos campos de trabalho e relações sociais que garante a dependência da vem garantindo sua autonomia. mulher em relação ao homem. Mesmo assim, o processo de emancipação Geralmente as formas de dominação se não atingiu muitas regiões do globo, não penetrou impõem pela "naturalização", que consiste em no campo. E, mesmo onde a liberação parece considerar naturais certas características que na consolidada, persistem formas sutis de dominação. verdade foram construídas a partir das relações Por exemplo, a mulher que trabalha fora arca com sociais. Nasce o "mito da feminilidade", segundo o a dupla jornada de trabalho, uma vez que as qual a "natureza feminina" teria certas virtudes e tarefas domésticas são consideradas "natural- defeitos próprios da mulher: por um lado ela seria mente" incumbência feminina. A própria mulher sensível, amorosa, altruísta, maternal, intuitiva, e assume esse papel, apesar do risco de não por outro lado seria frágil, dependente, sem conseguir se profissionalizar sem sentimento de iniciativa, instável, deixando-se levar pela emoção, culpa, nem se ocupar adequadamente com os ser- ao mesmo tempo que também pode ser con- viços da casa. siderada volúvel, dissimulada e perigosa... Além disso, sabemos que as mulheres são Mas todas as vezes que procuramos definir discriminadas profissionalmente, recebendo o "ser-em-si", tal como a "natureza do homem", a remuneração abaixo dos homens para serviços "natureza da mulher", a "natureza da criança", cor- idênticos, sendo preteridas em cargos de chefia e remos o risco de forjar estereótipos, formas constantemente excluídas da vida política. simplificadas, redutoras e empobrecidas de Quando a duras penas conseguem 9 Texto extraídos da obra: Temas de filosofia / Maria Lúcia de conquistar cargos públicos, com freqüência ocorre Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins — São Paulo : Moderna, 1992. a confusão entre o público e o privado, ou seja, as
  • 14. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida pessoas não conseguem separar a figura pública da deputada, senadora ou ministra da figura de mãe, mulher ou amante. Os mexericos que envolvem a conduta sexual da mulher adquirem tal dimensão que chegam a comprometer os critérios de avaliação do seu desempenho profissional. Podemos dizer que o processo de emancipação feminina é a grande e principal revolução do século XX, e a que mais fundamentalmente vem subvertendo a ordem do mundo. Reconhecer que a mulher é um ser humano integral e que, apesar de diferente do ho- mem, pode conviver com ele muito além da relação de mando e obediência, abre caminho para uma humanidade mais justa (e, por que não, mais feliz?) em que a amizade poderá prevalecer sobre a hierarquia.