O documento discute o trabalho e sindicalismo no Brasil após o golpe militar de 1964. Resume que o novo regime político reprimiu os sindicatos e os direitos dos trabalhadores, permitindo a transferência de renda dos trabalhadores para a classe média e aceleração do processo de acumulação de capital pelas empresas. Além disso, as empresas passaram a demitir sindicalistas para intimidar os trabalhadores.
Apostila de Sociologia do Trabalho e Sindicalismo no Brasil
1. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
APOSTILA DE
SOCIOLOGIA – M3
Prof. Ms. Michel Willian
Zimmermann de Almeida
.
2. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
tarifas nos serviços públicos, dos reajustes monetários e
a redução da demanda, no entanto, os níveis de
produtividade não se alteraram. Com a repressão aos
sindicatos, os trabalhadores perderam sua
representatividade, e com a quase proibição das greves,
houve a perda da capacidade operaria de barganha,
somado a isso, se tem a maior inserção da mão de obra
feminina e infantil, que ampliou a disputa por empregos
deixando os trabalhadores ainda mais temerosos do
desemprego, por conta disso em 1968, 59,2% dos
trabalhadores citadinos realizavam entre 40 e 49 horas
de trabalho semanais. Assim sendo, a custa do
empobrecimento da população se transferiu renda dos
trabalhadores para a classe média, permitindo uma
aceleração no processo de acumulação de capital, que se
ancorou nos setores de bens de capital, de
responsabilidade do estado, bens duráveis, de
TRABALHO E SINDICALISMO responsabilidade das multinacionais e bens de consumo,
O novo regime de responsabilidade do capital nacional.
político que se Segundo SINGER (1982), o milagre iniciado em
instala no Brasil a 1968 se deve a uma simples “abertura de torneira”, ou
partir de 1964, seja, após quatro anos de acumulação de capital, o
encontra um governo reduziu as taxas de juros, facilitou o credito e
ambiente de criou subsídios para estimular as multinacionais. A
disputas político- classe média que vinha com o seu consumo controlado,
econômicas e passava a euforia impulsionada pelo credito e aumento
reivindicações sociais. No plano econômico, a dos salários da mão de obra especializada. Edgar de
indústria automobilística havia influenciado as Barros (1992), chama a atenção para o Plano de Ação
relações comerciais no Brasil mesmo antes da sua Econômico do Governo (PAEG), que tratou de aplicar o
plena instalação no país, criando diversas liberalismo econômico, e tendo como resultado a
ramificações econômicas e originando novas elites concentração do capital, a diminuição da inflação e o
ligadas ao ramo metal-mecânico, que se fortaleciam fechamento de empresas que não possuíam
na medida em que a nação se industrializava. A produtividade suficiente para manter os menores preços.
instalação do parque automotivo durante o governo Em fins da década de 70, as relações industriais
de Juscelino Kubitschek proporcionou ao governo começam a se transformar, os trabalhadores passam a
aliviar tanto as pressões populares por empregos, desenvolver técnicas alternativas de greve, já que o ato
como as pressões do empresariado nacional ligado ao ainda era proibido por lei, e com base na lei de
ramo metal-mecânico, que recebia agora um novo segurança nacional, as greves eram sufocadas com
impulso motivado pela demanda na construção de violência física e demissão por justa causa. Desta forma,
automóveis e pela obrigatoriedade de nacionalização tornava-se necessário um novo método de greves.
das peças. No entanto, em meados de 1962 a Segundo SILVA (1991), na primeira greve em conjunto
indústria automobilística entra em crise, pois a nas empresas automobilísticas e em indústrias de
capacidade produtiva havia crescido mais do que a autopeças, os trabalhadores simplesmente pararam ao
capacidade do mercado. lado de suas máquinas e permaneceram em silêncio.
Cabe aqui salientar as ações econômicas do novo Sem saber quem eram os lideres, o patronato chamou o
governo, onde, segundo Gros (1987), após a sindicato dos trabalhadores a cada uma das fábricas para
concretização do golpe a política econômica adotada negociar, em nome dos trabalhadores, sendo que na Ford
durante o regime se apoiou no seguinte tripé: capital a greve persistiu por um
privado nacional, capital privado internacional e capital tempo maior, cinco dias.
estatal. Entre outras medidas adotadas para sanar a Por conta disto, a
economia nacional, reduzir a inflação e retomar o FIESP passou a
crescimento destaca-se: a proibição dos aumentos de recomendar que seus
salários, perda da autonomia dos sindicatos, membros adotassem
aperfeiçoamento do aparelho arrecadador e do sistema estratégias contras as
tributário. O resultado imediato destas medidas foi um greves, indicando as
aumento de mais de 80% no custo de vida em 1964. seguintes táticas:
Desta forma os governos militares puderam a) Não pagar, em nenhuma hipótese, horas paradas
manter a inflação controlada, a custo do arrocho salarial e não estabelecer quaisquer acordos de
da mão de obra menos qualificada, do aumento das indenização, pois não existindo no Brasil fundo
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de greve, esse será um excelente recurso para as
empresas.
b) Tentar de todas as formas, colocar os grevistas
na via pública[...] [para] envolver o poder
público [...] [e] exercer uma pressão psicológica
sobre o Sindicato do Empregados [...].
c) Suspender por um ou dois dias
(disciplinarmente) aqueles que entrarem na
Fábrica, sob condição de trabalharem e não
cumprirem o prometido. Em última instância,
dispensar um certo número de pessoas por justa
causa, após [...] pedir aos trabalhadores que
executem uma certa tarefa. (A negativa
caracterizará um ato de insubordinação) 1.
As reivindicações por salários e melhores condições
de trabalho se seguiam até 1982. Com o agravamento
da crise econômica, as empresas passaram a realizar
demissões em massa, enfraquecendo o poder de
reação dos sindicatos. Aproveitando-se desta
realidade, as empresas passaram a demitir,
prioritariamente, os operários envolvidos no
sindicalismo, pois podiam alegar que as demissões se
davam por conta da recessão econômica em que o
País se encontrava. Assim, essas medidas
intimidavam e disciplinavam os trabalhadores.
ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES
1
RAINHO, 1983, p. 213. Aphud: SILVA, 1991, p. 249-250.
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do evolucionismo, dominante na Biologia. Para
Lombroso, o crime tem suas causas relacionadas às
condições biológicas do delinqüente. Ou seja, algumas
pessoas teriam predisposições genéticas e, portanto,
naturais a praticar o crime, o que em essência, a idéia,
defendida por Lombroso, de atavismo. Para Lombroso,
para combater o crime seria fundamental a eugenia. Essa
perspectiva foi abandonada na criminologia
contemporânea, que absorveu o método sociológico para
fazer o estudo científico do crime. De acordo com Émile
Durkheim, em contraposição a essa versão da
criminologia, nenhuma sociedade está livre do crime, o
crime é um problema do delinqüente. Como uma
sociedade é feita de um conjunto de instituições que
pressupõem a existência de regras para a convivência
coletiva, o crime é normal, é um padrão social. A
O QUE SÃO CRIME E CRIMINALIDADE2 normalidade do crime não significa que ele seja bom,
Como nos mas apenas que ele é um fato social ligado às condições
lembra o sociólogo fundamentais de qualquer vida em coletividade. Nesse
Anthony Giddens, desvio sentido, o crime pode representar, por exemplo, a
e crime não são degeneração dos laços de solidariedade entre indivíduos
sinônimos, embora e grupos.
muitas vezes se Mas, segundo Durkheim, o crime pode também
sobreponham. O conceito assumir uma degenerativa da vida social, quando ele se
de desvio caracteriza configura em uma situação de anomia, ou seja, uma
qualquer comportamento situação na qual a ausência de normas ameaça a coesão
que viole uma norma social. Em outras palavras, a anomia é condição de não-
social, por isso, é um conceito muito mais abrangente do socialização, segundo a qual as instituições da sociedade
que o conceito de crime, que se refere apenas à conduta são fracas para socializar o indivíduo, isto é, trazer o
inconformista que viola uma lei. Assim, o crime tem indivíduo ao convívio da sociedade.
uma natureza especial. Diferentemente do desvio, o Émile Durkheim inaugurou uma virada na
crime precisa das sanções do Direito para que possa se criminologia, inovando no estudo científico do crime.
solidar como conceito. O desvio, porém, refere-se ao Essa inovação está no fato de a Sociologia adotar a
poder social no plano da cultura e de normas premissa de que a prática do crime ocorre de acordo com
relacionadas a costumes. Por isso, nem todo desvio é o meio em que ele é praticado. Ou seja, da perspectiva
sancionado por lei, enquanto todos os crimes o são. de Émile Durkheim, as causas do crime devem ser
Conceitualmente, crime é qualquer tipo de ação procuradas na sociedade e não no delinqüente.
que suscita uma reação organizada por parte da A violência: Alguns crimes são praticados com
sociedade. Ou seja, crime é tudo a que a sociedade a violência. Violência é toda ação praticada por um
condena como imoral, porquanto lhe dirige uma ofensa indivíduo ou por um grupo contra outro indivíduo ou
ou que tenha conseqüências negativas para a vida social. outros grupos que implique constrangimentos físicos e
A idéia de crime remete à idéia de criminalidade, a qual morais. Normalmente, a violência é praticada com o uso
significa o conjunto dos crimes praticados em uma da força, significando um estado de coação que leva a
sociedade, tais conjuntos, estão definidos no Direito vítima a fazer ou deixar de fazer aquilo que o agressor
Penal, que faz corresponder a cada um deles uma lhe pede.
penalidade que a sociedade considere condizente à A violência pode ser legítima ou não-legítima. É
ofensa praticada. Os tipos e as práticas de crimes podem legítima quando sua prática está balizada em uma regra
ser variados. Pode-se falar de crimes contra o patrimônio da sociedade como o Direito. Exemplo de violência
público, como a corrupção, a concussão ou a legítima é aquela pratica pelo policial, que está
prevaricação, bem como pode-se falar dos crimes contra autorizado a agir violentamente, dentro dos limites
o patrimônio privado, como o roubo, o latrocínio, a estabelecidos pelo Direito, para proteger vítimas de atos
extorsão etc. criminosos. Da mesma maneira, a violência é legítima
O estudo científico do crime começou em 1876, em uma situação de defesa da vida.
com a obra O delinqüente, de Cesare Lombroso. A A violência não é legítima quando é seguida da
crimonologia, em seu início, baseava-se nas premissas prática de crime. Ou seja, como vimos anteriormente,
2
violência não-legítima seguida de uma ação
Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A.
GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São
correspondente a uma ofensa à sociedade. Um
Paulo: FTD, 2008. assassinato é um tipo de violência não-legítima, porque
corresponde a um crime. Da mesma maneira, a extorsão
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é um tipo é violência não-legítima, porque representa um sociedade também praticam crimes, como os crimes
tipo de ameaça contra alguma pessoa em troca de uma do “colarinho branco”, especialmente a corrupção.
informação ou vantagem. Entretanto, a situação de anomia da criminalidade nas
Além dessas duas modalidades de violência, sociedades contemporâneas relaciona-se ao poder de
pode-se pensar duas outras: a violência física e a consumo enquanto um cultural. Para Merton, as
violência moral ou simbólica. A violência física é a ação sociedades capitalistas elegem o consumo como o fim
em que um indivíduo ou grupo agride, fisicamente, outro cultural mais importante. Ou seja, o que caracteriza as
indivíduo ou outro grupo. É o tipo de violência sociedades capitalistas é a busca pela riqueza. Isso
geralmente realizada pelos criminosos. cria um contexto de anomia, à medida que
A violência moral ou simbólica é aquela em que
proporciona um meio favorável a práticas desviantes e
a agressão ocorre no plano psicológico. É tão grave
criminosas.
quanto a violência física e pode deixar marcas profundas
De acordo com Merton, o crime violento é a
na vítima.
conseqüência do fator estrutural pobreza. Nas
sociedades capitalistas, existe uma hierarquia de
classes sociais, de acordo com a qual os grupos
CRIME E ANOMIA3 subalternos não conseguem satisfazer seus desejos de
consumo. Uma vez que não conseguem satisfazer seus
Veja abaixo um trecho de A divisão do desejos de consumo, a reação dos grupos mais pobres
trabalho social, de É Durkheim, no qual ele apresenta da sociedade é praticar crimes violentos, criando uma
seu conceito de crime e sua relação com a idéia de situação de anomia, porquanto os laços de
anomia. solidariedade entre os grupos se tornam fracos. A
pobreza, de acordo com Merton, é um fator estrutural
Podemos, pois, resumindo a análise que da criminalidade. Essa tese de Merton se tornou
precede, dizer que um ato é criminoso quando fundamental na construção dos estudos sobre a
ofende os estados fortes e definidos da criminalidade violenta.
consciência coletiva. [...] De fato, a correlação entre indicadores sociais
Em outros termos, não é preciso dizer que um e prática de crimes violentos é alta. O problema da
ato fere a consciência comum porque é criminalidade violenta, nesse sentido, é um problema
criminoso, mas que é criminoso porque fere a de classes sociais. O combate à criminalidade,
consciência comum. Não o reprovamos portanto, não se faz com o uso da violência legítima,
porque é um crime, mas é um crime porque o mas por políticas de redistribuição de renda, por parte
reprovamos. Quanto à natureza intrínseca
do Estado. A redistribuição da renda, mediante
destes sentimentos, é impossível especificá-
la; eles têm os objetos mais diversos e não se políticas públicas de Estado, tornaria possível a
poderia dar uma forma única. [...] satisfação de desejos de consumo pelos mais pobres,
Existe, aliás, uma maneira de controlar o reduzindo as taxas de crimes violentos. Estudos
resultado a que chegamos. O que caracteriza o contemporâneos, entretanto, ressaltam que apenas a
crime é que ele determina a pena. Portanto, se redistribuição de renda não basta para a contenção da
nossa definição do crime é exata, ela deve dar escalada da criminalidade violenta.
conta de todas as características da pena. Do ponto de
vista comparativo,
Outros estudiosos da criminalidade e da os países mais
violência ressaltam existirem fatores estruturais que industrializados e
explicam o crime na sociedade. Um dos principais que melhor fazem a
fatores explicativos do crime violento é a pobreza. redistribuição de
Crimes violentos estão altamente correlacionados à renda apresentam
pobreza, que é um dos principais elementos indicadores e crimes
explicativos do crime nas sociedades contemporâneas. violentos mais
De acordo com Robert Merton, o crime é baixos, enquanto
explicado por uma situação de anomia, segundo a qual países mais pobres e com grande desigualdade
existe, nas sociedades contemporâneas, uma distorção apresentam indicadores mais elevados. Estudos mais
entre os desejos de consumo e a possibilidade e contemporâneos da criminalidade e da violência
satisfazê-los, por parte dos grupos mais pobres. Isso apontam para os fatores institucionais e
não quer dizer que a criminalidade seja uma prática socializadores. Partem do conceito de anomia, de
exclusiva dos pobres. As classes mais altas da Durkheim e Merton, para apontar a reação aos
elementos de relativa normalidade da vida social. A
3
Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A. gradativa fraqueza de instituições como a família, a
GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São escola, as prisões e o Direito explica certa escalada
Paulo: FTD, 2008.
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dos crimes violentos. A fraqueza de instituições mais violentos, há igualmente o sentimento de que
fundamentais da vida social cria um contexto que os crimes não são punidos; ou, quando o são, não o
favorece o surgimento e comportamentos divergentes. são com o rigor que seria esperado diante da
A idéia de anomia, nesse sentido, é central na gravidade dos crimes que têm maior repercussão na
abordagem sociológica do crime e da violência. opinião pública. Mas há também um outro lado da
questão. Se muitos crimes deixam de merecer
sanções penais, quaisquer que sejam, isso não
significa dizer que a Justiça penal é pouco rigorosa.
As sanções alcançam preferencialmente grupos
sociais singulares, como negros e migrantes,
comparativamente às sanções aplicadas a cidadãos
brancos, procedentes das classes média e alta da
sociedade. A imagem flagrante do sistema de
Justiça criminal é de um funil: largo na base – área
na qual os crimes são oficialmente detectados – e
CRISE NO SISTEMA DE JUSTIÇA estreito no gargalo, região onde situam aqueles
CRIMINAL4 crimes cujos autores chegaram a ser processados e
por fim acabaram sendo condenados. [...]
Não são poucos os estudos que reconhecem A conseqüência mais grave desse processo
a incapacidade do sistema de Justiça criminal, no em cadeia é a descrença dos cidadãos nas
Brasil – agências instituições promotoras de Justiça, em especial
policiais, encarregadas de distribuir e aplicar sanções para os
Ministério Público, autores de crime e de violência. [...] Aqueles que
tribunais de Justiça dispõem de recursos apelam, cada vez mais, para o
e sistema mercado de segurança privada, um segmento que
penitenciário – em vem crescendo há, pelo menos, duas décadas. Em
conter o crime e a contrapartida, a grande maioria da população
violência urbana depende de guardas privados sem
respeitados os profissionalização, apóia-se perversamente na
marcos do Estado "proteção" oferecida por traficantes locais ou
democrático de Direito. O crime cresceu e mudou procura resolver suas pendências e conflitos por
qualidade; porém, o sistema de Justiça permaneceu conta própria. Tanto num como noutro caso, seus
operando como há três ou quatro décadas. Em resultados contribuem ainda mais para enfraquecer
outras palavras, aumentou sobremodo o fosso entre a busca de soluções por intermédio das leis e do
a evolução da criminalidade e da violência e a funcionamento do sistema de Justiça criminal.
capacidade do Estado de impor lei e ordem [...].
A despeito dos investimentos em segurança
pública, ora crescentes ora decrescentes, sobretudo
em recursos materiais, são notórias as dificuldades e
desafios enfrentados pelo poder público em suas
tarefas constitucionais de deter o monopólio estatal
da violência [...]. Seus sintomas contemporâneos
radicam, por exemplo, na sucessão de rebeliões nas
prisões organizadas por dirigentes do crime
organizado, como o Comando Vermelho e Terceiro
Comando no Rio de Janeiro; e o Primeiro Comando
da Capital, em São Paulo [...].
A face visível desta crise do sistema de
Justiça criminal é, sem dúvida, a impunidade penal.
Ao lado do sentimento coletivo, amplamente ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES
difundido entre cidadãos comuns, de que os crimes
cresceram, e vêm crescendo e se tornando cada vez
4
Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A.
GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São
Paulo: FTD, 2008.
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vida social, porque não é possível dizer o que vem
primeiro, se o normal ou o patológico. O crime é
normal na vida social porque não é possível pensar
a existência de regras se não houver sua
transgressão. Do mesmo modo que não é possível
dizer que haja uma transgressão se não houver
uma norma que diga o que é normal.
Como a Sociologia é a ciência que estuda as
instituições sociais, segundo Durkheim, podemos
pensar que ocorrem desvios nessas instituções.
Como instituições, de acordo com o pensador
francês, são artifícios humanos, trata-se dos
desvios proporcionados pelos homens dentro das
instituições. Vamos falar, essencialmente, dos
desvios produzidos nas instituições do Estado,
tendo em vista a política e a luta pelo poder. Mas
DESVIOS INSTITUCIONAIS5 quais são os desvios institucionais do Estado?
O que define Estado é o conjunto de suas regras
jurídicas. O fundamental é que essas normas são
postas para controlar o exercício do poder no Quais são os desvios institucionais?
Estado Democrático de Direito, fazendo que Para pensar a
governantes, políticos e qualquer cidadão estejam ideia de desvios
submetidos ao império da lei. Mas essa submissão institucionais, é
dos agentes políticos não significa que não seja fundamental ter em vista
possível qualquer tipo de desvio. A noção de a noção de Direito: o
desvio implica a ideia de que um agente saiu de império da lei institui
um certo caminho traçado. aquilo que é normal e
. A norma jurídica posta pelo Estado tem a define, por sua vez,
pretensão de ser algo semelhante a um rio, porque aquilo que é patológico,
determina um fluxo da ação praticada por agentes ou seja, o desviante da normalidade. A
humanos. Essa é a noção que a ideia de desvio característica fundamental do Estado de Direito é o
produz. Mas precisamos pensar. Quando é fato de o império da lei não permitir qualquer tipo
possível falar que um desvio ocorreu? De acordo de privilégio ou uso indevido do poder. A lei está a
com essa analogia com o fluxo da água de um rio, serviço da sociedade para controlar o poder do
o desvio ocorre sempre que o fluxo de nossa ação Estado e não permitir seus desvios.
social sai de sua normalidade. E onde essa Como a lei tem a pretensão de dar uma direção à
normalidade da ação está posta? O que diz o que nossa ação, os desvios institucionais apenas
é normal e patológico? O normal está instituído no podem ocorrer em função dela. E como o império
Direito, o qual diz o que é proibido e o que é da lei, de acordo com Max Weber, na
permitido. Não por acaso a palavra normal tem a modernidade, vem para controlar o poder e acabar
raiz etimológica da palavra norma. A norma institui com os privilégios, os desvios institu¬cionais
aquilo que é normal. Só podemos pensar o desvio devem ser pensados a partir do Direito e da razão
se houver uma norma que institui o que é normal, de Estado, e não dos interesses pessoais. Do
porque o desvio é, por definição, uma patologia. ponto de vista dos elementos centrais para pensar
Essa distinção entre o normal e o patológico foi os desvios institucionais, é fundamental ter a
criada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em noção de que esses desvios são oriundos da luta
seu livro As regras do método sociológico. A pelo poder e dos privilégios de certos grupos
diferença entre o normal e o patológico para sociais. Poder e prestígio são os fatores centrais
Durkheim é sublime e precisa de bastante reflexão, para a existência dos desvios institucionais. Eles
pois ela nos ajuda a entender o que dá coesão aos são derivados do abuso do poder, seja político seja
sistemas sociais. econômico, e dos privilégios de certos grupos
A noção de desvio é devida ao pensamento sociais na sociedade. Entre os principais desvios
de Durkheim, para o qual só é possível pensar em institucionais estão o clientelismo, o nepotismo, a
um comportamento desviante se houver uma patronagem e a corrupção. São modulações dos
normalidade instituída. Por isso, Durkheim afirmou desvios institucionais que estão relacionadas ao
que o crime como um tipo de desvio, é normal na abuso do poder por certos agentes políticos ou aos
privilégios que certos grupos sociais têm no
5 exercício de seu poder. Na modernidade, a
Texto organizado a partir da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES,
M. M. A. GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil separação entre o público e o privado é o elemento
cidadão. São Paulo: FTD, 2008.
8. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
central de constituição do Direito do Estado. O fun¬damentalmente, em razão do dinheiro e do
anormal, portanto, o que representa o desvio, é poder.
tudo aquilo que faz que o mundo privado não se O papel do cidadão - É possível controlar os
diferencie do mundo público. Todos os desvios desvios institucionais? De acordo com a noção de
institucionais estão relacionados a essa Émile Durkheim, os desvios institucionais são
diferenciação entre o público e o privado. normais na vida social. Clientelismo, nepotismo,
O clientelismo é uma das práticas mais antigas da patronagem e corrupção são triviais. Mas isso não
política. Pressupõe uma relação interativa entre o quer dizer que sejam benéficos. Ao contrário. Os
cliente e o patrão. Fundamental¬mente, o desvios institucionais produzem ineficiência do
clientelismo é uma forma de vincular os homens Estado e, por conseguinte, má alocação dos
livres a seus patronos, caracterizada pela troca de recursos públicos.
favores e de presentes, tendo em vista o apoio Os desvios institucionais são normais, porque se
político. A relação entre patronos e clientes assim não fosse não haveria razão para proibi-los.
sustenta-se, por conseguinte, em um sistema de Ou seja, se não existisse corrupção em uma
trocas que, enquanto prática, tolera certa sociedade, para que proibi-la? Os desvios
prevaricação do patrono em relação à res publicae institucionais são normais na vida social e devem
(coisa pública). Ou seja, o sistema de trocas do ser controlados. O primeiro elemento central é
clientelismo permite uma tolerância sobre o fato de controlar o poder do Estado e proibir a existência
o chefe político elevar seu mundo privado sobre o de qualquer forma de privilégio ou abuso de poder.
mundo público. A maneira para se proibir esses desvios e permitir
O nepotismo, do mesmo modo que o clientelismo, seu controle é criar um império da lei que seja
é um tipo de prática antiga, datada do domínio dos igualmente respeitado por todos. E falar no império
papas sobre o império roma¬no. A palavra da lei é pensar, fundamentalmente, a existência da
nepotismo vem do latim nepos, que quer dizer democracia. É essencial para o controle dos
sobrinho. O nepotismo se referia ao poder dos desvios institucionais a existência de mecanismos
sobrinhos do papa em Roma. Na acepção democráticos presentes no império da lei. O
moderna, o nepotismo se refere a qualquer pessoa Estado deve adotar princípios fundamentais, como
que exerça um poder ou tenha certo privilégio o princípio da publicidade, da moralidade e do
porquanto tenha um parente em uma posição de dever de ofício de funcionários públicos e agentes
comando. O nepotismo institui certos privilégios na privados.
administração do Estado e ineficiência da ordem
burocrática. O nepotismo permite a apropriação de ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES
cargos públicos em virtude de laços
exclusivamente pessoais, relacionados ao
parentesco.
A patronagem é um sistema entre patrão e
clientes, mas que ocorre exclusivamente no plano
das instituições. A patronagem está relacionada
aos sistemas partidários e ao modo como
governantes exercem cooptação sobre os partidos.
O governante dá aos partidos políticos recursos e
poder em troca de apoio nas arenas legislativas.
Com isso, os partidos apadrinhados pelo sistema
de patronagem podem participar dos despojos, ou
seja, da distribuição dos cargos pú¬blicos para
atender aos interesses privados de políticos e
burocratas.
A corrupção, por outro lado, ocorre quando um
funcionário públi¬co recebe vantagens em troca do
não cumprimento de um dever oficial, seja para
atender ao interesse privado de outro funcionário
público, seja
para atender ao
interesse de um
agente privado.
A corrupção se
dá,
9. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
Crescimento, custarão R$ 32 milhões.
[...]
O presidente da Federação das Favelas, Rossino
de Castro, afirmou ser contra a medida. Disse que líderes
comunitários sentem medo de resistir ao projeto e que,
com isso, suas comunidades sejam excluídas de projetos
sociais do governo.
Para Marcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento
da SOS Mata Atlântica, um muro não é a melhor forma
de evitar o avanço de construções irregulares sobre a
mata. Para ela, a comunidade deve se envolver na
proteção das áreas verdes.
O sociólogo Ignácio Cano diz suspeitar que "há um
elemento de segurança pública no muro", escondido pelo
governo para não aumentar a polêmica.
RIO FARÁ MURO EM 11 FAVELAS DE ÁREA
NOBRE6 Outro lado
Presidente da Emop (empresa pública estadual,
Ao custo responsável pelas obras nas favelas), Ícaro Moreno
de R$ 40 milhões, minimizou as críticas à construção dos muros. "O
o governo do Rio Saramago deu sua opinião e eu também posso dar a
vai construir minha sobre o trabalho dele. Não vejo polêmica. Há uma
muros no entorno aversão a muros, mas muros existem em casas,
de 11 favelas. O condomínios e linhas ferroviárias."
objetivo, segundo Ele diz que, apesar da estabilidade da ocupação
o Estado, é conter de algumas favelas, é preciso evitar que os moradores
a expansão das ergam construções em áreas de risco. "A sociedade da
moradias zona sul e das
irregulares em comunidades apoia. O
áreas de desmatamento é ruim
vegetação. Todas as áreas escolhidas, no entanto, para todos."
cresceram abaixo da média em comparação às demais [...]
comunidades. O projeto, inicialmente, será implantado O secretário
apenas na zona sul, área nobre da cidade. municipal de
Segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), órgão Urbanismo do Rio,
municipal, a área ocupada por favelas na capital subiu Sérgio Rabaça Moreira
6,88% de 1999 para 2008. As favelas escolhidas para o Dias, nega que a implantação de muros em favelas da
projeto cresceram, somadas, 1,18% no período. No zona sul seja uma forma apenas de isolar a pobreza.
morro Dona Marta, onde o projeto está em andamento, Segundo ele, o foco é ambiental.
houve redução do terreno ocupado de 0,99%. O "As barreiras estão orientadas pelas áreas de maior
levantamento é feito a partir de fotos aéreas e não faz concentração [demográfica] e pela localização das áreas
contagem da população. de risco e de preservação ambiental."
A iniciativa do governador Sérgio Cabral [...]
(PMDB) recebeu críticas do escritor português José Procurados pela reportagem, o governador
Saramago e do coordenador do Instituto Brasileiro de Sérgio Cabral Filho e o vice-governador Luiz Fernando
Análises Sociais e Econômicas, Itamar Silva [...]. Pezão não quiseram comentar o assunto.
O Estado afirma que o objetivo da medida é
conter a expansão das favelas. Serão mais de 11 mil
metros de muros de três metros de altura, ao custo
previsto de R$ 40 milhões. As construções de uma
creche, um hospital e dois centros de integração e
cidadania na Rocinha (com restaurante e usina de
reciclagem), por meio do Programa de Aceleração do
6
Texto organizado pelo professor, a partir da obra de: Folha de S.Paulo, por:
ITALO NOGUEIRA, ANDRÉ ZAHAR. 02/4/2009. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u544553.shtml
10. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
fortíssima, conforme todas as pesquisas
comprovam. Se o Brasil é injusto no plano social, é
ainda mais no racial.
Nas universidades, por exemplo, há apenas
2% de negros estudantes e apenas 1% de negros
docentes, embora eles constituam 45% da
população brasileira. É por essa razão que há
alguns anos surgiu o movimento no sentido de
implantar no Brasil iniciativas de ação afirmativa.
OS MITOS RACIAIS7 Quando o movimento começou, os nacionalistas
de ocasião disseram que isso era invenção
DOIS MANIFESTOS dividiram a sociedade
americana; alguns hesitaram em lembrar o triste
brasileira: um contra a definição de cotas para
negros e índios nas universidades e a reserva de argumento do branqueamento gradual; outros
vagas para minorias no serviço público; outro, a apontaram as dificuldades em distinguir as raças
favor. Nos dois manifestos, impressionam a falta no Brasil; a maioria dos contrários argumentou que
de argumentos e a ausência de propostas a definição legal de raças só agravaria a situação.
alternativas dos adversários das duas políticas de
ação afirmativa, a não ser a reafirmação da Por quê? Porque tornaria as diferenças
universalidade dos direitos -da igualdade de todos raciais, que no Brasil são muitas vezes imprecisas,
perante a lei. claras e, por essa razão, poria em cheque a "paz
Esse é um princípio fundamental da nossa
racial" ou a "harmonia natural" que regeriam as
Constituição, mas, sendo ela um documento do
relações de raça no país. Vemos, assim, que há
século 20, não é um princípio vazio de conteúdo
outras versões do mito da democracia racial:
social. No século 18, a igualdade de todos perante
versões que colocam a ordem, transmutada em
a lei representava um grande avanço político
paz e em harmonia, no centro da questão. O
quando a burguesia liberal lutava contra o Estado
conservadorismo de nossa sociedade reaparece
absoluto: era a luta de uma classe média em
assim com toda a força. Além dos argumentos
ascensão contra uma aristocracia montada em
liberais da igualdade perante a lei, também os
cima de privilégios legais. Depois disso, porém, o
argumentos da defesa da ordem ressurgem no
mundo avançou politicamente. Percebeu-se que
debate. A paz social é necessária, mas não é
não bastava a igualdade perante a lei, era preciso
perpetuando a injustiça que ela será alcançada.
também a igualdade de oportunidades entre as
classes sociais e entre as raças. Não basta que se almeje "um Brasil no qual
ninguém seja discriminado", como diz o manifesto
No Brasil, preocupamo-nos apenas com a
contra. É preciso ter a coragem que 30
igualdade social. Alguns avanços foram
universidades brasileiras já tiveram e começar a
alcançados nesse campo, embora o país continue
adotar ações afirmativas contra a discriminação.
um dos mais desiguais do mundo. No plano racial,
As ações afirmativas que estão sendo propostas
porém, fomos incrivelmente displicentes. Apoiados
não são apenas justas: são razoáveis. Elas não
no fato de que somos um país mestiço -e, de fato,
ameaçam a ordem, apenas fazem avançar
somos-, supusemos que tínhamos aqui uma
modestamente a justiça. Têm razão os
democracia racial -ou quase. Não a temos -nem
subscritores do manifesto a favor quando afirmam
quase. Caetano Veloso estava certo quando
que o documento contra "parece uma reedição, no
concordou que a democracia racial no Brasil era
século 21, do imobilismo subjacente à Constituição
um mito e acrescentou: "Mas um belo mito". De
da República de 1891: zerou, num toque de
fato, é um belo mito, no sentido de nos fazer
mágica, as desigualdades causadas por séculos
orgulhosos de nossa mestiçagem e de nos levar a
de exclusão e racismo e jogou para um futuro
rejeitar toda discriminação racial. Mas a rejeição é
incerto o dia em que negros e índios poderão ter
teórica. Na prática, a discriminação no Brasil é
acesso eqüitativo à educação, às riquezas, aos
bens e aos serviços acumulados pelo Estado
7
Luiz Carlos Bresser-Pereira, Folha de S.Paulo, 17.7.2006.
brasileiro".
11. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
Quando os primeiros jesuítas aqui
chegaram, o processo de cristianização dos índios
por eles empreendido facilitou a política de
dominação da metrópole. Mesmo que possamos
considerar não ter sido esta a intenção dos missio-
nários, imbuídos de ardor religioso, eles foram
vítimas de avaliações etnocêntricas, pois estavam
convencidos da superioridade da sua cultura e
8
O RACISMO religião. Ao "docilizarem" os índios, adequando-os
a padrões estranhos, deram início à desintegração
A origem da discriminação, seja ela de raça
da cultura indígena.
ou de sexo, geralmente é conseqüência da
desigualdade social. Desde a Antigüidade grega, Os colonizadores, usando a violência física,
em toda a história do mundo ocidental o poder é dizimaram as tribos indígenas e escravizaram os
branco, masculino e adulto. que puderam. Apesar disso, geralmente são
enaltecidos nos relatos da história oficial como va-
No Brasil, a longa tradição histórica de
lentes desbravadores do sertão e conquistadores
rígidas hierarquias sociais se expressa por meio de
que "levaram o progresso" às terras "bárbaras".
formas políticas de dominação. No entanto, ao
contrário dos EUA ou da África do Sul, locais onde Em pleno século XX, apesar da con-
o racismo é explícito, os brasileiros camuflam o tribuição da antropologia e etnologia, continua a
preconceito por meio do "mito da democracia violência contra os índios, expulsos dos seus
racial". Isso, em última análise, até prejudica o territórios ou aculturados de maneira inadequada
equaciona-mento do problema e a luta organizada por motivos os mais diversos: construção de
das vítimas do preconceito. estradas, instalação de fazendas, garimpo etc.
O índio O negro
Para analisar o problema do racismo no Da mesma forma que o índio foi
Brasil desde o seu início, precisamos lembrar que inferiorizado, a origem do preconceito contra o
a colonização das Américas partiu da necessidade negro se acha na tradição da escravidão. Não
de expansão comercial da burguesia enriquecida importa se para cá vieram, entre os negros
pela Revolução Comercial. As colônias africanos, alguns de seus valorosos chefes
significavam, portanto, não só maior possibilidade guerreiros. Tornados escravos, a inferiorização se
de consumo, como também a condição de tornou inevitável.
fornecimento de produtos tropicais e metais
E, talvez para conciliar o absurdo da
preciosos indispensáveis para a expansão
dominação com a tradição cristã, os senhores
capitalista.
acalmaram a consciência com a convicção de que
o negro era semi-animal, bruto e rebelde, exigindo
8
Texto extraídos da obra: Temas de filosofia / Maria Lúcia de Arruda
Aranha, Maria Helena Pires Martins — São Paulo : Moderna, 1992.
pulso forte por parte do dominador. Por resistir ao
trabalho escravo, o negro passa a ser avaliado por
12. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
meio de estereótipos: é indolente, malandro,
cachaceiro. Ou seja, a situação subumana a que
são lançados os escravos é compreendida a partir
de uma inversão típica da ideologia: em vez de
considerar a inferiorização do negro como con-
seqüência da dominação, a dominação é
justificada porque o negro é considerado um ser
inferior. O próprio negro interioriza a concepção do
branco, o que dificulta a afirmação de sua identi-
dade e o assumir da consciência étnica. Daí os
desvios de comportamento dos negros que, ao
desejarem se integrar no mundo dos brancos,
representam papéis reforçadores da exclusão,
agindo de acordo com padrões "brancos". É nessa
linha que ouvimos falar em "negros de alma
branca" e na valorização do "negro humilde" em
contraposição ao "negro pernóstico" que "não
reconhece seu lugar".
ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES
13. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
compreender a existência humana. Os
estereótipos da feminilidade geralmente resultam
da atitude preconceituosa com relação à mulher e
contribuem para sua discriminação. Em outras
palavras, o estereótipo da feminilidade acentua a
situação de dependência e infantiliza a mulher,
vista como ser relativamente incapaz. Na história
de todas as culturas, ela se acha confinada ao lar,
O MACHISMO9
subordinada ao pai e depois ao marido, ocupando-
Dissemos no item anterior que o poder é se de tarefas domésticas tais como gerar e educar
branco, masculino e adulto. Portanto, uma das os filhos, cuidar da alimentação e manutenção da
características da nossa civilização é ser casa, sem nunca se afastar dos domínios
androcêntrica, ou seja, centrada na figura domésticos.
masculina. Os direitos, deveres, aspirações e
Talvez esse esboço da situação feminina
sentimentos das mulheres se acham há tempos
pareça estar bastante superado nos grandes
(calculam-se seis milênios!) subordinados aos
centros urbanos, onde a mulher conquistou
interesses do patriarcado, isto é, ao sistema de
espaços nos mais diversos campos de trabalho e
relações sociais que garante a dependência da
vem garantindo sua autonomia.
mulher em relação ao homem.
Mesmo assim, o processo de emancipação
Geralmente as formas de dominação se
não atingiu muitas regiões do globo, não penetrou
impõem pela "naturalização", que consiste em
no campo. E, mesmo onde a liberação parece
considerar naturais certas características que na
consolidada, persistem formas sutis de dominação.
verdade foram construídas a partir das relações
Por exemplo, a mulher que trabalha fora arca com
sociais. Nasce o "mito da feminilidade", segundo o
a dupla jornada de trabalho, uma vez que as
qual a "natureza feminina" teria certas virtudes e
tarefas domésticas são consideradas "natural-
defeitos próprios da mulher: por um lado ela seria
mente" incumbência feminina. A própria mulher
sensível, amorosa, altruísta, maternal, intuitiva, e
assume esse papel, apesar do risco de não
por outro lado seria frágil, dependente, sem
conseguir se profissionalizar sem sentimento de
iniciativa, instável, deixando-se levar pela emoção,
culpa, nem se ocupar adequadamente com os ser-
ao mesmo tempo que também pode ser con-
viços da casa.
siderada volúvel, dissimulada e perigosa...
Além disso, sabemos que as mulheres são
Mas todas as vezes que procuramos definir
discriminadas profissionalmente, recebendo
o "ser-em-si", tal como a "natureza do homem", a
remuneração abaixo dos homens para serviços
"natureza da mulher", a "natureza da criança", cor-
idênticos, sendo preteridas em cargos de chefia e
remos o risco de forjar estereótipos, formas
constantemente excluídas da vida política.
simplificadas, redutoras e empobrecidas de
Quando a duras penas conseguem
9
Texto extraídos da obra: Temas de filosofia / Maria Lúcia de conquistar cargos públicos, com freqüência ocorre
Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins — São Paulo : Moderna,
1992. a confusão entre o público e o privado, ou seja, as
14. Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida
pessoas não conseguem separar a figura pública
da deputada, senadora ou ministra da figura de
mãe, mulher ou amante. Os mexericos que
envolvem a conduta sexual da mulher adquirem tal
dimensão que chegam a comprometer os critérios
de avaliação do seu desempenho profissional.
Podemos dizer que o processo de
emancipação feminina é a grande e principal
revolução do século XX, e a que mais
fundamentalmente vem subvertendo a ordem do
mundo. Reconhecer que a mulher é um ser
humano integral e que, apesar de diferente do ho-
mem, pode conviver com ele muito além da
relação de mando e obediência, abre caminho para
uma humanidade mais justa (e, por que não, mais
feliz?) em que a amizade poderá prevalecer sobre
a hierarquia.