1. CHOQUE
I – Conceito:
Choque é uma desordem sistêmica, onde a apresentação clínica se faz variável, conforme
cada órgão é afetado diferentemente, dependendo da gravidade do déficit perfusional, da causa
básica e da disfunção orgânica primária.
Infelizmente, apesar de décadas de pesquisa, sua mortalidade permanece alta.
Tal assertiva, nos obriga a iniciarmos imediatamente uma abordagem sobre o paciente,
preferencialmente em um CTI, tamanha a complexidade e o número de variáveis a ser
considerado durante o manuseio diagnóstico e terapêutico.
A possibilidade de recuperação com sucesso aumenta com a rápida reversão dos fatores
precipitantes, bem como, a adequada manutenção das funções vitais.
II – Definição:
Síndrome clínica aguda caracterizada por perfusão tissular reduzida ou ineficaz, que resulta
em déficit intra-celular de oxigênio e conseqüente isquemia celular. Esse dano poderá evoluir
para disfunção orgânica grave e morte, se apropriado tratamento não for prontamente instituído.
III – Patogênese:
A hipoperfusão tissular, que pode ser secundária a hipotensão prolongada ou oferta diminuída
de O2, leva à hipóxia tecidual, metabolismo anaeróbio, e ruptura da integridade celular. Esta
injúria celular é a base para as anormalidades funcionais dos órgãos, que conforme são
acometidos, ajudam a compor o quadro clínico do paciente.
Embora duas manifestações sistêmicas comuns do choque sejam a hipotensão arterial e a
acidose metabólica, elas não são pré-requisitos para o reconhecimento da síndrome.
A classificação do choque em 4 tipos, que podem se sobrepor de modo sinérgico, se baseia na
causa e nas características dos padrões hemodinâmicos ( ver Tabelas 1 e 2).
A. Hipovolêmico – causado por perda de volume intravascular, em geral entre 20% e
25% do volume sanguíneo circulante. Hemodinamicamente é caracterizado por uma
acentuada diminuição das pressões e volumes diastólicos cardíacos de enchimento,
com uma conseqüente diminuição do volume de “stroke”. O débito cardíaco é
parcialmente mantido por uma taquicardia compensatória.
B. Obstrutivo – associado a um impedimento mecânico do retorno venoso, da saída de
fluxo arterial do coração, ou ambos. Mais de um padrão hemodinâmico pode ser
observado, dependendo da causa, variando de uma franca diminuição das pressões de
enchimento ( como nas compressões mediastinais de grandes vasos), passando pela
tendência de equalização das pressões ( tamponamento cardíaco e pericardite
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2. constrictiva), até um marcante aumento na pressão de enchimento de ventrículo
direito com baixa pressão capilar pulmonar ( embolia pulmonar maciça).
C. Cardiogênico – causado por uma falência primária do coração em gerar adequado
débito cardíaco. Os padrões hemodinâmicos característicos são o índice cardíaco
baixo ( < 2 L/min/m2) e a pressão capilar pulmonar aumentada (> 17 a 20 mm Hg).
No caso de uma disfunção ventricular direita, variante do choque cardiogênico, os
achados hemodinâmicos costumam ser uma pressão atrial direita aumentada, em
comparação com a pressão capilar pulmonar; uma pressão diastólica de ventrículo
direito aumentada e uma pressão de artéria pulmonar reduzida. O débito cardíaco está
diminuído, e pode ocorrer uma equalização das pressões diastólicas finais de átrio e
ventrículo.
D. Distributivo – causas variadas que levam a uma diminuição do tônus vascular,
resultando em uma vasodilatação arterial, acúmulo de sangue nos leitos venosos, e
uma conseqüente redistribuição de fluxo sanguíneo. Em sua fase inicial, é
considerado um estado hiperdinâmico, caracterizado por alto débito cardíaco,
pressões de enchimento cardíaco variando entre valores baixo e normal, e diminuição
da resistência vascular sistêmica. Na fase tardia do choque, a função cardíaca se
deteriora, passando então a ter comportamento hemodinâmico semelhante ao choque
cardiogênico.
Hipovolêmico Obstrutivo
Trauma Pneumotórax hipertensivo
Hemorragia Gastrointestinal Embolia Pulmonar
Desidratação Dissecção Aórtica
Vômitos Hipertensão Arterial Pulmonar Aguda
Diarréia Tamponamento Pericárdico
Fístula Ventilação por Pressão Positiva
Queimadura Tumores Mediastínicos
Perda para 3º espaço
Cardiogênico Distributivo
Infarto Agudo do Miocárdio SRIS
Contusão Miocárdica (Sepse, Pancreatite, Trauma, Queimadura)
Miocardite Anafilático
Cardiodepressão ( drogas, acidose, Neurogênico ( Trauma Raquimedular)
hipóxia) Farmacológico
Estenose ou Regurgitação Valvular ( vasodilatadores,benzodiazepínicos)
Arritmias Endócrino ( Mixedema, Insuf. Adrenal)
Tabela 1. Classificação de Choque e Algumas Possíveis Etiologias
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3. Tipo DC RVS Pcap PVC SvO2
Hipovolêmico ↓ ↑ ↓ ↓ ↓
Cardiogênico
IAM de Ventr. ↓ ↑ ↑ N-↑ ↓
Esquerdo ↓ ↑ N-↓ ↑ ↓
IAM de Ventr.
Direito
Obstrutivo
Tamponamento ↓ ↑ ↑ ↑ ↓
Pericárdico ↓ ↑ N-↓ ↑ ↓
Embolia Pulmonar
Maciça
Distributivo
Precoce ↓ - N - ↑-N- N N-↑ N-↓
Tardio ↑ ↓ N N ↓ (raramente ↑)
↓ ↑
Tabela 2. Padrões Hemodinâmicos Comuns no Choque
DC – débito cardíaco; RVS – resistência vascular sistêmica; Pcap – pressão capilar pulmonar;
PVC – pressão venosa central; SvO2 – saturação venosa mista de oxigênio;
IAM – Infarto Agudo do Miocárdio; N – normal
IV– Quadro clínico:
As manifestações clínicas do choque ocorrem em órgãos diversos, preferencialmente cérebro,
coração e rins, a partir de uma disfunção destes, originária na hipoperfusão. Tais manifestações
variarão conforme o nível prévio de função orgânica, os mecanismos compensatórios e a causa
do choque.
Abaixo estão listadas, conforme o sistema orgânico, as principais manifestações para o
reconhecimento clínico do choque.
Sistema Nervoso Central
- Alterações do estado mental
- Pupilas puntiformes
Sistema Cardiovascular
- Taquicardia
- Arritmias
- Hipotensão arterial
- Novos sopros cardíacos
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4. - Pulsação venosa jugular diminuída ou aumentada
Sistema Respiratório
- Taquipnéia
- Cianose
Sistema Renal
- Oligúria
Pele
- Fria e umedecida
Outros
- Acidose lática
- Febre
V – Conduta diagnóstica e terapêutica:
1. Avaliar vias aéreas e ventilação – muitos pacientes irão se beneficiar de entubação
precoce para proteger vias aéreas de aspiração de conteúdo gástrico e/ou sangue, e
facilitar a ventilação e oxigenação, que poderão ser concretizadas com menor esforço,
principalmente se em uso de ventilação mecânica invasiva.
2. Estabelecer no mínimo 2 acessos venosos periféricos, que permitirão reposição
volêmica rápida, e considerar o acesso venoso central, útil para a monitorização e
rápida administração de drogas.
3. Proceder monitorização padrão com cardioscópio, oxímetro de pulso, pressão arterial
não invasiva, débito urinário, freqüência respiratória e temperatura corporal.
4. Qualquer bradi ou taquiarritmia que possa comprometer o estado hemodinâmico,
deve ser prontamente revertida.
5. Se pelo exame físico e radiográfico, não há diagnóstico inicial de Insuficiência
Ventricular Esquerda, iniciar reposição volêmica com 500 a 750 ml de colóide ou,
1000 a 2000 ml de solução cristalóide durante a primeira hora.
6. Quando necessária a reposição sanguínea imediata, utilizar O negativo, até que sejam
realizadas as adequadas provas de tipagem sanguínea e reação cruzada.
7. Se reposição volêmica inicial não mostra resultado ou, se há piora hemodinâmica,
iniciar drogas vasopressoras – Dopamina ou Noradrenalina ( ver Tabela 3, com as
drogas vasoativas e seus respectivos efeitos predominantes, doses e usos clínicos).
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5. 8. Proceder monitorizações invasivas de pressão arterial média (PAM), pressão venosa
central (PVC) e, uso do cateter de Swan-Ganz para avaliação da performance de
ventrículos esquerdo e direito, e débito cardíaco.
9. Solicitar exames complementares: hemograma completo, gasometria arterial, lactato
sérico, glicose, uréia, creatinina, eletrólitos, coagulograma, ECG, radiografia de tórax,
EAS e, culturas dos materiais orgânicos relevantes quando da suspeita de Sepse.
10. Neste último caso, iniciar cobertura antibiótica empírica, enquanto exames mais
específicos são avaliados.
11. Se há suspeita de Insuficiência Suprarrenal – refratariedade à reposição volêmica e
drogas vasopressoras – fazer Dexametasona EV ( não alterará o teste de estimulação
da Cortrosina [ACTH]).
12. Se houver evento isquêmico cardiogênico, avaliar uso de trombólise ou cateterização
cardíaca de emergência.
Droga Efeito Predominante Efeito Predominante Dose Uso Clínico
Cardíaco Periférico
Dobutamina + Freqüência cardíaca (β1) + Dilatação arterial (β2) 1 – 10 µg/kg/min Choq.
+++ Contratilidade (β1, α) Cardiogênico,
séptico e obstrutivo
Dopamina ++ Freqüência cardíaca ++ Constric. arterial (α) 1 – 15 µg/kg/min Todas as formas de
(β1) +++ Dilatação arterial renal, ( dose renal 1 – 4 choque
++ Contratilidade (β1, α) mesentérica, cerebral e µg/kg/min)
coronária (DA1 e DA2)
Adrenalina +++ Freqüência cardíaca ++ Constric. arterial (α) 1 – 10 µg/kg/min Anafilaxia e choque
(β1) refratário
+++ Contratilidade (β1, α)
Noradrenalina ++ Freqüência cardíaca +++ Constric. arterial (α) 2 – 20 µg/kg/min Choque séptico e
(β1) refratário
++ Contratilidade (β1, α)
Nitroprussiato Sem efeito direto +++ Dilatação arterial 0.5 - 8µg/kg Choq.
++ Venodilatação /min Cardiogênico,
séptico e obstrutivo
Nitroglicerina Sem efeito direto +++ Venodilatação 5 – 66 µg/min Choq.
+ Dilatação arterial Cardiogênico,
séptico e obstrutivo
Tabela 3. Agentes farmacológicos comumente usados em pacientes com Choque
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6. 13. Se suspeita de Embolia Pulmonar maciça, confirmar o diagnóstico o mais precoce
possível, visando uma possível embolectomia ou trombólise.
14. Dependendo do caso, considerar outras intervenções como: uso de Sulfato de
Morfina, diuréticos de alça, nitroglicerina venosa ou sublingual, uso de nitroprussiato
e balão intra-aórtico.
Observações importantes:
● A ressuscitação deve ser avaliada por metas clínicas como pressão arterial,
freqüência cardíaca, débito urinário, perfusão da pele, e estado mental, e índices de
perfusão tissular tais como a concentração sérica de lactato e a SvO2.
● A reposição volêmica inicial com cristalóides isotônicos ou colóides iso-oncóticos,
tem o mesmo poder efetivo, quando direcionados para a mesma meta
hemodinâmica.
● A concentração de hemoglobina deve ser mantida acima de 8 a 10 g/dL.
● Dopamina e Noradrenalina são ambas efetivas no aumento da pressão arterial,
sendo imperativo garantir que os pacientes estejam ressuscitados volemicamente
de modo adequado.
● A Dopamina aumenta o débito cardíaco mais que a Noradrenalina, mas seu uso
pode ser limitado pela taquicardia.
● A Adrenalina deve ser considerada para hipotensões ou choques refratários, embora
seus efeitos adversos sejam comuns.
● A administração rotineira de baixas doses de Dopamina para manter função renal
não é recomendada, embora essas baixas doses possam aumentar o fluxo sanguíneo
renal em alguns pacientes, quando adicionadas a Noradrenalina.
● Em pacientes com evidência de hipoperfusão tissular, a adição de Dobutamina pode
ser útil para aumentar o débito cardíaco e melhorar a perfusão orgânica.
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7. VI - Bibliografia recomendada:
1. Jimenez EJ. Shock. In: Civetta JM, Taylor RW, Kirby RR, eds. Critical Care. 3 rd Ed.
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Shapiro MJ, Singer M, Suter PM, eds. Oxford Textbook of Critical Care. 1 st Ed. Oxford, UK:
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3. Task Force of the American College of Critical Care Medicine, Society of Critical Care
Medicine. Practice parameters for hemodynamic support of sepsis in adult patients in sepsis.
Critical Care Medicine 27: 639 – 660, 1999.
4. Chow JL, Baker K, Bigatello LM. Hypotension and Shock. In: Hurford WE, ed. Critical Care
Handbook of the Massachusetts General Hospital. 3rd Ed. Philadelphia, PA: Lippincott
Williams & Wilkins: 145 – 158, 2000.
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8. VI - Bibliografia recomendada:
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10. VI - Bibliografia recomendada:
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