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CONCEPTUALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO SOCIAL
       EM TRABALHO EM REDE




      HELENA NEVES ALMEIDA 1


                                         O conceito de mediação deriva etimologicamente do latim

                                         mediare (interpor-se) e foi empregue através dos tempos

                                         para designar uma oferta de interposição muitas vezes

                                         imposta a dois beligerantes. Actualmente o termo

                                         ultrapassa largamente essa concepção, e assume-se como
                                                                                                          2
                                         um modo de gestão de um "sistema de transacções"                     no

                                         quadro da acção social. A prática de mediação surge nos

                                         anos 70 nos Estados Unidos da América principalmente no

                                         sentido de regular litígios sem recurso a instancias

                                         jurídicas, como uma prática decorrente da insatisfação

                                         sentida pelas pessoas devido à lentidão dos processos

                                         judiciais, aos seus custos e por vezes à falta de respeito


1
  Professora auxiliar do Instituto Superior Bissaya-Barreto (Coimbra), Doutorada em Trabalho Social pela
Faculdade de Letras da Universidade de Fribourg (Suiça).
2
  BONDU D., Nouvelles pratiques de médiation sociale. Jeunes en difficultés et travailleurs sociaux, Paris, ESF,
1998, p.14.

                                                                                                               3
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


pelas decisões. A mediação emerge como um               Existem sobretudo duas concepções de

modo de resolução de conflitos entre                    mediação: uma ligada à cultura americana que

particulares e entre estes e os serviços                a encara como um meio alternativo de

públicos e como "um modo de regulação                   resolução de conflitos, embora com contornos

social"3 de que as "boutiques de droit" e os            próprios, e uma outra, mais universalista,

"community board" são exemplo4.                         europeia, herdeira da Declaração dos Direitos

                                                        do Homem e do Cidadão de 1789, em que “o
3
  Cf. BONAFÉ-SCHMITT J.P., “Plaidoyer pour une
sociologie de la médiation”           in Annales de     outro” é um ser diferente mas igual, e para a
Vaucresson, 29, 1988, pp.19-44, et BONAFÉ-
SCHMITT, J.P. & al., Médiation et régulation            qual as semelhanças são mais importantes do
sociale, GLSI -Université Lyon II, 1992.
4                                                       que as diferenças. Neste contexto, a mediação
  As boutiques de droit, associações de informação
jurídica, surgiram em França (1975) por iniciativa
de advogados e militantes associativos. Instalaram-     está centrada sobre a regulação constante das
se nos bairros para dar resposta à procura social
das populações mais desfavorecidas e facilitar-         relações sociais. Ela opera novos laços, de
lhes o acesso ao “direito a ter direito”. O projecto
de mediação sobre o qual as "boutiques de droit"        forma criativa, renovando laços cortados,
assentam, baseia-se na criação de estruturas de
proximidade e na implicação activa dos habitantes.      gerindo    a   sua    ruptura.    Enquanto      os
Por tudo isto, Bonafé-Schmitt considera a
mediação, uma justiça doce. Nos termos da "Carta
                                                        americanos têm o culto da negociação, os
da mediação e das boutiques de droit" (divulgada
por Philippe Turrel, Vers un droit d'ingérence
sociale , 1995, in SIX, J.F., Dynamique de la           europeus têm o da lei. Bonafé-Schmitt (1999,
médiation, Paris, Desclée de Brower, 1995, p.147)
o conceito parece como percursor de um direito de       18) está convencido de que “as formas e o
ingerência social (“ Le choix d’action des Boutiques
de Droit procède d’un droit d’ingérence sociale de
certains acteurs de la Société Civile qui permettrait
à des habitants des quartiers, désignés comme           permitiu dar voz aos conflitos existentes, tendo
médiateurs, d’être porteurs d’une certaine              sido criado um espaço onde as pessoas podiam
légitimité” in TURREK, op. cit., p.8.) de certos        falar dos seus problemas e resolvê-los com a ajuda
actores da sociedade civil, direito que daria           de terceiros e extra-judicialmente.           Nesta
legitimidade aos habitantes dos bairros designados      perspectiva, mediação é também entendida como
como mediadores. O domínio da sua acção é o             uma acção preventiva da marginalidade. A
contencioso do quotidiano, é a regulação de litígios    experiência de San Francisco é diferente de outros
menores (pequenos furtos, querelas verbais, maus        modelos de mediação, uma vez que: a) a
cheiros na via pública). No que respeita as             mediação é concebida como um meio de
Community Boards, a mais conhecida é a de San           solucionar assuntos penais, como uma acção de
Francisco      que funciona independente dos            prevenção de criminalidade, e b) visa a regulação
tribunais. Esta iniciativa visava humanizar o tecido    pacífica de conflitos menores pela revitalização do
social em que se manifestam conflitos                   espírito comunitário nos bairros urbanos. Neste
interpessoais e pretendia implicar cada cidadão         contexto, a mediação ultrapassa a resolução de
através da sua responsabilização na procura de          conflitos: os cidadãos procuram a paz social pela
uma solução. O trabalho de base consistiu no            redução de tensões sociais e raciais, pelo
estabelecimento de contactos com a população e          desenvolvimento de solidariedades , pela
com as instituições. O clima de confiança criado        prevenção de conflitos de vizinhança. Neste caso, a

                                                                                                         4
Investigação e Debate (17)

desenvolvimento da mediação nos diferentes        equipamentos           domésticos        e         das

países são directamente influenciadas pelos       comunicações.         Porém,        à     crescente

sistemas de regulação social”. Uma análise        institucionalização     das    relações      sociais

comparada desenvolvida pelo autor e seus          associou-se uma burocratização dos serviços

colaboradores    sobre   a   medição     penal    que tem contribuído para o arrastamento do

existente em França e nos Estados Unidos,         processo    de   resolução       das     situações,

evidencia diferentes modelos de integração        sobretudo no âmbito da justiça, da saúde e

social subjacentes aos modelos de medição. O      da protecção social.

modelo francês é universalista e republicano e    Apesar de os princípios da igualdade de

o modelo americano é diferencialista ou           direitos sociais e da universalidade da

comunitário. Estas diferenças de modelos          protecção social pública fazerem parte da

explicam porque nos Estados Unidos se fala        nossa memória colectiva recente, o direito à

mais de “mediação comunitária” e que em           indignação começa a ter eco junto das

França se realce “a mediação de bairro, social    populações, sempre que as decisões políticas

ou intercultural”. Após os anos oitenta,          inibam ou contrariem a aplicação de tais

começou-se a falar de práticas de mediação        direitos. Surgem queixas individuais e até

fortemente influenciadas pelas correntes          movimentos sociais de contestação 5 e de

americanas.                                       reivindicação, que exigem o desenvolvimento

Numa Europa cujo desenvolvimento se               de processos que facilitem a resolução dos

processa a ritmos diversos, Portugal é um dos     conflitos   emergentes.       Nesse     sentido,    a

países da União Europeia cuja modernização        administração pública instituiu nos diversos

económica e social se tem vindo a processar       serviços gabinetes para a recepção de queixas

sobretudo nas últimas três décadas, com
                                                  informação, educação e acção”.
                                                  5
indicadores positivos a nível dos padrões de        É disso exemplo, o movimento de contestação à
                                                  política de co-incineração dos resíduos tóxicos,
                                                  desenvolvida pelo Governo Português, que tem
consumo, dos costumes, do acesso aos
                                                  mobilizado a população em grupos de contestação
                                                  social no sentido de encontrar alternativas que
                                                  respeitem as preocupações da população em
mediação "é uma incitação cívica e pessoal pela   relação ao meio ambiente e à saúde pública.

                                                                                                      5
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


individuais relativas aos conflitos que possam       povos. Face ao exposto, pode-se afirmar que

existir entre utentes e serviços, mas a sua          em Portugal o conceito e a prática de

resolução é demorada. A nível de pequenos            mediação estão em construção, pelo que se

conflitos entre cidadãos, e a nível de               torna imperioso aprofundar conhecimento

consumo, foram instituídos tribunais de              neste domínio.

arbitragem, tentando diminuir os custos que          De facto, a prática de mediação expandiu-se

acarretam processos judiciais demorados. Em          por diversos campos de intervenção e foi

qualquer     destes      recursos     utilizam-se    assumindo diferentes perfis no quotidiano.

processos    alternativos   de    resolução    de    Hoje assiste-se à proliferação da diversidade

conflitos, como a conciliação, a negociação ou       de mediadores e de práticas de mediação

a arbitragem. Porém, tais processos não se           como resposta criativa a conflitos inscritos nas

confundem com a mediação6. A mediação                relações inter-pessoais ou decorrentes de

social tem sido assegurada por profissionais         mudanças       sociais,     designadamente,      a

que trabalham nas organizações sociais, mas          institucionalização       das   relações   sociais,

está desprovida de uma concepção clara e             alterações a nível do perfil e funções da

orientada por finalidades específicas. Se a          família, a mundialização da economia, a

nível europeu a mediação está presente no            expansão da sociedade da informação e a

discurso político e na prática institucional, em     crise do Estado-Providência. Defende-se o

Portugal tem sido essencialmente utilizada a         processo de mediação em áreas diversas,

nível político, designadamente no plano              quando     o   conflito     assume    um    papel

internacional e no caso de conflitos entre           predominante nas relações a nível familiar,

6
                                                     penal, administrativo, escolar, político, social,
     Constituem excepções algumas práticas
comunitárias onde se começa a fazer intervir a       ou a nível empresarial, e sempre que a
figura de mediador (por exemplo, no quadro das
políticas de integração das minorias étnicas) e na
                                                     procura de alternativas exigir a intervenção de
área familiar que, neste momento, possui
instâncias de mediação, designadamente o
Instituto Português de Mediação Familiar (1993) e    uma    terceira    pessoa       que   valorize   a
a Associação Nacional para a Mediação Familiar
(1997), dando corpo a uma prática de mediação, já    comunicação entre as partes e a capacidade
instituída na Europa há alguns anos.

                                                                                                      6
Investigação e Debate (17)

de tomada de decisão por parte dos litigantes             intervenção de uma terceira pessoa exterior à

no estabelecimento de um acordo mútuo. O                  sua rede de relações. Porém, a dispersão e

conflito, o equilíbrio e a mudança constituem             difusão acometida a tal diversidade poderão

pólos referenciais da expansão de práticas                constituir    um   indicador       de    insuficiente

mediadoras; a mediação é utilizada em                     reflexão que descapitaliza o conhecimento a

situações de conflito, no sentido de o                    nível da intervenção.

controlar     ou      prevenir,    estabelecer       ou   A primeira exigência que se coloca é a

reestabelecer laços sociais, e deste modo,                clarificação conceptual.

regular     relações     sociais   ou       impulsionar

mudanças a nível pessoal, inter-individual e              1 – CARACTERÍSTICAS CONCEPTUAIS DA

social.                                                   MEDIAÇÃO

No quadro da diversidade da produção escrita

sobre a mediação, são predominantes as                    1.1 -    A    mediação        é    frequentemente

abordagens sociológicas reflexivas, raramente                 confundida com conciliação, arbitragem,

de base ontológica. Ora, a diversidade de                     negociação e resolução de conflitos, mas

práticas profissionais constitui um factor de                 constitui um processo distinto.

dinamização        do    saber     fazer,     dada    a

criatividade permanente que a complexidade                   A conciliação é um processo formal ou

das situações-problema coloca ao processo de                  informal pelo qual as partes, com a

procura de alternativas. Este tem sido um                     intervenção ou não de uma terceira

factor valorizador do saber profissional                      pessoa, tendem a aproximar os seus

daqueles que diariamente contactam com                        pontos de vista visando uma solução para

utentes de serviços sociais, com populações                   o seu litígio. Quando existe uma terceira

socialmente excluídas ou com pessoas que no                   pessoa, compete-lhe propiciar a discussão

seu       dia-a-dia       se       debatem         com        do       assunto     entre      as      pessoas,

conflitos/problemas cuja solução passa pela                   restabelecendo        a       comunicação      e


                                                                                                             7
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


      ajudando as partes em litígio a encontrar          conjunto com as partes envolvidas. Deste

      soluções através de um processo de                 modo, conciliação e mediação são de natureza

      sucessivas aproximações. O conciliador             semelhante apesar de a conciliação ser de

      organiza o encontro entre dois ou mais             natureza judiciária8 e a mediação de natureza

      parceiros em conflito e promove a                  extra-judiciária   (Six,   J.P.,   1995).    Uma

      realização de um acordo verbal ou escrito.         característica da mediação é o facto de ela ser

      A conciliação é ainda um estado de                 "non-procedure", como refere Paul Paclot9,

      espírito, que caracteriza todos os que             Presidente honorário do Tribunal de Comércio

      privilegiam as relações humanas, a atitude         de Paris, num colóquio realizado em 1986.

      de escuta e diálogo, e que os adquirem             Com efeito, as partes estão livres do

      depois de uma reflexão seriamente                  constrangimento processual, e tal facto

      conduzida tanto a nível teórico como               contribui para que aqueles que a ela recorrem

      prático. Não se improvisa e é um                   não a percebam como uma justiça. O

      "suplemento de alma" 7 ao procedimento             mediador não está investido de qualquer

      clássico da justiça. A prática da conciliação      poder, nem tem o imperium do juiz. "Esta

      confronta-se com os limites da prática da          forma de mediação por conciliação é muito

      palavra inerentes a qualquer reencontro            utilizada tanto nas interacções privadas (no

      inter-subjectivo (Martin & Masson, 1986).

                                                         Le Bulletin, 8, 1986.
                                                         8
                                                           Pierre Estoup num artigo publicado em 1986
Aquilo que separa a mediação da conciliação é            considera que os tribunais não são forçosamente o
                                                         local único de solução de todos os conflitos. É
uma questão de peso e duração. A mediação                necessário que para pequenos litígios sejam
                                                         favorecidas soluções rápidas e pouco onerosas ,
aplica-se a questões de maior importância,               fundadas sobre a equidade. Porém, salienta que o
                                                         desenvolvimento de procedimentos de conciliação
                                                         e de composição amigável exige uma mudança de
sendo o tempo utilizado no processo maior do             mentalidades de todos os participantes na acção
                                                         judiciária (cf. ESTOUP P., “Conciliation et amiable
que na conciliação. Em todo o caso a proposta            composition” in Le Bulletin, 8, 1986, pp. 9-12).
                                                         9
                                                          Presidente honorário do Tribunal de Comércio de
de solução formulada resulta de um trabalho
                                                         Paris. Comunicação feita no âmbito do colóquio
                                                         organizado pela Associação Francesa de
                                                         Arbitragem, consagrado à arbitragem e à
7
    MALIGNE P., “De la conciliation aux arbitrages” in   mediação, 20 Jan.86, 21-30 (citado por SIX J.F., Le

                                                                                                          8
Investigação e Debate (17)

seio da família e das redes de sociabilidade)         está presente nos modos juridiscionais de

como nas interacções públicas (grupos de              regulação     de     conflitos,    sejam    eles

pares, sociabilidades profissionais)” (Macé,          familiares, de consumo ou de outra

1996).                                                ordem. A arbitragem não é um modo de

                                                      conciliação. É um modo de justiça que

   A arbitragem é um processo formal pelo            chega a uma decisão arbitral e tem todas

    qual as partes, de comum acordo, aceitam          as   características     de       uma    decisão

    submeter o seu litígio a uma terceira             judiciária. A arbitragem é caracterizada

    pessoa que terá por missão resolvê-lo             por ser: a) - uma acção institucionalizada :

    depois de os ter ouvido e estudado os             a decisão é pronunciada por uma terceira

    seus respectivos argumentos (Bonafé-              pessoa que não representa nenhuma das

    Schmitt, J.P., 1999). O árbitro tem por           partes e de forma independente, apenas

    missão resolver o litígio e a sua decisão         tendo    em        consideração     os     dados

    obriga as partes. No caso da arbitragem as        apresentados por cada uma das partes; b)

    duas partes colocam nas mãos de um                - uma acção rápida: o tempo requerido

    terceiro o poder de impôr uma decisão             reduz-se ao necessário para a análise da

    que se propõem aceitar. A mediação                situação, após ouvir os intervenientes na

    considera os direitos daqueles cujos              contenda, e uma tomada de decisão.

    interesses são contraditórios e solicita um

    posicionamento activo. Neste caso, os         Mas é necessário distinguir ainda mediação,

    antagonistas não podem nem devem              negociação e resolução de conflitos.

    abdicar da sua possibilidade de agir, eles       A negociação é um processo que permite

    devem participar tão activamente quanto           que duas ou mais partes em presença,

    possível na procura de uma solução, criá-         com interesses opostos, estabeleçam um

    la e decidir em conjunto. A arbitragem            acordo através de contactos directos


temps des médiateurs, Paris, Éditions du Seuil,   1990).

                                                                                                     9
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


   entre os representantes das partes. Na                este perfil não se ajusta ao de mediador.

   sua   origem    a   negociação    não    se           Os dois processos são autónomos mesmo

   desenvolvia sobre um conflito, mas sobre              que por vezes se articulem. A mediação

   as condições de uma mudança. Hoje a                   não se reduz à negociação nem esta

   negociação estendeu-se aos conflitos                  implica sempre uma mediação e vice-

   sociais. A negociação pressupõe uma                   versa, uma vez que implica uma terceira

   confrontação directa entre as duas partes,            pessoa não pode         ser assimilada à

   podendo cada uma ser assistida por                    negociação e não pode ser considerada

   advogados ou peritos. " A negociação não              como uma serva da negociação, um

   é mais do que um jogo estratégico entre o             facilitador da tarefa de negociação como

   conflito e a cooperação" (Simonet,J. &                defende H.Touzard. De facto a mediação

   Simonet, R., 1987, 50). A negociação                  tem sido considerada uma serva da

   repousa sobre um fundo de interesses                  negociação. Porém, convém assinalar que

   comuns     e   interesses   opostos     que           a mediação não é uma parte de um

   permitem estabelecer um acordo a fim de               conjunto mais vasto chamado negociação,

   se poder cooperar. Touzard (1977, 400)                ela tem a sua própria autonomia.

   considera que compete ao mediador                    A mediação também não se confunde

   "facilitar a realização de um acordo entre            com   a   resolução     de   conflitos.     Na

   as partes", inserindo a mediação no                   linguagem corrente a mediação surge

   quadro da negociação. Mas significará isso            associada à resolução de conflitos, e seria

   que o mediador seja um negociador?                    um modo não violento de os resolver. O

   Segundo este autor, o mediador regula as              conflito é em si mesmo uma realidade útil

   relações interpessoais e seria uma mais               e um factor de desenvolvimento. Apenas

   valia para o processo de negociação. A                a   violência   perverte     o   conflito    e

   terceira pessoa assumiria um papel de                 transforma os adversários legítimos e

   "agente de facilitação na negociação". Ora            normais em inimigos que em vez de


                                                                                                     10
Investigação e Debate (17)

   procurarem encontrar um equilíbrio nas               conciliação e a negociação podem constituir

   suas relações pretendem tirar a "pele" do            orientações práticas a considerar no decurso

   outro. O conflito em si próprio não é bom            de uma mediação. Ou seja, se por razões que

   nem mau, ele é a pior e a melhor das                 se prendem com a natureza e as finalidades

   coisas. A melhor quando o seu confronto              da mediação, a prática de arbitragem e de

   permite encontrar soluções inovadoras                resolução   de   conflitos   não    se   podem

   adaptadas aos interesses das partes em               confundir com aquela, já no que respeita à

   presença e pior quando a forma de o                  negociação e à conciliação elas podem ser

   ultrapassar faz recurso à violência. Deste           integradas no processo de mediação como

   modo, pode-se fazer uma boa ou má                    estratégias, uma vez que dão alguma margem

   gestão do conflito. A mediação não é um              de manobra ao mediador. O objectivo da

   meio de dissolução dos conflitos, pois               mediação não é o de promover a conciliação

   assim não seriam salvaguardadas as                   ou a negociação, mas estes podem ser

   diferenças       entre      os        adversários,   objectivos-meio importantes no decurso da

   mantendo-as através de acordos; pelo                 acção.

   contrário,     essas     diferenças        seriam    Se a mediação não se confunde com nenhum

   apagadas no sentido de alcançar uma                  dos processos referidos, o que entendemos

   espécie de "ideal de fachada".                       por mediação?

Embora diferentes, os conceitos traduzem

práticas que sendo diversas se articulam e              1.2 - A mediação é um mecanismo de

imbricam     umas    nas    outras.       Poder-se-á        regulação     a     nível      societal   e

encontrar    no     processo        de     mediação         interindividual.

procedimentos próximos da negociação ou da

conciliação. O conceito de mediação está                Por toda a Europa têm emergido mediadores

totalmente    desligado     dos     conceitos     de    diversos. Cada país adoptou a mediação como

resolução de conflitos e de arbitragem, mas a           um modo alternativo de resolução de


                                                                                                      11
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


conflitos e como um modelo de regulação              mediação interindividual é entendida como

social, sabendo que “a regulação social é o          um modo não contencioso de regulação de

conjunto de mecanismos através dos quais se          litígios, sob a égide de uma terceira pessoa.

criam, se transformam e se anulam as regras.         Em qualquer mediação poder-se-á considerar

A regulação social toma a forma de mediações         a existência de uma micro-mediação (inter-

sociais e interindividuais. Elas preenchem uma       individual)    e    de    uma     macro-mediação

dupla função, latente e manifesta: “fazer            (societal) que formam um contínuum variável

sociedade” e “regular conflitos””( De Briant e       segundo a representação que os actores têm

Palau, 199,43).                                      do processo.

A     mediação      define-se     como      o        A mediação “faz sociedade” na medida em

“relacionamento entre dois termos e dois             que ela cria laços sociais fundados em

seres” (ibid, 43). Ora, na perspectiva das           representações culturais e históricas da

ciências sociais, a mediação é mais do que o         sociedade. Mas ela é igualmente um processo

estabelecimento de relação entre a sociedade         alternativo de resolução de conflitos, um

e o indivíduo. Ela é simultaneamente societal        modo que permite a sua transformação

e interindividual, mesmo que os diferentes           partindo de um compromisso.

actores sociais não tenham consciência dessa

dualidade. A mediação é societal na medida           1.3 - A mediação assenta num conjunto de

em que esse relacionamento visa “constituir          “estruturas                      fundamentais”10,

ou desenvolver laços sociais e tratar ou             designadamente uma terceira pessoa, uma

prevenir conflitos” (ibid, 118) . Inserem-se         ausência de poder de decisão, uma mudança

nesta categoria as mediações da linguagem,           por catálise e a comunicação.

do direito, da escola, enquanto operações de

construção da realidade, de laços sociais,           a) Uma terceira pessoa

“vectores de sensibilidades e matrizes de

sociabilidades” (Debray, 1991, 15) .        A        10
                                                       Cf. Six, J.F., Le temps des médiateurs, op.cit. 165-
                                                     193.

                                                                                                        12
Investigação e Debate (17)

A primeira condição para que haja mediação é           necessariamente      um    terceiro        elemento

a interposição de um terceiro elemento. Essa           independente dos dois protagonistas ou

terceira pessoa pode ser uma instituição a que         antagonistas. Esta condição é essencial para

uma das partes de um conflito faz apelo. Se o          não se pensar que estamos perante uma

terceiro se encontra implicado num dos dois            mediação quando ainda nos encontramos

campos, não se poderá falar de mediação. O             numa situação dual, em que o "mediador"

lugar mediano que ocupa na relação permite-            ocupa uma posição de interventor com poder

lhe quebrar a dualidade em que se encontram            de   decisão.     Numa     mediação         surgem

as partes e assumir uma posição de referência          acusações entre os dois antagonistas num

central comum às mesmas. No contexto da                processo de culpabilização mútua. Ora a

mediação      a       linguagem      opera      um     mediação consiste em fazer passar a ideia que

distanciamento         em         relação       aos    não há ganhadores nem perdedores e que o

acontecimentos        imediatos      e      permite    sucesso de um não significa a morte ou a

expressar         o      significado         desses    rejeição do outro.

acontecimentos. Tal distanciamento é um

trabalho de liberdade. Quando ocorrem trocas           b) Ausência de poder

que permitem estabelecer um contrato entre             O não poder constitui a segunda condição

as partes, mais do que uma partilha, tal               para que se considere que a acção é de

significa um desprendimento em relação a               mediação. A interposição de um mediador

interesses considerados relevantes por cada            não significa que ele exerça um poder

uma delas. Pelo contrato cada uma das partes           decisório, apesar de por vezes lhe poder ser

liga-se à outra por livre vontade.                     dado um estatuto de árbitro ou de juiz.

Ao contrário de um julgamento , de uma                 Mesmo que o requerente o deseje, mais ou

arbitragem ou de uma negociação, que são               menos conscientemente, mesmo que o

situações duais , a mediação é uma situação            mediador    o   deseje,     mais      ou     menos

no     mínimo         "trial".     Ela       implica   secretamente, não pode ser exercido nenhum


                                                                                                        13
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


poder de decisão durante a mediação. O               dar.   Ao    mediador       reconhece-se     uma

mediador não toma o lugar das partes                 autoridade moral, que também é uma forma

envolvidas: ele deve suscitar a sua liberdade,       de poder mas não de influenciar directamente

criar condições para que estabeleçam uma             o curso dos acontecimentos, não um poder

relação efectiva que permita encontrar uma           judiciário ou legislativo. A procura de uma

solução imaginada ou inventada por iniciativa        terceira pessoa deve-se a essa autoridade

e esforço das duas partes,          e possam         moral que se exerce num clima de confiança e

implementá-la concretamente. A mediação              respeito pela liberdade de cada um, sem o uso

processa-se   por   livre   consentimento   e        da força, coerção ou qualquer meio de

envolvimento das partes, com liberdade de            pressão11. No entanto, no espaço da relação

escuta das sugestões do mediador, libertos           movimentam-se energias que se traduzem em

até de qualquer poder de sedução.                    poderes, porventura menos claros, que

Quando o poder superior designa um                   analisaremos mais tarde.

mediador, ele é visto pelas partes como

alguém que , mais tarde ou mais cedo, vai            c) Processo catalítico

aplicar as decisões projectadas pelo poder em        Etimologicamente derivado do grego Katalysis

questão. Mas para se ser mediador a acção            o termo catálise é utilizado na química para

tem de ser desenvolvida com autonomia, com           designar a "modificação da velocidade de uma

uma determinada margem de manobra. O
                                                     11
                                                       Geneviève Pelpel (1982) no artigo "La médiation
espaço de evolução do mediador é estreito e
                                                     au risque de la dépendance" publicado na revista
                                                     Informations Sociales, 4 , chama a tenção para a
frágil: ele deve ser criado por cada um dos          possibilidade de a relação entre mediador e
                                                     mediado se poder vir a transformar numa relação
intervenientes e não imposto do exterior. Esta       de dependência, dada a fragilidade com que as
                                                     partes se apresentam no processo, e acrescenta: "
característica de ausência de poder confere às       numa relação de ajuda ninguém pode fazer
                                                     economia de um período de dependência. A
duas partes a possibilidade de melhor                dependência é um dos motores da autonomia"
                                                     (71). Porém, dado que a intervenção do mediador
                                                     é uma intervenção a prazo, no caso de se tratar de
analisarem o seu problema e de escolher
                                                     uma mediação junto de uma população carenciada
                                                     a vários níveis, a dimensão afectiva torna-se
livremente a solução que eles lhe pretendem          importante, podendo vir a criar-se problemas de
                                                     interdependência.

                                                                                                    14
Investigação e Debate (17)

reacção química condicionada pela presença              terceira pessoa (um mediador), considerada

de substâncias que não aparecem nas                     como um actor desarmado e sem poder, a

equações finais daquela reacção, isto é , a sua         mediação é uma acção por catálise.

presença faz acelerar a reacção sem nela                A mediação parece ser, à primeira vista, um

tomarem       parte,    reacção    esta     que    se   paradoxo na sociedade actual: as descobertas

produziria mesmo sem a sua presença,                    científicas e tecnológicas apresentam soluções

embora mais lentamente. A catálise ou acção             para       grande      parte    dos    problemas,   a

catalítica    exerce-se      por   intermédio     de    multiplicação de leis em todos os domínios

substâncias especiais , os catalisadores"12.            parece dar resposta a todos os litígios, sem

Ainda     a      propósito    refira-se     que    os   esquecer as redes de comunicação que

catalisadores são " como o óleo com que se              propiciam laços e soluções variadas. Ora, ao

lubrifica uma máquina e que permite a esta o            mesmo tempo que se foi construindo o

melhor rendimento, sem que contudo lhe                  mundo moderno, estabelecendo contactos e

forneça a mínima quantidade de energia de               ligações de toda espécie, federações, uniões

que     aquela     é   capaz"13.   O      papel   dos   monetárias,          convenções,      foram   também

catalisadores é duplo: por um lado são                  aparecendo os catalisadores. Como refere

agentes que determinam reacções por quebra              Paule Paillet (1982, 9) "quando os modos de

de equilíbrio instável e por outro lado são             protecção do cidadão, quando a regulação das

simples aceleradores da reacção. Ora, a                 suas relações com a lei, com a norma e com a

catálise constitui uma condição que reforça as          instituição se encontram perturbadas ou

duas anteriormente enunciadas. A mediação               pervertidas, é necessário encontrar um elo de

resulta a maior parte das vezes numa                    ligação. Seja de natureza política, associativa,

transformação, sem ser o iniciador ou o motor           sindical, jurídica ou social, ele terá sempre por

dessa mudança. Pela presença de uma                     missão o estabelecimento das conexões

                                                        necessárias. Neste             sentido, a mediação
12
    Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
(ilustrada com cerca de 15000 gravuras), Volume
VI, Lisboa, Editorial Enciclopédia, Lda, p.274.         13
                                                             Ibid., p.273.

                                                                                                            15
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


representa uma constatação de imperfeição            outras     mediações;       a    mediação       mais

do   nosso    mundo    e   uma     abertura   á      conseguida, a melhor sucedida, é aquela que

esperança”.                                          produz uma verdadeira comunicação entre as

O mediador como catalisador é desprovido de          partes, uma comunicação que trará realmente

poder coercivo, decisório e legislativo. Ele não     frutos na vida de cada uma das duas pessoas

toma o lugar dos protagonistas, não absorve          ou de cada um dos dois grupos" (Six, 1991,

os seus diferendos, não promove a sua fusão          185). A mediação deve produzir, não uma

através da acção. Pelo contrário, o mediador         simulação de comunicação, mas uma troca

reúne as partes em conflito, pede-lhes que           real; mesmo quando não é alcançada deve

tomem em mãos o curso das suas vidas, dos            provocar em cada um a consciência de que

seus projectos, e que enveredem por um novo          não existe apenas a sua verdade, e que o

caminho, adoptando uma nova dinâmica                 outro também possui uma parte dela. Com

entre si.                                            efeito, um dos benefícios da mediação é

                                                     comunicar a cada um que o isolamento são

d) Comunicação                                       nefastos à construção de uma saída e que a

O fim principal da mediação reside no                abertura em relação ao outro só valoriza a sua

estabelecimento ou restabelecimento da               posição.

comunicação entre as partes, facilitando o           Na mediação, a produção da comunicação

diálogo entre si. Mesmo quando não se                compreende três etapas14: a escuta, o tempo

estabelece um acordo entre as partes e cada          e a conclusão. A escuta permite compreender

uma assume uma posição radical, o insucesso          a situação, os argumentos, e os significados

da mediação é relativo porque se estabeleceu
                                                     14
                                                       A questão metodológica é tratada por diversos
uma comunicação parcial transformando as             autores: BONAFÉ-SCHMITT J.P., “La médiation
                                                     sociale et penale” in BONAFÉ-SCHMITT J.P. & al.,
duas partes. " Não há uma mediação perfeita;         Les médiations, la médiation, op.cit.; DAHAN J.,
                                                     “La médiation en matière familiale” in BONAFÉ-
toda a mediação é um momento de catálise,            SCHMITT J.P. & al., Les médiations, la médiation,
                                                     op.cit.; SIX J.F., Dynamique de la médiation, op.cit.;
mas ainda terá de avançar com a ajuda de             DE BRIANT V. & PALAU Y., La médiation. Définition,
                                                     pratiques et perspectives, op.cit.

                                                                                                        16
Investigação e Debate (17)

atribuídos por cada uma das partes ao assunto         quando suscita laços benéficos entre pessoas

em análise; o tempo permite gerir os                  ou grupos que não os tinham; 2 - Mediação

diferendos e favorece a tomada de posição             renovadora     quando       permite melhorar os

em liberdade, sem precipitações e de forma            laços já existentes entre as pessoas e os

consciente    pelas     partes    envolvidas;    a    grupos;

conclusão é o produto do trabalho efectuado           II - Mediações destinadas a parar um conflito:

até ao momento, num esforço de respeito               3 - Mediação preventiva que antecede um

pela identidade dos agentes em presença. “            conflito ainda em gestação entre pessoas e

Cada mediação é diferente e exige um tempo            grupos e consegue evitar a sua explosão; 4 -

específico,   diferente    de    mediação      para   Mediação curativa que responde a um

mediação, com o seu ritmo próprio. Compete            conflito existente ajudando as pessoas e os

ao mediador fazer com que a mediação seja             grupos envolvidos a encontrar uma solução.

bem sucedida no tempo; o prolongamento ou             A mediação é uma acção realizada por uma

a   diminuição    dos     intervalos   entre     os   terceira pessoa, entre pessoas e grupos que o

reencontros de mediação resulta de uma                consentem livremente e aos quais caberá a

adaptação contínua; tudo isto para conduzir a         decisão final, e destina-se a fazer nascer ou

mediação ao seu termo” (Six, 1995, 144).              renascer entre eles novas relações, a prevenir

                                                      ou a gerir relações perturbadas em si .

1.4 - A mediação pode ter finalidades e               Por todo o lado, hoje fala-se de mediação,

    objectos diversos.                                uma prática que foi adquirindo diversas

                                                      facetas consoante o seu objecto: mediação

Quanto às suas finalidades, a mediação                política, familiar, social, penal, cultural, muitas

enquadra-se em dois grupos e quatro tipos de          vezes apelidada como tal sem o ser. Hoje é um

mediação ( Six, 1991, 164):                           conceito banalizado porque responde a uma

I - Mediações destinadas a fazer nascer ou            necessidade     que    se    foi   construindo   e

renascer um laço social: 1 - Mediação criadora        difundindo: a interposição de uma terceira


                                                                                                       17
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


pessoa que permita encontrar alternativas e              relações que cada um pode ter com as

saídas para impasses que surgem do choque                instituições e com a sua administração,

de interesses entre as partes. Ao lado dos               podendo ser associada a uma melhoria da

mediadores        do     quotidiano,          existem    relação entre os serviços públicos e os seus

mediadores políticos ao serviço da cidade, da            utentes. A mediação tem uma dupla função:

sua evolução e transformação e que são                   por um lado evitar as dificuldades entre

mediadores na medida em que são actores                  utentes e serviços e por outro lado apreender

concretos que a nível local constroiem o                 os factores de insatisfação do público. A

referencial de uma política. São mediadores              mediação surge como uma resposta às

que ocupam uma posição estratégica no                    dificuldades de comunicação.

sistema de decisão pois formulam o quadro

intelectual      em    que    se       desenvolvem       1.5 - A mediação pode ser de natureza

negociações, conflitos ou alianças que levam à              institucional, profissional ou cidadã.

decisão, como refere Pierre Muller. A sua

visão do mundo vai influenciar a percepção               Quanto à sua natureza, a mediação pode

daqueles que intervêm no sistema de decisão.             apresentar-se segundo diversas tipologias. Por

Este autor distingue a este nível de mediação,           exemplo, para colocar em evidência a

três    categorias     de     mediadores:          os    complexidade das diferentes abordagens

profissionais,    os   eleitos     e     as     elites   conceptuais, Six define duas concepções -

administrativas. Os utentes dos serviços                 mediação institucional e mediação cidadã,

sentem-se por vezes sufocados na sua relação             enquanto De Briant & Palau defendem outras

com    as     instituições.   Aos       mediadores       nomenclaturas - mediação tradicional, nova

profissionais compete-lhes traduzir a procura            mediação; mediação pública e mediação

de forma a encontrar resposta para o                     privada.

problema. A mediação não se exprime apenas               A mediação institucional está ligada a um

nas relações interpessoais, mas também nas               poder, que provém de uma instância superior,


                                                                                                     18
Investigação e Debate (17)

e que resulta de um qualquer organismo, e a       Uma outra forma de distinguir as novas

mediação     cidadã     é    uma     mediação     mediações      resulta    da      distinção     entre

independente, suscitada pela vida quotidiana      mediações públicas e mediações privadas. A

em livre associação, é a mediação cidadã.         mediação pública é uma mediação legal. O

A mediação tradicional « met en relation          estabelecimento de relações é um produto da

deux termes ou deux êtres et la société ou        intervenção de uma terceira pessoa com

l’institution transcendante qui en tient lieu »   poder público para tratar de conflitos sem a

(De Briant e Palau, 1999,50), ela regula e dá     imposição de uma solução. São mediações

visibilidade ao social, ou como referem os        públicas : a) as que se desenvolvem no quadro

autores citados “ uma mediação social             da relação entre o público e a administração,

consciente” que estabelece a relação entre o      pelo    Mediador         da      República,     pelos

individual e o universal. Esta mediação           mediadores culturais, mediadores educativos,

tradicional recorre à figura de sábio-mediador.   as mediações que ocorrem em colectividades

As mediações tradicionais apoiam-se na            locais ligadas a problemas do ambiente ou a

vontade de estabelecer relações sociais,          actividades inter-culturais); b) as que são

ultrapassando a dimensão individual. A            organizadas pela administração (mediações

simples presença do mediador “amador”             jurídicas,   civis,   penais);    c)       as que   se

representa e forja o laço social. Cabem neste     estabelecem no quadro da relação entre

tipo de mediação, a mediação religiosa, a         Estados,     designadamente            a     mediação

mediação de vizinhança e a mediação política.     europeia e internacional.

A nova mediação pressupõe a acção de uma          A mediação privada            implica igualmente a

terceira pessoa neutra e imparcial. Trata-se de   acção de uma terceira pessoa no processo de

uma          mediação          interindividual,   resolução de conflitos ou no estabelecimento

simultaneamente societal, mesmo quando            de laços sociais entre duas partes que se

coloca em evidência a dimensão micro no           opõem, mas trata-se de uma acção fundada

quadro de uma acção profissional.                 na construção de um acordo pelas partes


                                                                                                      19
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


implicadas, sem o recurso a qualquer tipo de           segunda    favorece      a    aproximação       entre

pressão. As mediações privadas traduzem a              empresas e é considerada como um modo de

vontade dos actores em construírem laços               regulamentação das diferentes estratégias

sociais ou regularem conflitos sem o recurso a         existentes. De Briant & Palau estabeleceram

instâncias públicas. As mediações privadas             uma grelha de análise comparativa entre as

podem     ser    qualificadas     de   “mediações      políticas públicas tradicionais e as novas

comunitárias” baseadas na organização da               políticas públicas, salientando           que      “ les

“sociedade civil”, isto é , os indivíduos, as          premières sont imposées quand les secondes

famílias, as associações e as empresas. São            sont   négociées     avec      l’ensemble    de      la

exemplo    deste     tipo    de    mediação,     as    gouvernance locale ou sectorielle, sur la base

“Community Boards” e as “Boutiques de                  de relations principalement contractuelles ou

Droit” anteriormente referidas. A mediação             non    unilatérales “.       Neste     contexto,      a

privada desenvolve-se entre particulares. Ela é        mediação participa e valoriza a redefinição do

vista como a acção de uma terceira pessoa              papel dos actores tradicionais. Até aqui

que   favorece     o     relacionamento        entre   competia ao Estado tomar a seu cargo os

indivíduos ou grupos de indivíduos, partindo           destinos individuais, mas hoje os apoios são

de regras definidas por eles próprios.            A    incertos, pelo que é necessário que cada um

mediação social, familiar e cidadã são                 conte consigo próprio e construa com outros

variantes que correspondem à vontade de                novas solidariedades. E isto é verdade tanto

auto-regulação      ou      de    eliminação     da    ao nível dos indivíduos como a nível das

intervenção pública na regulação dos conflitos         nações. Para diminuir a angústia que tal

interindividuais. A mediação empresarial e a           incerteza provoca, são necessárias mediações.

mediação negocial são igualmente privadas: a           Em suma, existem duas correntes para

primeira é requerida pela direcção da                  tipificação da mediação              quanto à sua

estrutura para regular os conflitos internos           natureza: uma mais institucionalizada que

pela via do diálogo e extra-judicialmente, e a         provém    de    um       poder   estabelecido        (a


                                                                                                            20
Investigação e Debate (17)

mediação institucional) e outra que pretende               enfraqueceram o papel desses mediadores

uma autonomia, que encara a mediação como                  tradicionais, tendo sido substituídos pelas

produto da relação quotidiana dos cidadãos (a              associações que foram surgindo de forma

mediação            cidadã).      Os        mediadores     explosiva em todos os domínios. Os membros

institucionais permitem que a instituição a                de tais associações são mediadores cidadãos.

que pertencem dialogue com os seus utentes,                Do ponto de vista dos modos de acção, o que

prestando         reais    serviços    aos    que     se   distingue estes dois tipos de mediadores? Aos

confrontam e se sentem perdidos na máquina                 mediadores institucionais é solicitado que

administrativa e que vêm nesses mediadores                 resolvam problemas de       alojamento, de

um recurso. Eles fazem o acolhimento e                     emprego, de assuntos sociais. São peritos com

escuta das pessoas, humanizam a sua função                 formação técnica orientada para o tratamento

e a instituição, como refere Jean-François Six .           de problemas na área em que é solicitada a

No entanto, as instituições correm o risco de              sua intervenção e que se tornaram em

burocratizarem a mediação institucional se ao              intermediários obrigados, que desempenham

criarem serviços de mediação para responder                um papel indispensável.        Enquanto os

a problemas institucionais estes se tornarem               mediadores institucionais representam um

locais     onde      se    administram       de   forma    certo poder, os mediadores cidadãos são

impessoal         assuntos      administrativos.     Os    cidadãos entre cidadãos. A sua procura faz-se

mediadores         cidadãos      têm    uma       origem   de igual para igual, não para lhes solicitar

diferente:        eles    não   são    criados     pelas   respostas para os problemas mas para

instituições, eles são mediadores naturais que             assumir o papel de terceira pessoa, de alguém

nascem nos grupos sociais para tratar de                   que não seja um árbitro. Espera-se que pela

problemas da comunidade. Eles não têm                      sua presença, acolhimento e escuta se crie um

poder, apenas têm autoridade moral. O                      espaço para análise de um problema em

desenvolvimento urbano, a dispersão da                     relação ao qual se precisa de tomar uma

família,     os     movimentos         de    população     decisão. Mesmo que eles não resolvam os


                                                                                                      21
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


conflitos, devido à ausência de recursos             não formuláveis, especialmente nos casos de

técnicos para o efeito, espera-se que a relação      stress,       exclusão,    ansiedade    e   doença”.

estabelecida com o(s) cidadão(s) permita a           Durante muito tempo os conflitos e as

construção de uma alternativa para o conflito.       discórdias eram apaziguados no quadro de

Apoiam-se nos recursos que as pessoas                uma auto-regulação posta em prática por

dispõem, transmitem confiança, confortam,            actores que provinham de espaços de

ajudam-nas a encontrar uma solução que não           mediação natural, como as famílias alargadas,

é imposta do exterior. Por isso, ser mediador        paróquias, vilas. O recurso à mediação

cidadão é uma arte da relação pessoal e social       exterior a este quadro ocorria apenas em

e quando se procura um mediador cidadão              situações graves e complexas, pelo que era

sabe-se que o seu trabalho permite suscitar          entendida como o último recurso. Com a

elos e é capaz de mostrar uma luz ao fundo do        urbanização acelerada, essas estruturas de

túnel. "Mediador é todo aquele que utiliza o         regulação foram-se esbatendo, as relações

seu direito de participar, todo aquele que não       sociais        foram-se      institucionalizando    e

se remete para o Estado para regular todos os        começou a fazer-se recurso à denúncia,

assuntos da cidade mas quer praticar actos           queixa para os casos de pequenos e médios

cívicos; a mediação faz parte deles” (ibid,          litígios. É neste quadro que surgem práticas

198). O mediador cidadão promove a                   diversas, mas frequentemente confundidas

esperança. Ora, toda esta filosofia de agir          com a mediação.

exige tempo, sem pressões institucionais de

encontrar uma solução ou de chegar à solução

quase no imediato. A mediação permitiria             2–        MEDIAÇÃO,         SERVIÇO      SOCIAL     E

aproximar pontos de vista, pôr em questão              TRABALHO EM REDE

certezas e atenuar mal entendidos e como

refere Paillet (ibid, 136) "É necessário estar       Hoje      a     acção     social   é   partilhada   e

cada vez mais atento às procuras implícitas,         implementada por organismos centrais e


                                                                                                         22
Investigação e Debate (17)

periféricos, novos parceiros sociais numa                rede. Apenas uma rede de actores sobre um

lógica de partenariado e de trabalho em rede,            território (uma equipa de pessoas referentes

dando, deste modo, corpo a um modo                       numa     instituição)     pode         desempenhar

alternativo de articulação entre o público e o           plenamente um papel de mediação social

privado, o global e o sectorial. A articulação           (Bondu, 1998). A rede tem um efeito

entre protecção pública, privada e sistema               multiplicador de esforços, e cria condições

informal constitui a referência central do novo          para uma abordagem global, rompendo com a

modo de protecção social. O Estado oferece à             lógica do "ping-pong institucional". Por isso, o

comunidade um novo papel através da                      conceito de rede pode ser entendido como

descentralização      e     da    participação,    da    um paradigma necessário à compreensão de

valorização     das       redes   comunitárias      e    um     novo   princípio   de     organização       da

informais, esbatendo desse modo o seu papel              sociedade. Nesta modalidade de trabalho

no domínio da política social15.                         descobre-se       a   força     dos      laços,     a

Uma das modalidades de organização de uma                estruturalidade       e    funcionalidade         do

intervenção de base territorial é o trabalho de          quotidiano em relação à globalidade da

                                                         organização social (Sanicola, 1994). O trabalho
15
   Badie (1996, apud Martin, 1998) sugere que o
poder político se exerce através da mediação do          de rede é a configuração mais ou menos
solo e do lugar, ele não é inato. Existem razões de
ordem económica e social capazes de fazer                estável e permanente de interacções entre
compreender as tendências contemporâneas de
"retorno ao local", embora com uma nova                  indivíduos que se conhecem e reconhecem
roupagem. Assinale-se a mundialização do espaço
económico, que exige cada vez mais a regulação
                                                         como actores, e que privilegiam as relações
local dos problemas económicos e sociais, e os
fenómenos actuais de precaridade, de mobilidade
espacial das populações que caracterizam a crise         sociais primárias. Consiste num conjunto de
social em que vivemos. Os custos que as situações
de precaridade acarretam são elevados a nível            intervenções que permitem que os recursos
social e económico, e implicam a descentralização
de esforços. Por outro lado, a sociedade civil reage     estabeleçam    conexões        entre    si   e    que
às situações de precaridade, mobilizando as
solidariedades primárias (família, vizinhança,... ) na   desenvolvam estratégias capazes de produzir
luta contra os efeitos desestabilizadores do
crescimento do espaço económico. Hoje assiste-se
                                                         relações significativas num dado território.
à emergência de um processo de reacção social
contra a precarização e a insegurança que se
traduz no retorno ao local e à procura de novas
solidariedades.

                                                                                                            23
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


Através da cooperação voluntária entre                de laços sociais que está associada à exclusão

actores, a rede assegura a conjugação de              social. É a autonomia técnica e um sentimento

energias individuais, o que exige um confronto        de identidade de interesses partilhado tanto

de lógicas profissionais. A necessidade de uma        pelos profissionais como pelas instituições

acção global exige que tais lógicas sejam             que anima e impulsiona um trabalho de rede

trabalhadas       de      forma       interactiva,    e lhe confere eficácia. Por vezes é necessário

promovendo o conhecimento interpessoal e              construir uma dupla rede de actores locais,

uma dinâmica de mudança: mudança de                   mobilizadas sobre a inserção dos sujeitos:

atitudes, de perspectivas e de acção16.

                                                         uma rede de actores económicos que

Porquê trabalhar em rede? Quais as suas                   representam     o    mundo      do    trabalho

vantagens?                                                (empresas, associações) e que permitem o

Aquilo que mobiliza uma rede não são os                   enquadramento e o apoio a uma mão de

objectivos institucionais strito sensu mas uma            obra com características distintas (por

lógica de qualidade de serviços e rapidez de              exemplo, os deficientes)

acção, articulando esforços entre os vários              uma     rede    de      actores      (políticos,

parceiros formais ou informais. Não são os                económicos,         sociais,      associativos)

compromissos formais que ligam os diversos                susceptíveis de serem pessoas-recursos e

intervenientes, mas a vontade de encontrar                que tenham em vista o acompanhamento

alternativas de forma criativa para ultrapassar           social e profissional dos sujeitos, e que ao

problemas vivenciados no particular mas com               mesmo tempo sejam capazes de dar

uma expressão colectiva, tais como a ruptura              respostas práticas aos problemas que se

16
                                                          colocam no quotidiano. Estes actores
  Podem identificar-se três tipos de redes: a) rede
de actores institucionais, como recursos
                                                          locais são diversificados: eleitos locais,
mobilizáveis - a lógica do partenariado; b) rede de
inter-conhecimentos - rede de actores no terreno
para assegurar uma abordagem global e aberta dos          trabalhadores        sociais,     formadores,
problemas; c) rede informal tecida pelos sujeitos
num dado território.                                      professores, médicos, entre outros.


                                                                                                       24
Investigação e Debate (17)

                                                       transformações dos problemas sociais e à

Esta dupla rede de actores locais potenciam o          transformação da sociedade global. A política

trabalho de apoio e inserção social e criam            pública é um processo de mediação social

condições para um protagonismo social dos              uma vez que se centra nos desajustamentos

utentes dos serviços. No entanto, pressupõe            que podem surgir entre sectores e entre um

um acordo tácito entre as partes , que permita         sector e a sociedade global, ou seja tem por

rentabilizar   serviços     e     assegurar     uma    objecto a gestão da relação global-sectorial.

sinalização atempada das situações de risco            Neste sentido, os assistentes sociais são

social. O trabalho em rede permite reavivar a          considerados como mediadores, ocupando

esperança na construção de um futuro                   um lugar central nessa articulação. Sem o

diferente ou renovado.                                 recurso a actores que assumam o referencial18

As instituições funcionam com profissionais            da política pública e procedam à construção

cuja tarefa é efectuar a transacção entre              ou transformação da relação entre sectorial e

aquilo que se faz a nível sectorial e global, e os     global o sistema de decisão não funciona. Isso

assistentes     sociais         são    profissionais   determina    a   importância     que    têm    os

capacitados para lidar com um problema                 mediadores no domínio das políticas públicas.

individual ou de grupo de forma inserida na            A função de mediação resulta da conjunção de

dinâmica do conjunto das políticas. Os                 dois pares de dimensões: a dimensão

problemas têm de ser tratados de forma                 cognitiva-dimensão normativa e a dimensão

integrada, e neste contexto os assistentes
                                                       18
                                                         Este conceito elaborado por analogia com a
sociais (entre outros profissionais) assumem-          noção matemática de "sistema de referência" é
                                                       uma estrutura de sentido que permite pensar a
se como artesãos do desenvolvimento de uma             mudança nas suas diferentes dimensões.
                                                       Compreende quatro factores: os valores (ex. as
política   pública17      que     se   adapta    às    noções de igualdade e equidade), as normas que
                                                       separam o real percebido do real desejado, os
                                                       algorítmos (relações causais que exprimem
                                                       teorias de acção) e imagens (cada política traduz
17
  Gérard Martin (1998, 124) considera que se           uma imagem do problema a tratar, uma
pode falar de política pública quando uma ou           representação sobre o grupo de referência do
mais autoridades locais tentam modificar o meio        problema e uma concepção de mudança). O
sócio-cultural e económico dos actores através de      referencial é o quadro intelectual que baliza a
um programa de acções coordenadas.                     intervenção.

                                                                                                      25
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


intelectual-dimensão de poder. O primeiro par        dão visibilidade e que se forem consideradas

designa a relação entre o desejável e o real e       de    forma     singular,   independentes       e

o segundo a estruturação do campo de força           descontextualizadas constituem constantes na

da mediação (através da linguagem e da               diversidade de práticas profissionais no

produção de sentido). Uma política pública           domínio social. A mediação social processa-se

produz   sentido    e     também   poder.   Os       através de acções como a prestação de

mediadores são actores que decodificam o             informação-formação de competências, o

mundo, o interpretam, o tornam inteligível,          encaminhamento        social,    a     gestão   e

lhe dão sentido definindo objectivos e acções        administração      de       recursos      e     o

concretas     que   visam     transformar   os       acompanhamento psico-social.

problemas. Num trabalho de rede o mediador           Subjacente às modalidades de acção, que

desempenha um papel de pivot. Para tal terá          constituem as unidades visíveis da mediação

de ser reconhecido socialmente pelos outros          social protagonizada pelos Assistentes Sociais,

actores locais. Tal é o resultado de um              desenvolvem-se processos de trabalho com

trabalho paciente de identificação, sinalização      componentes técnicas associadas ao “saber

e conhecimento dos diferentes recursos               fazer administrativo-relacional” (Mondolfo,

existentes.                                          1997, 32), mas que não se restringem a essa

É no local que se vive, mas é no particular que      dimensão. Eles revelam competências sócio-

se intervem. Nesse particular existe uma             profissionais    capitalizadas       na   prática

interdependência de factores que implicam a          quotidiana, invisíveis aos olhos do cliente, mas

articulação entre aquilo que é singular e            que constituem uma fonte de legitimidade da

individual e aquilo que é global e colectivo. A      mediação social efectuada. Mais ainda, eles

mediação      revela-se     como   uma      das      vinculam as práticas profissionais de mediação

concepções valorizadas recentemente no               e sinalizam a diferença com outro tipo de

domínio do serviço social. Ela implica um            práticas como o voluntariado. Os processos de

conjunto de modalidades de acção que lhe             trabalho também não se confundem com


                                                                                                     26
Investigação e Debate (17)

etapas metodológicas da mediação. Estas                 solicitações. Se é verdade que é necessário

correspondem      a    momentos        distintos    e   que cada profissional perceba os seus limites,

sequenciais no desenvolvimento da acção,                também é verdade que o exercício da

enquanto os processos de trabalho se                    mediação implica uma avaliação permanente

confinam aos saberes e às competências                  da sua posição e o desenvolvimento de uma

operacionalizadas no decurso da mediação,               acção estratégica com avanços e recuos, num

sejam elas de carácter teórico, técnico ou              processo de conquista permanente. Ora a

relacional (Autès, 1999, 229). Como refere o            trajectória de afirmação dos assistentes

autor, por referência ao contributo de Guy le           sociais tem passado pelo reconhecimento do

Boterf (1994), a competência corresponde à              valor da estratégia em brechas e momentos

capacidade prática de mobilizar recursos em             oportunos. A relação de poder que se exerce

função do utente e da interpretação que o               no contexto institucional é diferente em cada

profissional faz da situação.                           situação e cada momento, pelo que a

O uso de estratégias revela-se importante               estratégia    assume    relevo   inclusive   na

tanto a nível da conquista do espaço                    conquista de espaço profissional.

profissional como na procura de alternativas à          Por vezes é necessário negociar papéis,

situação-problema,         elas      potenciam      a   delimitando fronteiras e complementaridades,

mediação. Em termos profissionais, para além            (re)estabelecendo espaços de troca. O Serviço

dos    constrangimentos           contextuais      ao   Social, embora seja dependente de instâncias

desenvolvimento da acção, há a considerar a             superiores a nível administrativo, possui uma

posição activa do profissional na construção            autonomia técnica que lhe confere alguma

do seu quotidiano. Quer isto dizer, que a               margem       de   manobra   no   processo    de

prática não se impõe ao técnico, como se de             mediação. Quando existem litígios no plano

um ritual pragmático se tratasse, mas que lhe           das   competências     profissionais,   torna-se

compete      participar,     criar     ou    inovar     imperativo clarificar as funções e os papéis

constantemente        face    à      variedade     de   que lhe são reservados, definir os momentos


                                                                                                     27
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


de intervenção e de articulação com outros           e do potencial humano dos recursos que

profissionais, determinar as responsabilidades       utiliza. Deste modo, quando se fala em

de cada actor no processo. Por vezes                 estratégias de mediação faz-se apelo ao

verificam-se resistências e representações da        conjunto de atitudes que permitem ao

profissão de Serviço Social que dificultam a         profissional fazer a gestão dos poderes que

acção. Mas quando as dificuldades são                contextualizam a acção e proporcionar a

estruturais, a procura de alternativa não            mudança não apenas na situação mas

depende      nem     da    vontade   nem     do      também nos sujeitos. Tal faz com que elas

empenhamento individual do técnico ou do             sejam    diversificadas   e     sinalizadoras    de

sujeito. É necessário que isso seja esclarecido,     concepções     de     prática    profissional.    O

porque isso permite ponderar os limites e em         problema coloca-se quando o Assistente

função dessa avaliação unir esforços (em             Social se prende a concepções teóricas em

termos de equipa ou a nível institucional) para      detrimento       do       discernimento          das

prosseguir   o     trabalho,   contornando   ou      oportunidades e do potencial humano na

enfrentando as barreiras que intervêm no             resolução das situações, ou quando a sua

processo.                                            prática quotidiana se processa de forma

Na mediação não existem receitas e uma               rotineira.    Surgem           então     discursos

atitude com resultados positivos num dado            desculpabilizadores       da      (in)acção,     de

momento e situação poderá não ser eficaz             vitimização, de dúvida e interrogação face às

num outro contexto. Os referenciais teóricos         dificuldades, tais como: " não existem

orientam e potenciam as práticas,       não as       respostas para os problemas", " o serviço

substituem nem limitam. O profissional ao            social não dispõe de modelos teóricos

tomar conhecimento da situação-problema              alternativos a outras ciências sociais", ou " foi

intervém, integrando os quadros teóricos             para isto que tirei o curso?". É obvio que este

referenciais, os objectivos institucionais, a        tipo de argumentos surge algumas vezes após

representação que faz da prática profissional        tentativas variadas de          solução para o


                                                                                                       28
Investigação e Debate (17)

problema diagnosticado, mas também é                       opportunités et des disponibilités; c'est utiliser

verdade       que       em      algumas         ocasiões   au plus vite toute information afin de saisir,

subentende uma ausência de questionamento                  dans l'intérêt de la clientèle, des moyens

sobre o percurso profissional : "o que é que eu            réduits; c'est encore recourir à des passe-

fiz para ultrapassar a situação?".                         droits ou obtenir des concessions grâce,

Apesar de as estratégias poderem ser                       justement,    à   la    force   de    son   réseau

interdependentes e complementares entre si                 relationnel; c'est autant créer l'occasion de la

durante      o       processo      de    mediação,    e    saisir" (Soulet, 1997, 55).

abrangerem também o campo do imprevisto,                   O principal instrumento de trabalho do

uma vez que embora racionais surgem no                     Assistente Social é a palavra, e esta permite

contexto da emergência do novo, a prática do               deslocar o conceito “estratégia” para o

Serviço Social evidencia-as como um leque de               domínio do cliente. No processo de mediação

opções organizadas em torno do contexto                    a estratégia consiste muitas vezes em fazer

(situação) e da representação que o técnico                adquirir por parte do cliente um pensamento

faz do seu perfil profissional. O termo                    estratégico de antecipação do curso dos

"bricolage       "     utilizado        pelos    autores   acontecimentos e em relação a essa previsão

francófones reflecte esta incessante atitude               reorientar o seu comportamento.

criativa no processo de descoberta de                      Quando um mediador institucional tem à sua

soluções inovadoras. "Bricoler, c'est donc                 responsabilidade todo o trabalho de relação

savoir tisser des liens, mais c'est également              com o exterior, organização de projectos,

composer, en utilisant d'ailleurs ces rélations            estabelecimento de protocolos, pressupõe-se

privilégiées, toujours individuelles, avec les             que esse trabalho se baseie num trabalho de

possibilités et les impossibilités; c'est trouver          equipa. Neste quadro, emerge uma nova

des solutions aux problèmes que rencontre la               dimensão da mediação que é a supervisão

clientéle     en       apportant        des     réponses   para acompanhamento de todas as diligências

ponctuelles      construites       en     fonction   des   administrativas    e     técnicas    associadas   à


                                                                                                             29
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida


divulgação      e    avaliação    das     acções.   O    comprometida               com               experiências

acompanhamento dos projectos e da equipa                 transformadoras         (Bronfenbrenner,          1996),

permite uma avaliação permanente das                     configura-se como um elemento central da

acções     e   o enquadramento dos casos                 mediação.      Ela    surge     na     sequência       do

concretos na lógica do projecto ou da acção              movimento de procura existente e no

promovida. O desenvolvimento deste trabalho              envolvimento         dos   diferentes        agentes    e

favorece a reflexão, estimula a tomada de                actores no processo. É esta dinâmica que

decisões       com     base      nas     necessidades    permite que a mediação seja reconhecida

quotidianas, favorece a autonomia, permite               como      um    processo        de    construção       de

organizar o tempo e estabelecer prioridades e            alternativas e que se traduz na criação de

contribui para assegurar a articulação entre             novas necessidades e questionamento da

técnicos. Para além de se mostrar útil à gestão          situação. Enquanto mediador, compete ao

do quotidiano, a coordenação desenvolve o                Assistente Social promover o envolvimento de

espírito de equipa e promove a expressão de              outros agentes, estimular a entrada de novos

sentimentos por parte das equipas ou dos                 actores formais e informais no processo (por

actores envolvidos no processo. Aqui a                   exemplo        outras       empresas,           serviços,

mediação       assume      também         um    perfil   profissionais, familiares, vizinhos, amigos) até

complexo e global, envolvendo diversos                   ao limite do possível. Porém, nem sempre o

técnicos ou profissionais complementares na              confronto de lógicas e interesses é assegurado

lógica do projecto e da acção. Por isso, a               e quando o é a construção de alternativas

coordenação          assegura uma articulação e          esbarra      com      frequência       em       barreiras

cooperação entre serviços e técnicos na                  institucionais associadas à burocracia e à

prossecução das suas finalidades e objectivos.           normalização e funcionamento dos serviços

A procura de alternativa, entendida como                 ou     dos     profissionais.        Fazer     mediação

rejeição de um modelo de “déficit” em favor              pressupõe          autonomia           técnica,        um

de   uma        pesquisa      política    e    prática   posicionamento aberto, não cristalizado, uma


                                                                                                                30
Investigação e Debate (17)

capacidade de diálogo e de acção que nem                hipoteca a mediação e o consequente

sempre os diversos actores são capazes de               envolvimento dos diversos actores sociais.

assegurar. A ausência destes elementos



REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:

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    médiation sociale. Les modèles de médiation         MARTIN G. (éd.) (1998). La dynamique des
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    Instituto Superior Bissaya-Barreto.                      l’Harmattan.
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    Vaucresson, 29.                                          Informations Sociales, 4.
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    II.                                                      formar, Colecção Gestão, Edições Cetop.
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    Nathan/HER.                                              paradoxes de l'intervention sociale au
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17a1 inv e debate

  • 1. CONCEPTUALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO SOCIAL EM TRABALHO EM REDE HELENA NEVES ALMEIDA 1 O conceito de mediação deriva etimologicamente do latim mediare (interpor-se) e foi empregue através dos tempos para designar uma oferta de interposição muitas vezes imposta a dois beligerantes. Actualmente o termo ultrapassa largamente essa concepção, e assume-se como 2 um modo de gestão de um "sistema de transacções" no quadro da acção social. A prática de mediação surge nos anos 70 nos Estados Unidos da América principalmente no sentido de regular litígios sem recurso a instancias jurídicas, como uma prática decorrente da insatisfação sentida pelas pessoas devido à lentidão dos processos judiciais, aos seus custos e por vezes à falta de respeito 1 Professora auxiliar do Instituto Superior Bissaya-Barreto (Coimbra), Doutorada em Trabalho Social pela Faculdade de Letras da Universidade de Fribourg (Suiça). 2 BONDU D., Nouvelles pratiques de médiation sociale. Jeunes en difficultés et travailleurs sociaux, Paris, ESF, 1998, p.14. 3
  • 2. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida pelas decisões. A mediação emerge como um Existem sobretudo duas concepções de modo de resolução de conflitos entre mediação: uma ligada à cultura americana que particulares e entre estes e os serviços a encara como um meio alternativo de públicos e como "um modo de regulação resolução de conflitos, embora com contornos social"3 de que as "boutiques de droit" e os próprios, e uma outra, mais universalista, "community board" são exemplo4. europeia, herdeira da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em que “o 3 Cf. BONAFÉ-SCHMITT J.P., “Plaidoyer pour une sociologie de la médiation” in Annales de outro” é um ser diferente mas igual, e para a Vaucresson, 29, 1988, pp.19-44, et BONAFÉ- SCHMITT, J.P. & al., Médiation et régulation qual as semelhanças são mais importantes do sociale, GLSI -Université Lyon II, 1992. 4 que as diferenças. Neste contexto, a mediação As boutiques de droit, associações de informação jurídica, surgiram em França (1975) por iniciativa de advogados e militantes associativos. Instalaram- está centrada sobre a regulação constante das se nos bairros para dar resposta à procura social das populações mais desfavorecidas e facilitar- relações sociais. Ela opera novos laços, de lhes o acesso ao “direito a ter direito”. O projecto de mediação sobre o qual as "boutiques de droit" forma criativa, renovando laços cortados, assentam, baseia-se na criação de estruturas de proximidade e na implicação activa dos habitantes. gerindo a sua ruptura. Enquanto os Por tudo isto, Bonafé-Schmitt considera a mediação, uma justiça doce. Nos termos da "Carta americanos têm o culto da negociação, os da mediação e das boutiques de droit" (divulgada por Philippe Turrel, Vers un droit d'ingérence sociale , 1995, in SIX, J.F., Dynamique de la europeus têm o da lei. Bonafé-Schmitt (1999, médiation, Paris, Desclée de Brower, 1995, p.147) o conceito parece como percursor de um direito de 18) está convencido de que “as formas e o ingerência social (“ Le choix d’action des Boutiques de Droit procède d’un droit d’ingérence sociale de certains acteurs de la Société Civile qui permettrait à des habitants des quartiers, désignés comme permitiu dar voz aos conflitos existentes, tendo médiateurs, d’être porteurs d’une certaine sido criado um espaço onde as pessoas podiam légitimité” in TURREK, op. cit., p.8.) de certos falar dos seus problemas e resolvê-los com a ajuda actores da sociedade civil, direito que daria de terceiros e extra-judicialmente. Nesta legitimidade aos habitantes dos bairros designados perspectiva, mediação é também entendida como como mediadores. O domínio da sua acção é o uma acção preventiva da marginalidade. A contencioso do quotidiano, é a regulação de litígios experiência de San Francisco é diferente de outros menores (pequenos furtos, querelas verbais, maus modelos de mediação, uma vez que: a) a cheiros na via pública). No que respeita as mediação é concebida como um meio de Community Boards, a mais conhecida é a de San solucionar assuntos penais, como uma acção de Francisco que funciona independente dos prevenção de criminalidade, e b) visa a regulação tribunais. Esta iniciativa visava humanizar o tecido pacífica de conflitos menores pela revitalização do social em que se manifestam conflitos espírito comunitário nos bairros urbanos. Neste interpessoais e pretendia implicar cada cidadão contexto, a mediação ultrapassa a resolução de através da sua responsabilização na procura de conflitos: os cidadãos procuram a paz social pela uma solução. O trabalho de base consistiu no redução de tensões sociais e raciais, pelo estabelecimento de contactos com a população e desenvolvimento de solidariedades , pela com as instituições. O clima de confiança criado prevenção de conflitos de vizinhança. Neste caso, a 4
  • 3. Investigação e Debate (17) desenvolvimento da mediação nos diferentes equipamentos domésticos e das países são directamente influenciadas pelos comunicações. Porém, à crescente sistemas de regulação social”. Uma análise institucionalização das relações sociais comparada desenvolvida pelo autor e seus associou-se uma burocratização dos serviços colaboradores sobre a medição penal que tem contribuído para o arrastamento do existente em França e nos Estados Unidos, processo de resolução das situações, evidencia diferentes modelos de integração sobretudo no âmbito da justiça, da saúde e social subjacentes aos modelos de medição. O da protecção social. modelo francês é universalista e republicano e Apesar de os princípios da igualdade de o modelo americano é diferencialista ou direitos sociais e da universalidade da comunitário. Estas diferenças de modelos protecção social pública fazerem parte da explicam porque nos Estados Unidos se fala nossa memória colectiva recente, o direito à mais de “mediação comunitária” e que em indignação começa a ter eco junto das França se realce “a mediação de bairro, social populações, sempre que as decisões políticas ou intercultural”. Após os anos oitenta, inibam ou contrariem a aplicação de tais começou-se a falar de práticas de mediação direitos. Surgem queixas individuais e até fortemente influenciadas pelas correntes movimentos sociais de contestação 5 e de americanas. reivindicação, que exigem o desenvolvimento Numa Europa cujo desenvolvimento se de processos que facilitem a resolução dos processa a ritmos diversos, Portugal é um dos conflitos emergentes. Nesse sentido, a países da União Europeia cuja modernização administração pública instituiu nos diversos económica e social se tem vindo a processar serviços gabinetes para a recepção de queixas sobretudo nas últimas três décadas, com informação, educação e acção”. 5 indicadores positivos a nível dos padrões de É disso exemplo, o movimento de contestação à política de co-incineração dos resíduos tóxicos, desenvolvida pelo Governo Português, que tem consumo, dos costumes, do acesso aos mobilizado a população em grupos de contestação social no sentido de encontrar alternativas que respeitem as preocupações da população em mediação "é uma incitação cívica e pessoal pela relação ao meio ambiente e à saúde pública. 5
  • 4. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida individuais relativas aos conflitos que possam povos. Face ao exposto, pode-se afirmar que existir entre utentes e serviços, mas a sua em Portugal o conceito e a prática de resolução é demorada. A nível de pequenos mediação estão em construção, pelo que se conflitos entre cidadãos, e a nível de torna imperioso aprofundar conhecimento consumo, foram instituídos tribunais de neste domínio. arbitragem, tentando diminuir os custos que De facto, a prática de mediação expandiu-se acarretam processos judiciais demorados. Em por diversos campos de intervenção e foi qualquer destes recursos utilizam-se assumindo diferentes perfis no quotidiano. processos alternativos de resolução de Hoje assiste-se à proliferação da diversidade conflitos, como a conciliação, a negociação ou de mediadores e de práticas de mediação a arbitragem. Porém, tais processos não se como resposta criativa a conflitos inscritos nas confundem com a mediação6. A mediação relações inter-pessoais ou decorrentes de social tem sido assegurada por profissionais mudanças sociais, designadamente, a que trabalham nas organizações sociais, mas institucionalização das relações sociais, está desprovida de uma concepção clara e alterações a nível do perfil e funções da orientada por finalidades específicas. Se a família, a mundialização da economia, a nível europeu a mediação está presente no expansão da sociedade da informação e a discurso político e na prática institucional, em crise do Estado-Providência. Defende-se o Portugal tem sido essencialmente utilizada a processo de mediação em áreas diversas, nível político, designadamente no plano quando o conflito assume um papel internacional e no caso de conflitos entre predominante nas relações a nível familiar, 6 penal, administrativo, escolar, político, social, Constituem excepções algumas práticas comunitárias onde se começa a fazer intervir a ou a nível empresarial, e sempre que a figura de mediador (por exemplo, no quadro das políticas de integração das minorias étnicas) e na procura de alternativas exigir a intervenção de área familiar que, neste momento, possui instâncias de mediação, designadamente o Instituto Português de Mediação Familiar (1993) e uma terceira pessoa que valorize a a Associação Nacional para a Mediação Familiar (1997), dando corpo a uma prática de mediação, já comunicação entre as partes e a capacidade instituída na Europa há alguns anos. 6
  • 5. Investigação e Debate (17) de tomada de decisão por parte dos litigantes intervenção de uma terceira pessoa exterior à no estabelecimento de um acordo mútuo. O sua rede de relações. Porém, a dispersão e conflito, o equilíbrio e a mudança constituem difusão acometida a tal diversidade poderão pólos referenciais da expansão de práticas constituir um indicador de insuficiente mediadoras; a mediação é utilizada em reflexão que descapitaliza o conhecimento a situações de conflito, no sentido de o nível da intervenção. controlar ou prevenir, estabelecer ou A primeira exigência que se coloca é a reestabelecer laços sociais, e deste modo, clarificação conceptual. regular relações sociais ou impulsionar mudanças a nível pessoal, inter-individual e 1 – CARACTERÍSTICAS CONCEPTUAIS DA social. MEDIAÇÃO No quadro da diversidade da produção escrita sobre a mediação, são predominantes as 1.1 - A mediação é frequentemente abordagens sociológicas reflexivas, raramente confundida com conciliação, arbitragem, de base ontológica. Ora, a diversidade de negociação e resolução de conflitos, mas práticas profissionais constitui um factor de constitui um processo distinto. dinamização do saber fazer, dada a criatividade permanente que a complexidade  A conciliação é um processo formal ou das situações-problema coloca ao processo de informal pelo qual as partes, com a procura de alternativas. Este tem sido um intervenção ou não de uma terceira factor valorizador do saber profissional pessoa, tendem a aproximar os seus daqueles que diariamente contactam com pontos de vista visando uma solução para utentes de serviços sociais, com populações o seu litígio. Quando existe uma terceira socialmente excluídas ou com pessoas que no pessoa, compete-lhe propiciar a discussão seu dia-a-dia se debatem com do assunto entre as pessoas, conflitos/problemas cuja solução passa pela restabelecendo a comunicação e 7
  • 6. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida ajudando as partes em litígio a encontrar conjunto com as partes envolvidas. Deste soluções através de um processo de modo, conciliação e mediação são de natureza sucessivas aproximações. O conciliador semelhante apesar de a conciliação ser de organiza o encontro entre dois ou mais natureza judiciária8 e a mediação de natureza parceiros em conflito e promove a extra-judiciária (Six, J.P., 1995). Uma realização de um acordo verbal ou escrito. característica da mediação é o facto de ela ser A conciliação é ainda um estado de "non-procedure", como refere Paul Paclot9, espírito, que caracteriza todos os que Presidente honorário do Tribunal de Comércio privilegiam as relações humanas, a atitude de Paris, num colóquio realizado em 1986. de escuta e diálogo, e que os adquirem Com efeito, as partes estão livres do depois de uma reflexão seriamente constrangimento processual, e tal facto conduzida tanto a nível teórico como contribui para que aqueles que a ela recorrem prático. Não se improvisa e é um não a percebam como uma justiça. O "suplemento de alma" 7 ao procedimento mediador não está investido de qualquer clássico da justiça. A prática da conciliação poder, nem tem o imperium do juiz. "Esta confronta-se com os limites da prática da forma de mediação por conciliação é muito palavra inerentes a qualquer reencontro utilizada tanto nas interacções privadas (no inter-subjectivo (Martin & Masson, 1986). Le Bulletin, 8, 1986. 8 Pierre Estoup num artigo publicado em 1986 Aquilo que separa a mediação da conciliação é considera que os tribunais não são forçosamente o local único de solução de todos os conflitos. É uma questão de peso e duração. A mediação necessário que para pequenos litígios sejam favorecidas soluções rápidas e pouco onerosas , aplica-se a questões de maior importância, fundadas sobre a equidade. Porém, salienta que o desenvolvimento de procedimentos de conciliação e de composição amigável exige uma mudança de sendo o tempo utilizado no processo maior do mentalidades de todos os participantes na acção judiciária (cf. ESTOUP P., “Conciliation et amiable que na conciliação. Em todo o caso a proposta composition” in Le Bulletin, 8, 1986, pp. 9-12). 9 Presidente honorário do Tribunal de Comércio de de solução formulada resulta de um trabalho Paris. Comunicação feita no âmbito do colóquio organizado pela Associação Francesa de Arbitragem, consagrado à arbitragem e à 7 MALIGNE P., “De la conciliation aux arbitrages” in mediação, 20 Jan.86, 21-30 (citado por SIX J.F., Le 8
  • 7. Investigação e Debate (17) seio da família e das redes de sociabilidade) está presente nos modos juridiscionais de como nas interacções públicas (grupos de regulação de conflitos, sejam eles pares, sociabilidades profissionais)” (Macé, familiares, de consumo ou de outra 1996). ordem. A arbitragem não é um modo de conciliação. É um modo de justiça que  A arbitragem é um processo formal pelo chega a uma decisão arbitral e tem todas qual as partes, de comum acordo, aceitam as características de uma decisão submeter o seu litígio a uma terceira judiciária. A arbitragem é caracterizada pessoa que terá por missão resolvê-lo por ser: a) - uma acção institucionalizada : depois de os ter ouvido e estudado os a decisão é pronunciada por uma terceira seus respectivos argumentos (Bonafé- pessoa que não representa nenhuma das Schmitt, J.P., 1999). O árbitro tem por partes e de forma independente, apenas missão resolver o litígio e a sua decisão tendo em consideração os dados obriga as partes. No caso da arbitragem as apresentados por cada uma das partes; b) duas partes colocam nas mãos de um - uma acção rápida: o tempo requerido terceiro o poder de impôr uma decisão reduz-se ao necessário para a análise da que se propõem aceitar. A mediação situação, após ouvir os intervenientes na considera os direitos daqueles cujos contenda, e uma tomada de decisão. interesses são contraditórios e solicita um posicionamento activo. Neste caso, os Mas é necessário distinguir ainda mediação, antagonistas não podem nem devem negociação e resolução de conflitos. abdicar da sua possibilidade de agir, eles  A negociação é um processo que permite devem participar tão activamente quanto que duas ou mais partes em presença, possível na procura de uma solução, criá- com interesses opostos, estabeleçam um la e decidir em conjunto. A arbitragem acordo através de contactos directos temps des médiateurs, Paris, Éditions du Seuil, 1990). 9
  • 8. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida entre os representantes das partes. Na este perfil não se ajusta ao de mediador. sua origem a negociação não se Os dois processos são autónomos mesmo desenvolvia sobre um conflito, mas sobre que por vezes se articulem. A mediação as condições de uma mudança. Hoje a não se reduz à negociação nem esta negociação estendeu-se aos conflitos implica sempre uma mediação e vice- sociais. A negociação pressupõe uma versa, uma vez que implica uma terceira confrontação directa entre as duas partes, pessoa não pode ser assimilada à podendo cada uma ser assistida por negociação e não pode ser considerada advogados ou peritos. " A negociação não como uma serva da negociação, um é mais do que um jogo estratégico entre o facilitador da tarefa de negociação como conflito e a cooperação" (Simonet,J. & defende H.Touzard. De facto a mediação Simonet, R., 1987, 50). A negociação tem sido considerada uma serva da repousa sobre um fundo de interesses negociação. Porém, convém assinalar que comuns e interesses opostos que a mediação não é uma parte de um permitem estabelecer um acordo a fim de conjunto mais vasto chamado negociação, se poder cooperar. Touzard (1977, 400) ela tem a sua própria autonomia. considera que compete ao mediador  A mediação também não se confunde "facilitar a realização de um acordo entre com a resolução de conflitos. Na as partes", inserindo a mediação no linguagem corrente a mediação surge quadro da negociação. Mas significará isso associada à resolução de conflitos, e seria que o mediador seja um negociador? um modo não violento de os resolver. O Segundo este autor, o mediador regula as conflito é em si mesmo uma realidade útil relações interpessoais e seria uma mais e um factor de desenvolvimento. Apenas valia para o processo de negociação. A a violência perverte o conflito e terceira pessoa assumiria um papel de transforma os adversários legítimos e "agente de facilitação na negociação". Ora normais em inimigos que em vez de 10
  • 9. Investigação e Debate (17) procurarem encontrar um equilíbrio nas conciliação e a negociação podem constituir suas relações pretendem tirar a "pele" do orientações práticas a considerar no decurso outro. O conflito em si próprio não é bom de uma mediação. Ou seja, se por razões que nem mau, ele é a pior e a melhor das se prendem com a natureza e as finalidades coisas. A melhor quando o seu confronto da mediação, a prática de arbitragem e de permite encontrar soluções inovadoras resolução de conflitos não se podem adaptadas aos interesses das partes em confundir com aquela, já no que respeita à presença e pior quando a forma de o negociação e à conciliação elas podem ser ultrapassar faz recurso à violência. Deste integradas no processo de mediação como modo, pode-se fazer uma boa ou má estratégias, uma vez que dão alguma margem gestão do conflito. A mediação não é um de manobra ao mediador. O objectivo da meio de dissolução dos conflitos, pois mediação não é o de promover a conciliação assim não seriam salvaguardadas as ou a negociação, mas estes podem ser diferenças entre os adversários, objectivos-meio importantes no decurso da mantendo-as através de acordos; pelo acção. contrário, essas diferenças seriam Se a mediação não se confunde com nenhum apagadas no sentido de alcançar uma dos processos referidos, o que entendemos espécie de "ideal de fachada". por mediação? Embora diferentes, os conceitos traduzem práticas que sendo diversas se articulam e 1.2 - A mediação é um mecanismo de imbricam umas nas outras. Poder-se-á regulação a nível societal e encontrar no processo de mediação interindividual. procedimentos próximos da negociação ou da conciliação. O conceito de mediação está Por toda a Europa têm emergido mediadores totalmente desligado dos conceitos de diversos. Cada país adoptou a mediação como resolução de conflitos e de arbitragem, mas a um modo alternativo de resolução de 11
  • 10. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida conflitos e como um modelo de regulação mediação interindividual é entendida como social, sabendo que “a regulação social é o um modo não contencioso de regulação de conjunto de mecanismos através dos quais se litígios, sob a égide de uma terceira pessoa. criam, se transformam e se anulam as regras. Em qualquer mediação poder-se-á considerar A regulação social toma a forma de mediações a existência de uma micro-mediação (inter- sociais e interindividuais. Elas preenchem uma individual) e de uma macro-mediação dupla função, latente e manifesta: “fazer (societal) que formam um contínuum variável sociedade” e “regular conflitos””( De Briant e segundo a representação que os actores têm Palau, 199,43). do processo. A mediação define-se como o A mediação “faz sociedade” na medida em “relacionamento entre dois termos e dois que ela cria laços sociais fundados em seres” (ibid, 43). Ora, na perspectiva das representações culturais e históricas da ciências sociais, a mediação é mais do que o sociedade. Mas ela é igualmente um processo estabelecimento de relação entre a sociedade alternativo de resolução de conflitos, um e o indivíduo. Ela é simultaneamente societal modo que permite a sua transformação e interindividual, mesmo que os diferentes partindo de um compromisso. actores sociais não tenham consciência dessa dualidade. A mediação é societal na medida 1.3 - A mediação assenta num conjunto de em que esse relacionamento visa “constituir “estruturas fundamentais”10, ou desenvolver laços sociais e tratar ou designadamente uma terceira pessoa, uma prevenir conflitos” (ibid, 118) . Inserem-se ausência de poder de decisão, uma mudança nesta categoria as mediações da linguagem, por catálise e a comunicação. do direito, da escola, enquanto operações de construção da realidade, de laços sociais, a) Uma terceira pessoa “vectores de sensibilidades e matrizes de sociabilidades” (Debray, 1991, 15) . A 10 Cf. Six, J.F., Le temps des médiateurs, op.cit. 165- 193. 12
  • 11. Investigação e Debate (17) A primeira condição para que haja mediação é necessariamente um terceiro elemento a interposição de um terceiro elemento. Essa independente dos dois protagonistas ou terceira pessoa pode ser uma instituição a que antagonistas. Esta condição é essencial para uma das partes de um conflito faz apelo. Se o não se pensar que estamos perante uma terceiro se encontra implicado num dos dois mediação quando ainda nos encontramos campos, não se poderá falar de mediação. O numa situação dual, em que o "mediador" lugar mediano que ocupa na relação permite- ocupa uma posição de interventor com poder lhe quebrar a dualidade em que se encontram de decisão. Numa mediação surgem as partes e assumir uma posição de referência acusações entre os dois antagonistas num central comum às mesmas. No contexto da processo de culpabilização mútua. Ora a mediação a linguagem opera um mediação consiste em fazer passar a ideia que distanciamento em relação aos não há ganhadores nem perdedores e que o acontecimentos imediatos e permite sucesso de um não significa a morte ou a expressar o significado desses rejeição do outro. acontecimentos. Tal distanciamento é um trabalho de liberdade. Quando ocorrem trocas b) Ausência de poder que permitem estabelecer um contrato entre O não poder constitui a segunda condição as partes, mais do que uma partilha, tal para que se considere que a acção é de significa um desprendimento em relação a mediação. A interposição de um mediador interesses considerados relevantes por cada não significa que ele exerça um poder uma delas. Pelo contrato cada uma das partes decisório, apesar de por vezes lhe poder ser liga-se à outra por livre vontade. dado um estatuto de árbitro ou de juiz. Ao contrário de um julgamento , de uma Mesmo que o requerente o deseje, mais ou arbitragem ou de uma negociação, que são menos conscientemente, mesmo que o situações duais , a mediação é uma situação mediador o deseje, mais ou menos no mínimo "trial". Ela implica secretamente, não pode ser exercido nenhum 13
  • 12. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida poder de decisão durante a mediação. O dar. Ao mediador reconhece-se uma mediador não toma o lugar das partes autoridade moral, que também é uma forma envolvidas: ele deve suscitar a sua liberdade, de poder mas não de influenciar directamente criar condições para que estabeleçam uma o curso dos acontecimentos, não um poder relação efectiva que permita encontrar uma judiciário ou legislativo. A procura de uma solução imaginada ou inventada por iniciativa terceira pessoa deve-se a essa autoridade e esforço das duas partes, e possam moral que se exerce num clima de confiança e implementá-la concretamente. A mediação respeito pela liberdade de cada um, sem o uso processa-se por livre consentimento e da força, coerção ou qualquer meio de envolvimento das partes, com liberdade de pressão11. No entanto, no espaço da relação escuta das sugestões do mediador, libertos movimentam-se energias que se traduzem em até de qualquer poder de sedução. poderes, porventura menos claros, que Quando o poder superior designa um analisaremos mais tarde. mediador, ele é visto pelas partes como alguém que , mais tarde ou mais cedo, vai c) Processo catalítico aplicar as decisões projectadas pelo poder em Etimologicamente derivado do grego Katalysis questão. Mas para se ser mediador a acção o termo catálise é utilizado na química para tem de ser desenvolvida com autonomia, com designar a "modificação da velocidade de uma uma determinada margem de manobra. O 11 Geneviève Pelpel (1982) no artigo "La médiation espaço de evolução do mediador é estreito e au risque de la dépendance" publicado na revista Informations Sociales, 4 , chama a tenção para a frágil: ele deve ser criado por cada um dos possibilidade de a relação entre mediador e mediado se poder vir a transformar numa relação intervenientes e não imposto do exterior. Esta de dependência, dada a fragilidade com que as partes se apresentam no processo, e acrescenta: " característica de ausência de poder confere às numa relação de ajuda ninguém pode fazer economia de um período de dependência. A duas partes a possibilidade de melhor dependência é um dos motores da autonomia" (71). Porém, dado que a intervenção do mediador é uma intervenção a prazo, no caso de se tratar de analisarem o seu problema e de escolher uma mediação junto de uma população carenciada a vários níveis, a dimensão afectiva torna-se livremente a solução que eles lhe pretendem importante, podendo vir a criar-se problemas de interdependência. 14
  • 13. Investigação e Debate (17) reacção química condicionada pela presença terceira pessoa (um mediador), considerada de substâncias que não aparecem nas como um actor desarmado e sem poder, a equações finais daquela reacção, isto é , a sua mediação é uma acção por catálise. presença faz acelerar a reacção sem nela A mediação parece ser, à primeira vista, um tomarem parte, reacção esta que se paradoxo na sociedade actual: as descobertas produziria mesmo sem a sua presença, científicas e tecnológicas apresentam soluções embora mais lentamente. A catálise ou acção para grande parte dos problemas, a catalítica exerce-se por intermédio de multiplicação de leis em todos os domínios substâncias especiais , os catalisadores"12. parece dar resposta a todos os litígios, sem Ainda a propósito refira-se que os esquecer as redes de comunicação que catalisadores são " como o óleo com que se propiciam laços e soluções variadas. Ora, ao lubrifica uma máquina e que permite a esta o mesmo tempo que se foi construindo o melhor rendimento, sem que contudo lhe mundo moderno, estabelecendo contactos e forneça a mínima quantidade de energia de ligações de toda espécie, federações, uniões que aquela é capaz"13. O papel dos monetárias, convenções, foram também catalisadores é duplo: por um lado são aparecendo os catalisadores. Como refere agentes que determinam reacções por quebra Paule Paillet (1982, 9) "quando os modos de de equilíbrio instável e por outro lado são protecção do cidadão, quando a regulação das simples aceleradores da reacção. Ora, a suas relações com a lei, com a norma e com a catálise constitui uma condição que reforça as instituição se encontram perturbadas ou duas anteriormente enunciadas. A mediação pervertidas, é necessário encontrar um elo de resulta a maior parte das vezes numa ligação. Seja de natureza política, associativa, transformação, sem ser o iniciador ou o motor sindical, jurídica ou social, ele terá sempre por dessa mudança. Pela presença de uma missão o estabelecimento das conexões necessárias. Neste sentido, a mediação 12 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, (ilustrada com cerca de 15000 gravuras), Volume VI, Lisboa, Editorial Enciclopédia, Lda, p.274. 13 Ibid., p.273. 15
  • 14. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida representa uma constatação de imperfeição outras mediações; a mediação mais do nosso mundo e uma abertura á conseguida, a melhor sucedida, é aquela que esperança”. produz uma verdadeira comunicação entre as O mediador como catalisador é desprovido de partes, uma comunicação que trará realmente poder coercivo, decisório e legislativo. Ele não frutos na vida de cada uma das duas pessoas toma o lugar dos protagonistas, não absorve ou de cada um dos dois grupos" (Six, 1991, os seus diferendos, não promove a sua fusão 185). A mediação deve produzir, não uma através da acção. Pelo contrário, o mediador simulação de comunicação, mas uma troca reúne as partes em conflito, pede-lhes que real; mesmo quando não é alcançada deve tomem em mãos o curso das suas vidas, dos provocar em cada um a consciência de que seus projectos, e que enveredem por um novo não existe apenas a sua verdade, e que o caminho, adoptando uma nova dinâmica outro também possui uma parte dela. Com entre si. efeito, um dos benefícios da mediação é comunicar a cada um que o isolamento são d) Comunicação nefastos à construção de uma saída e que a O fim principal da mediação reside no abertura em relação ao outro só valoriza a sua estabelecimento ou restabelecimento da posição. comunicação entre as partes, facilitando o Na mediação, a produção da comunicação diálogo entre si. Mesmo quando não se compreende três etapas14: a escuta, o tempo estabelece um acordo entre as partes e cada e a conclusão. A escuta permite compreender uma assume uma posição radical, o insucesso a situação, os argumentos, e os significados da mediação é relativo porque se estabeleceu 14 A questão metodológica é tratada por diversos uma comunicação parcial transformando as autores: BONAFÉ-SCHMITT J.P., “La médiation sociale et penale” in BONAFÉ-SCHMITT J.P. & al., duas partes. " Não há uma mediação perfeita; Les médiations, la médiation, op.cit.; DAHAN J., “La médiation en matière familiale” in BONAFÉ- toda a mediação é um momento de catálise, SCHMITT J.P. & al., Les médiations, la médiation, op.cit.; SIX J.F., Dynamique de la médiation, op.cit.; mas ainda terá de avançar com a ajuda de DE BRIANT V. & PALAU Y., La médiation. Définition, pratiques et perspectives, op.cit. 16
  • 15. Investigação e Debate (17) atribuídos por cada uma das partes ao assunto quando suscita laços benéficos entre pessoas em análise; o tempo permite gerir os ou grupos que não os tinham; 2 - Mediação diferendos e favorece a tomada de posição renovadora quando permite melhorar os em liberdade, sem precipitações e de forma laços já existentes entre as pessoas e os consciente pelas partes envolvidas; a grupos; conclusão é o produto do trabalho efectuado II - Mediações destinadas a parar um conflito: até ao momento, num esforço de respeito 3 - Mediação preventiva que antecede um pela identidade dos agentes em presença. “ conflito ainda em gestação entre pessoas e Cada mediação é diferente e exige um tempo grupos e consegue evitar a sua explosão; 4 - específico, diferente de mediação para Mediação curativa que responde a um mediação, com o seu ritmo próprio. Compete conflito existente ajudando as pessoas e os ao mediador fazer com que a mediação seja grupos envolvidos a encontrar uma solução. bem sucedida no tempo; o prolongamento ou A mediação é uma acção realizada por uma a diminuição dos intervalos entre os terceira pessoa, entre pessoas e grupos que o reencontros de mediação resulta de uma consentem livremente e aos quais caberá a adaptação contínua; tudo isto para conduzir a decisão final, e destina-se a fazer nascer ou mediação ao seu termo” (Six, 1995, 144). renascer entre eles novas relações, a prevenir ou a gerir relações perturbadas em si . 1.4 - A mediação pode ter finalidades e Por todo o lado, hoje fala-se de mediação, objectos diversos. uma prática que foi adquirindo diversas facetas consoante o seu objecto: mediação Quanto às suas finalidades, a mediação política, familiar, social, penal, cultural, muitas enquadra-se em dois grupos e quatro tipos de vezes apelidada como tal sem o ser. Hoje é um mediação ( Six, 1991, 164): conceito banalizado porque responde a uma I - Mediações destinadas a fazer nascer ou necessidade que se foi construindo e renascer um laço social: 1 - Mediação criadora difundindo: a interposição de uma terceira 17
  • 16. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida pessoa que permita encontrar alternativas e relações que cada um pode ter com as saídas para impasses que surgem do choque instituições e com a sua administração, de interesses entre as partes. Ao lado dos podendo ser associada a uma melhoria da mediadores do quotidiano, existem relação entre os serviços públicos e os seus mediadores políticos ao serviço da cidade, da utentes. A mediação tem uma dupla função: sua evolução e transformação e que são por um lado evitar as dificuldades entre mediadores na medida em que são actores utentes e serviços e por outro lado apreender concretos que a nível local constroiem o os factores de insatisfação do público. A referencial de uma política. São mediadores mediação surge como uma resposta às que ocupam uma posição estratégica no dificuldades de comunicação. sistema de decisão pois formulam o quadro intelectual em que se desenvolvem 1.5 - A mediação pode ser de natureza negociações, conflitos ou alianças que levam à institucional, profissional ou cidadã. decisão, como refere Pierre Muller. A sua visão do mundo vai influenciar a percepção Quanto à sua natureza, a mediação pode daqueles que intervêm no sistema de decisão. apresentar-se segundo diversas tipologias. Por Este autor distingue a este nível de mediação, exemplo, para colocar em evidência a três categorias de mediadores: os complexidade das diferentes abordagens profissionais, os eleitos e as elites conceptuais, Six define duas concepções - administrativas. Os utentes dos serviços mediação institucional e mediação cidadã, sentem-se por vezes sufocados na sua relação enquanto De Briant & Palau defendem outras com as instituições. Aos mediadores nomenclaturas - mediação tradicional, nova profissionais compete-lhes traduzir a procura mediação; mediação pública e mediação de forma a encontrar resposta para o privada. problema. A mediação não se exprime apenas A mediação institucional está ligada a um nas relações interpessoais, mas também nas poder, que provém de uma instância superior, 18
  • 17. Investigação e Debate (17) e que resulta de um qualquer organismo, e a Uma outra forma de distinguir as novas mediação cidadã é uma mediação mediações resulta da distinção entre independente, suscitada pela vida quotidiana mediações públicas e mediações privadas. A em livre associação, é a mediação cidadã. mediação pública é uma mediação legal. O A mediação tradicional « met en relation estabelecimento de relações é um produto da deux termes ou deux êtres et la société ou intervenção de uma terceira pessoa com l’institution transcendante qui en tient lieu » poder público para tratar de conflitos sem a (De Briant e Palau, 1999,50), ela regula e dá imposição de uma solução. São mediações visibilidade ao social, ou como referem os públicas : a) as que se desenvolvem no quadro autores citados “ uma mediação social da relação entre o público e a administração, consciente” que estabelece a relação entre o pelo Mediador da República, pelos individual e o universal. Esta mediação mediadores culturais, mediadores educativos, tradicional recorre à figura de sábio-mediador. as mediações que ocorrem em colectividades As mediações tradicionais apoiam-se na locais ligadas a problemas do ambiente ou a vontade de estabelecer relações sociais, actividades inter-culturais); b) as que são ultrapassando a dimensão individual. A organizadas pela administração (mediações simples presença do mediador “amador” jurídicas, civis, penais); c) as que se representa e forja o laço social. Cabem neste estabelecem no quadro da relação entre tipo de mediação, a mediação religiosa, a Estados, designadamente a mediação mediação de vizinhança e a mediação política. europeia e internacional. A nova mediação pressupõe a acção de uma A mediação privada implica igualmente a terceira pessoa neutra e imparcial. Trata-se de acção de uma terceira pessoa no processo de uma mediação interindividual, resolução de conflitos ou no estabelecimento simultaneamente societal, mesmo quando de laços sociais entre duas partes que se coloca em evidência a dimensão micro no opõem, mas trata-se de uma acção fundada quadro de uma acção profissional. na construção de um acordo pelas partes 19
  • 18. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida implicadas, sem o recurso a qualquer tipo de segunda favorece a aproximação entre pressão. As mediações privadas traduzem a empresas e é considerada como um modo de vontade dos actores em construírem laços regulamentação das diferentes estratégias sociais ou regularem conflitos sem o recurso a existentes. De Briant & Palau estabeleceram instâncias públicas. As mediações privadas uma grelha de análise comparativa entre as podem ser qualificadas de “mediações políticas públicas tradicionais e as novas comunitárias” baseadas na organização da políticas públicas, salientando que “ les “sociedade civil”, isto é , os indivíduos, as premières sont imposées quand les secondes famílias, as associações e as empresas. São sont négociées avec l’ensemble de la exemplo deste tipo de mediação, as gouvernance locale ou sectorielle, sur la base “Community Boards” e as “Boutiques de de relations principalement contractuelles ou Droit” anteriormente referidas. A mediação non unilatérales “. Neste contexto, a privada desenvolve-se entre particulares. Ela é mediação participa e valoriza a redefinição do vista como a acção de uma terceira pessoa papel dos actores tradicionais. Até aqui que favorece o relacionamento entre competia ao Estado tomar a seu cargo os indivíduos ou grupos de indivíduos, partindo destinos individuais, mas hoje os apoios são de regras definidas por eles próprios. A incertos, pelo que é necessário que cada um mediação social, familiar e cidadã são conte consigo próprio e construa com outros variantes que correspondem à vontade de novas solidariedades. E isto é verdade tanto auto-regulação ou de eliminação da ao nível dos indivíduos como a nível das intervenção pública na regulação dos conflitos nações. Para diminuir a angústia que tal interindividuais. A mediação empresarial e a incerteza provoca, são necessárias mediações. mediação negocial são igualmente privadas: a Em suma, existem duas correntes para primeira é requerida pela direcção da tipificação da mediação quanto à sua estrutura para regular os conflitos internos natureza: uma mais institucionalizada que pela via do diálogo e extra-judicialmente, e a provém de um poder estabelecido (a 20
  • 19. Investigação e Debate (17) mediação institucional) e outra que pretende enfraqueceram o papel desses mediadores uma autonomia, que encara a mediação como tradicionais, tendo sido substituídos pelas produto da relação quotidiana dos cidadãos (a associações que foram surgindo de forma mediação cidadã). Os mediadores explosiva em todos os domínios. Os membros institucionais permitem que a instituição a de tais associações são mediadores cidadãos. que pertencem dialogue com os seus utentes, Do ponto de vista dos modos de acção, o que prestando reais serviços aos que se distingue estes dois tipos de mediadores? Aos confrontam e se sentem perdidos na máquina mediadores institucionais é solicitado que administrativa e que vêm nesses mediadores resolvam problemas de alojamento, de um recurso. Eles fazem o acolhimento e emprego, de assuntos sociais. São peritos com escuta das pessoas, humanizam a sua função formação técnica orientada para o tratamento e a instituição, como refere Jean-François Six . de problemas na área em que é solicitada a No entanto, as instituições correm o risco de sua intervenção e que se tornaram em burocratizarem a mediação institucional se ao intermediários obrigados, que desempenham criarem serviços de mediação para responder um papel indispensável. Enquanto os a problemas institucionais estes se tornarem mediadores institucionais representam um locais onde se administram de forma certo poder, os mediadores cidadãos são impessoal assuntos administrativos. Os cidadãos entre cidadãos. A sua procura faz-se mediadores cidadãos têm uma origem de igual para igual, não para lhes solicitar diferente: eles não são criados pelas respostas para os problemas mas para instituições, eles são mediadores naturais que assumir o papel de terceira pessoa, de alguém nascem nos grupos sociais para tratar de que não seja um árbitro. Espera-se que pela problemas da comunidade. Eles não têm sua presença, acolhimento e escuta se crie um poder, apenas têm autoridade moral. O espaço para análise de um problema em desenvolvimento urbano, a dispersão da relação ao qual se precisa de tomar uma família, os movimentos de população decisão. Mesmo que eles não resolvam os 21
  • 20. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida conflitos, devido à ausência de recursos não formuláveis, especialmente nos casos de técnicos para o efeito, espera-se que a relação stress, exclusão, ansiedade e doença”. estabelecida com o(s) cidadão(s) permita a Durante muito tempo os conflitos e as construção de uma alternativa para o conflito. discórdias eram apaziguados no quadro de Apoiam-se nos recursos que as pessoas uma auto-regulação posta em prática por dispõem, transmitem confiança, confortam, actores que provinham de espaços de ajudam-nas a encontrar uma solução que não mediação natural, como as famílias alargadas, é imposta do exterior. Por isso, ser mediador paróquias, vilas. O recurso à mediação cidadão é uma arte da relação pessoal e social exterior a este quadro ocorria apenas em e quando se procura um mediador cidadão situações graves e complexas, pelo que era sabe-se que o seu trabalho permite suscitar entendida como o último recurso. Com a elos e é capaz de mostrar uma luz ao fundo do urbanização acelerada, essas estruturas de túnel. "Mediador é todo aquele que utiliza o regulação foram-se esbatendo, as relações seu direito de participar, todo aquele que não sociais foram-se institucionalizando e se remete para o Estado para regular todos os começou a fazer-se recurso à denúncia, assuntos da cidade mas quer praticar actos queixa para os casos de pequenos e médios cívicos; a mediação faz parte deles” (ibid, litígios. É neste quadro que surgem práticas 198). O mediador cidadão promove a diversas, mas frequentemente confundidas esperança. Ora, toda esta filosofia de agir com a mediação. exige tempo, sem pressões institucionais de encontrar uma solução ou de chegar à solução quase no imediato. A mediação permitiria 2– MEDIAÇÃO, SERVIÇO SOCIAL E aproximar pontos de vista, pôr em questão TRABALHO EM REDE certezas e atenuar mal entendidos e como refere Paillet (ibid, 136) "É necessário estar Hoje a acção social é partilhada e cada vez mais atento às procuras implícitas, implementada por organismos centrais e 22
  • 21. Investigação e Debate (17) periféricos, novos parceiros sociais numa rede. Apenas uma rede de actores sobre um lógica de partenariado e de trabalho em rede, território (uma equipa de pessoas referentes dando, deste modo, corpo a um modo numa instituição) pode desempenhar alternativo de articulação entre o público e o plenamente um papel de mediação social privado, o global e o sectorial. A articulação (Bondu, 1998). A rede tem um efeito entre protecção pública, privada e sistema multiplicador de esforços, e cria condições informal constitui a referência central do novo para uma abordagem global, rompendo com a modo de protecção social. O Estado oferece à lógica do "ping-pong institucional". Por isso, o comunidade um novo papel através da conceito de rede pode ser entendido como descentralização e da participação, da um paradigma necessário à compreensão de valorização das redes comunitárias e um novo princípio de organização da informais, esbatendo desse modo o seu papel sociedade. Nesta modalidade de trabalho no domínio da política social15. descobre-se a força dos laços, a Uma das modalidades de organização de uma estruturalidade e funcionalidade do intervenção de base territorial é o trabalho de quotidiano em relação à globalidade da organização social (Sanicola, 1994). O trabalho 15 Badie (1996, apud Martin, 1998) sugere que o poder político se exerce através da mediação do de rede é a configuração mais ou menos solo e do lugar, ele não é inato. Existem razões de ordem económica e social capazes de fazer estável e permanente de interacções entre compreender as tendências contemporâneas de "retorno ao local", embora com uma nova indivíduos que se conhecem e reconhecem roupagem. Assinale-se a mundialização do espaço económico, que exige cada vez mais a regulação como actores, e que privilegiam as relações local dos problemas económicos e sociais, e os fenómenos actuais de precaridade, de mobilidade espacial das populações que caracterizam a crise sociais primárias. Consiste num conjunto de social em que vivemos. Os custos que as situações de precaridade acarretam são elevados a nível intervenções que permitem que os recursos social e económico, e implicam a descentralização de esforços. Por outro lado, a sociedade civil reage estabeleçam conexões entre si e que às situações de precaridade, mobilizando as solidariedades primárias (família, vizinhança,... ) na desenvolvam estratégias capazes de produzir luta contra os efeitos desestabilizadores do crescimento do espaço económico. Hoje assiste-se relações significativas num dado território. à emergência de um processo de reacção social contra a precarização e a insegurança que se traduz no retorno ao local e à procura de novas solidariedades. 23
  • 22. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida Através da cooperação voluntária entre de laços sociais que está associada à exclusão actores, a rede assegura a conjugação de social. É a autonomia técnica e um sentimento energias individuais, o que exige um confronto de identidade de interesses partilhado tanto de lógicas profissionais. A necessidade de uma pelos profissionais como pelas instituições acção global exige que tais lógicas sejam que anima e impulsiona um trabalho de rede trabalhadas de forma interactiva, e lhe confere eficácia. Por vezes é necessário promovendo o conhecimento interpessoal e construir uma dupla rede de actores locais, uma dinâmica de mudança: mudança de mobilizadas sobre a inserção dos sujeitos: atitudes, de perspectivas e de acção16.  uma rede de actores económicos que Porquê trabalhar em rede? Quais as suas representam o mundo do trabalho vantagens? (empresas, associações) e que permitem o Aquilo que mobiliza uma rede não são os enquadramento e o apoio a uma mão de objectivos institucionais strito sensu mas uma obra com características distintas (por lógica de qualidade de serviços e rapidez de exemplo, os deficientes) acção, articulando esforços entre os vários  uma rede de actores (políticos, parceiros formais ou informais. Não são os económicos, sociais, associativos) compromissos formais que ligam os diversos susceptíveis de serem pessoas-recursos e intervenientes, mas a vontade de encontrar que tenham em vista o acompanhamento alternativas de forma criativa para ultrapassar social e profissional dos sujeitos, e que ao problemas vivenciados no particular mas com mesmo tempo sejam capazes de dar uma expressão colectiva, tais como a ruptura respostas práticas aos problemas que se 16 colocam no quotidiano. Estes actores Podem identificar-se três tipos de redes: a) rede de actores institucionais, como recursos locais são diversificados: eleitos locais, mobilizáveis - a lógica do partenariado; b) rede de inter-conhecimentos - rede de actores no terreno para assegurar uma abordagem global e aberta dos trabalhadores sociais, formadores, problemas; c) rede informal tecida pelos sujeitos num dado território. professores, médicos, entre outros. 24
  • 23. Investigação e Debate (17) transformações dos problemas sociais e à Esta dupla rede de actores locais potenciam o transformação da sociedade global. A política trabalho de apoio e inserção social e criam pública é um processo de mediação social condições para um protagonismo social dos uma vez que se centra nos desajustamentos utentes dos serviços. No entanto, pressupõe que podem surgir entre sectores e entre um um acordo tácito entre as partes , que permita sector e a sociedade global, ou seja tem por rentabilizar serviços e assegurar uma objecto a gestão da relação global-sectorial. sinalização atempada das situações de risco Neste sentido, os assistentes sociais são social. O trabalho em rede permite reavivar a considerados como mediadores, ocupando esperança na construção de um futuro um lugar central nessa articulação. Sem o diferente ou renovado. recurso a actores que assumam o referencial18 As instituições funcionam com profissionais da política pública e procedam à construção cuja tarefa é efectuar a transacção entre ou transformação da relação entre sectorial e aquilo que se faz a nível sectorial e global, e os global o sistema de decisão não funciona. Isso assistentes sociais são profissionais determina a importância que têm os capacitados para lidar com um problema mediadores no domínio das políticas públicas. individual ou de grupo de forma inserida na A função de mediação resulta da conjunção de dinâmica do conjunto das políticas. Os dois pares de dimensões: a dimensão problemas têm de ser tratados de forma cognitiva-dimensão normativa e a dimensão integrada, e neste contexto os assistentes 18 Este conceito elaborado por analogia com a sociais (entre outros profissionais) assumem- noção matemática de "sistema de referência" é uma estrutura de sentido que permite pensar a se como artesãos do desenvolvimento de uma mudança nas suas diferentes dimensões. Compreende quatro factores: os valores (ex. as política pública17 que se adapta às noções de igualdade e equidade), as normas que separam o real percebido do real desejado, os algorítmos (relações causais que exprimem teorias de acção) e imagens (cada política traduz 17 Gérard Martin (1998, 124) considera que se uma imagem do problema a tratar, uma pode falar de política pública quando uma ou representação sobre o grupo de referência do mais autoridades locais tentam modificar o meio problema e uma concepção de mudança). O sócio-cultural e económico dos actores através de referencial é o quadro intelectual que baliza a um programa de acções coordenadas. intervenção. 25
  • 24. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida intelectual-dimensão de poder. O primeiro par dão visibilidade e que se forem consideradas designa a relação entre o desejável e o real e de forma singular, independentes e o segundo a estruturação do campo de força descontextualizadas constituem constantes na da mediação (através da linguagem e da diversidade de práticas profissionais no produção de sentido). Uma política pública domínio social. A mediação social processa-se produz sentido e também poder. Os através de acções como a prestação de mediadores são actores que decodificam o informação-formação de competências, o mundo, o interpretam, o tornam inteligível, encaminhamento social, a gestão e lhe dão sentido definindo objectivos e acções administração de recursos e o concretas que visam transformar os acompanhamento psico-social. problemas. Num trabalho de rede o mediador Subjacente às modalidades de acção, que desempenha um papel de pivot. Para tal terá constituem as unidades visíveis da mediação de ser reconhecido socialmente pelos outros social protagonizada pelos Assistentes Sociais, actores locais. Tal é o resultado de um desenvolvem-se processos de trabalho com trabalho paciente de identificação, sinalização componentes técnicas associadas ao “saber e conhecimento dos diferentes recursos fazer administrativo-relacional” (Mondolfo, existentes. 1997, 32), mas que não se restringem a essa É no local que se vive, mas é no particular que dimensão. Eles revelam competências sócio- se intervem. Nesse particular existe uma profissionais capitalizadas na prática interdependência de factores que implicam a quotidiana, invisíveis aos olhos do cliente, mas articulação entre aquilo que é singular e que constituem uma fonte de legitimidade da individual e aquilo que é global e colectivo. A mediação social efectuada. Mais ainda, eles mediação revela-se como uma das vinculam as práticas profissionais de mediação concepções valorizadas recentemente no e sinalizam a diferença com outro tipo de domínio do serviço social. Ela implica um práticas como o voluntariado. Os processos de conjunto de modalidades de acção que lhe trabalho também não se confundem com 26
  • 25. Investigação e Debate (17) etapas metodológicas da mediação. Estas solicitações. Se é verdade que é necessário correspondem a momentos distintos e que cada profissional perceba os seus limites, sequenciais no desenvolvimento da acção, também é verdade que o exercício da enquanto os processos de trabalho se mediação implica uma avaliação permanente confinam aos saberes e às competências da sua posição e o desenvolvimento de uma operacionalizadas no decurso da mediação, acção estratégica com avanços e recuos, num sejam elas de carácter teórico, técnico ou processo de conquista permanente. Ora a relacional (Autès, 1999, 229). Como refere o trajectória de afirmação dos assistentes autor, por referência ao contributo de Guy le sociais tem passado pelo reconhecimento do Boterf (1994), a competência corresponde à valor da estratégia em brechas e momentos capacidade prática de mobilizar recursos em oportunos. A relação de poder que se exerce função do utente e da interpretação que o no contexto institucional é diferente em cada profissional faz da situação. situação e cada momento, pelo que a O uso de estratégias revela-se importante estratégia assume relevo inclusive na tanto a nível da conquista do espaço conquista de espaço profissional. profissional como na procura de alternativas à Por vezes é necessário negociar papéis, situação-problema, elas potenciam a delimitando fronteiras e complementaridades, mediação. Em termos profissionais, para além (re)estabelecendo espaços de troca. O Serviço dos constrangimentos contextuais ao Social, embora seja dependente de instâncias desenvolvimento da acção, há a considerar a superiores a nível administrativo, possui uma posição activa do profissional na construção autonomia técnica que lhe confere alguma do seu quotidiano. Quer isto dizer, que a margem de manobra no processo de prática não se impõe ao técnico, como se de mediação. Quando existem litígios no plano um ritual pragmático se tratasse, mas que lhe das competências profissionais, torna-se compete participar, criar ou inovar imperativo clarificar as funções e os papéis constantemente face à variedade de que lhe são reservados, definir os momentos 27
  • 26. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida de intervenção e de articulação com outros e do potencial humano dos recursos que profissionais, determinar as responsabilidades utiliza. Deste modo, quando se fala em de cada actor no processo. Por vezes estratégias de mediação faz-se apelo ao verificam-se resistências e representações da conjunto de atitudes que permitem ao profissão de Serviço Social que dificultam a profissional fazer a gestão dos poderes que acção. Mas quando as dificuldades são contextualizam a acção e proporcionar a estruturais, a procura de alternativa não mudança não apenas na situação mas depende nem da vontade nem do também nos sujeitos. Tal faz com que elas empenhamento individual do técnico ou do sejam diversificadas e sinalizadoras de sujeito. É necessário que isso seja esclarecido, concepções de prática profissional. O porque isso permite ponderar os limites e em problema coloca-se quando o Assistente função dessa avaliação unir esforços (em Social se prende a concepções teóricas em termos de equipa ou a nível institucional) para detrimento do discernimento das prosseguir o trabalho, contornando ou oportunidades e do potencial humano na enfrentando as barreiras que intervêm no resolução das situações, ou quando a sua processo. prática quotidiana se processa de forma Na mediação não existem receitas e uma rotineira. Surgem então discursos atitude com resultados positivos num dado desculpabilizadores da (in)acção, de momento e situação poderá não ser eficaz vitimização, de dúvida e interrogação face às num outro contexto. Os referenciais teóricos dificuldades, tais como: " não existem orientam e potenciam as práticas, não as respostas para os problemas", " o serviço substituem nem limitam. O profissional ao social não dispõe de modelos teóricos tomar conhecimento da situação-problema alternativos a outras ciências sociais", ou " foi intervém, integrando os quadros teóricos para isto que tirei o curso?". É obvio que este referenciais, os objectivos institucionais, a tipo de argumentos surge algumas vezes após representação que faz da prática profissional tentativas variadas de solução para o 28
  • 27. Investigação e Debate (17) problema diagnosticado, mas também é opportunités et des disponibilités; c'est utiliser verdade que em algumas ocasiões au plus vite toute information afin de saisir, subentende uma ausência de questionamento dans l'intérêt de la clientèle, des moyens sobre o percurso profissional : "o que é que eu réduits; c'est encore recourir à des passe- fiz para ultrapassar a situação?". droits ou obtenir des concessions grâce, Apesar de as estratégias poderem ser justement, à la force de son réseau interdependentes e complementares entre si relationnel; c'est autant créer l'occasion de la durante o processo de mediação, e saisir" (Soulet, 1997, 55). abrangerem também o campo do imprevisto, O principal instrumento de trabalho do uma vez que embora racionais surgem no Assistente Social é a palavra, e esta permite contexto da emergência do novo, a prática do deslocar o conceito “estratégia” para o Serviço Social evidencia-as como um leque de domínio do cliente. No processo de mediação opções organizadas em torno do contexto a estratégia consiste muitas vezes em fazer (situação) e da representação que o técnico adquirir por parte do cliente um pensamento faz do seu perfil profissional. O termo estratégico de antecipação do curso dos "bricolage " utilizado pelos autores acontecimentos e em relação a essa previsão francófones reflecte esta incessante atitude reorientar o seu comportamento. criativa no processo de descoberta de Quando um mediador institucional tem à sua soluções inovadoras. "Bricoler, c'est donc responsabilidade todo o trabalho de relação savoir tisser des liens, mais c'est également com o exterior, organização de projectos, composer, en utilisant d'ailleurs ces rélations estabelecimento de protocolos, pressupõe-se privilégiées, toujours individuelles, avec les que esse trabalho se baseie num trabalho de possibilités et les impossibilités; c'est trouver equipa. Neste quadro, emerge uma nova des solutions aux problèmes que rencontre la dimensão da mediação que é a supervisão clientéle en apportant des réponses para acompanhamento de todas as diligências ponctuelles construites en fonction des administrativas e técnicas associadas à 29
  • 28. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida divulgação e avaliação das acções. O comprometida com experiências acompanhamento dos projectos e da equipa transformadoras (Bronfenbrenner, 1996), permite uma avaliação permanente das configura-se como um elemento central da acções e o enquadramento dos casos mediação. Ela surge na sequência do concretos na lógica do projecto ou da acção movimento de procura existente e no promovida. O desenvolvimento deste trabalho envolvimento dos diferentes agentes e favorece a reflexão, estimula a tomada de actores no processo. É esta dinâmica que decisões com base nas necessidades permite que a mediação seja reconhecida quotidianas, favorece a autonomia, permite como um processo de construção de organizar o tempo e estabelecer prioridades e alternativas e que se traduz na criação de contribui para assegurar a articulação entre novas necessidades e questionamento da técnicos. Para além de se mostrar útil à gestão situação. Enquanto mediador, compete ao do quotidiano, a coordenação desenvolve o Assistente Social promover o envolvimento de espírito de equipa e promove a expressão de outros agentes, estimular a entrada de novos sentimentos por parte das equipas ou dos actores formais e informais no processo (por actores envolvidos no processo. Aqui a exemplo outras empresas, serviços, mediação assume também um perfil profissionais, familiares, vizinhos, amigos) até complexo e global, envolvendo diversos ao limite do possível. Porém, nem sempre o técnicos ou profissionais complementares na confronto de lógicas e interesses é assegurado lógica do projecto e da acção. Por isso, a e quando o é a construção de alternativas coordenação assegura uma articulação e esbarra com frequência em barreiras cooperação entre serviços e técnicos na institucionais associadas à burocracia e à prossecução das suas finalidades e objectivos. normalização e funcionamento dos serviços A procura de alternativa, entendida como ou dos profissionais. Fazer mediação rejeição de um modelo de “déficit” em favor pressupõe autonomia técnica, um de uma pesquisa política e prática posicionamento aberto, não cristalizado, uma 30
  • 29. Investigação e Debate (17) capacidade de diálogo e de acção que nem hipoteca a mediação e o consequente sempre os diversos actores são capazes de envolvimento dos diversos actores sociais. assegurar. A ausência destes elementos REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS: ALMEIDA, H. (2001). Conceptions et pratiques de la médiation sociale. Les modèles de médiation MARTIN G. (éd.) (1998). La dynamique des dans le quotidien professionnel des assistants politiques sociales. Observation, management, sociaux, Coimbra : Fundação Bissaya-Barreto, évaluation, Paris : Éditions Éditions Instituto Superior Bissaya-Barreto. l’Harmattan. AUTÈS, M. (1999). Les Paradoxes du travail social, MARTIN, P. & MASSON, M.P. (1986). “Passer à Paris: Dunod. autre chose” in Le Bulletin, 8. BADIE, B. (1996). La fin des Territoires, Fayard. MONDOLFO Ph. (1997). Repenser l'action sociale: BONAFÉ-SCHMITT & al. (1999). Les médiations, la missions, moyens, méthodes, Paris : Dunod. médiation, collection Trajets, Toulouse : PAILLET P. (1982). “Des médiations par milliers” in Éditions Érès. Informations Sociales, 4. BONAFÉ-SCHMITT J.P.(1988). “Plaidoyer pour une PELPEL, G. (1982). "La médiation au risque de la sociologie de la médiation” in Annales de dépendance" publicado na revista Vaucresson, 29. Informations Sociales, 4. BONAFÉ-SCHMITT, J.P. & al. (1992). Médiation et SIMONET, J. & SIMONET R. (1987). A gestão de régulation sociale, Lyon : GLSI -Université Lyon uma equipa. Guia para negociar, animar, II. formar, Colecção Gestão, Edições Cetop. BONDU D. (1998). Nouvelles pratiques de SIX, J.F. (1995). Dynamique de la médiation, Paris : médiation sociale. Jeunes en difficultés et Desclée de Brower. travailleurs sociaux, Paris : ESF. SIX, J.F. (1991). Le temps des médiateurs, Paris : BRIANT, V. & PALAU Y. (1999). La médiation. Éditions du Seuil. Définition, pratiques et perspectives, collection SOULET M.H. (1997). Petit précis de grammaire Sciences Sociales, 128, Paris : Éditions indigène du travail social: règles, principes et Nathan/HER. paradoxes de l'intervention sociale au BRONFENBRENNER U. (1996). A ecologia do quotidien, collection Res Socialis, Fribourg : desenvolvimento humano: experimentos Éditions Universitaires. naturais e planejados, Porto Alegre: Artes TOUZARD, H. (1977). La médiation et la résolution Médicas. des conflits, Paris : PUF. DEBRAY R. (1991). Cours de médiologie générale, Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Paris : Gallimaard. (ilustrada com cerca de 15000 gravuras), ESTOUP, P. (1986). “Conciliation et amiable Volume VI, Lisboa, Editorial Enciclopédia, composition” in Le Bulletin, 8. Lda.ROBERTS R. (1990). Lessons from the Past: LE BOTERF G. (1994). De la compétence, Paris : Les Issues for Social Work Theory, London, Éditions d’Organisations. Routledge. MACÉ, É. (1996). “Les contours de la médiation : RONNBY A. (1992). “Praxiology in Social Work” in institution, conciliation, conformation. À International Social Work, vol,35, pp.317-329. propos d'un dispositif de "médiation" de la RATP” in Revue Française de Affaires Sociales, SCHÖN D. (1987). The Refective Practitioner: How 2. Professionals Think in Action, New York, Basic MALIGNE, P. (1986). “De la conciliation aux Books. arbitrages” in Le Bulletin, 8. 31