1) O documento discute conceitos de mediação social no contexto de trabalho em rede.
2) Existem duas concepções principais de mediação - a americana focada na resolução de conflitos e a europeia universalista focada na regulação das relações sociais.
3) Em Portugal, o conceito e prática de mediação estão em desenvolvimento, sendo necessário aprofundar o conhecimento nesta área para guiar intervenções futuras.
Este trabalho propõe uma reflexão em torno das dimensões participativas e da ampliação da cidadania, num contexto em que, apesar das formas tradicionais em execução, há a implantação de novas experiências, sendo o cidadão o criador de direitos e novos espaços de participações sociopolíticas e também dos aspectos que configuram os obstáculos a serem superados para construir uma gestão que seja eficiente no ato da democracia.
Este trabalho propõe uma reflexão em torno das dimensões participativas e da ampliação da cidadania, num contexto em que, apesar das formas tradicionais em execução, há a implantação de novas experiências, sendo o cidadão o criador de direitos e novos espaços de participações sociopolíticas e também dos aspectos que configuram os obstáculos a serem superados para construir uma gestão que seja eficiente no ato da democracia.
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O artigo investiga duas formas de deliberação identificadas na literatura contemporânea em teoria democrática. A primeira, restrita, é realizada no interior de mini-públicos, com regras e parâmetros específicos. A segunda forma é ampliada: aqui, as deliberações incluem discussões informais na sociedade, reverberadas pela comunicação de massa. Após explorar teoricamente estas duas dimensões, o artigo apresenta a idéia de deliberação integrada, uma perspectiva que busca se beneficiar das vantagens práticas encontradas nos dois formatos deliberativos mencionados. O exame de casos permite ilustrar ocasiões nas quais a troca de razões em ambientes amplos e restritos acabam gerando uma confluência que facilita a participação da esfera civil no processo de produção da decisão política.
As discussões contemporâneas em torno da participação, democracia, cidadania e associativismo têm motivado inúmeros estudos e ampliado o repertório teórico-conceitual. É um fato que as relações sociais contemporâneas estão marcadas por inúmeras articulações existentes entre redes de movimentos sociais, na participação em Conferências Nacionais e Globais, Fóruns e Conselhos e nas ações de voluntariado. A idéia central que permeia a presente discussão é a de que a luta pela construção democrática se localiza no próprio espaço da sociedade civil e não apenas no espaço do Estado. Entende-se que práticas associativas dinamizam a vida democrática e são espaços de socialização política e cívica. E mais, são canais de interlocução entre a sociedade e o Estado, espaço potencial de formulação/questionamento de políticas públicas. O presente projeto tem como tema a cultura política e o associativismo no âmbito local. Interessa explorar a emergência de uma cultura cívica e política favorável à afirmação da cidadania e à construção de práticas democráticas na área da Região Metropolitana de Maringá - Paraná. O comportamento político, traduzido em termos da cultura política dos dirigentes das associações da sociedade civil, permitirá medir as relações e atitudes desses cidadãos em relação ao sistema político.
Objetiva-se nesse artigo refletir sobre o papel das mídias independentes para a construção de uma comunidade ideal de comunicação proposta por Habermas. Já que a Ética do Discurso tem por pretensão a construção de relações comunicativas, solidárias e participativas entre os membros de uma comunidade
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O julgamento do mensalão e as redes sociais de interpretação. Pistas para uma...claudiocpaiva
Na sociedade midiatizada a experiência política não desapareceu; transfigurou-se. O fenômeno da internet e das redes sociais forjaram uma nova ambiência comunicacional em que os atores-em-rede, e-leitores, a partir de uma cognição coletiva conectada articulam novos agenciamentos ético-políticos, virando do avesso a concepção e a própria atividade política. Este texto apresenta elementos para uma compreensão das notícias acerca do chamado “julgamento do mensalão”, em que as relações entre mídia e poder se mostram em toda sua complexidade. Observamos a sua projeção no contexto do ciberespaço, um ambiente que pulsa permanentemente, num presente contínuo, agregando diferentes linguagens e sensibilidades, e cuja forma e sentido solicitam novos parâmetros de interpretação. Neste sentido propomos algumas pistas para um exercício de interpretação, uma hermenêutica da comunicação compartilhada, que possa desvelar o significado do “julgamento do mensalão” nas redes sociais.
1. CONCEPTUALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO SOCIAL
EM TRABALHO EM REDE
HELENA NEVES ALMEIDA 1
O conceito de mediação deriva etimologicamente do latim
mediare (interpor-se) e foi empregue através dos tempos
para designar uma oferta de interposição muitas vezes
imposta a dois beligerantes. Actualmente o termo
ultrapassa largamente essa concepção, e assume-se como
2
um modo de gestão de um "sistema de transacções" no
quadro da acção social. A prática de mediação surge nos
anos 70 nos Estados Unidos da América principalmente no
sentido de regular litígios sem recurso a instancias
jurídicas, como uma prática decorrente da insatisfação
sentida pelas pessoas devido à lentidão dos processos
judiciais, aos seus custos e por vezes à falta de respeito
1
Professora auxiliar do Instituto Superior Bissaya-Barreto (Coimbra), Doutorada em Trabalho Social pela
Faculdade de Letras da Universidade de Fribourg (Suiça).
2
BONDU D., Nouvelles pratiques de médiation sociale. Jeunes en difficultés et travailleurs sociaux, Paris, ESF,
1998, p.14.
3
2. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
pelas decisões. A mediação emerge como um Existem sobretudo duas concepções de
modo de resolução de conflitos entre mediação: uma ligada à cultura americana que
particulares e entre estes e os serviços a encara como um meio alternativo de
públicos e como "um modo de regulação resolução de conflitos, embora com contornos
social"3 de que as "boutiques de droit" e os próprios, e uma outra, mais universalista,
"community board" são exemplo4. europeia, herdeira da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789, em que “o
3
Cf. BONAFÉ-SCHMITT J.P., “Plaidoyer pour une
sociologie de la médiation” in Annales de outro” é um ser diferente mas igual, e para a
Vaucresson, 29, 1988, pp.19-44, et BONAFÉ-
SCHMITT, J.P. & al., Médiation et régulation qual as semelhanças são mais importantes do
sociale, GLSI -Université Lyon II, 1992.
4 que as diferenças. Neste contexto, a mediação
As boutiques de droit, associações de informação
jurídica, surgiram em França (1975) por iniciativa
de advogados e militantes associativos. Instalaram- está centrada sobre a regulação constante das
se nos bairros para dar resposta à procura social
das populações mais desfavorecidas e facilitar- relações sociais. Ela opera novos laços, de
lhes o acesso ao “direito a ter direito”. O projecto
de mediação sobre o qual as "boutiques de droit" forma criativa, renovando laços cortados,
assentam, baseia-se na criação de estruturas de
proximidade e na implicação activa dos habitantes. gerindo a sua ruptura. Enquanto os
Por tudo isto, Bonafé-Schmitt considera a
mediação, uma justiça doce. Nos termos da "Carta
americanos têm o culto da negociação, os
da mediação e das boutiques de droit" (divulgada
por Philippe Turrel, Vers un droit d'ingérence
sociale , 1995, in SIX, J.F., Dynamique de la europeus têm o da lei. Bonafé-Schmitt (1999,
médiation, Paris, Desclée de Brower, 1995, p.147)
o conceito parece como percursor de um direito de 18) está convencido de que “as formas e o
ingerência social (“ Le choix d’action des Boutiques
de Droit procède d’un droit d’ingérence sociale de
certains acteurs de la Société Civile qui permettrait
à des habitants des quartiers, désignés comme permitiu dar voz aos conflitos existentes, tendo
médiateurs, d’être porteurs d’une certaine sido criado um espaço onde as pessoas podiam
légitimité” in TURREK, op. cit., p.8.) de certos falar dos seus problemas e resolvê-los com a ajuda
actores da sociedade civil, direito que daria de terceiros e extra-judicialmente. Nesta
legitimidade aos habitantes dos bairros designados perspectiva, mediação é também entendida como
como mediadores. O domínio da sua acção é o uma acção preventiva da marginalidade. A
contencioso do quotidiano, é a regulação de litígios experiência de San Francisco é diferente de outros
menores (pequenos furtos, querelas verbais, maus modelos de mediação, uma vez que: a) a
cheiros na via pública). No que respeita as mediação é concebida como um meio de
Community Boards, a mais conhecida é a de San solucionar assuntos penais, como uma acção de
Francisco que funciona independente dos prevenção de criminalidade, e b) visa a regulação
tribunais. Esta iniciativa visava humanizar o tecido pacífica de conflitos menores pela revitalização do
social em que se manifestam conflitos espírito comunitário nos bairros urbanos. Neste
interpessoais e pretendia implicar cada cidadão contexto, a mediação ultrapassa a resolução de
através da sua responsabilização na procura de conflitos: os cidadãos procuram a paz social pela
uma solução. O trabalho de base consistiu no redução de tensões sociais e raciais, pelo
estabelecimento de contactos com a população e desenvolvimento de solidariedades , pela
com as instituições. O clima de confiança criado prevenção de conflitos de vizinhança. Neste caso, a
4
3. Investigação e Debate (17)
desenvolvimento da mediação nos diferentes equipamentos domésticos e das
países são directamente influenciadas pelos comunicações. Porém, à crescente
sistemas de regulação social”. Uma análise institucionalização das relações sociais
comparada desenvolvida pelo autor e seus associou-se uma burocratização dos serviços
colaboradores sobre a medição penal que tem contribuído para o arrastamento do
existente em França e nos Estados Unidos, processo de resolução das situações,
evidencia diferentes modelos de integração sobretudo no âmbito da justiça, da saúde e
social subjacentes aos modelos de medição. O da protecção social.
modelo francês é universalista e republicano e Apesar de os princípios da igualdade de
o modelo americano é diferencialista ou direitos sociais e da universalidade da
comunitário. Estas diferenças de modelos protecção social pública fazerem parte da
explicam porque nos Estados Unidos se fala nossa memória colectiva recente, o direito à
mais de “mediação comunitária” e que em indignação começa a ter eco junto das
França se realce “a mediação de bairro, social populações, sempre que as decisões políticas
ou intercultural”. Após os anos oitenta, inibam ou contrariem a aplicação de tais
começou-se a falar de práticas de mediação direitos. Surgem queixas individuais e até
fortemente influenciadas pelas correntes movimentos sociais de contestação 5 e de
americanas. reivindicação, que exigem o desenvolvimento
Numa Europa cujo desenvolvimento se de processos que facilitem a resolução dos
processa a ritmos diversos, Portugal é um dos conflitos emergentes. Nesse sentido, a
países da União Europeia cuja modernização administração pública instituiu nos diversos
económica e social se tem vindo a processar serviços gabinetes para a recepção de queixas
sobretudo nas últimas três décadas, com
informação, educação e acção”.
5
indicadores positivos a nível dos padrões de É disso exemplo, o movimento de contestação à
política de co-incineração dos resíduos tóxicos,
desenvolvida pelo Governo Português, que tem
consumo, dos costumes, do acesso aos
mobilizado a população em grupos de contestação
social no sentido de encontrar alternativas que
respeitem as preocupações da população em
mediação "é uma incitação cívica e pessoal pela relação ao meio ambiente e à saúde pública.
5
4. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
individuais relativas aos conflitos que possam povos. Face ao exposto, pode-se afirmar que
existir entre utentes e serviços, mas a sua em Portugal o conceito e a prática de
resolução é demorada. A nível de pequenos mediação estão em construção, pelo que se
conflitos entre cidadãos, e a nível de torna imperioso aprofundar conhecimento
consumo, foram instituídos tribunais de neste domínio.
arbitragem, tentando diminuir os custos que De facto, a prática de mediação expandiu-se
acarretam processos judiciais demorados. Em por diversos campos de intervenção e foi
qualquer destes recursos utilizam-se assumindo diferentes perfis no quotidiano.
processos alternativos de resolução de Hoje assiste-se à proliferação da diversidade
conflitos, como a conciliação, a negociação ou de mediadores e de práticas de mediação
a arbitragem. Porém, tais processos não se como resposta criativa a conflitos inscritos nas
confundem com a mediação6. A mediação relações inter-pessoais ou decorrentes de
social tem sido assegurada por profissionais mudanças sociais, designadamente, a
que trabalham nas organizações sociais, mas institucionalização das relações sociais,
está desprovida de uma concepção clara e alterações a nível do perfil e funções da
orientada por finalidades específicas. Se a família, a mundialização da economia, a
nível europeu a mediação está presente no expansão da sociedade da informação e a
discurso político e na prática institucional, em crise do Estado-Providência. Defende-se o
Portugal tem sido essencialmente utilizada a processo de mediação em áreas diversas,
nível político, designadamente no plano quando o conflito assume um papel
internacional e no caso de conflitos entre predominante nas relações a nível familiar,
6
penal, administrativo, escolar, político, social,
Constituem excepções algumas práticas
comunitárias onde se começa a fazer intervir a ou a nível empresarial, e sempre que a
figura de mediador (por exemplo, no quadro das
políticas de integração das minorias étnicas) e na
procura de alternativas exigir a intervenção de
área familiar que, neste momento, possui
instâncias de mediação, designadamente o
Instituto Português de Mediação Familiar (1993) e uma terceira pessoa que valorize a
a Associação Nacional para a Mediação Familiar
(1997), dando corpo a uma prática de mediação, já comunicação entre as partes e a capacidade
instituída na Europa há alguns anos.
6
5. Investigação e Debate (17)
de tomada de decisão por parte dos litigantes intervenção de uma terceira pessoa exterior à
no estabelecimento de um acordo mútuo. O sua rede de relações. Porém, a dispersão e
conflito, o equilíbrio e a mudança constituem difusão acometida a tal diversidade poderão
pólos referenciais da expansão de práticas constituir um indicador de insuficiente
mediadoras; a mediação é utilizada em reflexão que descapitaliza o conhecimento a
situações de conflito, no sentido de o nível da intervenção.
controlar ou prevenir, estabelecer ou A primeira exigência que se coloca é a
reestabelecer laços sociais, e deste modo, clarificação conceptual.
regular relações sociais ou impulsionar
mudanças a nível pessoal, inter-individual e 1 – CARACTERÍSTICAS CONCEPTUAIS DA
social. MEDIAÇÃO
No quadro da diversidade da produção escrita
sobre a mediação, são predominantes as 1.1 - A mediação é frequentemente
abordagens sociológicas reflexivas, raramente confundida com conciliação, arbitragem,
de base ontológica. Ora, a diversidade de negociação e resolução de conflitos, mas
práticas profissionais constitui um factor de constitui um processo distinto.
dinamização do saber fazer, dada a
criatividade permanente que a complexidade A conciliação é um processo formal ou
das situações-problema coloca ao processo de informal pelo qual as partes, com a
procura de alternativas. Este tem sido um intervenção ou não de uma terceira
factor valorizador do saber profissional pessoa, tendem a aproximar os seus
daqueles que diariamente contactam com pontos de vista visando uma solução para
utentes de serviços sociais, com populações o seu litígio. Quando existe uma terceira
socialmente excluídas ou com pessoas que no pessoa, compete-lhe propiciar a discussão
seu dia-a-dia se debatem com do assunto entre as pessoas,
conflitos/problemas cuja solução passa pela restabelecendo a comunicação e
7
6. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
ajudando as partes em litígio a encontrar conjunto com as partes envolvidas. Deste
soluções através de um processo de modo, conciliação e mediação são de natureza
sucessivas aproximações. O conciliador semelhante apesar de a conciliação ser de
organiza o encontro entre dois ou mais natureza judiciária8 e a mediação de natureza
parceiros em conflito e promove a extra-judiciária (Six, J.P., 1995). Uma
realização de um acordo verbal ou escrito. característica da mediação é o facto de ela ser
A conciliação é ainda um estado de "non-procedure", como refere Paul Paclot9,
espírito, que caracteriza todos os que Presidente honorário do Tribunal de Comércio
privilegiam as relações humanas, a atitude de Paris, num colóquio realizado em 1986.
de escuta e diálogo, e que os adquirem Com efeito, as partes estão livres do
depois de uma reflexão seriamente constrangimento processual, e tal facto
conduzida tanto a nível teórico como contribui para que aqueles que a ela recorrem
prático. Não se improvisa e é um não a percebam como uma justiça. O
"suplemento de alma" 7 ao procedimento mediador não está investido de qualquer
clássico da justiça. A prática da conciliação poder, nem tem o imperium do juiz. "Esta
confronta-se com os limites da prática da forma de mediação por conciliação é muito
palavra inerentes a qualquer reencontro utilizada tanto nas interacções privadas (no
inter-subjectivo (Martin & Masson, 1986).
Le Bulletin, 8, 1986.
8
Pierre Estoup num artigo publicado em 1986
Aquilo que separa a mediação da conciliação é considera que os tribunais não são forçosamente o
local único de solução de todos os conflitos. É
uma questão de peso e duração. A mediação necessário que para pequenos litígios sejam
favorecidas soluções rápidas e pouco onerosas ,
aplica-se a questões de maior importância, fundadas sobre a equidade. Porém, salienta que o
desenvolvimento de procedimentos de conciliação
e de composição amigável exige uma mudança de
sendo o tempo utilizado no processo maior do mentalidades de todos os participantes na acção
judiciária (cf. ESTOUP P., “Conciliation et amiable
que na conciliação. Em todo o caso a proposta composition” in Le Bulletin, 8, 1986, pp. 9-12).
9
Presidente honorário do Tribunal de Comércio de
de solução formulada resulta de um trabalho
Paris. Comunicação feita no âmbito do colóquio
organizado pela Associação Francesa de
Arbitragem, consagrado à arbitragem e à
7
MALIGNE P., “De la conciliation aux arbitrages” in mediação, 20 Jan.86, 21-30 (citado por SIX J.F., Le
8
7. Investigação e Debate (17)
seio da família e das redes de sociabilidade) está presente nos modos juridiscionais de
como nas interacções públicas (grupos de regulação de conflitos, sejam eles
pares, sociabilidades profissionais)” (Macé, familiares, de consumo ou de outra
1996). ordem. A arbitragem não é um modo de
conciliação. É um modo de justiça que
A arbitragem é um processo formal pelo chega a uma decisão arbitral e tem todas
qual as partes, de comum acordo, aceitam as características de uma decisão
submeter o seu litígio a uma terceira judiciária. A arbitragem é caracterizada
pessoa que terá por missão resolvê-lo por ser: a) - uma acção institucionalizada :
depois de os ter ouvido e estudado os a decisão é pronunciada por uma terceira
seus respectivos argumentos (Bonafé- pessoa que não representa nenhuma das
Schmitt, J.P., 1999). O árbitro tem por partes e de forma independente, apenas
missão resolver o litígio e a sua decisão tendo em consideração os dados
obriga as partes. No caso da arbitragem as apresentados por cada uma das partes; b)
duas partes colocam nas mãos de um - uma acção rápida: o tempo requerido
terceiro o poder de impôr uma decisão reduz-se ao necessário para a análise da
que se propõem aceitar. A mediação situação, após ouvir os intervenientes na
considera os direitos daqueles cujos contenda, e uma tomada de decisão.
interesses são contraditórios e solicita um
posicionamento activo. Neste caso, os Mas é necessário distinguir ainda mediação,
antagonistas não podem nem devem negociação e resolução de conflitos.
abdicar da sua possibilidade de agir, eles A negociação é um processo que permite
devem participar tão activamente quanto que duas ou mais partes em presença,
possível na procura de uma solução, criá- com interesses opostos, estabeleçam um
la e decidir em conjunto. A arbitragem acordo através de contactos directos
temps des médiateurs, Paris, Éditions du Seuil, 1990).
9
8. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
entre os representantes das partes. Na este perfil não se ajusta ao de mediador.
sua origem a negociação não se Os dois processos são autónomos mesmo
desenvolvia sobre um conflito, mas sobre que por vezes se articulem. A mediação
as condições de uma mudança. Hoje a não se reduz à negociação nem esta
negociação estendeu-se aos conflitos implica sempre uma mediação e vice-
sociais. A negociação pressupõe uma versa, uma vez que implica uma terceira
confrontação directa entre as duas partes, pessoa não pode ser assimilada à
podendo cada uma ser assistida por negociação e não pode ser considerada
advogados ou peritos. " A negociação não como uma serva da negociação, um
é mais do que um jogo estratégico entre o facilitador da tarefa de negociação como
conflito e a cooperação" (Simonet,J. & defende H.Touzard. De facto a mediação
Simonet, R., 1987, 50). A negociação tem sido considerada uma serva da
repousa sobre um fundo de interesses negociação. Porém, convém assinalar que
comuns e interesses opostos que a mediação não é uma parte de um
permitem estabelecer um acordo a fim de conjunto mais vasto chamado negociação,
se poder cooperar. Touzard (1977, 400) ela tem a sua própria autonomia.
considera que compete ao mediador A mediação também não se confunde
"facilitar a realização de um acordo entre com a resolução de conflitos. Na
as partes", inserindo a mediação no linguagem corrente a mediação surge
quadro da negociação. Mas significará isso associada à resolução de conflitos, e seria
que o mediador seja um negociador? um modo não violento de os resolver. O
Segundo este autor, o mediador regula as conflito é em si mesmo uma realidade útil
relações interpessoais e seria uma mais e um factor de desenvolvimento. Apenas
valia para o processo de negociação. A a violência perverte o conflito e
terceira pessoa assumiria um papel de transforma os adversários legítimos e
"agente de facilitação na negociação". Ora normais em inimigos que em vez de
10
9. Investigação e Debate (17)
procurarem encontrar um equilíbrio nas conciliação e a negociação podem constituir
suas relações pretendem tirar a "pele" do orientações práticas a considerar no decurso
outro. O conflito em si próprio não é bom de uma mediação. Ou seja, se por razões que
nem mau, ele é a pior e a melhor das se prendem com a natureza e as finalidades
coisas. A melhor quando o seu confronto da mediação, a prática de arbitragem e de
permite encontrar soluções inovadoras resolução de conflitos não se podem
adaptadas aos interesses das partes em confundir com aquela, já no que respeita à
presença e pior quando a forma de o negociação e à conciliação elas podem ser
ultrapassar faz recurso à violência. Deste integradas no processo de mediação como
modo, pode-se fazer uma boa ou má estratégias, uma vez que dão alguma margem
gestão do conflito. A mediação não é um de manobra ao mediador. O objectivo da
meio de dissolução dos conflitos, pois mediação não é o de promover a conciliação
assim não seriam salvaguardadas as ou a negociação, mas estes podem ser
diferenças entre os adversários, objectivos-meio importantes no decurso da
mantendo-as através de acordos; pelo acção.
contrário, essas diferenças seriam Se a mediação não se confunde com nenhum
apagadas no sentido de alcançar uma dos processos referidos, o que entendemos
espécie de "ideal de fachada". por mediação?
Embora diferentes, os conceitos traduzem
práticas que sendo diversas se articulam e 1.2 - A mediação é um mecanismo de
imbricam umas nas outras. Poder-se-á regulação a nível societal e
encontrar no processo de mediação interindividual.
procedimentos próximos da negociação ou da
conciliação. O conceito de mediação está Por toda a Europa têm emergido mediadores
totalmente desligado dos conceitos de diversos. Cada país adoptou a mediação como
resolução de conflitos e de arbitragem, mas a um modo alternativo de resolução de
11
10. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
conflitos e como um modelo de regulação mediação interindividual é entendida como
social, sabendo que “a regulação social é o um modo não contencioso de regulação de
conjunto de mecanismos através dos quais se litígios, sob a égide de uma terceira pessoa.
criam, se transformam e se anulam as regras. Em qualquer mediação poder-se-á considerar
A regulação social toma a forma de mediações a existência de uma micro-mediação (inter-
sociais e interindividuais. Elas preenchem uma individual) e de uma macro-mediação
dupla função, latente e manifesta: “fazer (societal) que formam um contínuum variável
sociedade” e “regular conflitos””( De Briant e segundo a representação que os actores têm
Palau, 199,43). do processo.
A mediação define-se como o A mediação “faz sociedade” na medida em
“relacionamento entre dois termos e dois que ela cria laços sociais fundados em
seres” (ibid, 43). Ora, na perspectiva das representações culturais e históricas da
ciências sociais, a mediação é mais do que o sociedade. Mas ela é igualmente um processo
estabelecimento de relação entre a sociedade alternativo de resolução de conflitos, um
e o indivíduo. Ela é simultaneamente societal modo que permite a sua transformação
e interindividual, mesmo que os diferentes partindo de um compromisso.
actores sociais não tenham consciência dessa
dualidade. A mediação é societal na medida 1.3 - A mediação assenta num conjunto de
em que esse relacionamento visa “constituir “estruturas fundamentais”10,
ou desenvolver laços sociais e tratar ou designadamente uma terceira pessoa, uma
prevenir conflitos” (ibid, 118) . Inserem-se ausência de poder de decisão, uma mudança
nesta categoria as mediações da linguagem, por catálise e a comunicação.
do direito, da escola, enquanto operações de
construção da realidade, de laços sociais, a) Uma terceira pessoa
“vectores de sensibilidades e matrizes de
sociabilidades” (Debray, 1991, 15) . A 10
Cf. Six, J.F., Le temps des médiateurs, op.cit. 165-
193.
12
11. Investigação e Debate (17)
A primeira condição para que haja mediação é necessariamente um terceiro elemento
a interposição de um terceiro elemento. Essa independente dos dois protagonistas ou
terceira pessoa pode ser uma instituição a que antagonistas. Esta condição é essencial para
uma das partes de um conflito faz apelo. Se o não se pensar que estamos perante uma
terceiro se encontra implicado num dos dois mediação quando ainda nos encontramos
campos, não se poderá falar de mediação. O numa situação dual, em que o "mediador"
lugar mediano que ocupa na relação permite- ocupa uma posição de interventor com poder
lhe quebrar a dualidade em que se encontram de decisão. Numa mediação surgem
as partes e assumir uma posição de referência acusações entre os dois antagonistas num
central comum às mesmas. No contexto da processo de culpabilização mútua. Ora a
mediação a linguagem opera um mediação consiste em fazer passar a ideia que
distanciamento em relação aos não há ganhadores nem perdedores e que o
acontecimentos imediatos e permite sucesso de um não significa a morte ou a
expressar o significado desses rejeição do outro.
acontecimentos. Tal distanciamento é um
trabalho de liberdade. Quando ocorrem trocas b) Ausência de poder
que permitem estabelecer um contrato entre O não poder constitui a segunda condição
as partes, mais do que uma partilha, tal para que se considere que a acção é de
significa um desprendimento em relação a mediação. A interposição de um mediador
interesses considerados relevantes por cada não significa que ele exerça um poder
uma delas. Pelo contrato cada uma das partes decisório, apesar de por vezes lhe poder ser
liga-se à outra por livre vontade. dado um estatuto de árbitro ou de juiz.
Ao contrário de um julgamento , de uma Mesmo que o requerente o deseje, mais ou
arbitragem ou de uma negociação, que são menos conscientemente, mesmo que o
situações duais , a mediação é uma situação mediador o deseje, mais ou menos
no mínimo "trial". Ela implica secretamente, não pode ser exercido nenhum
13
12. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
poder de decisão durante a mediação. O dar. Ao mediador reconhece-se uma
mediador não toma o lugar das partes autoridade moral, que também é uma forma
envolvidas: ele deve suscitar a sua liberdade, de poder mas não de influenciar directamente
criar condições para que estabeleçam uma o curso dos acontecimentos, não um poder
relação efectiva que permita encontrar uma judiciário ou legislativo. A procura de uma
solução imaginada ou inventada por iniciativa terceira pessoa deve-se a essa autoridade
e esforço das duas partes, e possam moral que se exerce num clima de confiança e
implementá-la concretamente. A mediação respeito pela liberdade de cada um, sem o uso
processa-se por livre consentimento e da força, coerção ou qualquer meio de
envolvimento das partes, com liberdade de pressão11. No entanto, no espaço da relação
escuta das sugestões do mediador, libertos movimentam-se energias que se traduzem em
até de qualquer poder de sedução. poderes, porventura menos claros, que
Quando o poder superior designa um analisaremos mais tarde.
mediador, ele é visto pelas partes como
alguém que , mais tarde ou mais cedo, vai c) Processo catalítico
aplicar as decisões projectadas pelo poder em Etimologicamente derivado do grego Katalysis
questão. Mas para se ser mediador a acção o termo catálise é utilizado na química para
tem de ser desenvolvida com autonomia, com designar a "modificação da velocidade de uma
uma determinada margem de manobra. O
11
Geneviève Pelpel (1982) no artigo "La médiation
espaço de evolução do mediador é estreito e
au risque de la dépendance" publicado na revista
Informations Sociales, 4 , chama a tenção para a
frágil: ele deve ser criado por cada um dos possibilidade de a relação entre mediador e
mediado se poder vir a transformar numa relação
intervenientes e não imposto do exterior. Esta de dependência, dada a fragilidade com que as
partes se apresentam no processo, e acrescenta: "
característica de ausência de poder confere às numa relação de ajuda ninguém pode fazer
economia de um período de dependência. A
duas partes a possibilidade de melhor dependência é um dos motores da autonomia"
(71). Porém, dado que a intervenção do mediador
é uma intervenção a prazo, no caso de se tratar de
analisarem o seu problema e de escolher
uma mediação junto de uma população carenciada
a vários níveis, a dimensão afectiva torna-se
livremente a solução que eles lhe pretendem importante, podendo vir a criar-se problemas de
interdependência.
14
13. Investigação e Debate (17)
reacção química condicionada pela presença terceira pessoa (um mediador), considerada
de substâncias que não aparecem nas como um actor desarmado e sem poder, a
equações finais daquela reacção, isto é , a sua mediação é uma acção por catálise.
presença faz acelerar a reacção sem nela A mediação parece ser, à primeira vista, um
tomarem parte, reacção esta que se paradoxo na sociedade actual: as descobertas
produziria mesmo sem a sua presença, científicas e tecnológicas apresentam soluções
embora mais lentamente. A catálise ou acção para grande parte dos problemas, a
catalítica exerce-se por intermédio de multiplicação de leis em todos os domínios
substâncias especiais , os catalisadores"12. parece dar resposta a todos os litígios, sem
Ainda a propósito refira-se que os esquecer as redes de comunicação que
catalisadores são " como o óleo com que se propiciam laços e soluções variadas. Ora, ao
lubrifica uma máquina e que permite a esta o mesmo tempo que se foi construindo o
melhor rendimento, sem que contudo lhe mundo moderno, estabelecendo contactos e
forneça a mínima quantidade de energia de ligações de toda espécie, federações, uniões
que aquela é capaz"13. O papel dos monetárias, convenções, foram também
catalisadores é duplo: por um lado são aparecendo os catalisadores. Como refere
agentes que determinam reacções por quebra Paule Paillet (1982, 9) "quando os modos de
de equilíbrio instável e por outro lado são protecção do cidadão, quando a regulação das
simples aceleradores da reacção. Ora, a suas relações com a lei, com a norma e com a
catálise constitui uma condição que reforça as instituição se encontram perturbadas ou
duas anteriormente enunciadas. A mediação pervertidas, é necessário encontrar um elo de
resulta a maior parte das vezes numa ligação. Seja de natureza política, associativa,
transformação, sem ser o iniciador ou o motor sindical, jurídica ou social, ele terá sempre por
dessa mudança. Pela presença de uma missão o estabelecimento das conexões
necessárias. Neste sentido, a mediação
12
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
(ilustrada com cerca de 15000 gravuras), Volume
VI, Lisboa, Editorial Enciclopédia, Lda, p.274. 13
Ibid., p.273.
15
14. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
representa uma constatação de imperfeição outras mediações; a mediação mais
do nosso mundo e uma abertura á conseguida, a melhor sucedida, é aquela que
esperança”. produz uma verdadeira comunicação entre as
O mediador como catalisador é desprovido de partes, uma comunicação que trará realmente
poder coercivo, decisório e legislativo. Ele não frutos na vida de cada uma das duas pessoas
toma o lugar dos protagonistas, não absorve ou de cada um dos dois grupos" (Six, 1991,
os seus diferendos, não promove a sua fusão 185). A mediação deve produzir, não uma
através da acção. Pelo contrário, o mediador simulação de comunicação, mas uma troca
reúne as partes em conflito, pede-lhes que real; mesmo quando não é alcançada deve
tomem em mãos o curso das suas vidas, dos provocar em cada um a consciência de que
seus projectos, e que enveredem por um novo não existe apenas a sua verdade, e que o
caminho, adoptando uma nova dinâmica outro também possui uma parte dela. Com
entre si. efeito, um dos benefícios da mediação é
comunicar a cada um que o isolamento são
d) Comunicação nefastos à construção de uma saída e que a
O fim principal da mediação reside no abertura em relação ao outro só valoriza a sua
estabelecimento ou restabelecimento da posição.
comunicação entre as partes, facilitando o Na mediação, a produção da comunicação
diálogo entre si. Mesmo quando não se compreende três etapas14: a escuta, o tempo
estabelece um acordo entre as partes e cada e a conclusão. A escuta permite compreender
uma assume uma posição radical, o insucesso a situação, os argumentos, e os significados
da mediação é relativo porque se estabeleceu
14
A questão metodológica é tratada por diversos
uma comunicação parcial transformando as autores: BONAFÉ-SCHMITT J.P., “La médiation
sociale et penale” in BONAFÉ-SCHMITT J.P. & al.,
duas partes. " Não há uma mediação perfeita; Les médiations, la médiation, op.cit.; DAHAN J.,
“La médiation en matière familiale” in BONAFÉ-
toda a mediação é um momento de catálise, SCHMITT J.P. & al., Les médiations, la médiation,
op.cit.; SIX J.F., Dynamique de la médiation, op.cit.;
mas ainda terá de avançar com a ajuda de DE BRIANT V. & PALAU Y., La médiation. Définition,
pratiques et perspectives, op.cit.
16
15. Investigação e Debate (17)
atribuídos por cada uma das partes ao assunto quando suscita laços benéficos entre pessoas
em análise; o tempo permite gerir os ou grupos que não os tinham; 2 - Mediação
diferendos e favorece a tomada de posição renovadora quando permite melhorar os
em liberdade, sem precipitações e de forma laços já existentes entre as pessoas e os
consciente pelas partes envolvidas; a grupos;
conclusão é o produto do trabalho efectuado II - Mediações destinadas a parar um conflito:
até ao momento, num esforço de respeito 3 - Mediação preventiva que antecede um
pela identidade dos agentes em presença. “ conflito ainda em gestação entre pessoas e
Cada mediação é diferente e exige um tempo grupos e consegue evitar a sua explosão; 4 -
específico, diferente de mediação para Mediação curativa que responde a um
mediação, com o seu ritmo próprio. Compete conflito existente ajudando as pessoas e os
ao mediador fazer com que a mediação seja grupos envolvidos a encontrar uma solução.
bem sucedida no tempo; o prolongamento ou A mediação é uma acção realizada por uma
a diminuição dos intervalos entre os terceira pessoa, entre pessoas e grupos que o
reencontros de mediação resulta de uma consentem livremente e aos quais caberá a
adaptação contínua; tudo isto para conduzir a decisão final, e destina-se a fazer nascer ou
mediação ao seu termo” (Six, 1995, 144). renascer entre eles novas relações, a prevenir
ou a gerir relações perturbadas em si .
1.4 - A mediação pode ter finalidades e Por todo o lado, hoje fala-se de mediação,
objectos diversos. uma prática que foi adquirindo diversas
facetas consoante o seu objecto: mediação
Quanto às suas finalidades, a mediação política, familiar, social, penal, cultural, muitas
enquadra-se em dois grupos e quatro tipos de vezes apelidada como tal sem o ser. Hoje é um
mediação ( Six, 1991, 164): conceito banalizado porque responde a uma
I - Mediações destinadas a fazer nascer ou necessidade que se foi construindo e
renascer um laço social: 1 - Mediação criadora difundindo: a interposição de uma terceira
17
16. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
pessoa que permita encontrar alternativas e relações que cada um pode ter com as
saídas para impasses que surgem do choque instituições e com a sua administração,
de interesses entre as partes. Ao lado dos podendo ser associada a uma melhoria da
mediadores do quotidiano, existem relação entre os serviços públicos e os seus
mediadores políticos ao serviço da cidade, da utentes. A mediação tem uma dupla função:
sua evolução e transformação e que são por um lado evitar as dificuldades entre
mediadores na medida em que são actores utentes e serviços e por outro lado apreender
concretos que a nível local constroiem o os factores de insatisfação do público. A
referencial de uma política. São mediadores mediação surge como uma resposta às
que ocupam uma posição estratégica no dificuldades de comunicação.
sistema de decisão pois formulam o quadro
intelectual em que se desenvolvem 1.5 - A mediação pode ser de natureza
negociações, conflitos ou alianças que levam à institucional, profissional ou cidadã.
decisão, como refere Pierre Muller. A sua
visão do mundo vai influenciar a percepção Quanto à sua natureza, a mediação pode
daqueles que intervêm no sistema de decisão. apresentar-se segundo diversas tipologias. Por
Este autor distingue a este nível de mediação, exemplo, para colocar em evidência a
três categorias de mediadores: os complexidade das diferentes abordagens
profissionais, os eleitos e as elites conceptuais, Six define duas concepções -
administrativas. Os utentes dos serviços mediação institucional e mediação cidadã,
sentem-se por vezes sufocados na sua relação enquanto De Briant & Palau defendem outras
com as instituições. Aos mediadores nomenclaturas - mediação tradicional, nova
profissionais compete-lhes traduzir a procura mediação; mediação pública e mediação
de forma a encontrar resposta para o privada.
problema. A mediação não se exprime apenas A mediação institucional está ligada a um
nas relações interpessoais, mas também nas poder, que provém de uma instância superior,
18
17. Investigação e Debate (17)
e que resulta de um qualquer organismo, e a Uma outra forma de distinguir as novas
mediação cidadã é uma mediação mediações resulta da distinção entre
independente, suscitada pela vida quotidiana mediações públicas e mediações privadas. A
em livre associação, é a mediação cidadã. mediação pública é uma mediação legal. O
A mediação tradicional « met en relation estabelecimento de relações é um produto da
deux termes ou deux êtres et la société ou intervenção de uma terceira pessoa com
l’institution transcendante qui en tient lieu » poder público para tratar de conflitos sem a
(De Briant e Palau, 1999,50), ela regula e dá imposição de uma solução. São mediações
visibilidade ao social, ou como referem os públicas : a) as que se desenvolvem no quadro
autores citados “ uma mediação social da relação entre o público e a administração,
consciente” que estabelece a relação entre o pelo Mediador da República, pelos
individual e o universal. Esta mediação mediadores culturais, mediadores educativos,
tradicional recorre à figura de sábio-mediador. as mediações que ocorrem em colectividades
As mediações tradicionais apoiam-se na locais ligadas a problemas do ambiente ou a
vontade de estabelecer relações sociais, actividades inter-culturais); b) as que são
ultrapassando a dimensão individual. A organizadas pela administração (mediações
simples presença do mediador “amador” jurídicas, civis, penais); c) as que se
representa e forja o laço social. Cabem neste estabelecem no quadro da relação entre
tipo de mediação, a mediação religiosa, a Estados, designadamente a mediação
mediação de vizinhança e a mediação política. europeia e internacional.
A nova mediação pressupõe a acção de uma A mediação privada implica igualmente a
terceira pessoa neutra e imparcial. Trata-se de acção de uma terceira pessoa no processo de
uma mediação interindividual, resolução de conflitos ou no estabelecimento
simultaneamente societal, mesmo quando de laços sociais entre duas partes que se
coloca em evidência a dimensão micro no opõem, mas trata-se de uma acção fundada
quadro de uma acção profissional. na construção de um acordo pelas partes
19
18. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
implicadas, sem o recurso a qualquer tipo de segunda favorece a aproximação entre
pressão. As mediações privadas traduzem a empresas e é considerada como um modo de
vontade dos actores em construírem laços regulamentação das diferentes estratégias
sociais ou regularem conflitos sem o recurso a existentes. De Briant & Palau estabeleceram
instâncias públicas. As mediações privadas uma grelha de análise comparativa entre as
podem ser qualificadas de “mediações políticas públicas tradicionais e as novas
comunitárias” baseadas na organização da políticas públicas, salientando que “ les
“sociedade civil”, isto é , os indivíduos, as premières sont imposées quand les secondes
famílias, as associações e as empresas. São sont négociées avec l’ensemble de la
exemplo deste tipo de mediação, as gouvernance locale ou sectorielle, sur la base
“Community Boards” e as “Boutiques de de relations principalement contractuelles ou
Droit” anteriormente referidas. A mediação non unilatérales “. Neste contexto, a
privada desenvolve-se entre particulares. Ela é mediação participa e valoriza a redefinição do
vista como a acção de uma terceira pessoa papel dos actores tradicionais. Até aqui
que favorece o relacionamento entre competia ao Estado tomar a seu cargo os
indivíduos ou grupos de indivíduos, partindo destinos individuais, mas hoje os apoios são
de regras definidas por eles próprios. A incertos, pelo que é necessário que cada um
mediação social, familiar e cidadã são conte consigo próprio e construa com outros
variantes que correspondem à vontade de novas solidariedades. E isto é verdade tanto
auto-regulação ou de eliminação da ao nível dos indivíduos como a nível das
intervenção pública na regulação dos conflitos nações. Para diminuir a angústia que tal
interindividuais. A mediação empresarial e a incerteza provoca, são necessárias mediações.
mediação negocial são igualmente privadas: a Em suma, existem duas correntes para
primeira é requerida pela direcção da tipificação da mediação quanto à sua
estrutura para regular os conflitos internos natureza: uma mais institucionalizada que
pela via do diálogo e extra-judicialmente, e a provém de um poder estabelecido (a
20
19. Investigação e Debate (17)
mediação institucional) e outra que pretende enfraqueceram o papel desses mediadores
uma autonomia, que encara a mediação como tradicionais, tendo sido substituídos pelas
produto da relação quotidiana dos cidadãos (a associações que foram surgindo de forma
mediação cidadã). Os mediadores explosiva em todos os domínios. Os membros
institucionais permitem que a instituição a de tais associações são mediadores cidadãos.
que pertencem dialogue com os seus utentes, Do ponto de vista dos modos de acção, o que
prestando reais serviços aos que se distingue estes dois tipos de mediadores? Aos
confrontam e se sentem perdidos na máquina mediadores institucionais é solicitado que
administrativa e que vêm nesses mediadores resolvam problemas de alojamento, de
um recurso. Eles fazem o acolhimento e emprego, de assuntos sociais. São peritos com
escuta das pessoas, humanizam a sua função formação técnica orientada para o tratamento
e a instituição, como refere Jean-François Six . de problemas na área em que é solicitada a
No entanto, as instituições correm o risco de sua intervenção e que se tornaram em
burocratizarem a mediação institucional se ao intermediários obrigados, que desempenham
criarem serviços de mediação para responder um papel indispensável. Enquanto os
a problemas institucionais estes se tornarem mediadores institucionais representam um
locais onde se administram de forma certo poder, os mediadores cidadãos são
impessoal assuntos administrativos. Os cidadãos entre cidadãos. A sua procura faz-se
mediadores cidadãos têm uma origem de igual para igual, não para lhes solicitar
diferente: eles não são criados pelas respostas para os problemas mas para
instituições, eles são mediadores naturais que assumir o papel de terceira pessoa, de alguém
nascem nos grupos sociais para tratar de que não seja um árbitro. Espera-se que pela
problemas da comunidade. Eles não têm sua presença, acolhimento e escuta se crie um
poder, apenas têm autoridade moral. O espaço para análise de um problema em
desenvolvimento urbano, a dispersão da relação ao qual se precisa de tomar uma
família, os movimentos de população decisão. Mesmo que eles não resolvam os
21
20. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
conflitos, devido à ausência de recursos não formuláveis, especialmente nos casos de
técnicos para o efeito, espera-se que a relação stress, exclusão, ansiedade e doença”.
estabelecida com o(s) cidadão(s) permita a Durante muito tempo os conflitos e as
construção de uma alternativa para o conflito. discórdias eram apaziguados no quadro de
Apoiam-se nos recursos que as pessoas uma auto-regulação posta em prática por
dispõem, transmitem confiança, confortam, actores que provinham de espaços de
ajudam-nas a encontrar uma solução que não mediação natural, como as famílias alargadas,
é imposta do exterior. Por isso, ser mediador paróquias, vilas. O recurso à mediação
cidadão é uma arte da relação pessoal e social exterior a este quadro ocorria apenas em
e quando se procura um mediador cidadão situações graves e complexas, pelo que era
sabe-se que o seu trabalho permite suscitar entendida como o último recurso. Com a
elos e é capaz de mostrar uma luz ao fundo do urbanização acelerada, essas estruturas de
túnel. "Mediador é todo aquele que utiliza o regulação foram-se esbatendo, as relações
seu direito de participar, todo aquele que não sociais foram-se institucionalizando e
se remete para o Estado para regular todos os começou a fazer-se recurso à denúncia,
assuntos da cidade mas quer praticar actos queixa para os casos de pequenos e médios
cívicos; a mediação faz parte deles” (ibid, litígios. É neste quadro que surgem práticas
198). O mediador cidadão promove a diversas, mas frequentemente confundidas
esperança. Ora, toda esta filosofia de agir com a mediação.
exige tempo, sem pressões institucionais de
encontrar uma solução ou de chegar à solução
quase no imediato. A mediação permitiria 2– MEDIAÇÃO, SERVIÇO SOCIAL E
aproximar pontos de vista, pôr em questão TRABALHO EM REDE
certezas e atenuar mal entendidos e como
refere Paillet (ibid, 136) "É necessário estar Hoje a acção social é partilhada e
cada vez mais atento às procuras implícitas, implementada por organismos centrais e
22
21. Investigação e Debate (17)
periféricos, novos parceiros sociais numa rede. Apenas uma rede de actores sobre um
lógica de partenariado e de trabalho em rede, território (uma equipa de pessoas referentes
dando, deste modo, corpo a um modo numa instituição) pode desempenhar
alternativo de articulação entre o público e o plenamente um papel de mediação social
privado, o global e o sectorial. A articulação (Bondu, 1998). A rede tem um efeito
entre protecção pública, privada e sistema multiplicador de esforços, e cria condições
informal constitui a referência central do novo para uma abordagem global, rompendo com a
modo de protecção social. O Estado oferece à lógica do "ping-pong institucional". Por isso, o
comunidade um novo papel através da conceito de rede pode ser entendido como
descentralização e da participação, da um paradigma necessário à compreensão de
valorização das redes comunitárias e um novo princípio de organização da
informais, esbatendo desse modo o seu papel sociedade. Nesta modalidade de trabalho
no domínio da política social15. descobre-se a força dos laços, a
Uma das modalidades de organização de uma estruturalidade e funcionalidade do
intervenção de base territorial é o trabalho de quotidiano em relação à globalidade da
organização social (Sanicola, 1994). O trabalho
15
Badie (1996, apud Martin, 1998) sugere que o
poder político se exerce através da mediação do de rede é a configuração mais ou menos
solo e do lugar, ele não é inato. Existem razões de
ordem económica e social capazes de fazer estável e permanente de interacções entre
compreender as tendências contemporâneas de
"retorno ao local", embora com uma nova indivíduos que se conhecem e reconhecem
roupagem. Assinale-se a mundialização do espaço
económico, que exige cada vez mais a regulação
como actores, e que privilegiam as relações
local dos problemas económicos e sociais, e os
fenómenos actuais de precaridade, de mobilidade
espacial das populações que caracterizam a crise sociais primárias. Consiste num conjunto de
social em que vivemos. Os custos que as situações
de precaridade acarretam são elevados a nível intervenções que permitem que os recursos
social e económico, e implicam a descentralização
de esforços. Por outro lado, a sociedade civil reage estabeleçam conexões entre si e que
às situações de precaridade, mobilizando as
solidariedades primárias (família, vizinhança,... ) na desenvolvam estratégias capazes de produzir
luta contra os efeitos desestabilizadores do
crescimento do espaço económico. Hoje assiste-se
relações significativas num dado território.
à emergência de um processo de reacção social
contra a precarização e a insegurança que se
traduz no retorno ao local e à procura de novas
solidariedades.
23
22. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
Através da cooperação voluntária entre de laços sociais que está associada à exclusão
actores, a rede assegura a conjugação de social. É a autonomia técnica e um sentimento
energias individuais, o que exige um confronto de identidade de interesses partilhado tanto
de lógicas profissionais. A necessidade de uma pelos profissionais como pelas instituições
acção global exige que tais lógicas sejam que anima e impulsiona um trabalho de rede
trabalhadas de forma interactiva, e lhe confere eficácia. Por vezes é necessário
promovendo o conhecimento interpessoal e construir uma dupla rede de actores locais,
uma dinâmica de mudança: mudança de mobilizadas sobre a inserção dos sujeitos:
atitudes, de perspectivas e de acção16.
uma rede de actores económicos que
Porquê trabalhar em rede? Quais as suas representam o mundo do trabalho
vantagens? (empresas, associações) e que permitem o
Aquilo que mobiliza uma rede não são os enquadramento e o apoio a uma mão de
objectivos institucionais strito sensu mas uma obra com características distintas (por
lógica de qualidade de serviços e rapidez de exemplo, os deficientes)
acção, articulando esforços entre os vários uma rede de actores (políticos,
parceiros formais ou informais. Não são os económicos, sociais, associativos)
compromissos formais que ligam os diversos susceptíveis de serem pessoas-recursos e
intervenientes, mas a vontade de encontrar que tenham em vista o acompanhamento
alternativas de forma criativa para ultrapassar social e profissional dos sujeitos, e que ao
problemas vivenciados no particular mas com mesmo tempo sejam capazes de dar
uma expressão colectiva, tais como a ruptura respostas práticas aos problemas que se
16
colocam no quotidiano. Estes actores
Podem identificar-se três tipos de redes: a) rede
de actores institucionais, como recursos
locais são diversificados: eleitos locais,
mobilizáveis - a lógica do partenariado; b) rede de
inter-conhecimentos - rede de actores no terreno
para assegurar uma abordagem global e aberta dos trabalhadores sociais, formadores,
problemas; c) rede informal tecida pelos sujeitos
num dado território. professores, médicos, entre outros.
24
23. Investigação e Debate (17)
transformações dos problemas sociais e à
Esta dupla rede de actores locais potenciam o transformação da sociedade global. A política
trabalho de apoio e inserção social e criam pública é um processo de mediação social
condições para um protagonismo social dos uma vez que se centra nos desajustamentos
utentes dos serviços. No entanto, pressupõe que podem surgir entre sectores e entre um
um acordo tácito entre as partes , que permita sector e a sociedade global, ou seja tem por
rentabilizar serviços e assegurar uma objecto a gestão da relação global-sectorial.
sinalização atempada das situações de risco Neste sentido, os assistentes sociais são
social. O trabalho em rede permite reavivar a considerados como mediadores, ocupando
esperança na construção de um futuro um lugar central nessa articulação. Sem o
diferente ou renovado. recurso a actores que assumam o referencial18
As instituições funcionam com profissionais da política pública e procedam à construção
cuja tarefa é efectuar a transacção entre ou transformação da relação entre sectorial e
aquilo que se faz a nível sectorial e global, e os global o sistema de decisão não funciona. Isso
assistentes sociais são profissionais determina a importância que têm os
capacitados para lidar com um problema mediadores no domínio das políticas públicas.
individual ou de grupo de forma inserida na A função de mediação resulta da conjunção de
dinâmica do conjunto das políticas. Os dois pares de dimensões: a dimensão
problemas têm de ser tratados de forma cognitiva-dimensão normativa e a dimensão
integrada, e neste contexto os assistentes
18
Este conceito elaborado por analogia com a
sociais (entre outros profissionais) assumem- noção matemática de "sistema de referência" é
uma estrutura de sentido que permite pensar a
se como artesãos do desenvolvimento de uma mudança nas suas diferentes dimensões.
Compreende quatro factores: os valores (ex. as
política pública17 que se adapta às noções de igualdade e equidade), as normas que
separam o real percebido do real desejado, os
algorítmos (relações causais que exprimem
teorias de acção) e imagens (cada política traduz
17
Gérard Martin (1998, 124) considera que se uma imagem do problema a tratar, uma
pode falar de política pública quando uma ou representação sobre o grupo de referência do
mais autoridades locais tentam modificar o meio problema e uma concepção de mudança). O
sócio-cultural e económico dos actores através de referencial é o quadro intelectual que baliza a
um programa de acções coordenadas. intervenção.
25
24. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
intelectual-dimensão de poder. O primeiro par dão visibilidade e que se forem consideradas
designa a relação entre o desejável e o real e de forma singular, independentes e
o segundo a estruturação do campo de força descontextualizadas constituem constantes na
da mediação (através da linguagem e da diversidade de práticas profissionais no
produção de sentido). Uma política pública domínio social. A mediação social processa-se
produz sentido e também poder. Os através de acções como a prestação de
mediadores são actores que decodificam o informação-formação de competências, o
mundo, o interpretam, o tornam inteligível, encaminhamento social, a gestão e
lhe dão sentido definindo objectivos e acções administração de recursos e o
concretas que visam transformar os acompanhamento psico-social.
problemas. Num trabalho de rede o mediador Subjacente às modalidades de acção, que
desempenha um papel de pivot. Para tal terá constituem as unidades visíveis da mediação
de ser reconhecido socialmente pelos outros social protagonizada pelos Assistentes Sociais,
actores locais. Tal é o resultado de um desenvolvem-se processos de trabalho com
trabalho paciente de identificação, sinalização componentes técnicas associadas ao “saber
e conhecimento dos diferentes recursos fazer administrativo-relacional” (Mondolfo,
existentes. 1997, 32), mas que não se restringem a essa
É no local que se vive, mas é no particular que dimensão. Eles revelam competências sócio-
se intervem. Nesse particular existe uma profissionais capitalizadas na prática
interdependência de factores que implicam a quotidiana, invisíveis aos olhos do cliente, mas
articulação entre aquilo que é singular e que constituem uma fonte de legitimidade da
individual e aquilo que é global e colectivo. A mediação social efectuada. Mais ainda, eles
mediação revela-se como uma das vinculam as práticas profissionais de mediação
concepções valorizadas recentemente no e sinalizam a diferença com outro tipo de
domínio do serviço social. Ela implica um práticas como o voluntariado. Os processos de
conjunto de modalidades de acção que lhe trabalho também não se confundem com
26
25. Investigação e Debate (17)
etapas metodológicas da mediação. Estas solicitações. Se é verdade que é necessário
correspondem a momentos distintos e que cada profissional perceba os seus limites,
sequenciais no desenvolvimento da acção, também é verdade que o exercício da
enquanto os processos de trabalho se mediação implica uma avaliação permanente
confinam aos saberes e às competências da sua posição e o desenvolvimento de uma
operacionalizadas no decurso da mediação, acção estratégica com avanços e recuos, num
sejam elas de carácter teórico, técnico ou processo de conquista permanente. Ora a
relacional (Autès, 1999, 229). Como refere o trajectória de afirmação dos assistentes
autor, por referência ao contributo de Guy le sociais tem passado pelo reconhecimento do
Boterf (1994), a competência corresponde à valor da estratégia em brechas e momentos
capacidade prática de mobilizar recursos em oportunos. A relação de poder que se exerce
função do utente e da interpretação que o no contexto institucional é diferente em cada
profissional faz da situação. situação e cada momento, pelo que a
O uso de estratégias revela-se importante estratégia assume relevo inclusive na
tanto a nível da conquista do espaço conquista de espaço profissional.
profissional como na procura de alternativas à Por vezes é necessário negociar papéis,
situação-problema, elas potenciam a delimitando fronteiras e complementaridades,
mediação. Em termos profissionais, para além (re)estabelecendo espaços de troca. O Serviço
dos constrangimentos contextuais ao Social, embora seja dependente de instâncias
desenvolvimento da acção, há a considerar a superiores a nível administrativo, possui uma
posição activa do profissional na construção autonomia técnica que lhe confere alguma
do seu quotidiano. Quer isto dizer, que a margem de manobra no processo de
prática não se impõe ao técnico, como se de mediação. Quando existem litígios no plano
um ritual pragmático se tratasse, mas que lhe das competências profissionais, torna-se
compete participar, criar ou inovar imperativo clarificar as funções e os papéis
constantemente face à variedade de que lhe são reservados, definir os momentos
27
26. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
de intervenção e de articulação com outros e do potencial humano dos recursos que
profissionais, determinar as responsabilidades utiliza. Deste modo, quando se fala em
de cada actor no processo. Por vezes estratégias de mediação faz-se apelo ao
verificam-se resistências e representações da conjunto de atitudes que permitem ao
profissão de Serviço Social que dificultam a profissional fazer a gestão dos poderes que
acção. Mas quando as dificuldades são contextualizam a acção e proporcionar a
estruturais, a procura de alternativa não mudança não apenas na situação mas
depende nem da vontade nem do também nos sujeitos. Tal faz com que elas
empenhamento individual do técnico ou do sejam diversificadas e sinalizadoras de
sujeito. É necessário que isso seja esclarecido, concepções de prática profissional. O
porque isso permite ponderar os limites e em problema coloca-se quando o Assistente
função dessa avaliação unir esforços (em Social se prende a concepções teóricas em
termos de equipa ou a nível institucional) para detrimento do discernimento das
prosseguir o trabalho, contornando ou oportunidades e do potencial humano na
enfrentando as barreiras que intervêm no resolução das situações, ou quando a sua
processo. prática quotidiana se processa de forma
Na mediação não existem receitas e uma rotineira. Surgem então discursos
atitude com resultados positivos num dado desculpabilizadores da (in)acção, de
momento e situação poderá não ser eficaz vitimização, de dúvida e interrogação face às
num outro contexto. Os referenciais teóricos dificuldades, tais como: " não existem
orientam e potenciam as práticas, não as respostas para os problemas", " o serviço
substituem nem limitam. O profissional ao social não dispõe de modelos teóricos
tomar conhecimento da situação-problema alternativos a outras ciências sociais", ou " foi
intervém, integrando os quadros teóricos para isto que tirei o curso?". É obvio que este
referenciais, os objectivos institucionais, a tipo de argumentos surge algumas vezes após
representação que faz da prática profissional tentativas variadas de solução para o
28
27. Investigação e Debate (17)
problema diagnosticado, mas também é opportunités et des disponibilités; c'est utiliser
verdade que em algumas ocasiões au plus vite toute information afin de saisir,
subentende uma ausência de questionamento dans l'intérêt de la clientèle, des moyens
sobre o percurso profissional : "o que é que eu réduits; c'est encore recourir à des passe-
fiz para ultrapassar a situação?". droits ou obtenir des concessions grâce,
Apesar de as estratégias poderem ser justement, à la force de son réseau
interdependentes e complementares entre si relationnel; c'est autant créer l'occasion de la
durante o processo de mediação, e saisir" (Soulet, 1997, 55).
abrangerem também o campo do imprevisto, O principal instrumento de trabalho do
uma vez que embora racionais surgem no Assistente Social é a palavra, e esta permite
contexto da emergência do novo, a prática do deslocar o conceito “estratégia” para o
Serviço Social evidencia-as como um leque de domínio do cliente. No processo de mediação
opções organizadas em torno do contexto a estratégia consiste muitas vezes em fazer
(situação) e da representação que o técnico adquirir por parte do cliente um pensamento
faz do seu perfil profissional. O termo estratégico de antecipação do curso dos
"bricolage " utilizado pelos autores acontecimentos e em relação a essa previsão
francófones reflecte esta incessante atitude reorientar o seu comportamento.
criativa no processo de descoberta de Quando um mediador institucional tem à sua
soluções inovadoras. "Bricoler, c'est donc responsabilidade todo o trabalho de relação
savoir tisser des liens, mais c'est également com o exterior, organização de projectos,
composer, en utilisant d'ailleurs ces rélations estabelecimento de protocolos, pressupõe-se
privilégiées, toujours individuelles, avec les que esse trabalho se baseie num trabalho de
possibilités et les impossibilités; c'est trouver equipa. Neste quadro, emerge uma nova
des solutions aux problèmes que rencontre la dimensão da mediação que é a supervisão
clientéle en apportant des réponses para acompanhamento de todas as diligências
ponctuelles construites en fonction des administrativas e técnicas associadas à
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28. Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
divulgação e avaliação das acções. O comprometida com experiências
acompanhamento dos projectos e da equipa transformadoras (Bronfenbrenner, 1996),
permite uma avaliação permanente das configura-se como um elemento central da
acções e o enquadramento dos casos mediação. Ela surge na sequência do
concretos na lógica do projecto ou da acção movimento de procura existente e no
promovida. O desenvolvimento deste trabalho envolvimento dos diferentes agentes e
favorece a reflexão, estimula a tomada de actores no processo. É esta dinâmica que
decisões com base nas necessidades permite que a mediação seja reconhecida
quotidianas, favorece a autonomia, permite como um processo de construção de
organizar o tempo e estabelecer prioridades e alternativas e que se traduz na criação de
contribui para assegurar a articulação entre novas necessidades e questionamento da
técnicos. Para além de se mostrar útil à gestão situação. Enquanto mediador, compete ao
do quotidiano, a coordenação desenvolve o Assistente Social promover o envolvimento de
espírito de equipa e promove a expressão de outros agentes, estimular a entrada de novos
sentimentos por parte das equipas ou dos actores formais e informais no processo (por
actores envolvidos no processo. Aqui a exemplo outras empresas, serviços,
mediação assume também um perfil profissionais, familiares, vizinhos, amigos) até
complexo e global, envolvendo diversos ao limite do possível. Porém, nem sempre o
técnicos ou profissionais complementares na confronto de lógicas e interesses é assegurado
lógica do projecto e da acção. Por isso, a e quando o é a construção de alternativas
coordenação assegura uma articulação e esbarra com frequência em barreiras
cooperação entre serviços e técnicos na institucionais associadas à burocracia e à
prossecução das suas finalidades e objectivos. normalização e funcionamento dos serviços
A procura de alternativa, entendida como ou dos profissionais. Fazer mediação
rejeição de um modelo de “déficit” em favor pressupõe autonomia técnica, um
de uma pesquisa política e prática posicionamento aberto, não cristalizado, uma
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29. Investigação e Debate (17)
capacidade de diálogo e de acção que nem hipoteca a mediação e o consequente
sempre os diversos actores são capazes de envolvimento dos diversos actores sociais.
assegurar. A ausência destes elementos
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