Este documento discute os desafios na construção do espaço profissional do Serviço Social. A profissão tem evoluído ao longo do tempo com contribuições de vários pensadores, mas ainda enfrenta questões como a consolidação teórica e a conquista de novos domínios de intervenção. Estratégias são importantes nesse processo, permitindo aos profissionais negociar seu papel e ampliar sua autonomia dentro das instituições.
A CONQUISTA DO ESPAÇO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL
1. Almeida, Helena (2003). A construção do espaço profissional, um desafio
permanente para o Serviço Social. 1ª Mostra de Práticas Pré-profissionais
de Serviço Social. Coimbra / ISBB, 3 Junho.
A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PROFISSIONAL
UM DESAFIO PERMANENTE PARA O SERVIÇO SOCIAL
Helena Neves Almeida*
Tal como as pessoas e as instituições, também as profissões possuem uma
trajectória irregular, condicionada por factores internos e externos, individuais e
colectivos, configurando ciclos de vida cuja característica fundamental é a
mudança e a transformação.
A análise do desenvolvimento do serviço social, desde a sua
institucionalização e luta pela sua legitimação (de 1897 a meados dos anos 30)
até à actualidade revela movimentos constantes de afirmação de uma base
teórica, onde se assinalam contributos, como os de Mary Richmond (1917,
1922), Grace Coyle, Hunt e Kogan (anos 40-50), Lilian Ripple, Murray Ross
(anos 60), Ander-Egg, William Reid e Ann Shyne (anos 1970), Schon, Du
Ranquet , Howe (anos 80), Malcom Payne, De Robertis (anos 90), e tantos
outros, que são incontornáveis e alicerçam o saber fazer num conhecimento
construído a partir de procedimentos submetidos á lógica da prova e da
descoberta, sem desvalorizar as questões axiológicas, os valores que
constituem referências transversais às práticas profissionais e de onde se realça
o respeito pelos direitos do homem e do cidadão.
Em Portugal consolida-se o reconhecimento da profissão a partir da
aprovação do funcionamento das primeiras instituições de formação em Serviço
Social em 1935 (Lisboa) e 1937 (Coimbra), e a partir dos anos 50 –60 é
reforçado o seu estatuto regulador das relações sociais, ao ser-lhe associada a
área de desenvolvimento comunitário e dos problemas decorrentes do processo
de urbanização. O 25 de Abril ocorre num momento de questionamento e
insatisfação dos profissionais em relação ao seu papel na sociedade e em
*
Professora Auxiliar do Instituto Superior Bissaya Barreto, Doutora em Letras / Trabalho Social.
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relação à sua prática quotidiana. Com a expansão do Estado-Providência e a
integração de Portugal na CEE (1986) criaram-se novos equipamentos e
abriram-se portas para uma intervenção de cariz colectivo, indutores da
reivindicação para os Assistentes Sociais de uma maior participação no
processo de produção das normas. O campo de intervenção expandiu-se para
além das tradicionais áreas da saúde, educação e assistência/segurança social,
ocupando hoje novos domínios como os da Deficiência, Justiça, Emprego, Poder
Local, Serviços Centrais e Regionais da Administração Pública, Empresas,
Organizações não Governamentais, e dentro deles diversos serviços.
O movimento pela afirmação de um papel mais activo não apenas no
domínio da prestação de serviços mas também na sua planificação e gestão, foi
acompanhado por um binómio aparentemente paradoxal: por um lado, o reforço
de uma formação multidisciplinar, alimentando a dependência teórica em relação
às diversas Ciências Sociais e Humanas, e por outro lado, a afirmação do
Serviço Social como um ramo das ciências sociais, assegurada pela criação de
mestrados e o estabelecimento de acordos com universidades estrangeiras para
cursos de doutoramento. De salientar que a partir de meados dos anos 90 se
tem assistido à proliferação de instituições de ensino superior que asseguram a
formação em Serviço Social, existindo hoje a nível nacional 10 instituições
universitárias das quais 8 são privadas e 2 são públicas. Tendo em
consideração os numerus clausus destas instituições de ensino prevê-se que a
partir do corrente ano lectivo sejam colocados no mercado de trabalho mais de
600 Assistentes Sociais por ano. Estamos inegavelmente numa fase
expansionista da profissão, e as novas dinâmicas sociais e locais revelam-se
potenciadoras da sua integração; porém, estas constituem igualmente
oportunidades para os psicólogos, sociólogos, e outros profissionais no campo
das Ciências Sociais e Humanas. Tal significa que, tendo em consideração a
recente afirmação do serviço social no ensino universitário, a atenção deverá ser
focalizada em dois polos de análise: a consolidação no plano teórico e prático, e
a conquista quotidiana do espaço profissional, dois aspectos intrinsecamente
relacionados.
No plano teórico, os institutos e as universidades têm que estabelecer e
desenvolver uma estratégia de relacionamento permanente com a sociedade,
seja na prestação de serviços seja no plano da investigação, reforçando as
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iniciativas ainda pontuais no plano da formação pós-graduada e de mestrados, e
criando um curso de doutoramento em serviço social. No plano prático o grande
desafio que se coloca é o de consolidar experiências e conquistar novos
espaços de intervenção.
Neste contexto, o conceito de estratégia é fundamental, uma vez que
permite aos sujeitos dilatar a margem de liberdade que possuem nas relações
de poder, negociar a sua participação, contornar as regras do jogo. O conceito
de estratégia remete-nos sempre para o exercício de uma autonomia relativa no
decurso da vida, para a utilização de uma margem de manobra que os
indivíduos dispõem mesmo nas estruturas sociais menos personalizadas e mais
isoladas, que lhes permite perverter o sistema e defender os seus interesses. Os
objectivos e os projectos concretos vão-se edificando num percurso que vai do
ideal ao possível. Há contínuos reajustamentos. Os comportamentos constituem
um dos sinais de busca de oportunidades, numa relação com os outros e no
jogo de papéis e poderes existentes no relacionamento com outros parceiros.
Por isso, o uso de estratégias é importante na construção do espaço
profissional, isto é, tanto a nível da consolidação de experiências como da
conquista de novos domínios de intervenção.
Dado que as estratégias não abarcam apenas as condutas racionais, mas
também aquelas que se revelam como potencializadoras dos recursos e que
ponderam os riscos e as oportunidades, as atitudes constituem “orientações
estratégicas” (Tap, 1996, 223). Elas não são necessariamente deliberadas nem
conscientes e não se reduzem à optimização do aqui e agora; elas prolongam-se no
espaço e no tempo, enquadram-se e têm continuidade num projecto global de
acção. Não se limitam à gestão do momento, nem à ocasião; não lutam apenas
contra as circunstâncias e os acontecimentos, nem ignoram as contradições, pelo
que não podem ser consideradas meras tácticas (De Certeau, 1980). Apesar de as
atitudes poderem variar no quotidiano profissional, produto da interpretação da
situação e circunstâncias vividas pelo(s) sujeito(s) no momento, elas contrariam o
pressuposto do determinismo social e integram-se numa lógica global de
intervenção. Neste sentido, as atitudes não são mais do que patamares no
processo de instauração / renovação de laços sociais e de regulação dos conflitos.
As circunstâncias são referentes contextuais que resultam de alterações nos
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processos de relação social do(s) utentes(s), o que torna imperativo uma
compreensão das mudanças ocorridas ou desejadas, do significado que lhes é
atribuído pelos sujeitos e do seu posicionamento face às situações de vida. Por
isso, as atitudes aparentemente circunstanciais projectam-se no futuro, enquadram
e legitimam uma plataforma global de intervenção, ultrapassam a dimensão de
imediaticidade, substituindo-a pela lógica da duração processual, conferem
coerência e racionalidade à acção.
O uso de estratégias é importante tanto a nível da conquista do espaço
profissional como na procura de alternativas à situação-problema, elas potenciam a
intervenção. Em termos profissionais, para além dos constrangimentos contextuais
ao desenvolvimento da acção, há a considerar a posição activa do profissional na
construção do seu quotidiano. Quer isto dizer, que a prática não se impõe ao
técnico, como se de um ritual pragmático se tratasse, mas que lhe compete
participar, criar ou inovar constantemente face à variedade de solicitações. Se é
verdade que é necessário que cada profissional perceba os seus limites, também é
verdade que a intervenção implica uma avaliação permanente da sua posição e o
desenvolvimento de uma acção estratégica com avanços e recuos, num processo
de conquista permanente. Ora a trajectória de afirmação dos Assistentes Sociais
tem passado pelo reconhecimento do valor da estratégia em brechas e momentos
oportunos. A relação de poder que se exerce no contexto institucional é diferente
em cada situação e cada momento, pelo que a estratégia assume relevo inclusive
na conquista de espaço profissional.
Por vezes é necessário negociar papéis, delimitando fronteiras e
complementaridades, (re)estabelecendo espaços de troca. O Serviço Social,
embora seja dependente de instâncias superiores a nível administrativo, possui
uma autonomia técnica que lhe confere alguma margem de manobra no processo
de intervenção. Quando existem litígios no plano das competências profissionais,
torna-se imperativo clarificar as funções e os papéis que lhe são reservados, definir
os momentos de intervenção e de articulação com outros profissionais, determinar
as responsabilidades de cada actor no processo. Por vezes verificam-se
resistências e representações da profissão que dificultam a acção. Retenho sobre o
assunto o testemunho de uma Assistente Social que, trabalhando na área da
saúde, face à acusação de incompetência do serviço social formulada por um
membro da equipa, por a sua intervenção se revelar ineficaz a nível da resolução
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de problemas de emprego ou de habitação, que estavam subjacentes ao
protelamento de uma alta, respondeu o seguinte:
“A senhora trabalha numa área de mulheres com abortamentos
sucessivos. Consegue resolver todos os problemas dessas mulheres?
Certamente que não. E porquê? Porque a senhora não tem meios, nem
é dona de todo o saber e muitas vezes não é por culpa sua, uma vez
que não há meios técnicos para suprir todas as deficiências que essas
situações apresentam. E não é por causa disso que a senhora é
incompetente. Também os Assistentes Sociais não possuem uma
varinha mágica para resolver os problemas ” .
Quando as dificuldades são estruturais, a procura de alternativas não
depende nem da vontade nem do empenhamento individual do técnico ou do
sujeito. É necessário que isso seja esclarecido, porque isso permite ponderar os
limites e em função dessa avaliação unir esforços (em termos de equipa ou a nível
institucional) para prosseguir o trabalho, contornando ou enfrentando as barreiras
que intervêm no processo.
Na intervenção social não existem receitas e uma atitude com resultados
positivos num dado momento e situação poderá não ser eficaz num outro contexto.
Não é um ritual pragmático. Os referenciais teóricos orientam e potenciam as
práticas, não as substituem nem limitam. O profissional ao tomar conhecimento da
situação-problema intervém, integrando os quadros teóricos referenciais, os
objectivos institucionais, a representação que faz da prática profissional e do
potencial humano dos recursos que utiliza. Deste modo, quando se fala em
estratégias de intervenção faz-se apelo ao conjunto de atitudes que permitem ao
profissional fazer a gestão dos poderes que contextualizam a acção e proporcionar
a mudança não apenas na situação mas também nos sujeitos. Tal faz com que elas
sejam diversificadas e sinalizadoras de diferentes concepções de prática
profissional. O problema coloca-se quando o Assistente Social se prende a
concepções teóricas em detrimento do discernimento das oportunidades e do
potencial humano na resolução das situações, ou quando a sua prática quotidiana
se processa de forma rotineira. Surgem então discursos desculpabilizadores da
(in)acção, de vitimização, de dúvida e interrogação face às dificuldades, tais como: "
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não existem respostas para os problemas", " o serviço social não dispõe de
modelos teóricos alternativos a outras ciências sociais", ou " foi para isto que tirei o
curso?". É obvio que este tipo de argumentos surge algumas vezes após tentativas
variadas de solução para o problema diagnosticado, mas também é verdade que
em algumas ocasiões subentende uma ausência de questionamento sobre o
percurso profissional : "o que é que eu fiz para ultrapassar a situação?". É preciso
recusar este fatalismo funcional.
Apesar de as estratégias poderem ser interdependentes e complementares
entre si durante o processo de intervenção, e abrangerem também o campo do
imprevisto, uma vez que embora racionais surgem no contexto da emergência do
novo, a prática do Serviço Social evidencia-as como um leque de opções
organizadas em torno do contexto (situação) e da representação que o técnico faz
do seu perfil profissional. O termo "bricolage " utilizado pelos autores francófonos
reflecte esta incessante atitude criativa no processo de descoberta de soluções
inovadoras, e cobre diversas vertentes :
1 - Corresponde ao acto de saber tecer e compor laços, avaliando as
possibilidades e limites,
2 – Permite encontrar soluções para os problemas colocados pelos utentes,
de forma pontual ou não, mas sempre construídas em função das oportunidades e
recursos disponíveis,
3 – Compreende a utilização de toda a informação disponível para descobrir
meios reduzidos,
4 – Recorre às redes relacionais, para obter concessões ou criar uma
alternativa.
Mas o principal instrumento de trabalho do Assistente Social é a palavra
(escrita ou oral), e esta permite estender o conceito “estratégia” para o domínio do
cliente. No processo de intervenção a estratégia consiste muitas vezes em fazer
adquirir por parte do cliente um pensamento estratégico de antecipação do curso
dos acontecimentos e em relação a essa previsão reorientar o seu comportamento.
Como refere Paulo Netto (2001), as acções humanas são sempre orientadas
para objectivos-metas e fins. Elas implicam sempre um projecto que é uma
antecipação ideal da finalidade que se pretende alcançar, com a inovação dos
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valores que a legitimam e a escolha dos meios para a atingir. O Serviço Social está
alicerçado numa diversidade de origens e expectativas sociais, comportamentos e
preferências teóricas, ideológicas e societárias. Por isso, poderão emergir
projectos profissionais diferentes, embora se reconheçam valores básicos.
Quais são esses valores?
1 - A Liberdade:
Reconhece a liberdade como valor central, concebida historicamente como
possibilidade de escolha entre alternativas concretas. Deste modo, a liberdade
surge associada à autonomia, à emancipação e desenvolvimento dos sujeitos
entendidos como actores providos de vontade.
2 - A Defesa intransigente dos Direitos do Homem e do Cidadão:
A equidade e a justiça social, na perspectiva da universalização do acesso aos
bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, a ampliação e a
consolidação da cidadania constituem condição para a garantia dos direitos civis,
políticos e sociais.
3 - A democratização de procedimentos:
O projecto reclama-se radicalmente democrático, entendendo-se democratização
como a “socialização da participação política e socialização da riqueza socialmente
produzida”.
4 - Um compromisso com a competência:
A competência profissional implica uma formação académica qualificada que
viabilize a “análise concreta da realidade social” imprescindível ao desenvolvimento
de procedimentos adequados. A auto-formação permanente e o exercício de uma
postura investigativa revelam-se fundamentais.
É necessário romper com o voluntarismo e com o isolamento profissional.
5 - Um compromisso com a qualidade dos serviços prestados:
O projecto profissional radica num compromisso com a qualidade dos serviços
prestados à população, o que implica uma maior participação dos utentes na
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tomada de decisão. A defesa e a reprodução dos princípios e valores éticos que lhe
estão subjacentes exige sujeitos profissionais activos e autónomos.
O reconhecimento do valor da estratégia e dos fundamentos éticos do projecto
profissional, revelam-se pois como alicerces na construção do espaço profissional,
na medida em que permitem:
I - ADOPTAR UM POSICIONAMENTO DE RECUSA DO FATALISMO
FUNCIONAL, que está alicerçado no modelo de “deficit”. Para isso é necessário:
1 – Evitar o ritual pragmático:
Diariamente existe um conjunto de diligências rotineiras, adequadas ao normal
exercício das funções. Tal não significa que a intervenção possa ser entendido
como se de um ritual pragmático se tratasse. Há que criar condições para a
emergência do novo, através do domínio das atitudes comunicacionais, da
construção de propostas inovadoras que formatem novas ofertas sociais, da
integração no quotidiano de espaços propiciadores de reflexão sobre aquilo
que se faz, como se faz e porque se faz. É preciso enveredar pela criação de
novas representações a partir de novas práticas.
2 – Valorizar a intervenção reflexiva e a investigação-acção.
Confrontados diariamente com a urgência da resposta, os assistentes sociais
desenvolvem acções detentoras de um residual assistencialista que importa
incorporar como um patamar de intervenção não limitativo da sua imagem ou
da sua prática. Ponderar as oportunidades, os recursos, os meios, os limites
pessoais, profissionais, institucionais e sociais, exige por um lado uma ruptura
com procedimentos standartizados e por outro lado a previsão de momentos
de paragem para a escrita, a análise e a reflexão. O trabalho em equipa, a
actualização de conhecimentos, a participação em fóruns de discussão alarga
horizontes e favorece a inovação das práticas quotidianas. É importante
conceber a intervenção como uma mediação social, capaz de articular
diferentes níveis e perfis de intervenção. Neste contexto, é importante associar
a investigação (produção de conhecimentos) e a acção (intervenção), como
garante tanto da adequabilidade desta ao conhecimento objectivo da realidade
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social, como da participação dos sujeitos e da formação de competências que
um processo de mudança exige.
3 – Reconhecer os poderes associados à intervenção.
Apesar de a intervenção dos Assistentes Sociais se processar à margem
do exercício de um poder coercivo, resultando por isso naquilo que se designa
por mediação desarmada, é inegável a sua contribuição no processo de
procura de alternativas à exclusão social e na resolução dos problemas
sociais. As fontes de legitimação da sua intervenção são diversas, com
referências a nível conceptual, contextual e técnico-metodológica. A primeira
decorre da perspectiva humanista e relacional que lhe está associada desde a
institucionalização dos serviços sociais e do trabalho social; a segunda deriva
do lugar intermediário do serviço social nas organizações, designadamente no
âmbito da regulação da procura e da oferta social; a terceira prende-se com os
saberes e competências associados à prática dos Assistentes Sociais,
fortemente influenciados por conhecimentos provenientes das ciências sociais.
Apesar de a sua intervenção se processar num clima de ausência de poder, é-
lhe atribuído um papel mediador no processo de resolução de problemas
sociais, tanto pelos clientes como pelas organizações. Ora, a noção de acção
está logicamente ligada à de poder1. A acção implica, por um lado, a utilização
de meios para alcançar resultados, através da intervenção directa de um actor
no decurso do fenómeno e, por outro lado, uma acção intencionada. O poder
representa a capacidade de um agente para mobilizar recursos que permitam
alterar o curso de um fenómeno, e é uma propriedade da interacção. Por isso,
poder-se-á falar de poder associado à intervenção como produto de factores
intrínsecos e extrínsecos ao saber fazer profissional, um poder com
características próprias:
1. Poder relacional: A mediação do assistente social processa-se
sempre no contexto de confluência de comunicações, reciprocidades e trocas.
Apesar de se reconhecer que estas são também condições subjacentes a
1
GIDDENS, Anthony , Novas regras do método sociológico. Trajectos. Lisboa: Gradiva, 1996, p.128.
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práticas de persuasão, quando esta se sobrepõe à capacidade de escuta e de
diálogo deixamos de estar na presença de um processo de mediação. Este
exige tempo e desenvolve-se de forma catalítica, no quadro de uma “liberdade
relativa de escolha” e num processo crescente de autonomia dos sujeitos que
recorrem aos serviços.
2. Poder partilhado e micro: Quando a solução provem apenas de uma
fonte, ela resulta da autoridade que lhe é atribuída. Ora, o desempenho
profissional faz-se sentir a nível micro (utentes, familiares, contexto social) e
resulta da combinação de esforços de diversos intervenientes: a equipa, outros
profissionais, o utente, a família, organizações da comunidade, voluntários.
Raramente a sua acção resulta de uma decisão própria e unidireccional. Por
isso, o seu poder do assistente social é partilhado e micro.
3. Poder proponente : Resulta da capacidade de elaborar propostas e
projectos capazes de sinalizar problemas sociais, instituir salvaguardas
processuais no plano dos direitos e deveres do utente-cidadão, argumentar de
forma convincente, rigorosa e objectiva sobre as vantagens, as desvantagens,
os limites e as potencialidades dos clientes, apresentar novas propostas de
acção, defender os interesses do utente no quadro dos direitos que estão
consagrados na lei, e dentro dos princípios da equidade e da justiça social,
propor e elaborar projectos inovadores no campo social. O enquadramento
legal confere legitimidade ao fazer profissional e vem reforçar a sua
credibilidade.
4. Poder consultivo: Está aliado ao anterior, e resulta da proximidade
que o assistente social tem com o utente e com o meio, e da sua capacidade
para analisar a realidade social envolvente, a sua dinâmica, os seus limites e
potencialidades. O conhecimento do contexto territorial e pessoal das
situações atribui-lhe um poder consultivo por parte da administração ou gestão
dos serviços sempre que seja necessário. É no quadro deste poder que se
poderão inserir diligências de pesquisa-acção, como aproximações ao terreno,
levantamento de novos dados, estudo das variáveis consideradas úteis à
interpretação da situação na sua globalidade e particularidade. tais
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procedimentos dão visibilidade a situações até aí não diagnosticadas e
viabilizam o desenvolvimento de novas formas de intervenção.
II – INTEGRAR UMA CULTURA DE INVESTIGAÇÃO E VALORIZAR A
PRÁTICA COMO FONTE DE CONHECIMENTO.
A aplicação de conhecimentos à realidade social implica um esforço fundado
em três vertentes:
1 – o reconhecimento dos conteúdos teóricos que fundamentam as práticas
renovadas e o sentido que lhes é atribuído;
2 – a identificação da rede conceptual que alicerça as posturas inovadoras
no plano processual;
3 – a aceitação do papel activo do interventor no plano da construção do
conhecimento.
Estes elementos favorecem tanto o desenvolvimento de acções
coerentes, teoricamente fundamentadas, estratégicas, isto é, cognitivamente
orientadas por relações meios-fins, adaptadas à realidade social de intervenção,
como a produção de novos saberes. O campo da acção não é um depósito de
conhecimentos que se traduzam numa rotina. A acção é o resultado de opções
mesmo que não tenhamos consciência do facto. E, embora os seus
fundamentos nem sempre sejam muito claros, essas opções conduzem à
percepção de que as práticas são diversas. Para isso muito tem contribuído a
deficiente reflexão que é feita sobre o quotidiano profissional. Neste contexto, a
responsabilidade das instituições universitárias é acrescida. Torna-se necessário
desenvolver uma “cultura de investigação” que aproxime os discursos da teoria e
da prática. E isso só se consegue fazendo e ensinando a fazer investigação. A
relação com o campo da intervenção permite renovar conhecimentos, aproximar
estratégias e valorizar saberes.
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III – APROVEITAR DINÂMICAS ACTUAIS, INVESTIR EM ÁREAS ANTIGAS
E NOVOS PROBLEMAS, COM NOVOS INSTRUMENTOS E /OU
PROCEDIMENTOS RENOVADOS.
A articulação entre o económico e o social, constitui hoje uma referência
central de novas práticas, um vector de inovação para a profissão, que tem
subjacente uma visão renovada das competências que lhe são atribuídas e
comprovadas no seu quotidiano. Assiste-se à abertura de novos objectos de
intervenção associados à esfera económica ou da inserção, criando-se novas
dinâmicas através da entrada de novos actores profissionais e institucionais. A
promoção da igualdade de oportunidades e de integração social, bem como a
valorização da cidadania, exigem uma avaliação e acção preventivas reveladoras
de novas competências, designadamente nos domínios da gestão social e da
mediação de conflitos. Estes constituem novos desafios, novos campos de
intervenção, onde novos e acumulados conhecimentos são movimentados no
sentido da construção de respostas adequadas e inovadoras, capazes de assegurar
o restabelecimento de laços sociais, cuja ruptura está na origem dos novos
problemas sociais, designadamente e entre outros na área da família, dos menores,
dos idosos, das relações de proximidade. Advocacy, empowerment, partenariado,
trabalho de rede constituem-se como concepções passíveis de articulação num
mesmo processo de intervenção. O seu recurso implica uma interpretação da
situação, dos factores contextuais e pessoais intervenientes. Compete ao assistente
social posicionar-se no tabuleiro dinâmico dos referenciais teóricos e interpretar o
sentido da intervenção adequada.
Na construção do espaço profissional intervêm elementos de nível micro
(natureza do problema, características dos utentes), nível meso (representação
da profissão e conceptualização da intervenção) e nível macro (problemas e
políticas sociais). A diversidade de práticas existentes, é o produto desses
factores. A consolidação e conquista de espaço constituem um desafio a que
urge dar resposta com determinação e esperança.
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CORTINA INVISÍVEL
Do lado de cá
Busco a liberdade.
Jogo-me contra a vidraça
Que me impede de correr
Em direcção ao longínquo horizonte.
Faço-o
Num frenesim inquietante e infrutífero.
Impotente
Detenho-me perante a cortina invisível
Que me impede de correr.
Baixo os braços...
Encosto a cabeça...
Talvez desista de me jogar contra a vidraça...
Mas nada me impedirá
De a tatear insistentemente
Pois um dia
Hei-de encontrar uma brecha!
Luisa Pimentel, 2002
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