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Conference: “Rethinking homelessness policies”
                        Feantsa eCentro de Estudos para a Intervenção Social
                                  28 de Setembro de 2007 — Lisboa



O processo de organização coletiva e política da população em situação
     de rua no Brasil: notas para um debate aprofundado em políticas
                                              públicas 1


Nosso texto buscará confrontar e analisar as dimensões envolvidas no processo de organização
coletiva e política da população de rua a partir de uma perspectiva pluralista e interdisciplinar,
questionando a evolução histórica por que vem passando, particularmente no Brasil. De população
vista, na década de 1990, como pessoas à mercê da caridade religiosa e pública, o trabalho empírico
atual cada vez mais vem nos trazendo notícias de organizações coletivas, protagonizadas por uma
população em situação de rua. Essas organizações têm suas fileiras engrossadas por desempregados
de longa duração que vêm na organização coletiva formas de atuação e visibilização no espaço
público.
Nesse sentido, essa nova emergência, da população de rua, como um coletivo “desde abaixo” acaba
por impor novas perspectivas e novas formas de conceber a democracia, agora revista e ampliada
em suas formas mais participativas.
A ciência por conseguinte também assume um papel diferente que tem como pressuposto envolver
os cidadãos em seus debates e ampliar tanto a participação ativa quanto o compromisso desses
cidadãos na construção de uma ciência pública e engajada que privilegia a diversidade de
conhecimentos e a construção paulatina de uma sociedade mais justa e equitativa.

Palavras chaves: população de rua, políticas públicas, ciência cidadã e movimentos sociais.

Our paper will try to confront and to analyze such dimensions from a diverse and interdisciplinary
perspective, questioning the historical evolution of the homeless in Brazil. From a population
perceived in the 90s mainly from an individualist and charity point of view, we go as shown by
empirical observation to a population able of collective organization, a population whose rows are
filled with an increasing number of long term unemployed who see in the collective organization
some ways of performing and being visible in the public space, as shown in the case of social
movements such as the MNPR.
In this direction, this coming out of the homeless population, as a collective one "from the bottom"
ends by imposing new perspectives and new forms to conceive democracy, now reviewed and
extended in its participation forms.
Science therefore also assumes a different role, being understood much more in a perspective of
citizen science or of the situated knowledges, that entails involving citizens in its debates and
extending the active participation as well as the commitment of these citizens in the construction of
a public and engaged science that favours the diversity of knowledge and the gradual construction
of a society more equitable and fair.

Keywords: Homeless, Public Policies, citizen science and social movements.



1 Rosemeire Barboza da Silva is a student in the PhD Program in Governance, Knowledge and Innovation of

the Faculty of Economics of the University of Coimbra and a scholarship from the International Fellowships
Program of the Ford Foundation. E-mail for contact: rose.bs@uol.com.br


                                                                                                         1
O poder público nos dá assistencialismo e clientelismo. ‘Eu te
                                                               dou uma vaga no albergue e você cala a boca’. Queremos de
                                                               fato a dignidade e o respeito para a população de rua o que é
                                                               de direito. Esta população contribui com os impostos da
                                                               cidade quando compra uma simples bala ou um pão.
                                                               Anderson Lopes do Movimento Nacional de Luta em Defesa
                                                               dos Direitos da População em Situação de Rua (MNPR –
                                                               Brasil)




          Recentemente, a partir do ano 2000, percebemos movimentos que questionam, por
sua natureza eminentemente política, o que foi produzido até então, cientificamente e no
campos das políticas públicas, sobre a impossibilidade de organização da população de rua
no Brasil. Os catadores de materiais recicláveis (parte da população de rua e que não
figurou nas definições apresentadas acima, por serem caracterizados essencialmente em
relação à centralidade do trabalho) sugerem para as entidades que trabalham com a
população adulta em situação de rua e organizam um encontro nacional, no mês de junho
de 2001.2 Dois acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
iniciam uma experiência conhecida como “rururbano” e promovem o que é conhecido em
São Paulo como o programa “Da rua para a terra”, em que a população de rua é o foco
principal. Também em São Paulo, a experiência dos Conselhos e dos Fóruns e a eleição de
delegados representantes da população de rua para o programa de Orçamento Participativo
na capital paulista, entre outras ações, dão notícias de uma organização que se consolida
cada vez mais em iniciativas contra-hegemônicas e emancipatórias, numa luta contra a
opressão, o preconceito e a discriminação.
          Duas dessas iniciativas parecem estar intimamente relacionadas com a possibilidade
emancipatória de quem está ou vive nas ruas. O primeiro é a criação, em setembro de 2003,
de um Fórum de Estudantes Universitários sobre a População em Situação de Rua (que em
2004 iria se tornar o Fórum de Debates sobre a População em Situação de Rua da cidade
de São Paulo); o segundo, a retomada e a ampliação. em 2004, do Fórum da População de
Rua, que em 2005 irá originar o Movimento da População em Situação de Rua da cidade de


2 Passados cinco anos desde seu primeiro encontro nacional em Brasília, os catadores organizados já tiveram vitórias

significativas em seu percurso, como o reconhecimento da ocupação de catador e inclusão no Cadastro Brasileiro de
Ocupações (CBO), a organização e a realização de dois congressos latino-americanos, entre outros. e mais recentemente,
no governo Lula, a criação de um comitê interministerial para atenção e qualificação dos catadores filiados ao Movimento
Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). É emblemático observar que os catadores relacionam
superação de preconceitos e desafios a organização quando se referem ao primeiro encontro nacional: “O encontro
marcou a superação dos velhos preconceitos em torno do catador que, além do respeito por parte da sociedade, está
conquistando força política e social”. (Catadores de Vida, publicação do MNCR e Fórum Nacional de Estudos sobre a
População em Situação de Rua, edição de janeiro de 2002)


                                                                                                                           2
São Paulo, empreendido pela própria população e que atualmente é conhecido como
Movimento de Luta em Defesa dos Direitos da População de Rua (MNPR).
       Em 2004, meses antes do Dia de Luta da População de Rua, antigos e atuais
participantes do Fórum, que também freqüentam as reuniões do Fórum de Debates,
articulam-se e reivindicam a organização autônoma dessa data. As entidades até então
responsáveis pela formatação das reivindicações mostram-se contrárias ao pedido, e,
naquele ano, a quase não participação da população no Dia de Luta demonstra que ocorreu
uma fissura na relação assistência/população e que a autonomia e o protagonismo por
parte dessa população é questão emergencial.
       O tom das reivindicações também diverge: enquanto as entidades lutam por
programas de moradias provisórias, a população luta por moradia própria; enquanto as
entidades lutam por mais vagas em albergues, a população luta por acesso a educação. E o
descompasso segue, agora não só nos discursos reivindicatórios: também cresce o
questionamento e a cobrança por melhores serviços prestados pelas entidades e por
transparência na prestação de contas e dos mecanismos de governança de que lança mão o
poder público, imbuído da lógica do controle social, para manter essa população à margem.
       Ainda em 2004, uma chacina perpetrada contra a população que dormia nas ruas,
com grande repercussão internacional, mobiliza mais de 2 mil pessoas em passeata pelo
centro da cidade de São Paulo. Os assassinatos não só chocaram a sociedade, como
parecem ter sido um dos pontos cruciais para a organização posterior da população. O
discurso da heterogeneidade da rua, que sempre esteve entre a questão da igualdade e da
diferença — quem é a população de rua? Quem é o desempregado? —, aprofunda-se, e a
população busca mudar a natureza de suas reivindicações: políticas públicas, sim; mas qual
o teor dessas políticas? Como são organizadas? Exige-se reconhecimento social e penetra-
se em espaços hegemônicos, como o poder público. São eleitos representantes da
população para um conselho, a que o governo dá o nome de Conselho de Monitoramento
dos Serviços que atuam com a População em Situação de Rua.
       A nosso ver, essas vitórias e essas possibilidades de perfurar o sistema hegemônico
agem positivamente na organização da população, que, de forma criativa e autônoma,
comemora em dezembro, em plena Praça da Sé (conhecida como palco de várias
mobilizações populares em São Paulo), um Natal com shows, música, teatro, venda de
artesanato, etc. Nesse dia, a tradicional distribuição de alimentos e donativos foi substituída
pelo microfone aberto, através do qual se delatou impiedosamente a realidade das ruas, a
ineficiência das políticas públicas e as contradições do sistema econômico.


                                                                                             3
Inaugurando o ano de 2005, mais uma vez a população se une em torno de
problemáticas comuns. A heterogeneidade, que em alguns momentos serviu para reforçar
uma identidade negativa, um não querer identificar-se, é respeitada, mas é questionada: até
que ponto somos desiguais? Até que ponto somos diferentes? Se, de um lado, a afirmação
da igualdade, com pressupostos universalistas, pode reforçar e conduzir “à
descaracterização e negação das identidades, das culturas e das experiências históricas
diferenciadas, especialmente à recusa do reconhecimento coletivo” (SANTOS, 2003: 63), por
outro lado, o movimento da população reforça a idéia de se pensar por meio de um grupo
de pertença e também se coaduna com a idéia que é possível um movimento social surgir
da própria população.
       Em maio de 2005, novo momento: a população, que já amadurecia a idéia por meio
de alguns representantes, mobiliza mais de 200 pessoas para uma votação dos delegados
(três titulares e três suplentes) ao Conselho de Monitoramento e divulga a formação de um
movimento social da população em situação de rua que, com penetração em instâncias do
poder público, ONGs, cooperativas e universidades, lutará pelos direitos da população.
       De lá até aqui, o MNPR tem participado de discussões e conferências, em diversos
lugares do Brasil e até mesmo em comissões internacionais. Esse caráter multifacetado do
movimento é ressaltado por Anderson Lopes, na mesma entrevista já mencionada: “Hoje a
população de rua tá até participando da Conferência das Cidades, que isso não era para o
povo da rua, isso era para outros movimentos. Como se diziam, os movimentos sociais.
Mas está se vendo que quem faz a cidade é aquele que vive na cidade e aquele que usa a
cidade é também o povo da rua, ele vive na cidade, ele usa as ruas da cidade, ele usa as
marquises da cidade e mais ele para entender aquela cidade e ajudar a fazer as políticas
públicas dentro daquela cidade. A população de rua sabe o quanto a dificuldade de quando
ela tá dormindo e se passar uma carro jogando água em cima dela ou quando os bancos
colocam chuveirinho para jogar água em cima dela ou quanto a polícia é ostensiva, então
ela tem que participar das políticas públicas.”
       Essa emergência do sujeito como movimento social revela também o acesso e a
conquista ao reconhecimento que a apropriação criativa da nomeação permitiu ao longo
dos anos, atuando e operando contrariamente ao obstáculo imposto: “Diferentes formas de
opressão ou de dominação geram formas de resistência, de mobilização, de subjetividade e
de identidade coletivas também distintas [...] Nessas resistências e em suas articulações
locais/globais reside o impulso da globalização contra-hegemônica” (SANTOS, 2003: 61).




                                                                                         4
Nessa globalização contra uma ordem estabelecida e em busca de identidades que
possam alternar-se, é possível até mesmo, na fluidez das identidades flexíveis, chamar-se ex-
morador de rua, ter domicílio, mas continuar lutando, como afirma numa entrevista
Sebastião Nicomedes,3 também membro da Comissão Nacional de articulação do MNPR:
“Muita gente estava na rua, conseguiu emprego, saiu e esqueceu tudo. Eu sou mais coletivo,
não quero sair sozinho. Alguns que moram na rua não sabem mais quem são, não sabem
mais que são gente, têm vergonha até de levantar os olhos.”
            Assim o MNPR empreende sua busca de identidade na fronteira das conexões
parciais que estabelece com os diversos atores da arena pública. A população em situação
de rua, que agora assume a identidade de movimento social, representa-se “ao mesmo
tempo como um conflito social e um projeto cultural” (TOURAINE, 2002:254). O sujeito
que fala, a partir do lugar da rua, identifica-se com quem está na rua; mesmo repondo no
outro, diferente de si, os preconceitos do imaginário social, percebe-se ele mesmo fruto de
um processo, de quem esteve nas ruas e não está mais: “O sujeito se constrói
simultaneamente pela luta contra os aparelhos e pelo respeito do outro como sujeito; o
movimento social é a ação coletiva de defesa do sujeito contra o poder da mercadoria, da
empresa e do Estado. Sem essa passagem, o sujeito corre o risco de se dissolver na
individualidade” (TOURAINE, 2002:302).
            Acreditamos que, enquanto emergência, movimento social e lançando mão da
flexibilidade de suas identidades, a população de rua está caminhando para a construção de
um futuro que, se não deixa de surgir como agonístico e contraditório, nos embates que
leva a cabo na arena pública, também se apresenta como pleno de possibilidades.


Notas para o debate na construção de Políticas: O envolvimento engajado do
investigador


            Vimos ao longo das primeiras páginas que nossa discussão, baseada numa
experiência vivencial, cognitiva, afetiva e política com a população em situação de rua de
São Paulo e que também se traduz nos anos de militância junto à esse coletivo, é um
caminho empreendido e mediado pela perspectiva dos “conhecimentos situados” (do lugar
que falamos), das “conexões parciais” (porque todo conhecimento só tem sentido recriado
e reiventado, e as conexões com tais coletivos nunca são totais, nosso envolvimento,



3
    Disponível em www.pime.org.br/noticias2006/noticiasbrasil280.htm.


                                                                                           5
mesmo quando fazemos parte do campo, sempre é um envolvimento flexível)4 e de uma
“objetividade encarnada”.
          Dessa forma, dividir com os leitores uma experiência significa colocá-la no espaço
público, mesmo parcial e incompleta, para ser reformulada e recriada, expandida e
criativamente incorporada às necessidades de cada um dos sujeitos ou coletivos que a ela
tiverem acesso, partindo sempre de uma objetividade encarnada (cf. HARAWAY, 1991) —
ou, em outras palavras, daquilo que se considera politicamente relevante.
          Partindo dessa perspectiva, a produção de conhecimento é compreendida como
uma ação coletiva e política, porque o ponto de partida é o “nós”: aquele “nós” construído
e reinventado nas relações cotidianas. E daí que nosso olhar, por já ter em si um
posicionamento político explícito e marcado, diferencia nossa proposta epistemológica, em
consonância com o que é proposto por Donna Haraway no texto “Conhecimentos
situados” (1991): falar de um lugar é marcadamente uma proposta de envolvimento
afetivo,5 político e cognitivo que redimensiona a proposta de conhecimento: conhece-se a
partir daquilo que se vivencia;6 e se constrói conhecimento a partir daquilo que se
testemunha.7
          Nessas circunstâncias, procuramos “produzir nem tanto efeitos de distanciamento
como efeitos de conexão, de encarnação e de responsabilidade com algum outro lugar
imaginado que já podemos ver e construir” (HARAWAY, 1991:122).
        Portanto, nosso objetivo, explícito desde o início, está embasado na idéia de “não
falar pelos coletivos, mas articular-se com eles” (cf. HARAWAY, 1991), sendo esse o


4
  No artigo intitulado “Eu militante, você militando: faces de uma mesma moeda?”, busco problematizar a questão do que
chamo de “envolvimento flexível” com o campo. Partindo da idéia do envolvimento militante, discuto como um campo,
denso de sentidos, coloca-nos cotidianamente frente a um espaço rico de experiências e trocas ao mesmo tempo agonístico,
complexo, plural e intercambiável. Tal conjunto exige de nós, por sua vez, tanto uma postura atuante afetiva e politicamente,
quanto um distanciamento reflexivo, além de vigilância metodológica e epistemológica constante (cf. SILVA, 2006).
5
  “Afetivo”, aqui, na concepção espinosana de que os “afetos são afecções instantâneas de uma imagem de coisas em mim
nas relações que estabeleço com outros corpos” (SAWAIA, 2000). Segundo alguns estudiosos, essa definição estaria muito
próxima do que Vigotsky desenvolveu em sua obra sob o nome de “emoções” (cf. GONZALEZ REY, 2000 e 2002; Sawaia,
2000). Portanto, esse envolvimento afetivo/emocionado também nos possibilita ampliar a visão de episteme: as
intelecções mais profundas podem ser consequência de um envolvimento afetivo com o campo, o que também acaba por
se tornar um posicionamento político que se mantém situado em oposição à idéia dicotômica de que as emoções
“atrapalham” e que o conhecimento científico é eminentemente racional.
6
  Quando falamos em “vivência”, compreendemos que esta se aproxima da significação atribuída por Vigotsky: “Vivência
representa uma unidade indissolúvel de elementos internos e externos que por sua vez se apresentam indissoluvelmente
integrados em aspectos cognitivos e afetivos” (GONZALEZ REY, 2000:5).
7
  A opção de conceber a produção no campo da pesquisa como testemunho foi muito bem elaborada e desenvolvida sob
o termo “testemunha articulada” por Nunes (2001 1995) e reflete a idéia de que o pesquisador de uma ciência
comprometida deve ser ele mesmo “testemunha de processos e acontecimentos posicionada no terreno, contraposta à
concepção convencional do pesquisador como observador ou etnógrafo, produtor de um conhecimento […] posicionado
ou não de um terreno” (HEBDIGE, apud NUNES, 2001 1995:325). Assim, realiza um “duplo trabalho de enunciação e de
ligação que caracteriza o poder interrogativo da teoria crítica pós-moderna, o poder de problematizar e de sugerir ao olhar
o que os discursos dominantes ocultam ou silenciam, abrindo novos espaços para imaginar outros possíveis” (NUNES,
2001 1995:325), não só no campo “material” de pesquisa, mas articulando-se com este, numa interposição e troca
constante de saberes.


                                                                                                                           6
arcabouço que sustenta e fornece a estrutura para uma conexão parcial que nos permite
examinar a proposta das identidades flexíveis, em direção a uma discussão que visa
“contestar a ciência que representa o outro, o reflete, dá-lhe voz ou atua como sua
ventríloqua; ou seja não partir de uma política semiótica da representação e sim de uma
política semiótica da articulação” (CEDEÑO, 2006:69).
        Quando falamos em articulação, temos a perspectiva de que “sempre é uma prática
não inocente, impugnável. Os companheiros não se estabelecem de uma vez e para sempre.
Aqui não há ventríloquos. A articulação é um produto e pode falhar” (HARAWAY,
1991:141). Contudo, pode recomeçar e se rearticular tantas vezes quantas sejam necessárias.
Nesse sentido, está de acordo com o que Santos (1987) chama de uma ciência do
paradigma emergente — “A ciência do paradigma emergente [...], sendo analógica, é
também assumidamente tradutora, ou seja, incentiva os conceitos e as teorias
desenvolvidos localmente a emigrarem para outros lugares cognitivos, de modo a poderem
ser utilizados fora do seu contexto de origem” (SANTOS, 1987:77) — e busca colocar nesse
espaço de debate uma co-construção realizada com a população em situação de rua: por
meio da vivência, entendemos que as deficiências e a baixa intensidade de compreensão do
fenômeno da rua que os conceitos sobre essa população trazem consigo (cf. BARROS, 2004)
não atuam como impeditivos da ação, mas, muitas vezes e em espaços diferentes, são
utilizados alternadamente como uma estratégia de luta e resistência.
        Os sujeitos coletivos de que vimos a emergência aparecem juntamente com suas
identidades negociadas e flexíveis, na gênese de coletivos articulados e plenos de
potencialidades. Nosso objetivo, como anotamos a respeito das conexões parciais e da
reflexividade, é


                        esforçar-se para vermos diferentemente, para ‘não nos encaixarmos’ no
                        convencional, para apoiarmos o fortalecimento de pessoas ou agrupamentos que
                        ‘não se encaixam’, gerando aquilo que Haraway denomina ‘outros
                        inadequados/inadequáveis’ ao praticar e potencializar novas formas de
                        subversão (CEDEÑO, 2006:67).


        A subversão proporcionada por uma teoria crítica que permite identificar no sujeito
suas “tendências de futuro” (cf. SANTOS, 2002), além de permitir difratar “significados
encarnados em ações cotidianas” (CEDEÑO, 2006:66), também proporciona um arcabouço
teórico-metodológico inventivo e criativo, no qual é possível não apenas utilizar nosso
corpo, nossas sensações e vivências, a fim de compreendê-las como conhecimentos
situados, mas também questionar os conceitos para vê-los re-significados.



                                                                                                  7
E como trabalhar a participação da população de rua, tendo em vista sua
emancipação? A contibuição da “tradução das práticas”


         Mas quais são as notícias de organização e articulação que esse movimento
apresenta, como se configuram? Para Melucci (2001:33), “um movimento social não é a
resposta a uma crise, mas a expressão de um conflito”. Percebemos em suas expressões e
embates formas possíveis de retirar da invisibilidade (mesmo quando esta pode ser uma
vantagem) a população que vive nas ruas. Essa invisibilidade faz parte das identidades
flexíveis e de fronteira de quem está/vive na rua: quem ali está, confundido muitas vezes
com a paisagem urbana e muitas vezes encarado de soslaio, apressadamente, pode ver sem
ser visto (cf. BHABHA, 2005)8 e, por isso, pode desenvolver formas e possibilidades de
respostas que nós, como domiciliados, não podemos compreender sem uma tradução
adequada das práticas desses coletivos.
         Para Santos (2002:262), “a tradução é o procedimento que permite criar
inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo, tanto as disponíveis como as
possíveis […] trata-se de um procedimento que não atribui a nenhum conjunto de
experiências nem o estatuto de totalidade exclusiva nem o estatuto de parte homogênea”.
Dessa forma, é possível vislumbrar no trabalho de tradução um caminho possível, tanto
para a compreensão da possibilidade de identidades intercambiáveis e interpostas,
propostas pelas identidades flexíveis, como para olhar as experiências do mundo, por meio
do corte e do recorte: “As experiências do mundo são vistas em momentos diferentes do
trabalho de tradução como totalidades ou partes e como realidades que se não esgotam
nessas totalidades ou partes” (SANTOS, 2002:262). Nesse caso, o trabalho de tradução
residiria na tradução das práticas sociais do movimento emergente da rua: “Quando incide
sobre as práticas […] o trabalho de tradução visa criar inteligibilidade recíproca entre
formas de organização e entre objetivos de ação” (SANTOS, 2002:265).
         Sendo esse trabalho pragmático no sentido de não só conferir existência ao
movimento da rua, mas também buscar nestas práticas tensões específicas, estamos
conscientes de que, “quando se fala de um movimento social, refere-se, geralmente, a um
fenômeno coletivo que se apresenta com uma certa unidade externa, mas que no seu
interior, contém significados, formas de ação, modos de organização muito diferenciados e
que, frequentemente, investe uma parte importante das suas energias para manter unidas as


8 “Um dia aprendi/ Uma arte secreta,/ Invisibili-Dade, era seu nome./ Acho que funcionou/ Pois ainda agora vocês
olham/ Mas nunca me vêem/ Só meus olhos ficarão/ para vigiar…” (Jin, apud Bhabha, 2005:78).


                                                                                                              8
diferenças” (MELUCCI, 2001:29). Nessa perspectiva, “o trabalho de tradução visa esclarecer
o que une e o que separa os diferentes movimentos e as diferentes práticas de modo a
determinar as possibilidades e os limites da articulação ou agregação entre eles” (SANTOS,
2002:266).
       A tradução das práticas dos coletivos da rua significa acreditar que “no devido
tempo demandaremos o impossível a fim de arrancar dele o que é possível.” (Handsworth,
apud BHABHA, 2005:220).
       O M.NP.R. por exemplo, começou recentemente a unir esforços com lutas
históricas por habitação no centro de São Paulo, com o movimento sem-teto e com Ong’s
que se organizam contra os processos de gentrificação. Ou seja, mesmo que essas sejam
iniciativas pontuais, o processo de tradução de práticas já se colocou em marcha.
       Mais recentemente o governo federal também incorporou às atividades do Grupo
Interministerial que trata das questões e políticas sociais voltadas á população de rua,
lideranças e representates do M.N.P.R. Tal conquista também pode acenar um novo modo
de articulação entre os diversos atores sociais, a abertura do diálogo e a possibilidade de
uma forma real de emancipação rumo a uma cidadania verdadeiramente ativa.




Referências


CEDEÑO, Alejandro Astrid Leon (2006). Emancipação no cotidiano: iniciativas
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SANTOS, Boaventura de Sousa (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das
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Organização coletiva da população em situação de rua no Brasil

  • 1. Conference: “Rethinking homelessness policies” Feantsa eCentro de Estudos para a Intervenção Social 28 de Setembro de 2007 — Lisboa O processo de organização coletiva e política da população em situação de rua no Brasil: notas para um debate aprofundado em políticas públicas 1 Nosso texto buscará confrontar e analisar as dimensões envolvidas no processo de organização coletiva e política da população de rua a partir de uma perspectiva pluralista e interdisciplinar, questionando a evolução histórica por que vem passando, particularmente no Brasil. De população vista, na década de 1990, como pessoas à mercê da caridade religiosa e pública, o trabalho empírico atual cada vez mais vem nos trazendo notícias de organizações coletivas, protagonizadas por uma população em situação de rua. Essas organizações têm suas fileiras engrossadas por desempregados de longa duração que vêm na organização coletiva formas de atuação e visibilização no espaço público. Nesse sentido, essa nova emergência, da população de rua, como um coletivo “desde abaixo” acaba por impor novas perspectivas e novas formas de conceber a democracia, agora revista e ampliada em suas formas mais participativas. A ciência por conseguinte também assume um papel diferente que tem como pressuposto envolver os cidadãos em seus debates e ampliar tanto a participação ativa quanto o compromisso desses cidadãos na construção de uma ciência pública e engajada que privilegia a diversidade de conhecimentos e a construção paulatina de uma sociedade mais justa e equitativa. Palavras chaves: população de rua, políticas públicas, ciência cidadã e movimentos sociais. Our paper will try to confront and to analyze such dimensions from a diverse and interdisciplinary perspective, questioning the historical evolution of the homeless in Brazil. From a population perceived in the 90s mainly from an individualist and charity point of view, we go as shown by empirical observation to a population able of collective organization, a population whose rows are filled with an increasing number of long term unemployed who see in the collective organization some ways of performing and being visible in the public space, as shown in the case of social movements such as the MNPR. In this direction, this coming out of the homeless population, as a collective one "from the bottom" ends by imposing new perspectives and new forms to conceive democracy, now reviewed and extended in its participation forms. Science therefore also assumes a different role, being understood much more in a perspective of citizen science or of the situated knowledges, that entails involving citizens in its debates and extending the active participation as well as the commitment of these citizens in the construction of a public and engaged science that favours the diversity of knowledge and the gradual construction of a society more equitable and fair. Keywords: Homeless, Public Policies, citizen science and social movements. 1 Rosemeire Barboza da Silva is a student in the PhD Program in Governance, Knowledge and Innovation of the Faculty of Economics of the University of Coimbra and a scholarship from the International Fellowships Program of the Ford Foundation. E-mail for contact: rose.bs@uol.com.br 1
  • 2. O poder público nos dá assistencialismo e clientelismo. ‘Eu te dou uma vaga no albergue e você cala a boca’. Queremos de fato a dignidade e o respeito para a população de rua o que é de direito. Esta população contribui com os impostos da cidade quando compra uma simples bala ou um pão. Anderson Lopes do Movimento Nacional de Luta em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua (MNPR – Brasil) Recentemente, a partir do ano 2000, percebemos movimentos que questionam, por sua natureza eminentemente política, o que foi produzido até então, cientificamente e no campos das políticas públicas, sobre a impossibilidade de organização da população de rua no Brasil. Os catadores de materiais recicláveis (parte da população de rua e que não figurou nas definições apresentadas acima, por serem caracterizados essencialmente em relação à centralidade do trabalho) sugerem para as entidades que trabalham com a população adulta em situação de rua e organizam um encontro nacional, no mês de junho de 2001.2 Dois acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciam uma experiência conhecida como “rururbano” e promovem o que é conhecido em São Paulo como o programa “Da rua para a terra”, em que a população de rua é o foco principal. Também em São Paulo, a experiência dos Conselhos e dos Fóruns e a eleição de delegados representantes da população de rua para o programa de Orçamento Participativo na capital paulista, entre outras ações, dão notícias de uma organização que se consolida cada vez mais em iniciativas contra-hegemônicas e emancipatórias, numa luta contra a opressão, o preconceito e a discriminação. Duas dessas iniciativas parecem estar intimamente relacionadas com a possibilidade emancipatória de quem está ou vive nas ruas. O primeiro é a criação, em setembro de 2003, de um Fórum de Estudantes Universitários sobre a População em Situação de Rua (que em 2004 iria se tornar o Fórum de Debates sobre a População em Situação de Rua da cidade de São Paulo); o segundo, a retomada e a ampliação. em 2004, do Fórum da População de Rua, que em 2005 irá originar o Movimento da População em Situação de Rua da cidade de 2 Passados cinco anos desde seu primeiro encontro nacional em Brasília, os catadores organizados já tiveram vitórias significativas em seu percurso, como o reconhecimento da ocupação de catador e inclusão no Cadastro Brasileiro de Ocupações (CBO), a organização e a realização de dois congressos latino-americanos, entre outros. e mais recentemente, no governo Lula, a criação de um comitê interministerial para atenção e qualificação dos catadores filiados ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). É emblemático observar que os catadores relacionam superação de preconceitos e desafios a organização quando se referem ao primeiro encontro nacional: “O encontro marcou a superação dos velhos preconceitos em torno do catador que, além do respeito por parte da sociedade, está conquistando força política e social”. (Catadores de Vida, publicação do MNCR e Fórum Nacional de Estudos sobre a População em Situação de Rua, edição de janeiro de 2002) 2
  • 3. São Paulo, empreendido pela própria população e que atualmente é conhecido como Movimento de Luta em Defesa dos Direitos da População de Rua (MNPR). Em 2004, meses antes do Dia de Luta da População de Rua, antigos e atuais participantes do Fórum, que também freqüentam as reuniões do Fórum de Debates, articulam-se e reivindicam a organização autônoma dessa data. As entidades até então responsáveis pela formatação das reivindicações mostram-se contrárias ao pedido, e, naquele ano, a quase não participação da população no Dia de Luta demonstra que ocorreu uma fissura na relação assistência/população e que a autonomia e o protagonismo por parte dessa população é questão emergencial. O tom das reivindicações também diverge: enquanto as entidades lutam por programas de moradias provisórias, a população luta por moradia própria; enquanto as entidades lutam por mais vagas em albergues, a população luta por acesso a educação. E o descompasso segue, agora não só nos discursos reivindicatórios: também cresce o questionamento e a cobrança por melhores serviços prestados pelas entidades e por transparência na prestação de contas e dos mecanismos de governança de que lança mão o poder público, imbuído da lógica do controle social, para manter essa população à margem. Ainda em 2004, uma chacina perpetrada contra a população que dormia nas ruas, com grande repercussão internacional, mobiliza mais de 2 mil pessoas em passeata pelo centro da cidade de São Paulo. Os assassinatos não só chocaram a sociedade, como parecem ter sido um dos pontos cruciais para a organização posterior da população. O discurso da heterogeneidade da rua, que sempre esteve entre a questão da igualdade e da diferença — quem é a população de rua? Quem é o desempregado? —, aprofunda-se, e a população busca mudar a natureza de suas reivindicações: políticas públicas, sim; mas qual o teor dessas políticas? Como são organizadas? Exige-se reconhecimento social e penetra- se em espaços hegemônicos, como o poder público. São eleitos representantes da população para um conselho, a que o governo dá o nome de Conselho de Monitoramento dos Serviços que atuam com a População em Situação de Rua. A nosso ver, essas vitórias e essas possibilidades de perfurar o sistema hegemônico agem positivamente na organização da população, que, de forma criativa e autônoma, comemora em dezembro, em plena Praça da Sé (conhecida como palco de várias mobilizações populares em São Paulo), um Natal com shows, música, teatro, venda de artesanato, etc. Nesse dia, a tradicional distribuição de alimentos e donativos foi substituída pelo microfone aberto, através do qual se delatou impiedosamente a realidade das ruas, a ineficiência das políticas públicas e as contradições do sistema econômico. 3
  • 4. Inaugurando o ano de 2005, mais uma vez a população se une em torno de problemáticas comuns. A heterogeneidade, que em alguns momentos serviu para reforçar uma identidade negativa, um não querer identificar-se, é respeitada, mas é questionada: até que ponto somos desiguais? Até que ponto somos diferentes? Se, de um lado, a afirmação da igualdade, com pressupostos universalistas, pode reforçar e conduzir “à descaracterização e negação das identidades, das culturas e das experiências históricas diferenciadas, especialmente à recusa do reconhecimento coletivo” (SANTOS, 2003: 63), por outro lado, o movimento da população reforça a idéia de se pensar por meio de um grupo de pertença e também se coaduna com a idéia que é possível um movimento social surgir da própria população. Em maio de 2005, novo momento: a população, que já amadurecia a idéia por meio de alguns representantes, mobiliza mais de 200 pessoas para uma votação dos delegados (três titulares e três suplentes) ao Conselho de Monitoramento e divulga a formação de um movimento social da população em situação de rua que, com penetração em instâncias do poder público, ONGs, cooperativas e universidades, lutará pelos direitos da população. De lá até aqui, o MNPR tem participado de discussões e conferências, em diversos lugares do Brasil e até mesmo em comissões internacionais. Esse caráter multifacetado do movimento é ressaltado por Anderson Lopes, na mesma entrevista já mencionada: “Hoje a população de rua tá até participando da Conferência das Cidades, que isso não era para o povo da rua, isso era para outros movimentos. Como se diziam, os movimentos sociais. Mas está se vendo que quem faz a cidade é aquele que vive na cidade e aquele que usa a cidade é também o povo da rua, ele vive na cidade, ele usa as ruas da cidade, ele usa as marquises da cidade e mais ele para entender aquela cidade e ajudar a fazer as políticas públicas dentro daquela cidade. A população de rua sabe o quanto a dificuldade de quando ela tá dormindo e se passar uma carro jogando água em cima dela ou quando os bancos colocam chuveirinho para jogar água em cima dela ou quanto a polícia é ostensiva, então ela tem que participar das políticas públicas.” Essa emergência do sujeito como movimento social revela também o acesso e a conquista ao reconhecimento que a apropriação criativa da nomeação permitiu ao longo dos anos, atuando e operando contrariamente ao obstáculo imposto: “Diferentes formas de opressão ou de dominação geram formas de resistência, de mobilização, de subjetividade e de identidade coletivas também distintas [...] Nessas resistências e em suas articulações locais/globais reside o impulso da globalização contra-hegemônica” (SANTOS, 2003: 61). 4
  • 5. Nessa globalização contra uma ordem estabelecida e em busca de identidades que possam alternar-se, é possível até mesmo, na fluidez das identidades flexíveis, chamar-se ex- morador de rua, ter domicílio, mas continuar lutando, como afirma numa entrevista Sebastião Nicomedes,3 também membro da Comissão Nacional de articulação do MNPR: “Muita gente estava na rua, conseguiu emprego, saiu e esqueceu tudo. Eu sou mais coletivo, não quero sair sozinho. Alguns que moram na rua não sabem mais quem são, não sabem mais que são gente, têm vergonha até de levantar os olhos.” Assim o MNPR empreende sua busca de identidade na fronteira das conexões parciais que estabelece com os diversos atores da arena pública. A população em situação de rua, que agora assume a identidade de movimento social, representa-se “ao mesmo tempo como um conflito social e um projeto cultural” (TOURAINE, 2002:254). O sujeito que fala, a partir do lugar da rua, identifica-se com quem está na rua; mesmo repondo no outro, diferente de si, os preconceitos do imaginário social, percebe-se ele mesmo fruto de um processo, de quem esteve nas ruas e não está mais: “O sujeito se constrói simultaneamente pela luta contra os aparelhos e pelo respeito do outro como sujeito; o movimento social é a ação coletiva de defesa do sujeito contra o poder da mercadoria, da empresa e do Estado. Sem essa passagem, o sujeito corre o risco de se dissolver na individualidade” (TOURAINE, 2002:302). Acreditamos que, enquanto emergência, movimento social e lançando mão da flexibilidade de suas identidades, a população de rua está caminhando para a construção de um futuro que, se não deixa de surgir como agonístico e contraditório, nos embates que leva a cabo na arena pública, também se apresenta como pleno de possibilidades. Notas para o debate na construção de Políticas: O envolvimento engajado do investigador Vimos ao longo das primeiras páginas que nossa discussão, baseada numa experiência vivencial, cognitiva, afetiva e política com a população em situação de rua de São Paulo e que também se traduz nos anos de militância junto à esse coletivo, é um caminho empreendido e mediado pela perspectiva dos “conhecimentos situados” (do lugar que falamos), das “conexões parciais” (porque todo conhecimento só tem sentido recriado e reiventado, e as conexões com tais coletivos nunca são totais, nosso envolvimento, 3 Disponível em www.pime.org.br/noticias2006/noticiasbrasil280.htm. 5
  • 6. mesmo quando fazemos parte do campo, sempre é um envolvimento flexível)4 e de uma “objetividade encarnada”. Dessa forma, dividir com os leitores uma experiência significa colocá-la no espaço público, mesmo parcial e incompleta, para ser reformulada e recriada, expandida e criativamente incorporada às necessidades de cada um dos sujeitos ou coletivos que a ela tiverem acesso, partindo sempre de uma objetividade encarnada (cf. HARAWAY, 1991) — ou, em outras palavras, daquilo que se considera politicamente relevante. Partindo dessa perspectiva, a produção de conhecimento é compreendida como uma ação coletiva e política, porque o ponto de partida é o “nós”: aquele “nós” construído e reinventado nas relações cotidianas. E daí que nosso olhar, por já ter em si um posicionamento político explícito e marcado, diferencia nossa proposta epistemológica, em consonância com o que é proposto por Donna Haraway no texto “Conhecimentos situados” (1991): falar de um lugar é marcadamente uma proposta de envolvimento afetivo,5 político e cognitivo que redimensiona a proposta de conhecimento: conhece-se a partir daquilo que se vivencia;6 e se constrói conhecimento a partir daquilo que se testemunha.7 Nessas circunstâncias, procuramos “produzir nem tanto efeitos de distanciamento como efeitos de conexão, de encarnação e de responsabilidade com algum outro lugar imaginado que já podemos ver e construir” (HARAWAY, 1991:122). Portanto, nosso objetivo, explícito desde o início, está embasado na idéia de “não falar pelos coletivos, mas articular-se com eles” (cf. HARAWAY, 1991), sendo esse o 4 No artigo intitulado “Eu militante, você militando: faces de uma mesma moeda?”, busco problematizar a questão do que chamo de “envolvimento flexível” com o campo. Partindo da idéia do envolvimento militante, discuto como um campo, denso de sentidos, coloca-nos cotidianamente frente a um espaço rico de experiências e trocas ao mesmo tempo agonístico, complexo, plural e intercambiável. Tal conjunto exige de nós, por sua vez, tanto uma postura atuante afetiva e politicamente, quanto um distanciamento reflexivo, além de vigilância metodológica e epistemológica constante (cf. SILVA, 2006). 5 “Afetivo”, aqui, na concepção espinosana de que os “afetos são afecções instantâneas de uma imagem de coisas em mim nas relações que estabeleço com outros corpos” (SAWAIA, 2000). Segundo alguns estudiosos, essa definição estaria muito próxima do que Vigotsky desenvolveu em sua obra sob o nome de “emoções” (cf. GONZALEZ REY, 2000 e 2002; Sawaia, 2000). Portanto, esse envolvimento afetivo/emocionado também nos possibilita ampliar a visão de episteme: as intelecções mais profundas podem ser consequência de um envolvimento afetivo com o campo, o que também acaba por se tornar um posicionamento político que se mantém situado em oposição à idéia dicotômica de que as emoções “atrapalham” e que o conhecimento científico é eminentemente racional. 6 Quando falamos em “vivência”, compreendemos que esta se aproxima da significação atribuída por Vigotsky: “Vivência representa uma unidade indissolúvel de elementos internos e externos que por sua vez se apresentam indissoluvelmente integrados em aspectos cognitivos e afetivos” (GONZALEZ REY, 2000:5). 7 A opção de conceber a produção no campo da pesquisa como testemunho foi muito bem elaborada e desenvolvida sob o termo “testemunha articulada” por Nunes (2001 1995) e reflete a idéia de que o pesquisador de uma ciência comprometida deve ser ele mesmo “testemunha de processos e acontecimentos posicionada no terreno, contraposta à concepção convencional do pesquisador como observador ou etnógrafo, produtor de um conhecimento […] posicionado ou não de um terreno” (HEBDIGE, apud NUNES, 2001 1995:325). Assim, realiza um “duplo trabalho de enunciação e de ligação que caracteriza o poder interrogativo da teoria crítica pós-moderna, o poder de problematizar e de sugerir ao olhar o que os discursos dominantes ocultam ou silenciam, abrindo novos espaços para imaginar outros possíveis” (NUNES, 2001 1995:325), não só no campo “material” de pesquisa, mas articulando-se com este, numa interposição e troca constante de saberes. 6
  • 7. arcabouço que sustenta e fornece a estrutura para uma conexão parcial que nos permite examinar a proposta das identidades flexíveis, em direção a uma discussão que visa “contestar a ciência que representa o outro, o reflete, dá-lhe voz ou atua como sua ventríloqua; ou seja não partir de uma política semiótica da representação e sim de uma política semiótica da articulação” (CEDEÑO, 2006:69). Quando falamos em articulação, temos a perspectiva de que “sempre é uma prática não inocente, impugnável. Os companheiros não se estabelecem de uma vez e para sempre. Aqui não há ventríloquos. A articulação é um produto e pode falhar” (HARAWAY, 1991:141). Contudo, pode recomeçar e se rearticular tantas vezes quantas sejam necessárias. Nesse sentido, está de acordo com o que Santos (1987) chama de uma ciência do paradigma emergente — “A ciência do paradigma emergente [...], sendo analógica, é também assumidamente tradutora, ou seja, incentiva os conceitos e as teorias desenvolvidos localmente a emigrarem para outros lugares cognitivos, de modo a poderem ser utilizados fora do seu contexto de origem” (SANTOS, 1987:77) — e busca colocar nesse espaço de debate uma co-construção realizada com a população em situação de rua: por meio da vivência, entendemos que as deficiências e a baixa intensidade de compreensão do fenômeno da rua que os conceitos sobre essa população trazem consigo (cf. BARROS, 2004) não atuam como impeditivos da ação, mas, muitas vezes e em espaços diferentes, são utilizados alternadamente como uma estratégia de luta e resistência. Os sujeitos coletivos de que vimos a emergência aparecem juntamente com suas identidades negociadas e flexíveis, na gênese de coletivos articulados e plenos de potencialidades. Nosso objetivo, como anotamos a respeito das conexões parciais e da reflexividade, é esforçar-se para vermos diferentemente, para ‘não nos encaixarmos’ no convencional, para apoiarmos o fortalecimento de pessoas ou agrupamentos que ‘não se encaixam’, gerando aquilo que Haraway denomina ‘outros inadequados/inadequáveis’ ao praticar e potencializar novas formas de subversão (CEDEÑO, 2006:67). A subversão proporcionada por uma teoria crítica que permite identificar no sujeito suas “tendências de futuro” (cf. SANTOS, 2002), além de permitir difratar “significados encarnados em ações cotidianas” (CEDEÑO, 2006:66), também proporciona um arcabouço teórico-metodológico inventivo e criativo, no qual é possível não apenas utilizar nosso corpo, nossas sensações e vivências, a fim de compreendê-las como conhecimentos situados, mas também questionar os conceitos para vê-los re-significados. 7
  • 8. E como trabalhar a participação da população de rua, tendo em vista sua emancipação? A contibuição da “tradução das práticas” Mas quais são as notícias de organização e articulação que esse movimento apresenta, como se configuram? Para Melucci (2001:33), “um movimento social não é a resposta a uma crise, mas a expressão de um conflito”. Percebemos em suas expressões e embates formas possíveis de retirar da invisibilidade (mesmo quando esta pode ser uma vantagem) a população que vive nas ruas. Essa invisibilidade faz parte das identidades flexíveis e de fronteira de quem está/vive na rua: quem ali está, confundido muitas vezes com a paisagem urbana e muitas vezes encarado de soslaio, apressadamente, pode ver sem ser visto (cf. BHABHA, 2005)8 e, por isso, pode desenvolver formas e possibilidades de respostas que nós, como domiciliados, não podemos compreender sem uma tradução adequada das práticas desses coletivos. Para Santos (2002:262), “a tradução é o procedimento que permite criar inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo, tanto as disponíveis como as possíveis […] trata-se de um procedimento que não atribui a nenhum conjunto de experiências nem o estatuto de totalidade exclusiva nem o estatuto de parte homogênea”. Dessa forma, é possível vislumbrar no trabalho de tradução um caminho possível, tanto para a compreensão da possibilidade de identidades intercambiáveis e interpostas, propostas pelas identidades flexíveis, como para olhar as experiências do mundo, por meio do corte e do recorte: “As experiências do mundo são vistas em momentos diferentes do trabalho de tradução como totalidades ou partes e como realidades que se não esgotam nessas totalidades ou partes” (SANTOS, 2002:262). Nesse caso, o trabalho de tradução residiria na tradução das práticas sociais do movimento emergente da rua: “Quando incide sobre as práticas […] o trabalho de tradução visa criar inteligibilidade recíproca entre formas de organização e entre objetivos de ação” (SANTOS, 2002:265). Sendo esse trabalho pragmático no sentido de não só conferir existência ao movimento da rua, mas também buscar nestas práticas tensões específicas, estamos conscientes de que, “quando se fala de um movimento social, refere-se, geralmente, a um fenômeno coletivo que se apresenta com uma certa unidade externa, mas que no seu interior, contém significados, formas de ação, modos de organização muito diferenciados e que, frequentemente, investe uma parte importante das suas energias para manter unidas as 8 “Um dia aprendi/ Uma arte secreta,/ Invisibili-Dade, era seu nome./ Acho que funcionou/ Pois ainda agora vocês olham/ Mas nunca me vêem/ Só meus olhos ficarão/ para vigiar…” (Jin, apud Bhabha, 2005:78). 8
  • 9. diferenças” (MELUCCI, 2001:29). Nessa perspectiva, “o trabalho de tradução visa esclarecer o que une e o que separa os diferentes movimentos e as diferentes práticas de modo a determinar as possibilidades e os limites da articulação ou agregação entre eles” (SANTOS, 2002:266). A tradução das práticas dos coletivos da rua significa acreditar que “no devido tempo demandaremos o impossível a fim de arrancar dele o que é possível.” (Handsworth, apud BHABHA, 2005:220). O M.NP.R. por exemplo, começou recentemente a unir esforços com lutas históricas por habitação no centro de São Paulo, com o movimento sem-teto e com Ong’s que se organizam contra os processos de gentrificação. Ou seja, mesmo que essas sejam iniciativas pontuais, o processo de tradução de práticas já se colocou em marcha. Mais recentemente o governo federal também incorporou às atividades do Grupo Interministerial que trata das questões e políticas sociais voltadas á população de rua, lideranças e representates do M.N.P.R. Tal conquista também pode acenar um novo modo de articulação entre os diversos atores sociais, a abertura do diálogo e a possibilidade de uma forma real de emancipação rumo a uma cidadania verdadeiramente ativa. Referências CEDEÑO, Alejandro Astrid Leon (2006). Emancipação no cotidiano: iniciativas igualitárias em sociedades de controle. In Departamento de Psicologia Social (São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). GONZALEZ REY, Fernando L. (2000). El lugar de las emociones en la constitución social de el psíquico: el aporte de Vigotsky. Revista Educação & Sociedade. Ano XXI, nº 70. HARAWAY, Donna J. (1991). Simians, cyborgs, and women: the reinvention of Nature. London: Free Association Books. IRWIN, Alan. Citizen Science: A Study of People, Expertise and Sustainable Development. London: Routledge, 1995. MELUCCI, Alberto (2001). A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Petrópolis: Vozes. 9
  • 10. NUNES, João Arriscado (2000). Teoria crítica, cultura e ciência: o(s) espaço(s) e o(s) conhecimento(s) na globalização. In Santos, B.S. (ed.). Globalização, fatalidade ou utopia? Porto: Afrontamento. SANTOS, Boaventura de Sousa (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Critica de Ciências Sociais. Coimbra, Centro de Estudos Sociais (CES), n. 63, outubro. SAWAIA, Bader Burihan (2000). A emoção como lócus de produção do conhecimento — uma reflexão inspirada em Vigotsky e seu diálogo com Espinosa. In, Conferência de Pesquisa Socio-cultural. TOURAINE, Alain (2002). Crítica da Modernidade. Rio De Janeiro, Editora Vozes: 7ª Edição. TOURAINE, Alain (1984) O Retorno do Actor: Ensaio sobre Sociologia. Lisboa: Instituto Piaget. 10