3. SONETOS Luís de Camões
Luís Vaz de Camões
(Lisboa[?], 1524 — Lisboa, 10 de
junho de 1579 ou 1580) foi
um poeta nacional de Portugal,
considerado uma das maiores
figuras da literatura lusófona e
um dos grandes poetas da
tradição ocidental.
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o autor
6. SONETOS Luís de Camões
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
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textos
PRIMEIRA PARTE (verso 1 ao 11)
Tentativa de uma definição “racional” do
amor;
Metáforas paradoxais;
Presença de anáfora;
SEGUNDA PARTE (verso 12 a 14)
Adversidade;
O amor é paradoxal, pois é contrário a si
mesmo;
Reflexão inconclusiva, pois termina com
uma pergunta.
INTERTEXTUALIDADE
Monte Castelo (Legião urbana)
7. SONETOS Luís de Camões
Ah! minha Dinamene! Assi deixaste
quem não deixara nunca de querer-te?
Ah! Ninfa minha! Já não posso ver-te,
tão asinha esta vida desprezaste!
Como já para sempre te apartaste
de quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te,
que não visses quem tanto magoaste?
Nem falar-te somente a dura morte
me deixou, que tão cedo o negro manto
em teus olhos deitado consentiste!
Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!
Que pena sentirei, que valha tanto,
que inda tenho por pouco o viver triste?
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textos
Dinamene: ninfa, nereida (Nereu + Dóris);
amada de Camões (Oriente);
ARCAÍSMOS: Assí (v.1) e Inda (v13)morte
depressa
Para o eu lírico, é como se ela tivesse
“concordado” com a morte
As nereidas estavam relacionadas às águas
e Dinamene morreu afogada
Interjeição: saudade
O céu. Onde está Dinamene, aparece personificado (letra maiúscula)
Luto em função da morte da amada
O eu lírico pressente que seus anos serão curtos
8. SONETOS Luís de Camões
Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
algua causa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,
roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.
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textos
cacófato
morte
ANTÍTESES: “Céu” e “Terra” / “repousa” e “viva”
Uma visão cristã de “céu”
ANTÍTESES: amor neoplatônico X amor erótico
Éter: quinta essência (Aristóteles)
arcaísmo
Para o eu lírico, é como se ela tivesse
“concordado” com a morte. Ele fica “sentido”,
magoado.
Novamente, a ideia de uma morte prematura, já
expressa no outro poema
Peça a Deus que eu morra também. Que sua
vida seja tão breve como a da amada.
9. SONETOS Luís de Camões
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textos
Questa anima gentil che si diparte,
anzi tempo chiamata a l’altra vita,
se lassuso è quanto esser dê gradita,
terrà del ciel la piú beata parte.
S’ella riman fra ’l terzo lume et Marte,
fia la vista del sole scolorita,
poi ch’a mirar sua bellezza infinita
l’anime degne intorno a lei fien sparte.
Se si posasse sotto al quarto nido,
ciascuna de le tre saria men bella,
et essa sola avria la fama e ’l grido;
nel quinto giro non habitrebbe ella;
ma se vola piú alto, assai mi fido
che con Giove sia vinta ogni altra stella.
Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
algua causa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,
roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.
Essa alma genti l que partiu,
antes do tempo, chamada a outra vida,
terá no céu segura acolhida
terá no céu a mais beata parte.
Se ela ficar entre a terceira luz e Marte
será a vista do sol descolorida
depois virá, toda alma ao céu subida
em torno dela olhar beleza infinita.
Se pousar abaixo do quarto ninho,
nenhuma das três será mais bela,
que está só, espalhada a fama e o grito;
No quinto giro não chegará ela;
mas se voar alto, em muito confio
ser vencido Júpiter e cada outra estrela;
SONETO CAMONIANO CONGÊNERE PETRARQUIANO TRADUÇÃO LIVRE
LITERATURA MIMÉTICA: A CÓPIA DOS CLÁSICOS
10. SONETOS Luís de Camões
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
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textos
O soneto estabelece sua função retórica,
mesmo dialética, na exposição argumenta-
tiva. Obedecendo ao modelo clássico, sua
composição permite a ambientação da
divisão temática e a construção de uma
unidade sonora rica, a qual, ao passo
que atua na familiarização de uma
estrofe à outra, atua também no sentido
de promover a ilustração estrutural do
discurso, relacionando poeticamente
proposições e argumentos. A adoção do
soneto ainda é justificada tendo em
vista a familiaridade de sua marcha
sonora ao silogismo, explícito na
primeira e terceira estrofe, notado no
esquema seguinte:
11. SONETOS Luís de Camões
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
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Proposição 1ª estrofe:
- As artes e o engenho do Amor não tirarão a
esperança do eu lírico.
Argumentação 1ª estrofe:
- O Amor não pode tirar a esperança de onde
ela não existe. O eu lírico não tem esperança.
Proposição 3ª estrofe:
- Eu lírico não sofrerá desgosto.
Argumentação 3ª estrofe:
- Onde falta esperança, não há desgosto. O eu
lírico não tem esperança.
Enquanto primeira e terceira estrofes tematizam a questão por
meio de silogismos, o segundo quarteto e terceto o fazem
através de torneios discursivos, utilizando a retórica
composta por imagens, paradoxos, sínquise, que em associação
à sonoridade e repetição de palavras, têm a função de
acentuar a dúvida sobre o inconceituável sentimento de amar.
12. SONETOS Luís de Camões
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TEMPUS FUGIT / instabilidade das coisas / a inexorabilidade do tempo
PARADOXO: No mundo, TUDO MUDA. Apenas uma
coisa permanece: a MUDANÇA.
Na 1ª quadra, o sujeito poético refere que as pessoas mudam e
que, por isso, os interesses e os sentimentos também evoluem. A
forma de ser, a personalidade alteram-se assim como a confiança
em si próprio e nos outros.
O advérbio Continuamente reforça esta ideia de que a
mudança ininterrupta do mundo não se controla e que as
mudanças são, normalmente, para pior.
O eu lírico chega a questionar a
felicidade
ANTÍTESES na Natureza, tudo se renova mas no Homem as mudanças
são irreversíveis, sem retorno.
No 2º terceto, 1º verso, retoma-se a ideia desta
mudança contínua e incontornável já expressa pelo
advérbio da 2ª quadra, Continuamente. O sujeito revela
o seu espanto pelo fato de já não se reconhecer no que
vai mudando pois a própria mudança está a mudar...
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria, e, enfim,
converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.
13. SONETOS Luís de Camões
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando se com vê la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida;
começa de servir outros sete anos,
dizendo: —Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida.
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E Labão tinha duas filhas; o nome da mais velha era Lia, e o nome da menor
Raquel. Lia tinha olhos tenros, mas Raquel era de formoso semblante e formosa
à vista. E Jacó amava a Raquel, e disse: Sete anos te servirei por Raquel, tua
filha menor. Então disse Labão: Melhor é que eu a dê a ti, do que eu a dê a outro
homem; fica comigo. Assim serviu Jacó sete anos por Raquel; e estes lhe
pareceram como poucos dias, pelo muito que a amava. E disse Jacó a Labão:
Dá-me minha mulher, porque meus dias são cumpridos, para que eu me case
com ela. Então reuniu Labão a todos os homens daquele lugar, e fez um
banquete. E aconteceu, à tarde, que tomou Lia, sua filha, e trouxe-a a Jacó que a
possuiu. E Labão deu sua serva Zilpa a Lia, sua filha, por serva. E aconteceu que
pela manhã, viu que era Lia; pelo que disse a Labão: Por que me fizeste isso?
Não te tenho servido por Raquel? Por que então me enganaste? E disse Labão:
Não se faz assim no nosso lugar, que a menor se dê antes da primogênita.
Cumpre a semana desta; então te daremos também a outra, pelo serviço que
ainda outros sete anos comigo servires. E Jacó fez assim, e cumpriu a semana
de Lia; então lhe deu por mulher Raquel sua filha. E Labão deu sua serva Bila
por serva a Raquel, sua filha. E possuiu também a Raquel, e amou também a
Raquel mais do que a Lia e serviu com ele ainda outros sete anos.
Gênesis 29, 16-30
14. SONETOS Luís de Camões
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A simbologia bíblica do “sete”
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida;
começa de servir outros sete anos,
dizendo: — Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida.
amor neoplatônico
A construção de um soneto pastoril de inspiração bíblica,
demonstra uma dupla filiação de Camões dentro da poesia
ocidental: ele valoriza tanto o pilar greco-latino quanto o
hebraico-cristão.
RIMA “IMPERFEITA”
As diferenças entre o soneto e
o texto-matriz
brevidade da vida (tempus fugit)
15. SONETOS Luís de Camões
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sòmente pode descansar,
pois consigo tal alma está liada. [ligada]
Mas esta linda e pura semideia, [semideusa]
que, como um acidente em seu sujeito,
assi co a alma minha se conforma,
está no pensamento como ideia:
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.
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textos
“Transforma-se o amador na cousa
amada” pode ser reflexo de uma
opinião de Pseudo-Dionísio, que foi
um filósofo neoplatônico que afirmou
que o amor é uma força unitiva e
consistente. São Tomás de Aquino
esclareceu que isso quer dizer que
existem duas formas de união entre o
amador e o amado: a primeira é a
união real, e a segunda é a união
intelectual e a inclinação que a
pessoa tem em relação à outra, de
maneira que ela passa a participar da
pessoa amada de alguma forma. Como
participa da pessoa amada, o amante
só pode ter nele a parte desejada.
16. SONETOS Luís de Camões
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sòmente pode descansar,
pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assi co a alma minha se conforma,
está no pensamento como ideia:
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.
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Não necessitando do amor dos corpos,
pois já existe uma ligação das almas,
o amante contempla a “semideia” .
“Como um acidente em seu sujeito”
pode ser referente a afirmação de São
Tomás, inspirado por Aristóteles, que
“o sujeito está para o acidente como
a potência para o ato; pois, em
relação ao acidente, o sujeito é, de
certo modo, atual”.
17. SONETOS Luís de Camões
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sòmente pode descansar,
pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assi co a alma minha se conforma,
está no pensamento como ideia:
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.
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A amada está em seu pensamento como
uma Ideia platônica que busca a forma
Aristotélica no mundo da physis. O
poema é uma batalha entre as duas
escolas, a platônica e a
aristotélica, que reflete o mundo da
filosofia no Renascimento. O mundo
das ideias de Platão misturado com a
matéria e forma de Aristóteles fazem
desse poema uma das obras-primas da
poesia de todos os países em todos os
tempos.
19. SONETOS Luís de Camões
Luís Vaz de Camões
(Lisboa[?], 1524 — Lisboa, 10 de
junho de 1579 ou 1580) foi
um poeta nacional de Portugal,
considerado uma das maiores
figuras da literatura lusófona e
um dos grandes poetas da
tradição ocidental.
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