Este documento discute a filosofia moral de Immanuel Kant. Kant defende que os direitos humanos não devem basear-se na utilidade ou no consentimento, mas sim na dignidade inerente de todos os seres humanos como criaturas racionais e autónomas. Ele argumenta que agimos livremente apenas quando agimos de acordo com leis que nos impomos a nós próprios, e não quando seguimos desejos ou inclinações. A moralidade consiste em fazer a coisa certa pelo dever, e não por outros motivos como o interesse próprio.
2. C APÍTULO 1
O Que
Importa é o
Motivo
Quem acredita nos direitos humanos uni-
versais, provavelmente não é utilitarista.
Se todos os seres humanos são dignos de
respeito, independentemente de quem
são ou de onde vivem, então é errado tra-
tá-los como meros instrumentos da felici-
dade colectiva.
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3. Poderemos defender os direitos humanos universais, a combater a desigualdade e promover o bem comum; e
pretexto de que o respeito desses direitos irá, a longo um elogio tão radical do consentimento que permite
prazo, maximizar a utilidade. Contudo, neste caso, a afrontas autoinfligidas à dignidade humana, como o ca-
nossa razão para respeitar os direitos não é respeitar a nibalismo consensual ou a venda de nós próprios para
pessoa que os detém, mas sim tornar as coisas melho- escravatura.
res para todos. Uma coisa é condenar um situação que
Nem mesmo John Locke, o grande teórico dos direitos
provoca sofrimento a uma criança porque reduz a utili-
de propriedade e do governo limitado, reivindica um di-
dade geral, outra é condená-la por ser um mal moral in-
reito ilimitado da propriedade. Rejeita a noção de que
trínseco, uma injustiça para a criança.
podemos dispor da nossa vida e liberdade como nos
Se os direitos não se baseiam na utilidade, então qual é aprouver. Mas a teoria dos direitos inalienáveis de
o seu fundamento moral? Os libertários dão uma res- Locke invoca Deus, o que constitui um problema para
posta possível: as pessoas não devem ser usadas mera- quem procura um fundamento moral para os direitos
mente como meios para o bem-estar dos outros, por- que não resida em pressupostos religiosos.
que isso viola o direito fundamental de autoproprieda-
de, o direito de sermos donos de nós mesmos. A minha
vida, o meu trabalho e a minha pessoa pertencem a O Argumento de Kant a Favor dos Direitos
mim e só a mim. Não estão à disposição da sociedade
Immanuel Kant (1724-1804) apresenta uma explicação
como um todo.
alternativa dos deveres e dos direitos, uma das explica-
No entanto, a ideia de autopropriedade, aplicada de for- ções mais poderosas e influentes alguma vez apresenta-
ma consistente, tem implicações que só um libertário da por um filósofo. Não se baseia na ideia de que so-
fervoroso é capaz de apreciar - um mercado livre sem mos donos de nós, ou no pressuposto de que as nossas
uma rede de segurança para os mais frágeis; um Estado vidas e liberdades são uma dádiva de Deus. Em vez dis-
mínimo que exclui a maioria das medidas que visam
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4. so, baseia-se na ideia de que somos seres racionais, me- que ainda é mais importante, a sua explicação da liber-
recedores de dignidade e respeito. dade está presente em muitos dos nossos debates con-
temporâneos sobre justiça. Os utilitaristas afirmam
A filosofia de Kant é complexa. Mas não devemos dei-
que a forma de definir justiça e de determinar a coisa
xar que isso nos assuste. Vale a pena o esforço, porque
certa a fazer é perguntar o que irá maximizar o bem-
as vantagens são tremendas. A Fundamentação da Me-
estar, ou a felicidade colectiva da sociedade como um
tafísica dos Costumes (livro de Kant, de 1785) aborda
todo. Os libertários associam a justiça à liberdade: a dis-
uma questão importante: qual é o princípio supremo
tribuição justa do rendimento e da riqueza é aquela que
da moralidade? E, ao tentar responder a essa questão,
resultar da livre transacção de bens e serviços num mer-
aborda outra extremamente importante: o que é a liber-
cado livre; regular o mercado é uma injustiça, porque
dade?
viola a liberdade de escolha do indivíduo; uma outra
As respostas de Kant a estas questões dominaram a filo- perspectiva, a de Aristóteles, por exemplo, defende que
sofia moral e política desde então. Mas a sua influência justiça significa dar às pessoas o que elas merecem, de
histórica não é a única razão para lhe darmos atenção. forma a recompensar e promover a virtude.
Por muito assustadora que a filosofia possa parecer à
Kant rejeita as perspectivas de maximização do bem-
primeira vista, a verdade é que está na base de muito
estar e de promoção da virtude. Segundo ele, nenhu-
do pensamento contemporâneo sobre moralidade e so-
ma delas respeita a liberdade humana. Kant é um fervo-
bre política, mesmo que não tenhamos consciência dis-
roso defensor de uma perspectiva que associe a justiça
so. Assim, compreender Kant não é apenas um exercí-
à liberdade. Só que a sua concepção de liberdade não
cio filosófico, é igualmente uma forma de analisar al-
tem quase nada a ver com o conceito de liberdade dos
guns dos principais pressupostos implícitos na nossa
libertários. Para Kant, aquilo que vulgarmente conside-
vida pública.
ramos liberdade de mercado ou de escolha do consumi-
A ênfase de Kant na dignidade humana esta na base dor não é a verdadeira liberdade, porque implica só a
das actuais noções de direitos humanos universais. O satisfação de desejos que não escolhemos ter.
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5. Vejamos as críticas de Kant. rais em preferências e desejos - incluindo o desejo de
felicidade - é fazer uma interpretação errada da morali-
dade. O princípio utilitarista da felicidade não contri-
O Problema da Maximização da Felicidade bui em nada para a definição de moralidade, uma vez
que tornar um homem feliz é muito diferente de o tor-
Kant rejeita o utilitarismo. Afirma que, ao basear os di-
nar bom, e (tornar um homem) prudente ou astuto na
reitos num cálculo acerca de qual irá produzir a maior
procura de benefício (é) muito diferente de o tornar
felicidade, o utilitarismo coloca os direitos numa posi-
virtuoso. Basear a moralidade em interesses e preferên-
ção vulnerável. Há igualmente um problema mais pro-
cias é destruir a sua dignidade. Não nos ensina a distin-
fundo: tentar inferir princípios morais dos desejos que,
guir o certo do errado, mas apenas a tornarmo-nos me-
por acaso, temos é uma maneira errada de abordar a
lhores a fazer cálculos.
moralidade. Lá porque algo dá prazer a muitas pessoas,
isso não significa que esteja certo. O simples facto de a Se as nossas necessidades e desejos não podem servir
maioria, por grande que seja, ser a favor de determina- de base à moralidade, o que é que resta? Uma possibili-
da lei, independentemente da intensidade com que o dade é Deus. Mas essa não é a resposta de Kant. Embo-
são, não faz com que a lei seja justa. ra fosse cristão, Kant não baseava a moralidade na auto-
ridade divina. Em vez disso, afirma que podemos che-
Kant afirma que a moralidade não pode ser baseada
gar ao princípio supremo da moralidade através daqui-
em considerações meramente empíricas, como os inte-
lo a que chama razão prática pura. Para ver como, se-
resses, as necessidades, os desejos e as preferências
gundo Kant, podemos inferir a lei moral temos de com-
que as pessoas têm em determinado momento. Estes
preender a relação entre a nossa capacidade racional e
factores são variáveis e contingentes, refere ele, pelo
a nossa capacidade de liberdade.
que dificilmente poderiam servir de base a princípios
morais universais - como os direitos humanos. Mas a Kant afirma que todas as pessoas são dignas de respei-
ideia fundamental de Kant é que basear princípios mo- to, não porque sejamos donos de nós (como pensam os
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6. libertários), mas porque somos seres racionais, capazes A nossa capacidade racional está ligada à nossa capaci-
de raciocinar; somos igualmente seres autónomos capa- dade de liberdade. Em conjunto, estas capacidades tor-
zes de agir e escolher livremente. nam-nos únicos e diferenciam-nos da mera existência
animal. Fazem de nós criaturas com algo mais do que
Kant não quer com isto dizer que somos sempre bem
só apetites.
sucedidos a agir de forma racional ou a escolher de for-
ma autónoma. Umas vezes, sim, outras vezes, não.
Quer dizer apenas que temos a capacidade de entendi-
O que é a Liberdade?
mento racional, e de liberdade, e que estas capacidades
são comuns a todos os seres humanos como tal. Para compreender a filosofia moral de Kant, primeiro
temos de perceber o que ele entende por liberdade. É
Kant reconhece prontamente que a nossa capacidade
frequente considerarmos a liberdade como a ausência
de raciocínio não é a única capacidade que possuímos.
de obstáculos àquilo que queremos fazer. Kant discor-
Também temos a capacidade de sentir prazer e dor. Ele
da. Tem uma noção muito mais exigentes de liberdade.
reconhece que somos simultaneamente criaturas sensí-
veis e racionais. Por sensível Kant quer dizer que reagi- O seu raciocínio é o seguinte: quando nós, à semelhan-
mos aos nossos sentidos, às nossas emoções. Então ça dos animais, procuramos ter prazer ou evitar a dor,
Bentham tinha razão - mas só em parte. Tinha razão não estamos realmente a agir livremente. Estamos a
quando dizia que gostamos do prazer e não gostamos agir como escravos dos nossos apetites e desejos. Por-
da dor. Mas não tinha razão em insistir que eles são os quê? Porque sempre que procuramos satisfazer os nos-
nossos mestres soberanos. Kant afirma que a razão sos desejos, tudo o que fazemos é em função de um de-
pode ser soberana, pelo menos durante algum tempo. terminado fim exterior a nós. Vou por aqui aplacar a
E quando a razão rege a nossa vontade, não somos mo- fome, vou por ali matar a sede.
tivados pelo desejo de procurar o prazer e evitar a dor.
Suponhamos que estou a tentar decidir que sabor de ge-
lado pedir: devo escolher chocolate, baunilha ou cara-
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7. melo de café crocante? Posso achar que estou a exercer Uma maneira de perceber o que Kant entende por agir
a minha liberdade de escolha, mas o que estou realmen- autonomamente é comparar autonomia com o seu
te a fazer é a tentar descobrir que sabor melhor satisfa- oposto: heteronomia. Quando ajo de forma heteróno-
rá a minhas preferências no momento - preferências ma, ajo de acordo com determinações exteriores.
que não me foram dadas a escolher. Kant não diz que é
Quando agimos de forma autónoma, de cordo com
errado satisfazer as nossas preferências. O que quer di-
uma lei que nos impomos a nós mesmos, fazemos algo
zer é que, quando o fazemos, não estamos a agir livre-
por fazer, como um fim em si mesmo. Deixamos de ser
mente, mas sim de acordo com uma determinação exte-
instrumentos de objectivos exteriores a nós. Esta capa-
rior a nós. Afinal não fui eu que escolhi o meu desejo
cidade de agir autonomamente é o que confere à vida
de comer gelado com sabor a caramelo crocante de café
humana a sua dignidade específica. É o que marca a di-
em vez de baunilha. Simplesmente tenho esse desejo.
ferença entre pessoas e coisas. Para Kant, respeitar a di-
É costume as pessoas discutirem o papel da natureza e gnidade humana significa tratar as pessoas como fins
da educação na formação do comportamento. Estará o em si mesmas. É por isso que é errado usar as pessoas
desejo de Coca-Cola inscrito nos genes ou será induzi- em prol do bem-estar geral, como faz o utilitarismo.
do pela publicidade? Para Kant, este debate é irrelevan-
te. Sempre que o meu comportamento é biologicamen-
te determinado ou socialmente condicionado, não é ver- O que é a Moral? Procurar o Motivo
dadeiramente livre. Agir livremente é, segundo Kant,
Segundo Kant, o valor moral de uma acção consiste
agir autonomamente. E agir autonomamente é agir de
não nas consequências que dela advêm, mas sim na in-
acordo com uma lei que me imponho a mim mesmo - e
tenção com que o acto é realizado. O que importa é o
não de acordo com os ditames da natureza ou da con-
motivo, e o motivo tem de ser de um determinado tipo.
venção social.
O que importa é fazer a coisa certa.
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8. Uma vontade boa não é boa pelo que produz ou reali- Se agirmos por outro motivo que não o dever, como o
za, escreve Kant. É boa em si, independentemente de interesse pessoal, a nossa acção não tem valor moral.
ser concretizada ou não. Mesmo que... essa vontade Isto aplica-se, afirma Kant, não apenas ao interesse pes-
boa carecesse totalmente de poder para concretizar as soal, mas a quaisquer tentativas de satisfazer as nossas
suas intenções, mesmo que, a despeito de seus maiores necessidades, desejos, preferências e apetites. A estes
esforços, nada conseguisse alcançar... mesmo então, motivos, Kant chama-lhes inclinações.
continuaria a brilhar por si mesma como uma jóia,
Kant admite que, muitas vezes, é difícil saber o que mo-
como alguma coisa que tem o seu pleno valor em si
tiva as pessoas a agir como agem. E reconhece que os
mesma.
motivos do dever e da inclinação podem estar ambos
Para que uma acção seja moralmente boa, não basta presentes. Na opinião dele, apenas o motivo do dever
que seja conforme com a lei moral; é preciso, além dis- confere valor moral a uma acção.
so, que seja praticada por causa da mesma lei moral.
Qual é o princípio supremo da moralidade?
E o motivo que confere valor moral a uma acção é o mo-
tivo do dever. O conceito de motivo do dever correspon- Se moralidade significa agir com base no dever, resta
de a fazer a coisa certa pela razão certa. demonstrar o que é que o dever requer, isto é, qual é o
princípio supremo da moralidade.
Ao dizer que apenas o motivo do dever confere valor
moral a uma acção, Kant não está, no entanto, a dizer A resposta de Kant resulta da relação entre três gran-
quais são os nossos deveres específicos. Não está a di- des ideias: moralidade, liberdade e razão. Kant explica
zer-nos o que o princípio supremo da moralidade exi- estas ideias através de uma série de contrastes ou dua-
ge. Está simplesmente a observar que, quando avalia- lismos:
mos o valor moral de uma acção, avaliamos o motivo
que lhe está subjacente, não as consequências que pro-
duz.
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9. Quando a minha vontade é determinada heteronoma-
DUALISMOS mente, é determinada externamente, de fora de mim.
Mas isso levanta uma questão complicada: se a liberda-
1. Moralidade Dever / Inclinação de significa algo mais que obedecer aos meus desejos e
inclinações, como é isso possível? Não será tudo o que
2. Liberdade Autonomia/Heteronomia
faço motivado por algum desejo ou inclinação determi-
Imperativos Categóricos/ nado por influências exteriores?
3. Razão
Imperativos hipotéticos
A resposta está longe de ser óbvia. Kant refere que tudo
O primeiro dualismo (dever/inclinação) já foi analisa- na natureza funciona de acordo com leis, como as leis
do: só o motivo do dever pode conferir valor moral a da necessidade natural, as leis da física, as leis de causa
uma acção. e efeito. Isso inclui-nos a nós. Afinal, somos seres natu-
rais. Os seres humanos não estão imunes às leis da na-
O segundo dualismo ou contraste descreve duas manei- tureza.
ras diferentes de determinar a minha vontade - autono-
mamente ou heteronomamente. Segundo Kant, só sou Mas se somos capazes de liberdade, temos de ser capa-
livre quando a minha vontade é determinada autono- zes de agir de acordo com alguma outra espécie de lei,
mamente, regida por uma lei que imponho a mim mes- uma lei que não as leis da física. Kant afirma que toda a
mo. Mais uma vez, costumamos pensar que a liberdade acção é regida por leis de um tipo ou de outro. E se as
é podermos fazer o que queremos, satisfazer os nossos nossas acções fossem regidas exclusivamente pelas leis
desejos sem obstáculos. Mas Kant contesta esta forma da física, não seríamos muito diferentes de uma bola
de pensar sobre a liberdade: se não fui eu que escolhi de bilhar num jogo de snooker. Assim, se somos capa-
os meus desejos, como posso considerar-me livre quan- zes de liberdade, temos de ser capazes de agir não de
do os satisfaço? acordo com uma lei que nos é dada ou imposta, mas
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10. sim de acordo com uma lei que damos a nós mesmos. presentada como boa em si mesma e, por conseguinte
Mas de onde poderá vir tal lei? necessária para uma vontade conforme à razão, en-
tão o imperativo é categórico. O termo categórico
Resposta de Kant: da Razão. Não somos apenas seres
pode parecer muito técnico, mas não está assim tão dis-
sensíveis, regidos pelo prazer e pela dor que os senti-
tante do uso comum que fazemos dele.
dos nos proporcionam; somos também seres racionais,
capazes de razão. Se a razão determinar a minha vonta-
Formulações do imperativo categórico
de, então a vontade tem poder de escolher de forma in-
1. Age apenas segundo uma máxima tal que possas
dependente dos ditames da natureza ou da inclinação.
ao mesmo tempo querer que ela se torne lei univer-
sal. Por máxima, Kant entende um regra ou princí-
pio proporcionado pela razão para a acção. Na verda-
Imperativo Categórico/Imperativo Hipotético
de, esta formulação está a dizer que devemos agir
Mas de que modo a razão pode comandar a vontade? apenas segundo princípios que poderíamos universa-
Kant distingue duas maneiras, isto é, dois tipos de im- lizar sem contestação.
perativos da razão. Um tipo de imperativo, talvez o
Algumas pessoas consideram esta versão do imperativo
mais familiar, é o imperativo hipotético. Os impera-
categórico de Kant pouco convincente. A fórmula da lei
tivos hipotéticos usam a razão instrumental: se quer X,
universal tem algumas parecenças com o hábito que
então faça Y. Se quer ter boa reputação nos negócios,
aqueles adultos chatos têm de disciplinar as crianças
então trate os seus clientes com honestidade.
que passam à frente na fila ou falam quando não é a
Kant opõe os imperativos hipotéticos, que são sempre vez delas: “E se toda a gente fizesse isso?” se toda a gen-
condicionais, a um tipo de imperativo que é incondicio- te mentisse, ninguém poderia confiar na palavra de nin-
nal: o imperativo categórico. No caso de a acção guém, e todos sairíamos prejudicados. Se Kant estives-
ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, se a dizer isto, estaria a usar um argumento utilitarista.
escreve Kant, o imperativo é hipotético. Se a acção é re- Foi esta a crítica que lhe fez Stuart Mill. Mas Mill não
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11. percebeu o objectivo de Kant. Para Kant, perceber se maneira geral, todo o ser racional, existe como fim
posso universalizar a máxima da minha acção não é em si mesmo, e não apenas como meio para uso ar-
uma forma de especular sobre possíveis consequências. bitrário desta ou daquela vontade.
É um teste para ver se a minha máxima está de acordo
com o imperativo categórico. Uma falsa promessa, se-
gundo Kant, não é moralmente errada por abalar a con- Política em Kant
fiança social, mas porque quem a faz está a privilegiar
Kant não escreveu nenhuma grande obra sobre teotia
as suas necessidades e desejos, não sendo portanto li-
política, apenas alguns ensaios. Embora Kant não fale
vre ou autónomo.
em pormenor sobre as implicações, a teoria política
2. Age de tal maneira a que uses a humanidade, tanto que defende rejeita o utilitarismo a favor de uma teoria
na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, baseada num contrato social de características muito
sempre e simultaneamente como fim e nunca sim- invulgares para a época.
plesmente como um meio. A força moral do imperati-
Kant rejeita o utilitarismo quer como fundamento da
vo categórico torna-se mais clara nesta segunda for-
moralidade, quer como fundamento do direito. Para
mulação, a fórmula da humanidade como fim. Se-
ele, uma constituição justa visa harmonizar a liberdade
gundo esta formulação do imperativo categórico,
individual de cada um com a de todos os outros. Uma
não podemos basear a lei moral em quaisquer inte-
vez que as pessoas têm opiniões diferentes sobre o fim
resses, objectivos ou fins particulares, porque então
empírico da felicidade e em que é que este consiste, a
esta aplicar-se-ia apenas à pessoa a cujos fins perten-
utilidade não pode ser o fundamento da justiça e dos di-
cessem. Mas, supondo que haja alguma coisa cuja
reitos. Porquê? Porque basear os direitos na utilidade
existência em si mesma tenha um valor absoluto,
iria exigir que a sociedade ratificasse ou subscrevesse
como fim em si mesma, Nessa coisa, e somente
um conceito de felicidade em detrimento dos outros.
nela, é que estará o fundamento de um possível im-
Basear a constituição numa determinada concepção de
perativo categórico. Afirmo que o homem e, de uma
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12. felicidade (como a da maioria) imporia a algumas pes-
soas os valores de outras; não respeitaria o direito de
cada pessoa de prosseguir os seus fins. Ninguém me
pode obrigar a ser feliz segundo a sua concepção do
que é o bem-estar dos outros.
A segunda característica distintiva da teoria política de
Kant é o facto de ir buscar a justiça e os direitos a um
contrato social - mas um contrato social surpreenden-
te. os primeiros teóricos do contrato social afiurmavam
que o governo legítimo resulta de um contrato entre ho-
mens e mulheres que, num momento ou noutro, deci-
dem entre si os princípios que irão reger a sua vida co-
lectiva. Kant considera o contrato de maneira diferen-
te. Embora o governo legítimo se deva basear num con-
trato original, não devemos, de modo algum, partir do
princípio de que esse contrato... existe de facto, porque
tal não é possível. Kant defende que o contrato original
não é real, mas sim imaginário.
Kant não nos disse quais seriam os moldes deste contra-
to imaginário ou que princípios de justiça iria produzir.
Quase dois séculos depois, um filósofo político america-
no, John Rawls, tentaria responder a estas questões.
É este o autor que vamos estudar a seguir.
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