O documento discute vários modelos éticos na bioética, incluindo modelos baseados em: 1) consenso pragmático versus justificação racional; 2) descrição sociológica versus fundamentação objetiva de valores; 3) autonomia individual versus responsabilidade social. Conclui que uma sociedade requer valores fundamentados racionalmente para manter a coesão social.
1. Os modelos de bioética
Modelos éticos de referência????
Teorias sobre a fundação do juízo ético????
Há no campo bioético uma pluralidade de
antropologias referentes e de teorias sobre a
fundação do juízo ético.
Há toda uma discussão sobre quais valores e
os princípios sob os quais devemos fundar os
nossos juízos éticos.
Duas posições vem sendo tomadas: uma que
trabalha a fundação baseada numa espécie de
consenso pragmático, flexível, segundo as
circunstâncias.
E outra, que pede uma verdadeira justificação,
exigindo uma demonstração da razão última
pelo qual um ato moral deve ser julgado bom
2. A segunda posição é a de cunho metaético, a
que deseja uma justificação fundadora e
racional dos valores, das normas e dos
princípios bioéticos.
É sobre a metaética que se constrói a
metabioética.
Modelo Cognitivista e naõ-cognitivista: a
lei de Hume.
A lei de Hume – separa cognitivistas e não-
cognitivistas.
A lei deriva de uma observação contida na
obra Tratado da natureza humana de Hume e
retomada pela filosofia analítica, com Moore,
que a definiu falácia naturalista.
3. Afirma essa lei, que existe um grande
desacordo entre o âmbito dos fatos
naturais e o dos valores morais: os fatos
são cognoscíveis e podem ser descritos
com o verbo no indicativo e
demonstrados cientificamente, enquanto
os valores e as normas morais são
simplesmente pressupostos e dão lugar
a juízos prescritivos indemonstráveis.
Entre o ser (fatos observáveis) e o
dever ser não existiria nenhuma ligação.
4. Os não-cognitivistas julgam que os
valores não podem ser objeto de
conhecimento e de afirmações
qualificáveis como verdadeiras ou
falsas.
Ao contrário, os cognitivistas procuram
uma fundamentação racional e objetiva
para os valores e para as normas
morais.
Justificar a ética, e portanto, a bioética,
quer dizer discutir em primeiro lugar a
possibilidade de superar a grande
divisão ou falácia naturalista.
5. Todo problema da falácia está no significado
que se confere à palavra ser, que indica a
fatualidade conhecível.
Se por ser se entende a mera fatualidade
empírica, a lei de Hume se justifica.
Por ex. pelo fato de muitos homens roubarem
e matarem, não se pode com certeza concluir
que furto e homicídio sejam moralmente
lícitos, e, se quisermos demonstrar que
representam atos ilícitos, deveremos recorrer
a um critério que não seja simplesmente uma
pesquisa dos fatos.
Mas a idéia de ser subjacente aos fatos pode
ser entendida de modo não simplesmente
empírico, mas mais profundo e compreensivo,
como, por ex. essência ou natureza, ou seja,
em sentido metafísico.
6. Nesse sentido o dever ser pode encontrar um
fundamento no ser, naquele ser que todo sujeito
consciente é chamado a realizar.
Assim, o termo homens pode ser entendido em
sentido empírico (nesse caso a expressão indica
os indivíduos que roubam e os que não roubam,
os que matam e os que não matam) , mas pode-
se pensar também na essência ou natureza
humana própria da pessoa racional ou na
dignidade do homem e, então, pode e se deve –
encontrar uma fundação racional pela qual entre
quem rouba e quem não rouba possa ser
estabelecida uma diferença no plano moral.
7. Mas essa observação que julgamos
simples, pressupõe a instância
metafísica, a necessidade e a
capacidade de nossa mente de ir além
do fato empírico e de captar em
profundidade a razão de ser das coisas
e a verdade dos comportamentos, sua
conformidade com a dignidade da
pessoa.
8. É complexo, mas devemos buscar a
fundação racional dos valores.
É necessário chegar a um fundamento
de verdade para a ação moral e para
os valores.
Uma sociedade sem valores não pode
subsistir, mas se esses valores forem
apenas opiniões, não construirão
nenhum vínculo social.
Isto porque, a ética sem verdade
representa um copo vazio diante de
alguém que morre de sede.
9. Não é fácil reconhecer nas situações
concretas a adesão à norma do bem e
da verdade de um comportamento,
mas é essa a tarefa da razão prática.
Por isso, afirma Maritain, o
conhecimento da norma moral é um
tipo de conhecimento análogo a outras
formas de conhecimento, como a
matemática e a história, mas se trata
sempre de um conhecimento que deve
ser aplicado as outras áreas do saber.
10. Ética descritiva e modelo sociobiológico:
Uma primeira tentativa de dar fundamento à
norma ética com base nos fatos e com
consequência de relativizar valores e normas é
representada pela orientação sociológica-
historicista: trata-se de uma proposta ética
puramente descritiva.
Segundo a teoria, a sociedade em evolução
produz e altera valores e normas que são
funcionais em seu desenvolvimento, assim
como os seres vivos se desenvolveram, em sua
evolução biológica.
11. A teoria evolucionista de Darwin acaba
se harmonizando com o sociologismo de
Weber.
Da mesma forma a antropologia cultural,
quando afirma que assim como a vida
está sujeita à evolução, a sociedade
evolui, portanto os valores morais tb
evoluem. A moral seria expressão
cultural.
A ética nessa visão exerce o papel e tem
a função de manter o equilíbrio evolutivo,
o equilíbrio da mutação, da adaptação e
do ecossistema.
12. É óbvio que entre natureza e cultura há uma
conexão íntima e o limite é às vezes difícil de
ser estabelecido, mas para esses pensadores a
natureza se resolve na cultura e vice-versa. A
cultura não é outra coisa que a elaboração
transcritiva da evolução da natureza.
Aceitar esse modelo seria reduzir o homem a
um momento historicista e naturalista do
cosmo.
Essa visão traz consigo o relativismo de toda
ética e valor humano.
É uma ideologia heraclítica, não se reconhece
nenhuma unidade estável e nenhuma
universalidade de valores.
13. À luz desse modelo são avaliados como
mecanismos necessários à evolução e ao
progresso da espécie humana os da
adaptação e seleção.
A adaptação ao ambiente e ao ecossistema e
a seleção das qualidades mais idôneas ao
progresso da espécie levam a justificar o
eugenismo, tanto negativo como positivo.
Agora que a humanidade atingiu a capacidade
de dominar cientificamente os mecanismos
da evolução e da seleção biológica por meio
da engenharia genética, justifica-se, segundo
os seguidores dessa teoria , a engenharia
genética seletiva, para animais e homens.
14. O modelo subjetivista ou liberal-radical:
Correntes de pensamentos – confluência no
subjetivismo moral: neo-iluminismo, o
liberalismo ético, o existencialismo
niilista, o cientismo neopositivista, o
emotivismo, o decisionismo.
A principal tese é que a moral não se pode
fundar nem sobre os fatos nem sobre os
valores objetivos ou transcendentais, mas
apenas sobre a escolha autônoma do sujeito.
Parte-se do não–cognotivismo, da não –
cognoscibilidade dos valores.
A autonomia passa a ter preponderância.
O único fundamento do agir moral é a escolha
autônoma, e o horizonte ético-social é
representado pelo compromisso com a
liberalização da sociedade.
15. O único limite é o da liberdade do outro
(a de quem está capacitado de se valer
da liberdade).
A liberdade é o único ponto de referência.
Daqui nasce os argumentos para:
liberalização do aborto, escolha do sexo
para quem vai nascer, para quem quer
mudar de sexo, para a fecundação
extracorpórea, de experimentação e
pesquisa, momento da morte (suicídio
como sinal de liberdade).
16. É uma liberdade sem responsabilidade.
Marcuse fala em três liberdades novas para
levar a cumprimento os projetos da Revolução
Francesa e da Revolução Russa, que ao seu ver
tiveram em mira apenas a liberdade civil e a
liberdade da necessidade.
As novas fronteiras da liberdade seriam:
liberdade do trabalho (o trabalho torna escravo
a atividade humana); a liberdade da família ( a
família tornaria escrava a afetividade do
homem) e a liberdade da ética ( esta
estabeleceria limites à mente do homem e os
limites reprimiriam a própria liberdade de
escolha). Falava do amor livre e polimorfo em
sua obra Eros e Civilização.
17. A liberdade aqui aparece como um jogo
trágico – um niilismo, nada supõe antes
da liberdade e dentro da liberdade.
Na verdade todo ato livre supõe a vida, é
o existente do homem que realiza a
liberdade. A vida existe antes da
liberdade.
A liberdade tem um conteúdo.
A liberdade supõe o ser e o existir.
Quando a liberdade se põe contra a vida,
destrói a si mesma. Quando nega a
responsabilidade da escolha, reduz-se a
uma força cega e arrisca o jogo consigo
mesma, o suicídio.
18. Falamos aqui da responsabilidade que
nasce dentro da liberdade e é
sustentada pela razão, que avalia os
meios e os fins para um projeto
livremente perseguido.
Os protagonistas do subjetivismo ético
estão diante da dificuldade de não
conseguirem estabelecer uma norma
social.
19. Modelo pragmático-utilitarista
O princípio básico é o do cálculo das
conseqüências da ação na base da
relação custo-benefício.
O velho utilitarismo que remonta ao
empirismo de Hume que reduzia o
cálculo dos custos benefícios à avaliação
agradável-desagradável de cada sujeito.
O neo-utilitarismo se inspira em
Bentham e Mill e resume-se no tríplice
mandamento: maximizar o prazer,
minimizar a dor e ampliar as esferas da
liberdade pessoais para o maior número
20. É sobre esses parâmetros que se elabora o
conceito de qualidade de vida (quality of life).
A qualidade de vida é avaliada justamente em
relação à minimização da dor e muitas vezes dos
custos econômicos.
21. Fórmulas inventadas para cada categoria de
paciente – neonato malformado, doentes com
tumor – comparando fatores não-homogêneos
(saúde – produtividade, terapia e
disponibilidade de fundos) acabam decretando
a rejeição das terapias ou assistência em
nome da não–produtividade das despesas ou
de um conceito de qualidade de vida baseado
simplesmente na avaliação de fatores
biológicos e econômicos.
22. Nesse terreno da procura da felicidade e da
qualidade de vida, chega-se com alguns autores, á
redução da categoria de pessoa à de ser senciente,
enquanto este é capaz de sentir dor e prazer.
As conseqüências disso: 1. a não – consideração
dos direitos dos insensíveis; 2. justificação da
eliminação de indivíduos sencientes para os quais
os sofrimentos ultrapassa (ou é previsível que
ultrapasse) o prazer ou de indivíduos que
provocam nos outros quantitativamente mais dor
que alegria (os deficientes, os fetos malformados).
23. A justificação de intervenções mesmo
supresivas na vida humana, com a única
condição de evitar o sofrimento (licitude
do aborto, mesmo em estágios avançado
de gestação).
Se de um lado o utilitarismo exclui do
respeito alguns seres humanos, do outro
lado, paradoxalmente chega ao
nivelamento de animais e seres
humanos na base da capacidade de
sentir, de perceber o prazer e a dor.
24. MODELO CONTRATUALISTA
O contratualismo também é firmado no
critério do acordo intersubjetivo
estipulado pela comunidade ética, por
todos que têm a capacidade a faculdade
de decidir (Engelhardt).
O consenso social da comunidade ética
justifica para esse pensador o
preterimento de todos que não fazem
ainda parte da comunidade ( embrião,
fetos e crianças), cujos direitos
dependeriam portanto dos adultos, por
esses não serem considerados pessoas.
25. TEORIA DO DISCURSO
A teoria da comunicação ( Apel e Habermas),
coloca na base do consenso social a
comunicação.
Parte-se da idéia que alguns valores estão
embutidos na comunicação: verdade, respeito
pela opinião outro, respeito pela liberdade, mas
só são valores prévios e preparatórios para a
fundação de uma norma.
O princípio fundamental estabelecido por essas
correntes, é que: as normas a serem
justificadas devem ser capazes de obter o
consenso em todas as suas conseqüências
previsíveis para todos os interessados, corre-se
o risco de subordinar a validade da norma ao
consenso e de não poder determinar quem são
26. Uma orientação que pode incluída dentro
da ética pública é o principialismo
(Beauchamp e Childress).
Os conhecidos princípios: benefício, não
malefício, autonomia e justiça), tem a
necessidade de uma fundamentação.
Resta definir o que é ou não o bem para
o paciente.
A hierarquia entre os princípios –
autonomia e benefício.
A clareza da deontologia prima facie.
27. O modelo Personalista
Três formas de personalismo
O personalismo relacional. No
personalismo relacional-comunicativo
ressalta-se sobretudo o valor da
subjetividade e da relação intersubjetiva
(Habermas e Apel)
O personalismo hermenêutico. Sublinha-
se o papel da consciência subjetiva ao
interpretar (Gadamer).
28. O personalismo ontológico. No
significado ontológico, sem negar a
relevância da subjetividade relacional e
da consciência, deseja-se sublinhar que,
como fundamento da própria
subjetividade, está a existência de uma
essência constituída na unidade corpo-
espírito.
A pessoa é entendida como define
Boécio: rationalis naturae individua
substantia. No homem, a personalidade
subsiste na individualidade constituída
por um corpo animado e estruturado por
um espírito.
29. É o único ser vivo que tem a capacidade
de captar e descobrir o sentido das
coisas, e dar sentido às suas expressões
e à sua linguagem consciente.
Razão, liberdade e consciência
representam, para nos expressarmos
como Popper, uma criação emergente,
irredutível ao fluxo das leis cósmicas e
evolucionistas.
Isso por causa de uma alma espiritual
que informa e dá vida à realidade
corpórea.
30. O eu é irredutível a cifras, números,
átomos, células e neurônios.
A pessoa humana é uma unidade, um
todo, e não uma parte de um todo.
A própria sociedade tem como
referência e pessoa humana: a pessoa é
o fim e a fonte da sociedade.
31. Mesmo na reflexão laica, a pessoa é
apresentada sempre como fim, nunca
como meio.
O personalismo, aqui, não deve ser
confundido com o individualismo
subjetivista, concepção na qual se
sublinha como constitutiva da pessoa
quase exclusivamente a capacidade de
autodecisão e de escolha.
O personalismo clássico, de tipo realista
e tomista, sem negar esse componente
existencial, ou capacidade de escolha,
quer afirmar também e prioritariamente,
a existência de um estatuto objetivo e
existencial (ontológico) da pessoa.
32. A pessoa é antes de tudo um corpo
espiritualizado, um espírito encarnado, que vale
por aquilo que é, e não somente pelas escolhas
que faz.
Em toda escolha, a pessoa empenha aquilo que
é, a sua existência, sua essência, o seu corpo e
o seu espírito.
Em toda escolha existe não apenas o exercício
da escolha, a faculdade de escolher, mas
também o contexto da escolha: um fim, os
meios e valores.
33. O personalismo realista vê na pessoa uma
unidade, a unitotalidade de corpo e espírito,
que representa o seu valor objetivo, pelo qual
a subjetividade se responsabiliza.
O aspecto subjetivo e o aspecto objetivo
da pessoa se exigem e se implicam numa
ética personalista.
O valor ético de um ato deverá ser
considerado sob o perfil subjetivo da
intencionalidade, mas deverá também ser
considerado em seu conteúdo objetivo e
nas conseqüências.