O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente um recurso do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e declarou inconstitucionais três artigos de leis municipais de Joinville que autorizavam a prorrogação de concessões do transporte coletivo de passageiros sem a precedência de processo licitatório.
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Are 1216116
1. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.216.116 SANTA CATARINA
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
RECTE.(S) :MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SANTA CATARINA
RECDO.(A/S) :MUNICÍPIO DE JOINVILLE
ADV.(A/S) :PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE
JOINVILLE
DECISÃO
Trata-se de Agravo em Recurso Extraordinário interposto em face de
acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Na origem, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou
Ação Direta de Inconstitucionalidade em face dos artigos 9º e 10 da Lei
3.806, de 16 de outubro de 1998 e do artigo 15 da Lei 3.877, de 21 de
dezembro de 1998, ambas do Município de Joinville, por ofensa aos arts.
135, § 4º; 137, § 1º, da Constituição Estadual; e ao art. 30 do ADCT.
Eis o teor das normas impugnadas:
“LEI 3.806/1998 (dispõe sobre o sistema de transporte
coletivo de passageiros no Município de Joinville)
(...)
Art. 9º. O prazo de delegação para exploração dos serviços
regulares será de 15 (quinze anos), podendo ser prorrogado
pelo Executivo Municipal caso a permissionária qualificada ou
a concessionária tenha cumprido as suas obrigações, venha
prestado serviços adequado e exerça o direto de opção com
antecedência mínima de 06 (seis) meses da fluência do prazo
previsto no contrato.
Art. 10. O Poder Executivo poderá também, a qualquer
tempo, por conveniência ou oportunidade, através de
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2. ARE 1216116 / SC
autorização legislativa, prorrogar o contrato de concessão ou
oportunidade, através de autorização legislativa, prorrogar o
contrato de concessão ou o termo de permissão em decorrência
de investimentos planejados e prestes a serem executados pelas
permissionárias ou concessionárias em material rodante,
equipamentos, instalações, obras civis ou de infraestrutura do
sistema, visando a ampliação ou a modernização do seu
serviço.”
“LEI 3.877/1998 (dispõe sobre o programa e modernização
e reaparelhamento do transporte coletivo urbano do Município
de Joinville)
(...)
Art. 15. Fica o Poder Executivo autorizado, nos termos do
disposto no art. 9º, combinado com o art. 10, da Lei nº 3806/98, a
prorrogar, pelo prazo de 15 (quinze) anos, as concessões e
permissões que estiverem em plena atividade, preservadas as
respectivas linhas e áreas de operação praticadas nesta data.
§1º – Nos termos do disposto no caput deste artigo e em
consequência da vinculação dos instrumentos em vigor ao
Programa de Modernização e Reaparelhamento do Sistema de
Transporte Coletivo Urbano de Joinville, com implantação da
passagem única, fica o Poder Executivo autorizado a celebrar os
respectivos contratos, na forma de concessão.
§2º – Aos contratos de concessão fica assegurado o direito
de opção, nos termos do art. 9º, da Lei nº 3806/98”.
O Órgão Especial do Tribunal de origem julgou improcedente a
ação nos termos da seguinte ementa (fl. 33, Vol. 16):
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ALTERAÇÃO DE UM DOS PARADIGMAS DE CONTROLE
DE CONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS
QUESTIONADOS. PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA.
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INOCORRÊNCIA. ARTS. 9º E 10 DA LEI N 3806/1998 E ART. 15
DA LEI 3877/1998, AMBAS DO MUNICÍPIO DE JOINVILLE.
TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. PRORROGAÇÃO DE
CONTRATOS PELO PRAZO DE QUINZE (15) ANOS.
ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL (ART. 112, INCISOS I E V,
DA CE; ART. 30, INCISOS I E V DA CF). OFENSA AOS ARTS.
135, §3º, 137, §1º DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E AO ART.
30 DE SEU ADCT. INEXISTÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO.
“A alteração substancial do parâmetro constitucional
utilizado para aferição da alegada inconstitucionalidade não
conduz, automaticamente, ao prejuízo da ação direta”. (STF –
ADI nº 4696/df, Rel. Ministro Edson Fachin).
2. A Constituição Estadual, em seu art. 135, §4º,
estabeleceu apenas linhas gerais a respeito da livre
concorrência. Lei municipal que mediante condições prorroga
contrato de concessão para a exploração do serviço de
transporte coletivo não tem o condão de, por si só, violar essa
norma constitucional de natureza eminentemente
programática.
3. Não há igualmente colidência com o disposto no art.
137, §1º, e art. 30 do ADCT, da Carta Estadual, pois estes
dispositivos tratam de regramento a ser observado no âmbito
do Estado, já que com relação aos Municípios a matéria está
regulada no art. 30, inc. V, da Constituição Federal. (TJSC – ADI
n] 2005.014085-9, de Navegantes, Rel. Designado Des. Luiz
Cézar Medeiros)”.
No Recurso Extraordinário, interposto com amparo no artigo 102, III,
“a”, da CF/1988, o Parquet alega violação aos artigos 30, I e V; 125, § 2º,
173, § 4º, e 175, caput, da Constituição da República, reproduzidos pelos
arts. 83, XI, “f”; 112, I e V; 135, § 5º, e 137, § 1º, da Constituição do Estado
de Santa Catarina. Em síntese, defende a necessidade de licitação como
pressuposto de validade dos contratos administrativos, pois:
(a) a autonomia legislativa dos municípios não pode ser tão
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abrangente a ponto de cancelar a exigência de licitação para a outorga de
serviço público essencial;
(b) embora possam ser feitas ressalvas ao mandamento
constitucional a bem do interesse coletivo e do princípio da continuidade
dos serviços públicos, “a hipótese sob análise, contudo, não pode ser
compreendida no marco de tais situações excepcionalíssimas, visto que
concessões vigentes podem ter sua outorga prorrogada, sem licitação, por
longos 15 (quinze) anos” (fl. 71, Vol. 16).
Em contrarrazões, o Município de Joinville alega, em suma, que: (a)
“antes do advento da Constituição de 1988, não havia a necessidade de
licitação para os casos de permissão condicionada” (fl. 88, Vol. 16); (b) “no
ano de 1973, momento em que foi outorgada a permissão original à
concessionária, a legislação vigente obrigava a realização de licitação
somente para os casos de concessão de serviço público”, não havendo
qualquer exigência para outorga de permissão (fl. 88, Vol. 16); e (c) “a
legislação municipal apenas estabelece uma ressalva ao dever de licitar
que é autorizada expressamente pelo art. 37, XXI, da Constituição
Federal, pelo art. 17 da Constituição do Estado e pelo art. 99 da Lei
Orgânica do Município de Joinville” (fl. 93, Vol. 16).
O Tribunal de origem negou seguimento ao Recurso Extraordinário
aos fundamentos de que o acórdão recorrido está em conformidade com a
jurisprudência dominante nesta CORTE, bem como pela incidência da
Súmula 280 do STF.
No Agravo, a parte agravante refutou todos os fundamentos da
decisão de inadmissibilidade.
É o relatório. Decido.
No caso, insurge-se o recorrente contra leis municipais que
autorizam a prorrogação de contratos de concessão de transporte público
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5. ARE 1216116 / SC
sem prévio procedimento licitatório.
Em que pesem os argumentos do acórdão recorrido, verifico que
assiste razão ao recorrente.
Nas palavras do professor JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FIHO,
os contratos de concessão não fogem à regra que a Constituição traçou sobre a
exigibilidade de licitação para as contratações (art. 37, XXI). Ao contrário, no
art. 175 deixou assentada, de forma induvidosa, a exigibilidade do procedimento
seletivo, e, para tanto, empregou a expressão “sempre através de licitação”.
(Manual de direito administrativo, 23ª ed., 2009, p. 407).
Seguindo essa linha, a jurisprudência desta CORTE fixou-se no
sentido de que normas municipais que autorizam a prorrogação de
contratos de concessão de transporte público sem prévia licitação são
eivadas de inconstitucionalidade, por violação ao artigo 175, caput, da
Magna Carta. Vejam-se, a propósito, os seguintes precedentes:
“Agravo regimental nos embargos de declaração no
recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo.
Prequestionamento. Ausência. Indeferimento de diligência
probatória. Inexistência de repercussão geral. Concessão de
transporte público. Prorrogação do contrato sem licitação.
Impossibilidade. Precedentes. 1. É inadmissível o recurso
extraordinário se o dispositivo constitucional que nele se alega
violado não está devidamente prequestionado. Incidência das
Súmulas nºs 282 e 356/STF. 2. O Plenário da Corte, no exame do
ARE nº 639.228/RJ, Relator o Ministro Cezar Peluso, Tema 424,
concluiu pela ausência de repercussão geral do tema relativo à
suposta violação dos princípios do contraditório e da ampla
defesa nos casos de indeferimento de produção de provas no
âmbito de processo judicial, dado o caráter infraconstitucional
da matéria. 3. É pacífica a orientação do Supremo Tribunal
Federal de que, nos termos do art. 175, caput, da Constituição
Federal, é imprescindível prévia licitação para a concessão ou
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a permissão da exploração de serviços públicos. Destarte, são
inconstitucionais as prorrogações de concessão e de permissão
que vão de encontro à referida premissa, inclusive as de
contratos formalizados antes de 5 de outubro de 1988. 4.
Agravo regimental não provido. 5. Majoração da verba
honorária em valor equivalente a 10% (dez por cento) do total
daquela já fixada (art. 85, §§ 2º, 3º e 11, do CPC), observada a
eventual concessão do benefício da gratuidade da justiça”.
(ARE 869.007 ED-AgR / DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda
Turma, DJe de 26/5/2017) (grifo nosso)
“CONCESSÃO – TRANSPORTE INTERMUNICIPAL –
PRORROGAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE –LICITAÇÃO. O
artigo 175 da Carta de República, ao preconizar o procedimento
licitatório como requisito à concessão de serviços públicos,
possui normatividade suficiente para invalidar a prorrogação
de contratos dessa natureza, formalizados antes de 5 de
outubro de 1988.” (RE 603.530-AgR, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 24/9/2013)
“Agravo regimental em segundos embargos de declaração
em recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. 3.
Concessão de serviço público. Transporte. Necessidade de
prévia licitação. 4. Exame da legalidade de atos administrativos.
Necessidade de reexame do acervo probatório. Súmulas 279 e
280 do STF. Inexistência de afronta ao princípio de violação dos
poderes. 5 Violação à reserva de plenário. Interpretação da lei
ao caso concreto. Inexistência de ofensa ao art. 97 ou à Sumula
Vinculante 10, desta Corte. Precedentes. 6. Ausência de
argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 7. Agravo
regimental desprovido”. (RE 1073762 ED-ED-AgR/SC, Rel.
GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe. 28/02/2019)
No mesmo sentido, vejam-se, ainda, as seguintes decisões
monocráticas: ARE 1.187.970/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 21/2/2019;
RE 640.684/MG, de minha relatoria, DJe de 13/8/2018; ARE 1.109.773/RJ,
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7. ARE 1216116 / SC
Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 2/4/2018; e ARE 1.118.647/RJ, Rel. Min.
GILMAR MENDES, DJe de 5/6/2018.
O acórdão divergiu desse entendimento, devendo, portanto, ser
reformado.
Diante do exposto, com base no art. 21, §§ 1º e 2º, do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, CONHEÇO DO AGRAVO PARA,
DESDE LOGO, DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
para JULGAR PROCEDENTES os pedidos iniciais, declarando a
inconstitucionalidade dos artigos 9º e 10 da Lei 3.806, de 16 de outubro de
1998, e do artigo 15 da Lei 3.877, de 21 de dezembro de 1998, ambas do
Município de Joinville.
Publique-se.
Brasília, 9 de julho de 2019.
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Relator
Documento assinado digitalmente
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