O documento discute as ideias de Vygotsky sobre o papel fundamental do jogo/brincadeira no desenvolvimento e aprendizagem da criança. Embora Vygotsky tenha falecido antes dos videogames existirem, ele defendia que o jogo cria uma "zona de desenvolvimento proximal" e ensina a criança a separar ação e significado. O documento também reflete sobre como Vygotsky poderia ver os videogames atualmente e a importância de estudá-los sob uma perspectiva sociocultural.
1. Vygotsky e o jogo
By Raquel Salcedo Gomes
NUCOGS - UFRGS
16/06/2014
2. Vygotsky faleceu em 11 de junho de
1934, antes da primeira menção a
qualquer videogame, que data de 1947
(Goldsmith e Mann)
No entanto, ele foi pioneiro em
defender a noção de jogar/brincar
(play, игра) como fundamental ao
desenvolvimento e à aprendizagem
(Baker, Beeler, Craft)
3. The role of play (1930)
play pleasure=
play satisfaz as
necessidades infantis
necessidades
infantis
tudo o que é motivo
para ação (maturação das
necessidades)
play se inicia quando a criança começa a
experimentar tendências irrealizáveis
(idade pré-escolar)
Para resolver essa
tensão, a criança entra em um mundo
imaginário, em que os desejos irrealizáveis
podem ser realizados, e esse mundo é o que
chamamos de play. (p. 93)
4. A imaginação é um novo processo
psicológico para a criança em idade
pré-escolar; ela não está presente na
consciência da criança muito jovem,
está totalmente ausente em animais, e
representa uma forma especificamente
humana de atividade consciente. Como
todas as funções da consciência, ela
surge originalmente da ação. (p. 94)
5. situação imaginária característica definidora
do jogo/brincadeira
(p. 94-95)
1) PLAY não é apenas uma atividade simbólica como
álgebra, um sistema de signos que generaliza a
realidade, por isso é essencial demonstrar o
papel da motivação nela.
2) Além da motivação, as circunstâncias.
3) É fundamental compreender seu papel no
desenvolvimento posterior.
Crítica a pesquisas anteriores:
6. não existe play sem regras
Diferença entre game e play (p. 95):
Play: regras formuladas durante a ação
Game: regras pré-negociadas
Sisters playing sisters
Regras e situação imaginária
sempre
7. A mudança dos jogos com uma situação
imaginária explícita e regras implícitas
para jogos com regras explícitas e uma
situação imaginária implícita descreve a
evolução da bricandeira/jogo infantil.
O mais simples jogo com regras implica em
uma situação imaginária porque, visto que o
jogo é regulamentado por certas regras,
possibilidades de ação são descartadas ou
assumidas - exemplo do xadrez
1) Situação imaginária + regras
2) Regras + situação imaginária
8. Ação e significado no play
A influência do jogo no desenvolvimento
infantil é enorme.
Restrições situacionais (Lewin) - união de
motivos e percepção.
Na primeira infância, a percepção é um recurso
integrado de uma reação motora. Toda percepção
é um estímulo à atividade. Visto que uma
situação é comunicada psicologicamente através
da percepção, e esta não é separada da
atividade motivacional e motora, é
compreensível que a criança seja limitada pela
situação em que se encontra.
9. Mas... no jogo, as coisas perdem a sua força
determinante. A criança vê uma coisa, mas age
de forma diferente em relação ao que vê.
A ação em uma situação imaginária ensina a
criança a orientar seu comportamento não só
pela percepção imediata de objetos ou pela
situação que afeta de imediato a sua, mas
também pelo significado dessa situação.
No jogo, o pensamento é separado dos objetos
e a ação surge das ideias e não de coisas: um
pedaço de madeira começa a ser uma boneca e
uma vara torna-se um cavalo. A ação de acordo
com regras começa a ser determinada pelas
ideias e não pelos objetos em si mesmos.
10. Play fornece um estágio de transição
nessa direção sempre que um objeto (por
exemplo, um pedaço de pau) torna-se um
pivot (eixo, ponto de mudança) para
distinguir o significado de cavalo de um
cavalo real.
Estrutura da
percepção humana
razão:
objeto/significado
pivot
(eixo de mudança)
razão:
significado/objeto
11. A criança no jogo opera com significados separados
de seus objetos e ações habituais; no entanto, uma
contradição muito interessante surge na qual ela
combina ações reais e objetos reais. Isso
caracteriza a natureza transitória do jogo; é um
estágio entre as restrições puramente situacionais
da primeira infância e o pensamento adulto, que
pode ser totalmente livre de situações reais.
Em um jogo, a criança espontaneamente faz uso de
sua capacidade de separar significado de um objeto
sem saber que está fazendo isso, assim como não
sabe que está falando em prosa, mas fala sem
prestar atenção às palavras. Assim, através do
jogo a criança atinge uma definição funcional de
conceitos ou objetos, e as palavras se tornam
partes de uma coisa.
12. A criação de uma situação imaginária não é
um fato fortuito na vida de uma criança, mas
sim a primeira manifestação da emancipação
da criança a partir de restrições
situacionais.
Play continuamente cria demandas sobre a
criança a agir contra seu impulso imediato.
A cada passo a criança se depara com um
conflito entre as regras do jogo e o que ela
faria se pudesse, de repente, agir
espontaneamente.
13. Assim, o atributo essencial do jogo é ser uma regra que
tornou-se um desejo. As noções de Spinoza de "uma ideia
que se tornou um desejo, um conceito que se transformou
em paixão" encontra seu protótipo no jogo, que é o
reino da espontaneidade e liberdade. Levar a cabo a
regra é uma fonte de prazer. A regra ganha porque é o
impulso mais forte. Tal regra é uma regra interna, uma
regra de auto-contenção e auto-determinação, como
Piaget diz, e não uma regra que a criança obedece como
uma lei física. Em suma, o jogo dá à criança uma nova
forma de desejos. Ele a ensina a desejar, relacionando
seus desejos a um "eu" fictício, ao seu papel no jogo e
suas regras. Desta forma, são possíveis maiores
conquistas de uma criança no jogo, conquistas que
amanhã se tornarão seu nível básico de ação real e
moralidade. (p. 100-101)
14. Separando ação e significado
Como tivemos a razão objeto/significado, temos
também a razão ação/significado. A ação domina no
início do desenvolvimento, mas esta estrutura é
invertida: o significado torna-se o numerador,
enquanto a ação toma o lugar do denominador.
A criança, em desejando, realiza seu desejo. No
pensamento, ela age. As ações interna e externa são
inseparáveis: a imaginação e a interpretação são os
processos internos realizados pela ação externa. O
que foi dito sobre distinguir significados de
objetos se aplica igualmente bem a ações da própria
criança. Uma criança que se senta no chão e se
imagina cavalgando um cavalo inverteu a razão ação/
significado pela razão significado/ação.
15. Perguntas finais do autor
Como o jogo se relacionam com o
desenvolvimento? O jogo cria uma zona de
desenvolvimento proximal da criança. Em
um jogo, a criança sempre se comporta
além de sua idade média, acima de seu
comportamento diário; no jogo é como se
fosse uma maior do que ela mesma.
16. Como o jogo muda? A criança começa com uma
situação imaginária que é muito próxima da
real. O jogo é mais memória em ação do que uma
situação imaginária nova. Conforme o jogo se
desenvolve, vemos um movimento em direção à
realização consciente de seu propósito. No
final do desenvolvimento do jogar, as regras
surgem, e quanto mais rígidas forem, maiores as
exigências de esforço da criança, maior a
regulação de sua atividade, mais tenso e agudo
o jogo se torna.
17. Do ponto de vista do desenvolvimento, criar uma
situação imaginária pode ser considerado como um
meio de desenvolvimento do pensamento abstrato.
O desenvolvimento correspondente de regras
conduz a ações, de modo de que a divisão entre o
trabalho e o jogo torna-se possível, uma divisão
encontrada na idade escolar como um fato
fundamental. O jogo não desaparece, mas permeia
a atitude em relação à realidade. Ele tem sua
própria continuação interior na instrução
escolar e no trabalho (atividade compulsória
baseada em regras). É a essência do jogo que
cria uma nova relação entre o campo do
significado e o campo visual, entre situações no
pensamento e situações reais.
18. Referências
Baker, Gabriel J. Lev Vygotsky and John Dewey: Video Gamers From
Days Past? At: http://whereoldmeetsnew.wordpress.com/2014/06/05/lev-
vygotsky-and-john-dewey-video-gamers-from-days-past/ (Blogpost, Phd
Student at USCB in Education)
Craft, Christopher. Video games in education – response to Dr. Scott
McLeod. At: http://www.crucialthought.com/tag/video-games-education-
gredler/ (Blogpost, Google Certified Teacher and Ph.D. in Educational
Psychology & Research, M.Ed in Educational Technology)
Beeler, Jeff. What would Vygotsky have thought of Play Station 4? At:
http://synaptogaming.com/2013/04/11/what-would-vygotsky-have-thought-of-
play-station-4/ (Blogpost, Research Associate Professor, DEPARTMENT OF
NEUROBIOLOGY, University of Chicago)
Vygotsky, Lev. The role of play in development. In: Mind and Society
Cambridge, MA: Harvard University Press, 1978.
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19. Visões contraditórias, e agora?
Vygotsky não menciona videogames
Mas realmente ele diz que o jogo/brincadeira
cria uma ZDP
E é fundamental ao desenvolvimento e à
aprendizagem
Linhas vygotskianas sobre a ZDP e o
andaimento
Conceitos de instrumento simbólico, artefatos
e mediação
Proeminência do social (antropológico) e do
societal (interacional)
20. Em uma perspectiva sociocultural, não
podem ser ignorados enquanto objetos de
estudo caros, na contemporaneidade, à
pesquisa em educação, desenvolvimento e
aprendizagem
Se Vygotsky não foi um videogame
lover, ele também não os
ignoraria