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in Rui Gomes (coord.) (2005). Os Lugares do Lazer. Lisboa: Instituto do
Desporto de Portugal.
ELÍSIO ESTANQUE
Centro de Estudos Sociais – Universidade de Coimbra
Lazer, desigualdades e transformação social*
Resumo
O presente texto desenvolve uma reflexão, essencialmente teórica, em torno da
temática do lazer e dos tempos livres, procurando inseri-la nas tendências mais
gerais de recomposição e mudança social. Começarei por discutir a questão do
lazer em articulação com as transformações em curso no mundo do trabalho,
sublinhando a complexidade crescente e a diluição de fronteiras entre os dois
campos. O problema da regulação e institucionalização, através da acção do
mercado e do Estado será outro tópico em análise, onde mostrarei a importância
do lazer e da cultura nos processos de enquadramento social e também
enquanto factores de dissidência e ruptura. Serão referidos os exemplos
históricos das ditaduras europeias do século XX para ilustrar o significado social e
político associado aos tempos livres destinados ao povo. Tratarei seguidamente a
questão das desigualdades e clivagens sociais em curso, tomando o campo do
lazer com dimensão principal nesses processos. Por fim, farei referência à
questão da classe e do status e ainda ao modo como é organizada a
estratificação das diferentes modalidades de ocupação dos tempos livres entre as
várias classes e camadas sociais.
1. Introdução
O “lazer” e o “ócio” constituem uma actividade da vida social durante
séculos circunscrita às classes dominantes e em particular à aristocracia.
Sebastian de Grazia entende o lazer, não como uma actividade social mas,
acima de tudo, como um “estado de alma”, uma capacidade transcendental,
contemplativa e criativa do espírito humano, própria do mundo dos pensadores,
artistas e músicos que se distinguem pela constante elevação da mente
(Grazia, 1962). Porém, se esta concepção clássica parece adequar-se ao
*
O presente texto reproduz, com algumas adaptações, uma parte já publicada pelo autor no
seu livro: Entre a Fábrica e a Comunidade: Subjectividades e práticas de classe no operariado
do calçado. Porto: Afrontamento, 2000.
2
estudo das “classes ociosas” (Veblen, 1970) das sociedades pré-industriais,
pode dizer-se que, com o triunfo da industrialização, o lazer sofreu profundas
alterações. A modernidade reorientou-o no sentido de uma actividade fugaz e
estreitamente ligada ao campo laboral. Importa neste caso captar o papel que
desempenharam as actividades de tempo livre dos assalariados industriais na
dinâmica cultural que acompanhou os processos de transformação social desde
o século XIX. E. P. Thompson (1987) e outros investigadores ingleses
chamaram a atenção para a importância das relações quotidianas da vida extra-
trabalho na afirmação de uma praxis cultural que se foi orientando para o
convívio de rua, para o pub, a taberna, o jogo e para um conjunto de formas de
diversão e entretenimento popular (Davies, 1992; Hobsbawm, 1984; Jones,
1989; Joyce, 1991). Como adiante irei referir, foi em boa medida devido às
potencialidades de rebeldia dessas atmosferas que os estados fascistas e
autoritários deram tanta atenção ao “controle recreativo” do operariado, a
mostrar o crescente impacto social da esfera dos tempos livres.
Todavia, apesar das constantes pressões para o enquadramento e
institucionalização das actividades e estilos de vida da classe trabalhadora, as
culturas populares têm dado provas de resistência à assimilação da ideologia
da classe média, comprovando que só em parte o capitalismo conseguiu
civilizar as ocupações de lazer do mundo operário. Com efeito, algumas
“vitórias” das classes populares no campo cultural e recreativo podem ser
assinaladas, nomeadamente quando certas práticas de lazer oriundas da
cultura popular dão entrada nos consumos das classes médias. É o caso da
taberna, do futebol e outros desportos e modalidades de jogo, que se
afastaram das ocupações típicas das elites aristocráticas – visto que nestas, as
actividades lúdicas eram bastante mais marcadas pelas dimensões de repouso,
de reflexão e de contemplação (Rojek, 1985; Rosenzweig, 1983).
É neste quadro que se torna necessário adoptar um entendimento menos
selectivo do conceito de “lazer” e orientá-lo para a análise das práticas de
tempo livre e modelos de consumo no seu conjunto, desde as actividades e
estilos de vida das elites às culturas populares, passando pelas classes médias
nos seus diferentes segmentos. Há quem aponte às actividades de lazer os
sinais positivos resultantes do processo geral de democratização da sociedade
3
e racionalização das suas instituições. O desporto, por exemplo, é referido por
Rojek como um exemplo de regulação, já que os espectáculos se tornaram
menos violentos e mais compensadoras e acessíveis. Segundo aquele autor, o
lazer deve ser encarado nas suas múltiplas componentes e significados sociais:
1) um fenómeno da vida adulta envolvendo formas miméticas onde a disciplina
e o controle são atenuados; 2) um campo marcado pela racionalidade dos
actores, conhecedores e qualificados; 3) uma dimensão regulada por regras de
legitimação, de prazer e de desprazer; 4) um processo em aberto, baseado na
combinação dos princípios de privatização, individualização, comercialização e
pacificação (Rojek, 1985:180).
2. Trabalho, cultura e lazer
Ao longo dos últimos duzentos anos, a classe trabalhadora manteve uma
relação ambígua com o processo de inovação técnica no campo industrial. Por
um lado, viu-o como fonte de potencial ameaça para os postos de trabalho, por
outro, as tecnologias não só permitiram a eliminação de algumas tarefas
laborais mais duras como favoreceram a expansão do movimento sindical até
um período recente. Corolário desta perspectiva ambivalente é o facto de, já na
segunda metade do século XX, o pessimismo que antevia cenários
ameaçadores em resultado da introdução de novas tecnologias1
ter sido
acompanhado de visões idílicas de um mundo feliz em que as tecnologias
substituiriam largamente o esforço físico do trabalhador, deixando espaço à
criatividade e ao lazer, e configurando o que Ivan Illich (1979) designou como o
direito ao desemprego criador. Ambos os cenários foram amplamente
idealizados no quadro das diferentes correntes ideológicas que influenciaram a
análise das questões laborais. Com efeito, a realidade histórica foi
progressivamente negando qualquer dessas idealizações acerca da técnica – a
positiva ou a negativa – pois os efeitos da evolução tecnológica sempre foram
eminentemente contraditórios.
Nas últimas décadas, várias teses têm surgido a sublinhar a perda de
centralidade ou mesmo o fim do trabalho, enquanto valor decisivo de
1
Basta lembrar o movimento Ludista na Inglaterra do século XIX ou as lutas do movimento
operário português na viragem do século XIX para o século XX, mas também muitas das lutas
sindicais desde o pós-guerra até aos anos 70.
4
estruturação da sociedade, em favor da dimensão do consumo e do lazer.
Prestigiados autores sustentam que se assiste a um desencantamento do
trabalho e à secundarização da esfera laboral em favor de dimensões
alternativas ao exercício da cidadania, como sejam, o espaço do
associativismo, do voluntariado e da chamada economia social, eleitas como
esferas primordiais de participação cívica e factores de coesão ou
transformação social. O trabalho perdeu significado enquanto principal símbolo
daquilo que somos, ou seja, como profissão ou estatuto, tornando-se cada vez
mais um bem escasso, fluído e difícil de perpetuar (Rifkin, 1997; Méda, 1999;
Beck, 2000).
Os atributos que antes conotavam o trabalho com criatividade e
autonomia, têm vindo a ser expulsos do espaço produtivo, mas isso não
corresponde a uma “libertação” do trabalhador ou a uma real expansão e
democractização do lazer à classe trabalhadora. A abertura de fronteiras e a
liberalização dos mercados à escala global reforçaram o poder da economia
financeira e fragmentaram o “trabalho”. Porém, a consequência principal de tal
processo foi o aumento da vulnerabilidade da classe trabalhadora a todos os
níveis e a correspondente perda de vitalidade do movimento sindical. Na
verdade, o trabalho permanece a principal via de subsistência, de preservação
da auto-estima e de busca de reconhecimento social (Gorz, 1999).
Parker e D’ Epiney definiram o lazer por referência ao campo do trabalho,
ou seja, o lazer é entendido como o “tempo livre das obrigações quer para si
próprio quer para outros – o tempo para realizar o prazer de cada um” (Parker,
1983: 10). Esta orientação, embora reflectindo a necessidade de resguardar a
esfera familiar e de lazer face ao campo laboral, anuncia ao mesmo tempo uma
clara interdependência entre os dois domínios. Mas é importante reconhecer
que nos tempos mais recentes se vem assistindo a uma crescente
autonomização do lazer e do tempo livre, que tende a criar a sua própria lógica
em relação ao trabalho (Goldthorpe, 1969; D’ Epiney, 1991: 170; Pronovost,
1998).
Muito embora continuem a surgir concepções diversas acerca da relação
trabalho/ lazer – umas que acentuam o lazer como compensação ou oposição
ao trabalho, outras que põem a tónica no prolongamento entre os dois campos;
5
umas pessimistas, que se centram na desumanização do trabalho e na
alienação, outras que salientam as vantagens do acréscimo de tempos livres,
proporcionado pelas novas tecnologias e modalidades flexíveis de trabalho;
umas sublinhando a mudança de valores e as suas consequências em ambas
as esferas, outras advogando a crescente ausência de relação entre elas. Pode
dizer-se, seguindo Pronovost (1998), que as tendências actuais se caracterizam
sobretudo pela diversidade de situações e pela mutação das orientações e
subjectividades face ao trabalho e ao lazer.
O problema da separação entre trabalho e lazer não se coaduna, como
atrás indiquei, com distinções simplistas. Diversas situações ambíguas têm sido
mencionadas por autores como de Certeau (1984) e du Gay (1996). Para o
primeiro, os procedimentos tácticos de consumo prendem-se com trajectórias
erráticas cuja lógica muitas vezes transgride as tradicionais demarcações entre
dimensões como o tempo e o espaço, ou entre trabalho, consumo e lazer. As
práticas de consumo podem insinuar-se nas mais diversas esferas, incluindo as
do trabalho, complexificando a separação entre trabalho e não-trabalho. M. de
Certeau também salienta a importância que certas técnicas de consumo tácito
assumem no próprio espaço produtivo. Podem dar-se exemplos como o da
secretária que escreve uma carta de amor durante as horas de serviço, ou do
operário que aproveita o tempo e os instrumentos de trabalho para fabricar um
objecto pessoal, tomando o tempo da empresa como o seu próprio tempo, ou
seja, estas ‘tácticas’ – que de Certeau ilustra com o exemplo da ‘peruca’ (La
perruque), para acentuar a ideia de ‘mascarada’ ou ‘farsa’ a que os indivíduos
se dedicam no quotidiano2
– não obedecem unicamente à lógica restrita do
trabalho, antes atravessam as suas habituais fronteiras de separação: “a linha
divisória entre trabalho e lazer deixa de ter lugar. Estas duas áreas de
actividade seguem juntas. Repetem-se e reforçam-se uma à outra” (de Certeau,
1984: 29).
É claro que o consumo se diferencia da racionalidade da produção, mas,
mais do que as divisões espaciais, é a percepção temporal que está em causa:
as linhas multiformes, fragmentárias e “erráticas” com que os consumidores
2
Estes aspectos foram, como se sabe, inicialmente tratados pelas correntes do interaccionismo
simbólico (Mead, 1934; Goffman, 1959).
6
traçam percursos insinuantes ou invisíveis mostram que, enquanto as
estratégias produtivas dependem da erosão do tempo através da imposição de
uma ideia de lugar ou espaço circunscrito, a dimensão das tácticas do
consumidor recusa o estabelecimento de um locus específico. O espaço da
táctica é o espaço do Outro (du Gay, 1996: 90), o que nos remete para a
questão da identidade. Ou seja, a ambiguidade que envolve a articulação entre
produção e consumo liga-se ao problema da identidade na medida em que do
cruzamento entre ambos emergem “semi-identidades relacionais”, envolvidas
em “relações instáveis de imbricação” (Laclau, 1990: 24).
No estudo por mim realizado numa empresa de calçado em S. João da
Madeira foi possível observar fenómenos semelhantes. No quotidiano produtivo
os operários desenvolvem todo um conjunto de jogos, mais ou menos
corrosivos do sistema disciplinar interno, onde se nota a importância dos “micro-
lazeres” e brincadeiras carregadas de sentido cultural e identitário. O
desgastante ritmo produtivo na linha de montagem como que suscitava uma
atitude de evasão mental que se assume como forma de escape a essa
pressão. Essa atitude transporta justamente um sentido de projecção e de fuga
psicológica que parece produzir um imaginário lúdico orientado para os tempos
livres que se oferece como compensação para a disciplina e dureza do
ambiente fabril. Isto ilustra bem a importância fundamental do lazer – mesmo se
apenas imaginado – enquanto negação do trabalho. Mas ao mesmo tempo
comprova o papel dessa construção subjectiva na coesão da colectividade
operária, ou seja, a simples invocação do espaço recreativo enquanto
representação social faz com que ele se repercuta e na reestruturação
identitária da colectividade (Estanque, 2000 e 2004).
A articulação entre estas duas esferas da vida social – trabalho/ lazer –
invoca ainda uma série de outras dimensões e linhas de abordagem: a diferente
orientação para as actividades de lazer consoante a evolução do ciclo de vida,
a flexibilidade de horários, a expansão e significado económico das indústrias
ligadas ao lazer. Apesar de não anularem as clássicas distinções entre
categorias e classes sociais em face das diferentes oportunidades e modelos
de lazer que se lhes oferecem, estes aspectos assumem-se como decisivos na
mudança de atitudes e de valores promovendo múltiplas e renovadas
7
diferenciações sociais através das actividades de lazer na sua relação com o
trabalho (Pronovost, 1998).
Para Elias e Dunning, o lazer corresponde ao domínio das actividades
miméticas ou de jogo3
, onde os indivíduos podem participar, seja como
espectadores ou intervenientes, dando lugar a representações sociais e formas
de identificação, dotados de grande relevo na reconstrução das identidades.
Nestes contextos as restrições e o constrangimento estão ausentes ou
fortemente atenuadas, levando a que as emoções e a excitação se combinam
com “uma agradável sensação de segurança e onde o risco e a violência são
reduzidos ao mínimo” (Elias e Dunning, 1992: 108). A progressiva
institucionalização dessas actividades – em que o desporto de massas é talvez
o exemplo mais óbvio – transformou-as em formas de excitação controlada que
funcionam como catarse capaz de compensar os constrangimentos impostos
sobre as rotinas da vida quotidiana. O lazer mimético serviria assim de válvula
de escape para as energias transgressivas ou contestatárias das classes
baixas, cujos efeitos se repercutem tanto no domínio do simbólico e das
práticas quotidianas como na acção política.
Uma concepção que segue de perto a visão que acabo de mencionar é a
de Chris Rojek, segundo o qual as relações de lazer se inscrevem numa
englobante economia do prazer cujo significado histórico original foi no sentido
de facilitar a vigilância e o controle das populações (Rojek, 1985). Para além
disso, convém não esquecer o papel do lazer na estruturação das práticas e da
acção cultural das novas classes médias ou dos novos movimentos sociais
(Offe, 1985; Dawson, 1988 e 1991; Maheu, 1995).
A organização social do lazer, além de ser mediada pelas desigualdades
de classe, sexo, etnia, etc., incorpora tanto a acção dos mecanismos de
mercado como a dominação estatal, mobilizando estes diferentes dispositivos
na absorção de parcelas simbólica e materialmente significativas das culturas
tradicionais. O significado desse processo é que, nas nossas sociedades, o
3
Estes autores consideram as seguintes actividades, abrangidas pelo espectro do tempo livre:
1) as relações familiares e os trabalhos particulares; 2) o repouso; 3) as actividades biológicas;
4) as relações de sociabilidade [obrigações “sociais”]; e 5) as actividades miméticas ou de jogo.
Só estas últimas são actividades de lazer, onde se incluem iniciativas como a ida ao teatro ou a
um concerto, às corridas ou ao cinema, à caça, à pesca, jogar bridge, fazer montanhismo,
apostar, dançar ou ver televisão (Elias e Dunning, 1992: 110).
8
lazer não pode desligar-se das estruturas de poder, das dinâmicas do
capitalismo e da acção do Estado. Neste sentido, pode dizer-se que a acção de
regulação dirigida ao campo do lazer se inscreve no fenómeno mais geral de
reestruturação e massificação da cultura (Dawson, 1991; Clarke e Critcher,
1985).
3. O Estado e a acção hegemónica sobre as relações de lazer
Na sequência dos direitos que o movimento operário conseguiu conquistar
às classes dominantes, e após os desastres de duas querras mundiais que
tiveram a Europa como palco, seguiu-se uma conjuntura de estabilidade
política e de forte crescimento económico, factores que, como é sabido,
contribuíram decididamente para a consolidação do fordismo e a afirmação dos
Estados-providência europeus. Assim, assistiu-se a partir de meados do século
XX a uma enorme expansão do consumo de massas, o que se tornou num
importante mecanismo de integração social das classes trabalhadoras. Com o
modelo de regulação fordista, o capitalismo foi chamado a governar através do
consentimento, procurando enquadrar o acesso ao consumo no crescimento
económico de longo prazo. Para tal, o Estado teve de apelar a elementos
ideológicos e de carácter supra-classista, já não no contexto colonial dos
nacionalismos novecentistas, mas no novo cenário das diplomacias do pós-
guerra, onde persistiam as estratégias de afirmação das identidades e culturas
nacionais.
Seja como for, o processo histórico de desenvolvimento capitalista não só
impôs às sociedades modernas, sobretudo desde o século XVIII, uma
racionalidade geral da vida económica, como, ao mesmo tempo, tem vindo a
intensificar a institucionalização de múltiplas formas expressivas da vida social
e cultural. A presença constante das organizações económicas ou estatais
orienta-se segundo essa acção de imposição, através de mecanismos de
sujeição e conformidade, tendentes a conduzir a cultura do seu nível mais
primário e espontâneo para o nível mais explícito e técnico. Se qualquer cultura
procura sobreviver, a luta pela hegemonia cultural não se desenrola
simplesmente ao nível político-ideológico (Laclau e Mouffe, 1985). A cultura
dominante procura impôr-se às sub-culturas tradicionais e populares através da
acção do Estado e das classes privilegiadas, estabelecendo os parâmetros dos
9
"estilos de vida" que a classe média pretende copiar e que, com a expansão da
cultura de massas no quadro das sociedade de consumo, toca também as
classes trabalhadoras. Nesse processo de institucionalização, qualquer cultura
perde em espontaneidade e criatividade o que assimila em termos de valores
de enquadramento racional. Mas isso não significa que os símbolos de
expressividade espontânea, isto é, que a parte criativa da cultura, desapareça
por completo. As culturas são realidades altamente complexas e dinâmicas que
contêm ao mesmo tempo elementos reguladores e elementos de resistência
aos processos de normalização. O fenómeno geral de institucionalização do
lazer insere-se nesta lógica (Gramsci, 1985; Fiske, 1993).
O lazer não só se vem tornando cada vez mais institucionalizado e
massificado, segundo as necessidades de expansão do mercado e do
crescimento económico capitalista, como se converteu em muitos países na
mais poderosa indústria moderna. O lazer e o turismo passaram, desde
meados do século XX, a constituir objectos decisivos da disputa hegemónica
entre a racionalidade mercantilista, por um lado, e a expressividade espontânea
dos rituais recreativos, das culturas tradicionais, por outro. Parece hoje inegável
a vantagem da primeira orientação. Mas a ideia de uma democratização
generalizada ou tendência homogeneizante no acesso aos usos do lazer não
passa de uma enorme ilusão.
Diversos estudos têm salientado a capacidade das sociedades
contemporâneas gerarem processos de diferenciação social através do acesso
a modos diferenciados de produção e demarcação dos espaços de lazer. O
trabalho da comunicação social, do marketing e da indústria turística, através
das várias agências e especialistas ao seu dispor, orienta-se portanto para a
criação de novas "necessidades", alimentando a exclusividade das elites e a
crescente segmentação de públicos que assegurem a expansão da lógica de
mercado (Heron, 1991).
Assim, "a regulação estatal, o domínio do mercado, a família como
instituição social, a divisão do trabalho pela classe e pelo género, (...) não são
apenas um background para o estudo do lazer, eles são efectivamente
incorporados na organização social do lazer" (Clarke e Critcher, 1985:226). Por
essa razão, as relações de lazer não podem ser estudadas fora das estruturas
10
de poder da sociedade e dos mercados globais em que hoje vivemos. Pode
porém aceitar-se que o sistema económico não se limite a reproduzir a
realidade existente, podendo, do mesmo passo, transformar-se a si mesmo e
dar lugar a novas oportunidades para os sectores sociais em ascensão.
4. As ditaduras europeias do século XX perante a esfera do lazer
Já nos anos 20 e 30 do século passado os regimes totalitários da Europa
tinham tentado impor um tipo de “cultura de consentimento”, na sequência de
forte repressão sobre o movimento sindical, que visou conter a acção
revolucionária e reconverter a massa operária em trabalhadores diligentes e
consumidores disciplinados e submissos. De facto, as dramáticas experiências
no nazismo e fascismo, pela atenção que prestaram à organização disciplinada
do lazer para os trabalhadores (Grazia, 1981) através da instrumentalização e
massificação do desporto, ilustraram bem a importância social e política do
lazer e dos tempos livres, utilizados como veículos privilegiados da acção moral
do Estado, levada até à esfera da vida privada das famílias trabalhadoras.
Sem pretender ignorar as especificidades nacionais em cada um desses
processos, refira-se o exemplo de Itália do Dopolavoro (OND - Opera Nazionale
Dopolavoro)4
, estudado por Victória de Grazia, segundo a qual esse processo
se ficou a dever "em parte a uma reacção face ao operariado subversivo e em
parte foi uma resposta para as ainda mais complicadas necessidades de um
capitalismo organizado para os trabalhadores se tornarem consumidores
disciplinados assim como operários diligentes, conduzindo a uma vida familiar
'racional', e a um uso do lazer de modo eficiente." (Grazia, 1981:2). Procurando
fundamentar a sua acção em bases científicas, o Estado fascista começou por
penetrar as próprias estruturas do sindicalismo autónomo, contando para isso
com algumas figuras anteriormente ligadas ao movimento operário5
.
4
A Obra Nacional dos Tempos Livres (OND) foi criada em 1923 e esteve inicialmente vinculada
ao Ministério da Economia Nacional. Era uma estrutura corporativa destinada à organização
dos tempos livres dos trabalhadores (equivalente à FNAT portuguesa). À semelhança desta,
houve outras, tais como a estrutura nazi “Força pela Alegria” (KDF, criada em 1933), e a
organização da ditadura grega de Metaxas, “Saúde dos Trabalhadores” (“Ergatixi Estia”, criada
em 1937) e a franquista “Educación y Descanso” (criada em 1938).
5
Como foi o caso de Mário Giani que, sob influência das suas experiências profissionais nos
meios do management americano – foi director da Westinghouse Corporation –, já tinha
começado a propagandear (desde 1919) as vantagens das 8 horas de trabalho e dos tempos
livres para uma organização “científica” do trabalho. Mais tarde, abdicando completamente do
11
No caso de Portugal, o lazer e os tempos livres do operariado foram,
como se sabe, objecto de semelhante acção conjugada de moldagem e
manipulação por parte do centralismo repressivo e doutrinário do Estado Novo.
A criação, em 1935, da "Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho"
(FNAT), tinha nos seus objectivos impedir ou travar a “falta de moralidade” que
grassava nos costumes dos operários: "É preciso, através da ocupação útil das
horas ociosas, desenvolver o seu verdadeiro aproveitamento (...), antes de
mais que o trabalhador participe efectivamente na vida da família e assuma
integralmente os encargos da sua autêntica chefia. (...) Há que evitar que o
abuso da diversão exterior comprometa a coesão da célula familiar, se extravie
dos seus deveres de orientação moral (...)" (FNAT, s/d). Mas, apesar do
investimento neste tipo de "terapia social" – apoiada, evidentemente, nos
"complementares" instrumentos de controlo e repressão –, a submissão das
classes subordinadas não deixou de oferecer alguma resistência, mesmo
durante o salazarismo.
Pode referir-se o exemplo do movimento campista, surgido em Portugal
nos princípios do século XX sob influência maçónica e que foi, no pós-guerra,
palco de algumas disputas. Por um lado, a orientação doutrinária salazarista,
zelosamente posta em prática pela "Mocidade Portuguesa", em prol do lema
"pernas rijas, botas cardadas, estrada fora" e, por outro lado, a oposição
democrática que, segundo um estudioso deste fenómeno, lançou em 1946 uma
campanha de acampamentos populares onde se liam, indisfarçáveis, as
palavras de ordem das organizações anti-salazaristas na clandestinidade
redigidas por Piteira Santos (Pina, 1988).
Recorde-se também a importância da contestação social exercida pelos
novos movimentos sociais na Europa dos anos 60, nomeadamente os
ambientalistas e ecologistas, os movimentos pela democracia participativa, os
novos direitos do consumidor (já amplamente reconhecidos), os movimentos de
juventude, feministas, pacifistas, homossexuais, direitos humanos etc. Se
essas formas de acção colectiva mostraram, por um lado, o seu carácter
transclassista e o papel da geração estudantil (em especial no Maio de 68, em
seu passado de sindicalista, o mesmo viria a ser nomeado por Mussolini consul-delegado e
director executivo da OND.
12
França), por outro lado, exprimiram a emergência da dimensão identitária – em
desfavor dos determinismos económicos a da velha luta de classes – como
factor dinamizador da luta colectiva, elevando assim a esfera do consumo e do
lazer a um novo protagonismo político, social e cultural. De resto, a enorme
variedade destes movimentos prolongou-se ao longo de sucessivas gerações
até aos dias de hoje, impondo novas lógicas de acção, alterando
substancialmente a relação Estado/ sociedade e o próprio conceito de
“política”, ao mesmo tempo que dão expressão a novas preocupações e formas
de solidariedade, introduzindo a dimensão lúdica e a esfera do lazer no campo
das lutas pelo aprofundamento da cidadania (Eyerman e Jamison, 1991; Eder,
1993; Cohen e Arato, 1994; Melucci, 1996; Alvarez et al., 2000; Santos, 2003;
Estanque e Nunes, 2003).
5. Classes, grupos de status e estilos de vida
As transformações sociais em curso, muito embora continuem a
evidenciar a importância da produção e do trabalho na estruturação das
desigualdades sociais, parecem comprovar a crescente centralidade da esfera
do consumo e do lazer. Já a teoria weberiana do grupo de status, argumentava
que a acção social dependia de relações intersubjectivas enquadradas por
identidades colectivas estruturadas sobretudo na esfera cultural. Enquanto,
para Weber, a situação de classe resulta de interesses univocamente
económicos definidos a partir das "oportunidades típicas" no mercado
concorrencial, o grupo de status procura monopolizar ou aceder a um dado
estatuto que reclama consideração e estima social. Ou seja, a riqueza, o poder
e o privilégio não são apenas factores de desigualdade económica, mas
também elementos revestidos de uma capacidade simbólica geradora de
identificações colectivas (Weber, 1944: 244 e 694).
Os estudos históricos de E. P. Thompson (1987) e E. Hobsbawm (1984),
que referi no início, apontam também nesse sentido, ao considerarem que a
construção do operariado enquanto classe não decorreu directamente das
relações de produção mas antes incorporou todo um conjunto de processos e
experiências colectivas, vividas pelos trabalhadores nas suas comunidades de
residência a partir da esfera dos tempos livres, um elemento decisivo na
promoção da identidade como sujeito colectivo. Por seu lado, o contributo de
13
Bourdieu para a análise de classes coloca igualmente a ênfase na dimensão
simbólica das representações e dos estilos de vida. As práticas sociais
incorporados nos mapas cognitivos e representações das pessoas e grupos
permitem analisar a configuração das classes a partir de esferas da vida onde o
lazer ocupa um papel fundamental (Bourdieu, 1979 e 1987; Eder, 1993; Maheu,
1995; Melucci, 1996).
Efectivamente, as correntes culturalistas da análise das classes e dos
movimentos sociais têm vindo a mostrar como as posições de classe objectivas
são moldadas pelas práticas e experiências dos actores, isto é, pela cultura, no
sentido em que os comportamentos colectivos evidenciam a relação dos
sujeitos com o esquema de classificação específico de uma situação classe.
Mais do que de situações ou posições fixas na estrutura das desigualdades, o
que sobressai destas abordagens é a importância dos processos e percursos
de vida. Segundo esta linha de análise, pode dizer-se que as experiências
vividas ao longo de uma dada trajectória são incorporadas através dos habitus
de classe particulares que afirmam e estruturam na prática o enquadramento
social dos indivíduos. A ênfase nas trajectórias de classe e nos processos de
reconversão dos diferentes componentes do capital na sucessão das gerações
permitiu conceptualizar os movimentos de mobilidade e as principais linhas de
segmentação entre fracções de classe através dos consumos culturais e
estruturas do gosto, contribuindo assim para entender a interdependência entre
as dimensões objectiva e subjectiva, por um lado, e entre as dimensões sócio-
económica e cultural, por outro. Os múltiplos mecanismos de poder simbólico e
formas de legitimação cultural que as classes dominantes têm ao seu dispor,
ao mesmo tempo que tendem a perpetuar os privilégios existentes,
desenvolvem e consolidam formas hegemónicas de enquadramento das
classes populares e aperfeiçoam os seus próprios meios de reprodução da
estrutura das classes. Enquanto as elites recorrem a uma permanente
reinvenção e distinção dos seus estilos de vida, as classes médias e populares
põem em marcha formas de apropriação e imitação, onde incidem mecanismos
simbólicos de poder através dos quais as desigualdades se reproduzem e
legitimam (Parkin, 1979; Cabral, 2003; Estanque, 2003).
14
A importância do lazer na análise das classes passa, assim, pelo
enquadramento cultural que as desigualdades veiculam, sob a forma de estilos
de vida particulares. Como atrás referi, a importância da esfera do consumo e
do mercado simbólico não depende apenas do seu alcance económico, mas
também do seu significado nas políticas de enquadramento e regulação estatal.
Todavia, não pode pensar-se que esta dimensão é isenta de conflitualidade ou
que a expansão do consumo gera unicamente conformismo. Como se sabe,
em qualquer campo da vida social, seja ele o desporto, a moda, a cultura, o
ensino, etc., encontramos um conjunto de agentes, instituições e estratégias,
que encerram permanentes jogos de poder e lutas simbólicas de grande
significado (Bourdieu, 1987). As clivagens que têm vindo a desenhar-se na
sociedade portuguesa entre diferentes segmentos da classe média revelam a
importância de fenómenos como o grupo de referência e a privação relativa,
que funcionam como factores de modelação das expectativas de vida com
base nas trajectórias e contextos de sociabilidade onde os diferentes usos do
lazer ganham particular relevância social (Cabral, 1997; Estanque, 2005).
Estudos recentemente realizados sobre a percepção das desigualdades e
da justiça social no âmbito do ISSP (Cabral, 2003)6
revelaram a importância
simbólica da classe média e a relação ambígua dos portugueses em relação a
essa categoria. 63,2% dos inquiridos assinalaram a existência de conflitos de
interesse “fortes” ou “muito fortes” entre a classe trabalhadora e classe média.
Não só os padrões de vida de cada uma dessas camadas sociais são vistos
enquanto divergentes, como, além disso, este dado faz supor que existe uma
luta simbólica pela demarcação de campos e disputa de estilos de vida entre
ambas. Acresce que cerca de 37% dos “proletários” autoposicionam-se como
membros da “classe média” e o mesmo acontece com 52% dos empregadores.
É justamente esse efeito atractivo que coloca a noção de classe média como
um importante referente nas representações dos portugueses, a mostrar a
existência no plano subjectivo de uma disputa no acesso a padrões de
consumo e de vida conotados com esta categoria social. Muito embora se trate
de uma noção vaga e imprecisa, ao instituir-se como “grupo de referência”
6
O International Social Survay Programme (ISSP) em que se apoiou o projecto sobre Atitudes
Sociais dos Portugueses, conduzido pelo ICS e publicado em M. Villaverde Cabral, et al.,
(2003).
15
segundo qual os níveis de privação relativa e as expectativas sociais são
moldadas, ela não deixa de funcionar como elemento simbólico de grande
relevo na organização dos estilos de vida e dos modelos de consumo
(Estanque, 2003).
Na verdade, os significativos índices de mobilidade e mudança estrutural,
que se têm feito sentir no nosso país nas últimas décadas, são inseparáveis
das formas de acção colectiva e luta reivindicativa entre sectores com posições
distintas na hierarquia da estratificação e que sofreram os efeitos das
tendências de reestruturação sócio-profissional em curso. Por um lado, os
grupos em declínio procuram preservar o seu estatuto enquanto as novas
profissões e categorias em ascensão procuram explorar os recursos que
podem controlar para acederam a uma posição mais vantajosa. A mudança
ocorre, portanto, não de um modo passivo, mas através da acção colectiva e
da solidariedade corporativa, numa luta dirigida à conquista de posições
desejáveis através de estratégias de usurpação ou baseada em mecanismos
de fechamento e estratégias de exclusão (Parkin, 1979: 45; Goldthorpe, 1980).
Deste modo, os estilos de vida que constantemente se redesenham entre
diversos estratos e classes, não só elegem o lazer e os padrões de consumo
em factores decisivos de demarcação social como evidenciam a importância da
componente conflitual de tais processos. De facto, é possível alargar o
significado do conceito de exploração a outras relações de dominação e
sujeição, já que as constantes alterações no puzzle das demarcações sociais e
até as disputas em torno da apropriação do espaço público, em particular
perante a crescente centralidade da vida urbana, são processos largamente
suportados por lógicas de exploração simbólica, uma vez que o reforço do
status de uns grupos é tanto maior quanto mais eficaz for o fechamento
discricionário que exclui outros grupos (Parkin, 1979; Roemer, 1986; Fiske,
1993).
6. Diferenciação social e usos do lazer
Gostaria ainda de fazer uma breve referência aos diferentes modelos de
uso e estilos de vida dos principais segmentos e classes sociais. Convém no
entanto salientar que a diversidade de formas em que se multiplicam os usos
16
do lazer, pelos lugares, temporalidades e práticas respeitantes a diferentes
vivências, torna por vezes difícil proceder a classificações. Uma mesma prática
(o acto de comer num restaurante ou um simples caminhar a pé, por exemplo)
coloca em jogo aspectos que podem ir da situação mais rotineira à mais
requintada, do fast-food quotidiano ao almoço de fim-de-semana em família, o
que tem implicações do ponto de vista do status e das posições de classe. Em
termos subjectivos, um acto vital do quotidiano torna-se, pelo princípio do
prazer, numa prática de ócio que geralmente traduz situações socialmente
diferenciadoras.
A chamada classe de lazer de Veblen apoia-se fundamentalmente na
ideia da sua proximidade com o poder e com o capital económico herdado de
gerações anteriores. "A função governamental é uma função predadora e ela
deriva integralmente do modo de vida arcaico da classe de lazer. Ela consiste
no exercício da autoridade e do constrangimento sobre a população donde a
classe de lazer retira a sua substância" (Veblen, 1970:254). Não obstante este
autor identificar ainda uma outra categoria social relativamente próxima desta,
a classe de lazer secundária, constituída acima de tudo por pessoas em
declínio económico mas oriundas das antigas classes aristocráticas, no seu
todo a classe de lazer desenvolve um conjunto de comportamentos e
actividades quotidianas no sentido de afirmar e incrementar o seu status,
procurando distanciar-se das novas categorias em processo de ascensão
económica. O seu traço distintivo afirma-se, acima de tudo, pela aversão ao
trabalho e pelo revivalismo de alguns valores patrióticos e guerreiros,
evidenciando a sua importância social através do que aquele autor designou
por lazer ostentatório.
Segundo o modelo de Parker, a que aludi no início, este autor sublinha
que o lazer é moldado através da reacção ao trabalho, considerando, portanto,
que essa é a sua principal dimensão estruturadora, mais do que o género ou a
classe. Apesar disso, estabelece uma correlação entre os níveis de status e a
sua articulação com o lazer: nos níveis ocupacionais de maior prestígio
predomina o modelo de extensão, com maior obtenção de prazer e autonomia
na esfera do trabalho; no caso dos trabalhadores manuais onde dominam os
violentos ritmos de produtividade e a alienação, trata-se do modelo de
17
oposição, uma vez que o lazer se oferece como o oposto do trabalho; e
finalmente o modelo de neutralidade refere-se a situações mistas da classe
média (Parker, 1983). Também para D' Épinay, nos meios burgueses, incluindo
a fracção dos quadros superiores, verifica-se uma promiscuidade entre lazer e
trabalho, a qual advém não só de o tipo de trabalho supor fundamentalmente o
exercício de uma responsabilidade e de uma actividade (e não tanto o
cumprimento de um horário de trabalho), mas ainda pela importância que
nestes casos é assumida pelos objectivos de carreira. Assim, uma parte das
actividades profissionais dos quadros superiores assume um duplo significado,
simultaneamente profissional e lúdico.
As velhas elites de recorte aristocrático ou os grandes magnatas,
continuam evidentemente a reproduzir um mundo social altamente selectivo
que se mantém fechado na esfera familiar. Há certamente a elite da elite, cujo
modo de vida o comum cidadão só pode adivinhar a partir daquilo que ela deixa
mostrar nos media ou nas revistas cor-de-rosa, pois um dos traços distintivos
da verdadeira elite é a sua descrição, ao contrário do sector mais ostentatório a
que se referia Veblen, mais conotado com a nova riqueza. Em todo o caso,
entre esses circuitos fechados há uma infinidade de jogos, disputas,
cumplicidades e competições entre os grupos de status mais elitistas. Este
conjunto tem também as suas distinções internas, visto que a lógica da
distinção recusa qualquer confusão entre diferentes conceitos de “vida
requintada”. Em todo o caso, estes poderosos continuam sem dúvida a marcar
as principais mudanças do mundo, sobretudo no plano económico e político.
Por outro lado, outros sectores aristocráticos em declínio continuam, pelo seu
peso simbólico, a influir nos modelos de representação e identidades colectivas
da população em geral, de que é exemplo na Europa a exposição da família
real inglesa (Pinçon e Pinçon-Charlot, 1999).
Nas posições de topo do mundo empresarial, onde predominam os
cocktails e as vernissages, trata-se de uma participação obrigatória da vida
cultural que muitas vezes exige a prática de um desporto consentâneo com o
estatuto (um investimento calculado e por isso agendado na semana de
trabalho), as actividades de tempos livres são colocadas ao serviço do sucesso
económico (ou da carreira), no sentido de antecipar e modelar, sempre que
18
possível, o futuro (D' Epinay, 1982). As viagens, o manuseamento desafogado
dos recursos tecnológicos, dos meios de transporte, a facilidade de exposição
pública, a proximidade com o mundo da política, o acesso a desportos e
práticas lúdicas exclusivistas, as férias longínquas em ilhas paradisíacas, os
recursos de propriedade, etc., propiciam a estas camadas um estilo de vida que
as coloca no topo da pirâmide social.
Por seu lado, entre a classe trabalhadora deve ter-se em conta a distinção
entre trabalho manual e os empregados do sector terciário, onde o esforço
físico é mais reduzido. A esta clivagem no status profissional corresponde, na
esfera dos tempos livres, o que poderá designar-se como lazeres
especializados. Podemos contudo aceitar que em ambos os casos se verifica
uma clara oposição entre trabalho e lazer. No caso da classe operária, trata-se
de relações de lazer de tipo integrado e holístico, em que não existe distinção
entre as vertentes física/ intelectual, corpo/ espírito, energia/ informação, as
quais se combinam em doses variadas em diversas práticas. Nos estilos de
vida, as camadas populares privilegiam ocupações ou dedicam-se a
actividades que muitas vezes são vividas enquanto práticas lúdicas embora
contenham uma dimensão utilitária. Por exemplo, no caso português, podemos
distinguir entre os sectores mais tradicionais, ligados ainda ao universo rural, e
as populações urbanas. Nos primeiros, as lides da casa, os trabalhos agrícolas
na pequena parcela de terra e outras ocupações de cariz artesanal são formas
comuns de ocupação dos tempos livres. O passeio domingueiro, o ritual da
missa, a excursão ao santuário de Fátima ou às praias e festas mais populares,
o almoço em família no restaurante, o jogo de futebol da equipa local ou
mesmo em alguns casos a prática de jogos populares de rua (o jogo da malha,
por exemplo), além dos festejos cíclicos associados à religiosidade (e ainda
com reminiscências de ligação às colheitas), encontram-se entre as actividades
de fim-de-semana e de tempos livres da classe trabalhadora. Nas grandes
urbes, os sectores populares, tendo em comum muitas das práticas anteriores,
têm vindo a privilegiar a frequência dos centros comerciais, os passeios de
carro geralmente em visita a familiares, as férias no campismo, bem como a
ligação ao associativismo de bairro, práticas ou frequência de espectáculos
desportivas diversos, mas onde o futebol é rei. As idas ao café, o almoço fora
19
com a família, etc., são também ocupações de fim-de-semana muito partilhadas
pela classe trabalhadora que habita predominantemente as periferias das
principais cidades.
Os modelos de lazer são sem dúvida reflexo de diferentes subculturas. Ao
contrário das classes polares, no caso das classes médias a existência dessas
subculturas é muito mais difícil de identificar devido ao carácter mesclado desta
categoria. Enquanto os empregados de escritório menos qualificados, com
baixas expectativas de ascensão profissional, adoptam estilos de lazer
próximos das classes populares, os sectores mais elevados (quadros médios),
por força do investimento na profissão, tendem a copiar modelos supostamente
mais próximos das categorias superiores. Estas duas fracções têm, por sua
vez, em comum o facto de constituírem o grupo social mais ligado ao consumo
de massas — sendo, por isso, alvo privilegiado das estratégias publicitárias e
dos mass media. Ao mesmo tempo, constituem o grupo mais propenso à
especialização entre actividades físicas e espirituais. As actividades orientadas
para o bem-estar físico, como a prática de ginástica, o jogging a frequência de
cursos de yoga, escolas de dança, mas também os consumos culturais como o
cinema e o teatro, etc., enfim, trata-se de um campo muito mesclado em termos
de composição social, mas onde proliferam as classes médias urbanas nos
seus diferentes segmentos.
Recorrendo uma vez mais ao modelo de Bourdieu, pode dizer-se que as
opções e estilos de vida variam consoante a composição e o volume de capital
(económico, cultural, simbólico, educacional) que, em conjugação com as
respectivas trajectórias e habitus de classe desenham segmentos particulares
de classe média. Algumas formas de utilização do tempo livre por parte dos
sectores tradicionais mais qualificados da classe trabalhadora manual e da
fracção da pequena burguesia de execução (empregados com fracos recursos
em capital económico e cultural) como por exemplo os hobbies dedicados à
bricolage, visitas a castelos e monumentos, colecções e actividades de
autodidactismo, podem ser interpretadas como sinais de boa vontade cultural e
símbolos de uma disposição ascética que indicam a ambição de mobilidade
ascendente por parte destas camadas (Bourdieu, 1979). Noutros casos, fala-se
por vezes em lazeres "desenvolvimentistas", quando surgem em sintonia e na
20
sequência de competências e atitudes mobilizadas no quadro do emprego. De
um modo geral pode dizer-se que a tendência para a especialização do lazer
se vai acentuando à medida que subimos na escala social, das classes
populares para as classes dominantes.
Em suma, a conexão entre classes e lazer recusa a ideia de que o lazer
resulta de uma evolução natural ou de um processo tecnológico conduzido
pacificamente no sentido do acesso generalizado e indiferenciado ao lazer,
devendo antes ser considerado um campo de luta quer de ordem material, quer
simbólica. Como procurei mostrar, as relações de lazer parecem enquadrar-se,
por um lado, num esquema de reprodução social e de submissão à
massificação consumista mas, por outro lado, constituem um espaço de
práticas sociais e de identidades colectivas com capacidade estruturante da
luta pelo estatuto social. Esta combinação de elementos de controlo com
elementos de liberdade surge, paradoxalmente, como um traço marcante do
campo do lazer, cuja ambiguidade parece coincidir com a raiz etimológica da
própria palavra (lazer=licere) que no latim significa "ser autorizado" ou "ser
legalizado".
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T8 lazer, classe e status, 2005

  • 1. in Rui Gomes (coord.) (2005). Os Lugares do Lazer. Lisboa: Instituto do Desporto de Portugal. ELÍSIO ESTANQUE Centro de Estudos Sociais – Universidade de Coimbra Lazer, desigualdades e transformação social* Resumo O presente texto desenvolve uma reflexão, essencialmente teórica, em torno da temática do lazer e dos tempos livres, procurando inseri-la nas tendências mais gerais de recomposição e mudança social. Começarei por discutir a questão do lazer em articulação com as transformações em curso no mundo do trabalho, sublinhando a complexidade crescente e a diluição de fronteiras entre os dois campos. O problema da regulação e institucionalização, através da acção do mercado e do Estado será outro tópico em análise, onde mostrarei a importância do lazer e da cultura nos processos de enquadramento social e também enquanto factores de dissidência e ruptura. Serão referidos os exemplos históricos das ditaduras europeias do século XX para ilustrar o significado social e político associado aos tempos livres destinados ao povo. Tratarei seguidamente a questão das desigualdades e clivagens sociais em curso, tomando o campo do lazer com dimensão principal nesses processos. Por fim, farei referência à questão da classe e do status e ainda ao modo como é organizada a estratificação das diferentes modalidades de ocupação dos tempos livres entre as várias classes e camadas sociais. 1. Introdução O “lazer” e o “ócio” constituem uma actividade da vida social durante séculos circunscrita às classes dominantes e em particular à aristocracia. Sebastian de Grazia entende o lazer, não como uma actividade social mas, acima de tudo, como um “estado de alma”, uma capacidade transcendental, contemplativa e criativa do espírito humano, própria do mundo dos pensadores, artistas e músicos que se distinguem pela constante elevação da mente (Grazia, 1962). Porém, se esta concepção clássica parece adequar-se ao * O presente texto reproduz, com algumas adaptações, uma parte já publicada pelo autor no seu livro: Entre a Fábrica e a Comunidade: Subjectividades e práticas de classe no operariado do calçado. Porto: Afrontamento, 2000.
  • 2. 2 estudo das “classes ociosas” (Veblen, 1970) das sociedades pré-industriais, pode dizer-se que, com o triunfo da industrialização, o lazer sofreu profundas alterações. A modernidade reorientou-o no sentido de uma actividade fugaz e estreitamente ligada ao campo laboral. Importa neste caso captar o papel que desempenharam as actividades de tempo livre dos assalariados industriais na dinâmica cultural que acompanhou os processos de transformação social desde o século XIX. E. P. Thompson (1987) e outros investigadores ingleses chamaram a atenção para a importância das relações quotidianas da vida extra- trabalho na afirmação de uma praxis cultural que se foi orientando para o convívio de rua, para o pub, a taberna, o jogo e para um conjunto de formas de diversão e entretenimento popular (Davies, 1992; Hobsbawm, 1984; Jones, 1989; Joyce, 1991). Como adiante irei referir, foi em boa medida devido às potencialidades de rebeldia dessas atmosferas que os estados fascistas e autoritários deram tanta atenção ao “controle recreativo” do operariado, a mostrar o crescente impacto social da esfera dos tempos livres. Todavia, apesar das constantes pressões para o enquadramento e institucionalização das actividades e estilos de vida da classe trabalhadora, as culturas populares têm dado provas de resistência à assimilação da ideologia da classe média, comprovando que só em parte o capitalismo conseguiu civilizar as ocupações de lazer do mundo operário. Com efeito, algumas “vitórias” das classes populares no campo cultural e recreativo podem ser assinaladas, nomeadamente quando certas práticas de lazer oriundas da cultura popular dão entrada nos consumos das classes médias. É o caso da taberna, do futebol e outros desportos e modalidades de jogo, que se afastaram das ocupações típicas das elites aristocráticas – visto que nestas, as actividades lúdicas eram bastante mais marcadas pelas dimensões de repouso, de reflexão e de contemplação (Rojek, 1985; Rosenzweig, 1983). É neste quadro que se torna necessário adoptar um entendimento menos selectivo do conceito de “lazer” e orientá-lo para a análise das práticas de tempo livre e modelos de consumo no seu conjunto, desde as actividades e estilos de vida das elites às culturas populares, passando pelas classes médias nos seus diferentes segmentos. Há quem aponte às actividades de lazer os sinais positivos resultantes do processo geral de democratização da sociedade
  • 3. 3 e racionalização das suas instituições. O desporto, por exemplo, é referido por Rojek como um exemplo de regulação, já que os espectáculos se tornaram menos violentos e mais compensadoras e acessíveis. Segundo aquele autor, o lazer deve ser encarado nas suas múltiplas componentes e significados sociais: 1) um fenómeno da vida adulta envolvendo formas miméticas onde a disciplina e o controle são atenuados; 2) um campo marcado pela racionalidade dos actores, conhecedores e qualificados; 3) uma dimensão regulada por regras de legitimação, de prazer e de desprazer; 4) um processo em aberto, baseado na combinação dos princípios de privatização, individualização, comercialização e pacificação (Rojek, 1985:180). 2. Trabalho, cultura e lazer Ao longo dos últimos duzentos anos, a classe trabalhadora manteve uma relação ambígua com o processo de inovação técnica no campo industrial. Por um lado, viu-o como fonte de potencial ameaça para os postos de trabalho, por outro, as tecnologias não só permitiram a eliminação de algumas tarefas laborais mais duras como favoreceram a expansão do movimento sindical até um período recente. Corolário desta perspectiva ambivalente é o facto de, já na segunda metade do século XX, o pessimismo que antevia cenários ameaçadores em resultado da introdução de novas tecnologias1 ter sido acompanhado de visões idílicas de um mundo feliz em que as tecnologias substituiriam largamente o esforço físico do trabalhador, deixando espaço à criatividade e ao lazer, e configurando o que Ivan Illich (1979) designou como o direito ao desemprego criador. Ambos os cenários foram amplamente idealizados no quadro das diferentes correntes ideológicas que influenciaram a análise das questões laborais. Com efeito, a realidade histórica foi progressivamente negando qualquer dessas idealizações acerca da técnica – a positiva ou a negativa – pois os efeitos da evolução tecnológica sempre foram eminentemente contraditórios. Nas últimas décadas, várias teses têm surgido a sublinhar a perda de centralidade ou mesmo o fim do trabalho, enquanto valor decisivo de 1 Basta lembrar o movimento Ludista na Inglaterra do século XIX ou as lutas do movimento operário português na viragem do século XIX para o século XX, mas também muitas das lutas sindicais desde o pós-guerra até aos anos 70.
  • 4. 4 estruturação da sociedade, em favor da dimensão do consumo e do lazer. Prestigiados autores sustentam que se assiste a um desencantamento do trabalho e à secundarização da esfera laboral em favor de dimensões alternativas ao exercício da cidadania, como sejam, o espaço do associativismo, do voluntariado e da chamada economia social, eleitas como esferas primordiais de participação cívica e factores de coesão ou transformação social. O trabalho perdeu significado enquanto principal símbolo daquilo que somos, ou seja, como profissão ou estatuto, tornando-se cada vez mais um bem escasso, fluído e difícil de perpetuar (Rifkin, 1997; Méda, 1999; Beck, 2000). Os atributos que antes conotavam o trabalho com criatividade e autonomia, têm vindo a ser expulsos do espaço produtivo, mas isso não corresponde a uma “libertação” do trabalhador ou a uma real expansão e democractização do lazer à classe trabalhadora. A abertura de fronteiras e a liberalização dos mercados à escala global reforçaram o poder da economia financeira e fragmentaram o “trabalho”. Porém, a consequência principal de tal processo foi o aumento da vulnerabilidade da classe trabalhadora a todos os níveis e a correspondente perda de vitalidade do movimento sindical. Na verdade, o trabalho permanece a principal via de subsistência, de preservação da auto-estima e de busca de reconhecimento social (Gorz, 1999). Parker e D’ Epiney definiram o lazer por referência ao campo do trabalho, ou seja, o lazer é entendido como o “tempo livre das obrigações quer para si próprio quer para outros – o tempo para realizar o prazer de cada um” (Parker, 1983: 10). Esta orientação, embora reflectindo a necessidade de resguardar a esfera familiar e de lazer face ao campo laboral, anuncia ao mesmo tempo uma clara interdependência entre os dois domínios. Mas é importante reconhecer que nos tempos mais recentes se vem assistindo a uma crescente autonomização do lazer e do tempo livre, que tende a criar a sua própria lógica em relação ao trabalho (Goldthorpe, 1969; D’ Epiney, 1991: 170; Pronovost, 1998). Muito embora continuem a surgir concepções diversas acerca da relação trabalho/ lazer – umas que acentuam o lazer como compensação ou oposição ao trabalho, outras que põem a tónica no prolongamento entre os dois campos;
  • 5. 5 umas pessimistas, que se centram na desumanização do trabalho e na alienação, outras que salientam as vantagens do acréscimo de tempos livres, proporcionado pelas novas tecnologias e modalidades flexíveis de trabalho; umas sublinhando a mudança de valores e as suas consequências em ambas as esferas, outras advogando a crescente ausência de relação entre elas. Pode dizer-se, seguindo Pronovost (1998), que as tendências actuais se caracterizam sobretudo pela diversidade de situações e pela mutação das orientações e subjectividades face ao trabalho e ao lazer. O problema da separação entre trabalho e lazer não se coaduna, como atrás indiquei, com distinções simplistas. Diversas situações ambíguas têm sido mencionadas por autores como de Certeau (1984) e du Gay (1996). Para o primeiro, os procedimentos tácticos de consumo prendem-se com trajectórias erráticas cuja lógica muitas vezes transgride as tradicionais demarcações entre dimensões como o tempo e o espaço, ou entre trabalho, consumo e lazer. As práticas de consumo podem insinuar-se nas mais diversas esferas, incluindo as do trabalho, complexificando a separação entre trabalho e não-trabalho. M. de Certeau também salienta a importância que certas técnicas de consumo tácito assumem no próprio espaço produtivo. Podem dar-se exemplos como o da secretária que escreve uma carta de amor durante as horas de serviço, ou do operário que aproveita o tempo e os instrumentos de trabalho para fabricar um objecto pessoal, tomando o tempo da empresa como o seu próprio tempo, ou seja, estas ‘tácticas’ – que de Certeau ilustra com o exemplo da ‘peruca’ (La perruque), para acentuar a ideia de ‘mascarada’ ou ‘farsa’ a que os indivíduos se dedicam no quotidiano2 – não obedecem unicamente à lógica restrita do trabalho, antes atravessam as suas habituais fronteiras de separação: “a linha divisória entre trabalho e lazer deixa de ter lugar. Estas duas áreas de actividade seguem juntas. Repetem-se e reforçam-se uma à outra” (de Certeau, 1984: 29). É claro que o consumo se diferencia da racionalidade da produção, mas, mais do que as divisões espaciais, é a percepção temporal que está em causa: as linhas multiformes, fragmentárias e “erráticas” com que os consumidores 2 Estes aspectos foram, como se sabe, inicialmente tratados pelas correntes do interaccionismo simbólico (Mead, 1934; Goffman, 1959).
  • 6. 6 traçam percursos insinuantes ou invisíveis mostram que, enquanto as estratégias produtivas dependem da erosão do tempo através da imposição de uma ideia de lugar ou espaço circunscrito, a dimensão das tácticas do consumidor recusa o estabelecimento de um locus específico. O espaço da táctica é o espaço do Outro (du Gay, 1996: 90), o que nos remete para a questão da identidade. Ou seja, a ambiguidade que envolve a articulação entre produção e consumo liga-se ao problema da identidade na medida em que do cruzamento entre ambos emergem “semi-identidades relacionais”, envolvidas em “relações instáveis de imbricação” (Laclau, 1990: 24). No estudo por mim realizado numa empresa de calçado em S. João da Madeira foi possível observar fenómenos semelhantes. No quotidiano produtivo os operários desenvolvem todo um conjunto de jogos, mais ou menos corrosivos do sistema disciplinar interno, onde se nota a importância dos “micro- lazeres” e brincadeiras carregadas de sentido cultural e identitário. O desgastante ritmo produtivo na linha de montagem como que suscitava uma atitude de evasão mental que se assume como forma de escape a essa pressão. Essa atitude transporta justamente um sentido de projecção e de fuga psicológica que parece produzir um imaginário lúdico orientado para os tempos livres que se oferece como compensação para a disciplina e dureza do ambiente fabril. Isto ilustra bem a importância fundamental do lazer – mesmo se apenas imaginado – enquanto negação do trabalho. Mas ao mesmo tempo comprova o papel dessa construção subjectiva na coesão da colectividade operária, ou seja, a simples invocação do espaço recreativo enquanto representação social faz com que ele se repercuta e na reestruturação identitária da colectividade (Estanque, 2000 e 2004). A articulação entre estas duas esferas da vida social – trabalho/ lazer – invoca ainda uma série de outras dimensões e linhas de abordagem: a diferente orientação para as actividades de lazer consoante a evolução do ciclo de vida, a flexibilidade de horários, a expansão e significado económico das indústrias ligadas ao lazer. Apesar de não anularem as clássicas distinções entre categorias e classes sociais em face das diferentes oportunidades e modelos de lazer que se lhes oferecem, estes aspectos assumem-se como decisivos na mudança de atitudes e de valores promovendo múltiplas e renovadas
  • 7. 7 diferenciações sociais através das actividades de lazer na sua relação com o trabalho (Pronovost, 1998). Para Elias e Dunning, o lazer corresponde ao domínio das actividades miméticas ou de jogo3 , onde os indivíduos podem participar, seja como espectadores ou intervenientes, dando lugar a representações sociais e formas de identificação, dotados de grande relevo na reconstrução das identidades. Nestes contextos as restrições e o constrangimento estão ausentes ou fortemente atenuadas, levando a que as emoções e a excitação se combinam com “uma agradável sensação de segurança e onde o risco e a violência são reduzidos ao mínimo” (Elias e Dunning, 1992: 108). A progressiva institucionalização dessas actividades – em que o desporto de massas é talvez o exemplo mais óbvio – transformou-as em formas de excitação controlada que funcionam como catarse capaz de compensar os constrangimentos impostos sobre as rotinas da vida quotidiana. O lazer mimético serviria assim de válvula de escape para as energias transgressivas ou contestatárias das classes baixas, cujos efeitos se repercutem tanto no domínio do simbólico e das práticas quotidianas como na acção política. Uma concepção que segue de perto a visão que acabo de mencionar é a de Chris Rojek, segundo o qual as relações de lazer se inscrevem numa englobante economia do prazer cujo significado histórico original foi no sentido de facilitar a vigilância e o controle das populações (Rojek, 1985). Para além disso, convém não esquecer o papel do lazer na estruturação das práticas e da acção cultural das novas classes médias ou dos novos movimentos sociais (Offe, 1985; Dawson, 1988 e 1991; Maheu, 1995). A organização social do lazer, além de ser mediada pelas desigualdades de classe, sexo, etnia, etc., incorpora tanto a acção dos mecanismos de mercado como a dominação estatal, mobilizando estes diferentes dispositivos na absorção de parcelas simbólica e materialmente significativas das culturas tradicionais. O significado desse processo é que, nas nossas sociedades, o 3 Estes autores consideram as seguintes actividades, abrangidas pelo espectro do tempo livre: 1) as relações familiares e os trabalhos particulares; 2) o repouso; 3) as actividades biológicas; 4) as relações de sociabilidade [obrigações “sociais”]; e 5) as actividades miméticas ou de jogo. Só estas últimas são actividades de lazer, onde se incluem iniciativas como a ida ao teatro ou a um concerto, às corridas ou ao cinema, à caça, à pesca, jogar bridge, fazer montanhismo, apostar, dançar ou ver televisão (Elias e Dunning, 1992: 110).
  • 8. 8 lazer não pode desligar-se das estruturas de poder, das dinâmicas do capitalismo e da acção do Estado. Neste sentido, pode dizer-se que a acção de regulação dirigida ao campo do lazer se inscreve no fenómeno mais geral de reestruturação e massificação da cultura (Dawson, 1991; Clarke e Critcher, 1985). 3. O Estado e a acção hegemónica sobre as relações de lazer Na sequência dos direitos que o movimento operário conseguiu conquistar às classes dominantes, e após os desastres de duas querras mundiais que tiveram a Europa como palco, seguiu-se uma conjuntura de estabilidade política e de forte crescimento económico, factores que, como é sabido, contribuíram decididamente para a consolidação do fordismo e a afirmação dos Estados-providência europeus. Assim, assistiu-se a partir de meados do século XX a uma enorme expansão do consumo de massas, o que se tornou num importante mecanismo de integração social das classes trabalhadoras. Com o modelo de regulação fordista, o capitalismo foi chamado a governar através do consentimento, procurando enquadrar o acesso ao consumo no crescimento económico de longo prazo. Para tal, o Estado teve de apelar a elementos ideológicos e de carácter supra-classista, já não no contexto colonial dos nacionalismos novecentistas, mas no novo cenário das diplomacias do pós- guerra, onde persistiam as estratégias de afirmação das identidades e culturas nacionais. Seja como for, o processo histórico de desenvolvimento capitalista não só impôs às sociedades modernas, sobretudo desde o século XVIII, uma racionalidade geral da vida económica, como, ao mesmo tempo, tem vindo a intensificar a institucionalização de múltiplas formas expressivas da vida social e cultural. A presença constante das organizações económicas ou estatais orienta-se segundo essa acção de imposição, através de mecanismos de sujeição e conformidade, tendentes a conduzir a cultura do seu nível mais primário e espontâneo para o nível mais explícito e técnico. Se qualquer cultura procura sobreviver, a luta pela hegemonia cultural não se desenrola simplesmente ao nível político-ideológico (Laclau e Mouffe, 1985). A cultura dominante procura impôr-se às sub-culturas tradicionais e populares através da acção do Estado e das classes privilegiadas, estabelecendo os parâmetros dos
  • 9. 9 "estilos de vida" que a classe média pretende copiar e que, com a expansão da cultura de massas no quadro das sociedade de consumo, toca também as classes trabalhadoras. Nesse processo de institucionalização, qualquer cultura perde em espontaneidade e criatividade o que assimila em termos de valores de enquadramento racional. Mas isso não significa que os símbolos de expressividade espontânea, isto é, que a parte criativa da cultura, desapareça por completo. As culturas são realidades altamente complexas e dinâmicas que contêm ao mesmo tempo elementos reguladores e elementos de resistência aos processos de normalização. O fenómeno geral de institucionalização do lazer insere-se nesta lógica (Gramsci, 1985; Fiske, 1993). O lazer não só se vem tornando cada vez mais institucionalizado e massificado, segundo as necessidades de expansão do mercado e do crescimento económico capitalista, como se converteu em muitos países na mais poderosa indústria moderna. O lazer e o turismo passaram, desde meados do século XX, a constituir objectos decisivos da disputa hegemónica entre a racionalidade mercantilista, por um lado, e a expressividade espontânea dos rituais recreativos, das culturas tradicionais, por outro. Parece hoje inegável a vantagem da primeira orientação. Mas a ideia de uma democratização generalizada ou tendência homogeneizante no acesso aos usos do lazer não passa de uma enorme ilusão. Diversos estudos têm salientado a capacidade das sociedades contemporâneas gerarem processos de diferenciação social através do acesso a modos diferenciados de produção e demarcação dos espaços de lazer. O trabalho da comunicação social, do marketing e da indústria turística, através das várias agências e especialistas ao seu dispor, orienta-se portanto para a criação de novas "necessidades", alimentando a exclusividade das elites e a crescente segmentação de públicos que assegurem a expansão da lógica de mercado (Heron, 1991). Assim, "a regulação estatal, o domínio do mercado, a família como instituição social, a divisão do trabalho pela classe e pelo género, (...) não são apenas um background para o estudo do lazer, eles são efectivamente incorporados na organização social do lazer" (Clarke e Critcher, 1985:226). Por essa razão, as relações de lazer não podem ser estudadas fora das estruturas
  • 10. 10 de poder da sociedade e dos mercados globais em que hoje vivemos. Pode porém aceitar-se que o sistema económico não se limite a reproduzir a realidade existente, podendo, do mesmo passo, transformar-se a si mesmo e dar lugar a novas oportunidades para os sectores sociais em ascensão. 4. As ditaduras europeias do século XX perante a esfera do lazer Já nos anos 20 e 30 do século passado os regimes totalitários da Europa tinham tentado impor um tipo de “cultura de consentimento”, na sequência de forte repressão sobre o movimento sindical, que visou conter a acção revolucionária e reconverter a massa operária em trabalhadores diligentes e consumidores disciplinados e submissos. De facto, as dramáticas experiências no nazismo e fascismo, pela atenção que prestaram à organização disciplinada do lazer para os trabalhadores (Grazia, 1981) através da instrumentalização e massificação do desporto, ilustraram bem a importância social e política do lazer e dos tempos livres, utilizados como veículos privilegiados da acção moral do Estado, levada até à esfera da vida privada das famílias trabalhadoras. Sem pretender ignorar as especificidades nacionais em cada um desses processos, refira-se o exemplo de Itália do Dopolavoro (OND - Opera Nazionale Dopolavoro)4 , estudado por Victória de Grazia, segundo a qual esse processo se ficou a dever "em parte a uma reacção face ao operariado subversivo e em parte foi uma resposta para as ainda mais complicadas necessidades de um capitalismo organizado para os trabalhadores se tornarem consumidores disciplinados assim como operários diligentes, conduzindo a uma vida familiar 'racional', e a um uso do lazer de modo eficiente." (Grazia, 1981:2). Procurando fundamentar a sua acção em bases científicas, o Estado fascista começou por penetrar as próprias estruturas do sindicalismo autónomo, contando para isso com algumas figuras anteriormente ligadas ao movimento operário5 . 4 A Obra Nacional dos Tempos Livres (OND) foi criada em 1923 e esteve inicialmente vinculada ao Ministério da Economia Nacional. Era uma estrutura corporativa destinada à organização dos tempos livres dos trabalhadores (equivalente à FNAT portuguesa). À semelhança desta, houve outras, tais como a estrutura nazi “Força pela Alegria” (KDF, criada em 1933), e a organização da ditadura grega de Metaxas, “Saúde dos Trabalhadores” (“Ergatixi Estia”, criada em 1937) e a franquista “Educación y Descanso” (criada em 1938). 5 Como foi o caso de Mário Giani que, sob influência das suas experiências profissionais nos meios do management americano – foi director da Westinghouse Corporation –, já tinha começado a propagandear (desde 1919) as vantagens das 8 horas de trabalho e dos tempos livres para uma organização “científica” do trabalho. Mais tarde, abdicando completamente do
  • 11. 11 No caso de Portugal, o lazer e os tempos livres do operariado foram, como se sabe, objecto de semelhante acção conjugada de moldagem e manipulação por parte do centralismo repressivo e doutrinário do Estado Novo. A criação, em 1935, da "Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho" (FNAT), tinha nos seus objectivos impedir ou travar a “falta de moralidade” que grassava nos costumes dos operários: "É preciso, através da ocupação útil das horas ociosas, desenvolver o seu verdadeiro aproveitamento (...), antes de mais que o trabalhador participe efectivamente na vida da família e assuma integralmente os encargos da sua autêntica chefia. (...) Há que evitar que o abuso da diversão exterior comprometa a coesão da célula familiar, se extravie dos seus deveres de orientação moral (...)" (FNAT, s/d). Mas, apesar do investimento neste tipo de "terapia social" – apoiada, evidentemente, nos "complementares" instrumentos de controlo e repressão –, a submissão das classes subordinadas não deixou de oferecer alguma resistência, mesmo durante o salazarismo. Pode referir-se o exemplo do movimento campista, surgido em Portugal nos princípios do século XX sob influência maçónica e que foi, no pós-guerra, palco de algumas disputas. Por um lado, a orientação doutrinária salazarista, zelosamente posta em prática pela "Mocidade Portuguesa", em prol do lema "pernas rijas, botas cardadas, estrada fora" e, por outro lado, a oposição democrática que, segundo um estudioso deste fenómeno, lançou em 1946 uma campanha de acampamentos populares onde se liam, indisfarçáveis, as palavras de ordem das organizações anti-salazaristas na clandestinidade redigidas por Piteira Santos (Pina, 1988). Recorde-se também a importância da contestação social exercida pelos novos movimentos sociais na Europa dos anos 60, nomeadamente os ambientalistas e ecologistas, os movimentos pela democracia participativa, os novos direitos do consumidor (já amplamente reconhecidos), os movimentos de juventude, feministas, pacifistas, homossexuais, direitos humanos etc. Se essas formas de acção colectiva mostraram, por um lado, o seu carácter transclassista e o papel da geração estudantil (em especial no Maio de 68, em seu passado de sindicalista, o mesmo viria a ser nomeado por Mussolini consul-delegado e director executivo da OND.
  • 12. 12 França), por outro lado, exprimiram a emergência da dimensão identitária – em desfavor dos determinismos económicos a da velha luta de classes – como factor dinamizador da luta colectiva, elevando assim a esfera do consumo e do lazer a um novo protagonismo político, social e cultural. De resto, a enorme variedade destes movimentos prolongou-se ao longo de sucessivas gerações até aos dias de hoje, impondo novas lógicas de acção, alterando substancialmente a relação Estado/ sociedade e o próprio conceito de “política”, ao mesmo tempo que dão expressão a novas preocupações e formas de solidariedade, introduzindo a dimensão lúdica e a esfera do lazer no campo das lutas pelo aprofundamento da cidadania (Eyerman e Jamison, 1991; Eder, 1993; Cohen e Arato, 1994; Melucci, 1996; Alvarez et al., 2000; Santos, 2003; Estanque e Nunes, 2003). 5. Classes, grupos de status e estilos de vida As transformações sociais em curso, muito embora continuem a evidenciar a importância da produção e do trabalho na estruturação das desigualdades sociais, parecem comprovar a crescente centralidade da esfera do consumo e do lazer. Já a teoria weberiana do grupo de status, argumentava que a acção social dependia de relações intersubjectivas enquadradas por identidades colectivas estruturadas sobretudo na esfera cultural. Enquanto, para Weber, a situação de classe resulta de interesses univocamente económicos definidos a partir das "oportunidades típicas" no mercado concorrencial, o grupo de status procura monopolizar ou aceder a um dado estatuto que reclama consideração e estima social. Ou seja, a riqueza, o poder e o privilégio não são apenas factores de desigualdade económica, mas também elementos revestidos de uma capacidade simbólica geradora de identificações colectivas (Weber, 1944: 244 e 694). Os estudos históricos de E. P. Thompson (1987) e E. Hobsbawm (1984), que referi no início, apontam também nesse sentido, ao considerarem que a construção do operariado enquanto classe não decorreu directamente das relações de produção mas antes incorporou todo um conjunto de processos e experiências colectivas, vividas pelos trabalhadores nas suas comunidades de residência a partir da esfera dos tempos livres, um elemento decisivo na promoção da identidade como sujeito colectivo. Por seu lado, o contributo de
  • 13. 13 Bourdieu para a análise de classes coloca igualmente a ênfase na dimensão simbólica das representações e dos estilos de vida. As práticas sociais incorporados nos mapas cognitivos e representações das pessoas e grupos permitem analisar a configuração das classes a partir de esferas da vida onde o lazer ocupa um papel fundamental (Bourdieu, 1979 e 1987; Eder, 1993; Maheu, 1995; Melucci, 1996). Efectivamente, as correntes culturalistas da análise das classes e dos movimentos sociais têm vindo a mostrar como as posições de classe objectivas são moldadas pelas práticas e experiências dos actores, isto é, pela cultura, no sentido em que os comportamentos colectivos evidenciam a relação dos sujeitos com o esquema de classificação específico de uma situação classe. Mais do que de situações ou posições fixas na estrutura das desigualdades, o que sobressai destas abordagens é a importância dos processos e percursos de vida. Segundo esta linha de análise, pode dizer-se que as experiências vividas ao longo de uma dada trajectória são incorporadas através dos habitus de classe particulares que afirmam e estruturam na prática o enquadramento social dos indivíduos. A ênfase nas trajectórias de classe e nos processos de reconversão dos diferentes componentes do capital na sucessão das gerações permitiu conceptualizar os movimentos de mobilidade e as principais linhas de segmentação entre fracções de classe através dos consumos culturais e estruturas do gosto, contribuindo assim para entender a interdependência entre as dimensões objectiva e subjectiva, por um lado, e entre as dimensões sócio- económica e cultural, por outro. Os múltiplos mecanismos de poder simbólico e formas de legitimação cultural que as classes dominantes têm ao seu dispor, ao mesmo tempo que tendem a perpetuar os privilégios existentes, desenvolvem e consolidam formas hegemónicas de enquadramento das classes populares e aperfeiçoam os seus próprios meios de reprodução da estrutura das classes. Enquanto as elites recorrem a uma permanente reinvenção e distinção dos seus estilos de vida, as classes médias e populares põem em marcha formas de apropriação e imitação, onde incidem mecanismos simbólicos de poder através dos quais as desigualdades se reproduzem e legitimam (Parkin, 1979; Cabral, 2003; Estanque, 2003).
  • 14. 14 A importância do lazer na análise das classes passa, assim, pelo enquadramento cultural que as desigualdades veiculam, sob a forma de estilos de vida particulares. Como atrás referi, a importância da esfera do consumo e do mercado simbólico não depende apenas do seu alcance económico, mas também do seu significado nas políticas de enquadramento e regulação estatal. Todavia, não pode pensar-se que esta dimensão é isenta de conflitualidade ou que a expansão do consumo gera unicamente conformismo. Como se sabe, em qualquer campo da vida social, seja ele o desporto, a moda, a cultura, o ensino, etc., encontramos um conjunto de agentes, instituições e estratégias, que encerram permanentes jogos de poder e lutas simbólicas de grande significado (Bourdieu, 1987). As clivagens que têm vindo a desenhar-se na sociedade portuguesa entre diferentes segmentos da classe média revelam a importância de fenómenos como o grupo de referência e a privação relativa, que funcionam como factores de modelação das expectativas de vida com base nas trajectórias e contextos de sociabilidade onde os diferentes usos do lazer ganham particular relevância social (Cabral, 1997; Estanque, 2005). Estudos recentemente realizados sobre a percepção das desigualdades e da justiça social no âmbito do ISSP (Cabral, 2003)6 revelaram a importância simbólica da classe média e a relação ambígua dos portugueses em relação a essa categoria. 63,2% dos inquiridos assinalaram a existência de conflitos de interesse “fortes” ou “muito fortes” entre a classe trabalhadora e classe média. Não só os padrões de vida de cada uma dessas camadas sociais são vistos enquanto divergentes, como, além disso, este dado faz supor que existe uma luta simbólica pela demarcação de campos e disputa de estilos de vida entre ambas. Acresce que cerca de 37% dos “proletários” autoposicionam-se como membros da “classe média” e o mesmo acontece com 52% dos empregadores. É justamente esse efeito atractivo que coloca a noção de classe média como um importante referente nas representações dos portugueses, a mostrar a existência no plano subjectivo de uma disputa no acesso a padrões de consumo e de vida conotados com esta categoria social. Muito embora se trate de uma noção vaga e imprecisa, ao instituir-se como “grupo de referência” 6 O International Social Survay Programme (ISSP) em que se apoiou o projecto sobre Atitudes Sociais dos Portugueses, conduzido pelo ICS e publicado em M. Villaverde Cabral, et al., (2003).
  • 15. 15 segundo qual os níveis de privação relativa e as expectativas sociais são moldadas, ela não deixa de funcionar como elemento simbólico de grande relevo na organização dos estilos de vida e dos modelos de consumo (Estanque, 2003). Na verdade, os significativos índices de mobilidade e mudança estrutural, que se têm feito sentir no nosso país nas últimas décadas, são inseparáveis das formas de acção colectiva e luta reivindicativa entre sectores com posições distintas na hierarquia da estratificação e que sofreram os efeitos das tendências de reestruturação sócio-profissional em curso. Por um lado, os grupos em declínio procuram preservar o seu estatuto enquanto as novas profissões e categorias em ascensão procuram explorar os recursos que podem controlar para acederam a uma posição mais vantajosa. A mudança ocorre, portanto, não de um modo passivo, mas através da acção colectiva e da solidariedade corporativa, numa luta dirigida à conquista de posições desejáveis através de estratégias de usurpação ou baseada em mecanismos de fechamento e estratégias de exclusão (Parkin, 1979: 45; Goldthorpe, 1980). Deste modo, os estilos de vida que constantemente se redesenham entre diversos estratos e classes, não só elegem o lazer e os padrões de consumo em factores decisivos de demarcação social como evidenciam a importância da componente conflitual de tais processos. De facto, é possível alargar o significado do conceito de exploração a outras relações de dominação e sujeição, já que as constantes alterações no puzzle das demarcações sociais e até as disputas em torno da apropriação do espaço público, em particular perante a crescente centralidade da vida urbana, são processos largamente suportados por lógicas de exploração simbólica, uma vez que o reforço do status de uns grupos é tanto maior quanto mais eficaz for o fechamento discricionário que exclui outros grupos (Parkin, 1979; Roemer, 1986; Fiske, 1993). 6. Diferenciação social e usos do lazer Gostaria ainda de fazer uma breve referência aos diferentes modelos de uso e estilos de vida dos principais segmentos e classes sociais. Convém no entanto salientar que a diversidade de formas em que se multiplicam os usos
  • 16. 16 do lazer, pelos lugares, temporalidades e práticas respeitantes a diferentes vivências, torna por vezes difícil proceder a classificações. Uma mesma prática (o acto de comer num restaurante ou um simples caminhar a pé, por exemplo) coloca em jogo aspectos que podem ir da situação mais rotineira à mais requintada, do fast-food quotidiano ao almoço de fim-de-semana em família, o que tem implicações do ponto de vista do status e das posições de classe. Em termos subjectivos, um acto vital do quotidiano torna-se, pelo princípio do prazer, numa prática de ócio que geralmente traduz situações socialmente diferenciadoras. A chamada classe de lazer de Veblen apoia-se fundamentalmente na ideia da sua proximidade com o poder e com o capital económico herdado de gerações anteriores. "A função governamental é uma função predadora e ela deriva integralmente do modo de vida arcaico da classe de lazer. Ela consiste no exercício da autoridade e do constrangimento sobre a população donde a classe de lazer retira a sua substância" (Veblen, 1970:254). Não obstante este autor identificar ainda uma outra categoria social relativamente próxima desta, a classe de lazer secundária, constituída acima de tudo por pessoas em declínio económico mas oriundas das antigas classes aristocráticas, no seu todo a classe de lazer desenvolve um conjunto de comportamentos e actividades quotidianas no sentido de afirmar e incrementar o seu status, procurando distanciar-se das novas categorias em processo de ascensão económica. O seu traço distintivo afirma-se, acima de tudo, pela aversão ao trabalho e pelo revivalismo de alguns valores patrióticos e guerreiros, evidenciando a sua importância social através do que aquele autor designou por lazer ostentatório. Segundo o modelo de Parker, a que aludi no início, este autor sublinha que o lazer é moldado através da reacção ao trabalho, considerando, portanto, que essa é a sua principal dimensão estruturadora, mais do que o género ou a classe. Apesar disso, estabelece uma correlação entre os níveis de status e a sua articulação com o lazer: nos níveis ocupacionais de maior prestígio predomina o modelo de extensão, com maior obtenção de prazer e autonomia na esfera do trabalho; no caso dos trabalhadores manuais onde dominam os violentos ritmos de produtividade e a alienação, trata-se do modelo de
  • 17. 17 oposição, uma vez que o lazer se oferece como o oposto do trabalho; e finalmente o modelo de neutralidade refere-se a situações mistas da classe média (Parker, 1983). Também para D' Épinay, nos meios burgueses, incluindo a fracção dos quadros superiores, verifica-se uma promiscuidade entre lazer e trabalho, a qual advém não só de o tipo de trabalho supor fundamentalmente o exercício de uma responsabilidade e de uma actividade (e não tanto o cumprimento de um horário de trabalho), mas ainda pela importância que nestes casos é assumida pelos objectivos de carreira. Assim, uma parte das actividades profissionais dos quadros superiores assume um duplo significado, simultaneamente profissional e lúdico. As velhas elites de recorte aristocrático ou os grandes magnatas, continuam evidentemente a reproduzir um mundo social altamente selectivo que se mantém fechado na esfera familiar. Há certamente a elite da elite, cujo modo de vida o comum cidadão só pode adivinhar a partir daquilo que ela deixa mostrar nos media ou nas revistas cor-de-rosa, pois um dos traços distintivos da verdadeira elite é a sua descrição, ao contrário do sector mais ostentatório a que se referia Veblen, mais conotado com a nova riqueza. Em todo o caso, entre esses circuitos fechados há uma infinidade de jogos, disputas, cumplicidades e competições entre os grupos de status mais elitistas. Este conjunto tem também as suas distinções internas, visto que a lógica da distinção recusa qualquer confusão entre diferentes conceitos de “vida requintada”. Em todo o caso, estes poderosos continuam sem dúvida a marcar as principais mudanças do mundo, sobretudo no plano económico e político. Por outro lado, outros sectores aristocráticos em declínio continuam, pelo seu peso simbólico, a influir nos modelos de representação e identidades colectivas da população em geral, de que é exemplo na Europa a exposição da família real inglesa (Pinçon e Pinçon-Charlot, 1999). Nas posições de topo do mundo empresarial, onde predominam os cocktails e as vernissages, trata-se de uma participação obrigatória da vida cultural que muitas vezes exige a prática de um desporto consentâneo com o estatuto (um investimento calculado e por isso agendado na semana de trabalho), as actividades de tempos livres são colocadas ao serviço do sucesso económico (ou da carreira), no sentido de antecipar e modelar, sempre que
  • 18. 18 possível, o futuro (D' Epinay, 1982). As viagens, o manuseamento desafogado dos recursos tecnológicos, dos meios de transporte, a facilidade de exposição pública, a proximidade com o mundo da política, o acesso a desportos e práticas lúdicas exclusivistas, as férias longínquas em ilhas paradisíacas, os recursos de propriedade, etc., propiciam a estas camadas um estilo de vida que as coloca no topo da pirâmide social. Por seu lado, entre a classe trabalhadora deve ter-se em conta a distinção entre trabalho manual e os empregados do sector terciário, onde o esforço físico é mais reduzido. A esta clivagem no status profissional corresponde, na esfera dos tempos livres, o que poderá designar-se como lazeres especializados. Podemos contudo aceitar que em ambos os casos se verifica uma clara oposição entre trabalho e lazer. No caso da classe operária, trata-se de relações de lazer de tipo integrado e holístico, em que não existe distinção entre as vertentes física/ intelectual, corpo/ espírito, energia/ informação, as quais se combinam em doses variadas em diversas práticas. Nos estilos de vida, as camadas populares privilegiam ocupações ou dedicam-se a actividades que muitas vezes são vividas enquanto práticas lúdicas embora contenham uma dimensão utilitária. Por exemplo, no caso português, podemos distinguir entre os sectores mais tradicionais, ligados ainda ao universo rural, e as populações urbanas. Nos primeiros, as lides da casa, os trabalhos agrícolas na pequena parcela de terra e outras ocupações de cariz artesanal são formas comuns de ocupação dos tempos livres. O passeio domingueiro, o ritual da missa, a excursão ao santuário de Fátima ou às praias e festas mais populares, o almoço em família no restaurante, o jogo de futebol da equipa local ou mesmo em alguns casos a prática de jogos populares de rua (o jogo da malha, por exemplo), além dos festejos cíclicos associados à religiosidade (e ainda com reminiscências de ligação às colheitas), encontram-se entre as actividades de fim-de-semana e de tempos livres da classe trabalhadora. Nas grandes urbes, os sectores populares, tendo em comum muitas das práticas anteriores, têm vindo a privilegiar a frequência dos centros comerciais, os passeios de carro geralmente em visita a familiares, as férias no campismo, bem como a ligação ao associativismo de bairro, práticas ou frequência de espectáculos desportivas diversos, mas onde o futebol é rei. As idas ao café, o almoço fora
  • 19. 19 com a família, etc., são também ocupações de fim-de-semana muito partilhadas pela classe trabalhadora que habita predominantemente as periferias das principais cidades. Os modelos de lazer são sem dúvida reflexo de diferentes subculturas. Ao contrário das classes polares, no caso das classes médias a existência dessas subculturas é muito mais difícil de identificar devido ao carácter mesclado desta categoria. Enquanto os empregados de escritório menos qualificados, com baixas expectativas de ascensão profissional, adoptam estilos de lazer próximos das classes populares, os sectores mais elevados (quadros médios), por força do investimento na profissão, tendem a copiar modelos supostamente mais próximos das categorias superiores. Estas duas fracções têm, por sua vez, em comum o facto de constituírem o grupo social mais ligado ao consumo de massas — sendo, por isso, alvo privilegiado das estratégias publicitárias e dos mass media. Ao mesmo tempo, constituem o grupo mais propenso à especialização entre actividades físicas e espirituais. As actividades orientadas para o bem-estar físico, como a prática de ginástica, o jogging a frequência de cursos de yoga, escolas de dança, mas também os consumos culturais como o cinema e o teatro, etc., enfim, trata-se de um campo muito mesclado em termos de composição social, mas onde proliferam as classes médias urbanas nos seus diferentes segmentos. Recorrendo uma vez mais ao modelo de Bourdieu, pode dizer-se que as opções e estilos de vida variam consoante a composição e o volume de capital (económico, cultural, simbólico, educacional) que, em conjugação com as respectivas trajectórias e habitus de classe desenham segmentos particulares de classe média. Algumas formas de utilização do tempo livre por parte dos sectores tradicionais mais qualificados da classe trabalhadora manual e da fracção da pequena burguesia de execução (empregados com fracos recursos em capital económico e cultural) como por exemplo os hobbies dedicados à bricolage, visitas a castelos e monumentos, colecções e actividades de autodidactismo, podem ser interpretadas como sinais de boa vontade cultural e símbolos de uma disposição ascética que indicam a ambição de mobilidade ascendente por parte destas camadas (Bourdieu, 1979). Noutros casos, fala-se por vezes em lazeres "desenvolvimentistas", quando surgem em sintonia e na
  • 20. 20 sequência de competências e atitudes mobilizadas no quadro do emprego. De um modo geral pode dizer-se que a tendência para a especialização do lazer se vai acentuando à medida que subimos na escala social, das classes populares para as classes dominantes. Em suma, a conexão entre classes e lazer recusa a ideia de que o lazer resulta de uma evolução natural ou de um processo tecnológico conduzido pacificamente no sentido do acesso generalizado e indiferenciado ao lazer, devendo antes ser considerado um campo de luta quer de ordem material, quer simbólica. Como procurei mostrar, as relações de lazer parecem enquadrar-se, por um lado, num esquema de reprodução social e de submissão à massificação consumista mas, por outro lado, constituem um espaço de práticas sociais e de identidades colectivas com capacidade estruturante da luta pelo estatuto social. Esta combinação de elementos de controlo com elementos de liberdade surge, paradoxalmente, como um traço marcante do campo do lazer, cuja ambiguidade parece coincidir com a raiz etimológica da própria palavra (lazer=licere) que no latim significa "ser autorizado" ou "ser legalizado". Referências Bibliográficas Alvarez, S., E. Dagnino e A. Escobar (Orgs.) (2000), Cultura e Política nos Movimentos Sociais Latino-Americanos. Belo Horizonte: Editora UFMG. Beck, Ulrich (2000), Un Nuevo Mundo Feliz: la precaridad del trabajo en la era de la globalización. Barcelona: Paidós. Bourdieu, P. (1979), La Distinction - Critique Sociale du Jugement, Paris, Minuit. Bourdieu, P. (1987), "What Makes a Social Class? On the Theorical and Pratical Existence of Groups", Berkeley Journal of Socioly, vol. XXXII. Cabral, M. V., Jorge Vala e A. Freire (Orgs.) (2003) Desigualdades Sociais e Percepções da Justiça. Lisboa: ICS. Cabral, M. Villaverde, Jorge Vala, e André Freire (Orgs) (2003), Desigualdades Sociais e Percepções de Justiça. Lisboa: ICS (pp. 35-68) Cabral, M. Villaverde (1997), Cidadania Política e Equidade Social em Portugal. Oeiras: Celta. Clarke, J. e C. Critcher (1985), The Devil Makes Work. Londres: Mac Millan. Cohen, Jean L. e Andrew Arato (1994), Civil Society and Political Theory. Cambridge: MIT Press (pp. 492-563) D' Epinay et al. (1982), Temps Libres - Culture de Masse et Culture de Classe Aujourd' hui. Paris: Favre. Davies, Andrew (1992), Leisure, Gender and Poverty. Buckingam: Open University Press. Dawson, Don (1988), "Social Class in Leisure: Reproduction and Resistence", Leisure Sciences, vol. 10 (2).
  • 21. 21 Dawson, Don (1991), “Leisure, the Local State and the Welfare State: A Theoretical Overview”, Society and Leisure, vol.14, nº 1. de Certeau, Michel (1984), The Practice of Everyday Life. Berkeley: University of California Press. du Gay, Paul (1996), Consumption and Identity at Work. Londres: Sage. Eder, Klaus (1993), The New Politics of Class. Londres: Sage. Elias, Norbert e Eric Dunning (1992), A Busca da Excitação. Lisboa: Difel. Estanque, Elísio (2000), Entre a Fábrica e a Comunidade: subjectividades e práticas de classe no operariado do calçado. Porto: Afrontamento. Estanque, Elísio (2003), “O efeito classe média – desigualdades e oportunidades no limiar do século XXI”, in Cabral, Manuel Villaverde (org.), Percepções e avaliações das desigualdades e da justiça em Portugal numa perspectiva comparada. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais. Estanque, Elísio (2005), “Trabalho, desigualdades sociais e sindicalismo”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 71. Coimbra: CES (no prelo). Estanque, Elísio e J. Arriscado Nunes (2003), “Dilemas e Desafios da Universidade: recomposição social e expectativas dos estudantes na Universidade de Coimbra”, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 66 (pp. 5-44). Coimbra: CES. Eyerman, R, e A. Jamison (1991), Social Movements, A Cognitive Approach. Cambridge: Polity Press/Basil Blackwell. Fiske, John (1993), Power Plays, Power Works. Londres: Verso. FNAT-Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (s/d), Os Princípios, as Realizações e as Perspectivas. Lisboa: Edição do Gabinete de Divulgação, ano XX, 1935-1954. Goffman, Erwin (1959), The Presentation of Self in Everyday Life. Nova Iorque: Doubleday. Goldthorpe, John (1969), The Affluent Worker. Cambridge: Cambridge University Press. Golthorpe, John (1980), Social Mobility and Class Structure in Modern Britain. Oxford: Oxford University Press. Gorz, André (1999), Reclaiming Work: beyond the wage-based society. Cambridge: Polity Press. Gramsci, António (1985), Selections From Cultural Writings. Londres: Lawrence & Wishart. Grazia, Sebastian de (1962), Of Time, Work and Leisure. Garden City/ N. Iorque: Anchor Books. Grazia, Victoria de (1981), The Culture of Consent. Cambridge: Cambridge University Press. Heron, Peter (1991), "The institutionalization of leisure: cultural conflict and hegemony", Society and Leisure, vol. 14, nº 1. Press de l' Université du Québec. Hobsbawm, Eric J. (1984), Worlds of Labour: Further Studies in the History of Labour. Londres: Weidenfeld. Illich, Ivan (1979), O Direito ao Desemprego Criador: a decadência da idade profissional. Rio de Janeiro: Editorial Alhambra. Jones, G. Stedman (1989), Languages of Class – Studies in English Working Class History 1832-1982. Cambridge: Cambridge University Press. Laclau, E. e Mouffe, C. (1985) Hegemony and Socialist Strategy. Londres, Verso. Laclau, Ernesto (1990), New Reflections on the Revolution of Our Time. Londres: Verso. Maheu, Louis (1995), Social Movements and Social Classes. Londres: Sage. Mead, George (1934), Mind, Self and Society. Chicago: The University of Chicago Press. Méda, Dominique (1999), O Trabalho – Um valor em vias de extinção. Lisboa: Editora Fim de Século.
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