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PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
1
artigo publicado em novembro/2005
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A PESQUISA EM HISTÓRIA DO PAISAGISMO: OS
PARQUES INFANTIS E AS RESSONÂNCIAS DA TIPOLOGIA REFORM PARK EM
SÃO PAULO
Carlos Augusto da Costa Niemeyer
Arquiteto e Mestre pela FAU.USP
Trabalho apresentado à disciplina AUP 5810-Paisagismo, ministrada sob
responsabilidade dos professores Euler Sandeville e Hugo Segawa, no Programa de
Pós-Graduação da FAU.USP, Área de Concentração Paisagem e Ambiente
Introdução
O presente trabalho baseia-se em hipóteses ainda em processo de investigação onde se
pretende uma abordagem particularizada sobre um aspecto peculiar de apropriação cultural
no campo do paisagismo e da gestão urbana em São Paulo. O estudo aqui esboçado tem o
objetivo de ensaiar algumas referências teóricas e projetuais que permitam identificar nos
Parques Infantis concebidos pelo Departamento de Cultura da prefeitura de São Paulo
quando dirigido pelo poeta Mário de Andrade no início da década de 1930, além de um
notável equipamento lúdico-pedagógico oferecido no interesse da promoção social, indícios
de apropriação de uma tipologia funcional popularizada no âmbito do Parks Moviment norte-
americano em sua fase Reform Park (1900-1930), momento este que aponta para o início de
um aparelhamento institucional destinado à recreação de massa nos espaços livres urbanos.
O oferecimento dos Parques Infantis descreve um percurso de idéias e de proposições
ideológicas similares a que animou seu paradigma mais conhecido dentro de uma proposta
de reprodução social com base no oferecimento de um bem sucedido programa de
construção de equipamentos de lazer sem precedentes em São Paulo. Num outro aspecto,
seu oferecimento relacionava-se com a construção de uma paisagem urbana até então
marcada pela dualidade entre o discurso pragmático da atividade econômica para a qual os
espaços de lazer eram vistos sob o rótulo da improdutividade e seus usuários como ociosos
e de outro, aqueles que pleiteavam uma maior humanização da cidade no tocante a
produção de espaços livres públicos qualificados aos interesses da sociabilidade e da
cidadania.
A história nos revela o prodigioso e dramático alcance das transformações sociais advindas
da Segunda Revolução Industrial iniciada na Europa por volta de 1870 ao introduzir
processos científicos de organização capitalista na perspectiva de maximização da produção
com conseqüente repercussão no mundo do trabalho. O que irá consolidar as bases de uma
sociedade urbano-industrial com todas as implicações em termos de perda da liberdade de
iniciativa do trabalhador outrora autônomo na sua produção artesanal agora confinado a
estressantes linhas de montagem padronizadas. Autores consagrados do oitocentos europeu
como Victor Hugo, Dickens, Engels, Baudelaire, entre outros, se fizeram testemunhas
sensíveis daqueles tempos deixando suas impressões em relatos amargos sobre os
impactos do industrialismo negligente nas cidades e suas populações.
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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Os impactos sobre a mancha urbana em decorrência do acentuado adensamento
determinarão também uma progressiva perda da homogeneidade social e arquitetônica e o
surgimento de uma nova paisagem urbana agora dominada pela fábrica e seus tentaculares
bairros operários caracterizando um definitivo aspecto fabril aos centros urbanos. As
clássicas gravuras de bairros pobres e apinhados de Londres feitas por Gustave Doré em
1872 retratam indeléveis impressões da insalubridade reinante a exigir toda uma sorte de
demandas urbanas numa escala de atendimento desproporcional às possibilidades
existentes vindo a fomentar iniciativas heróicas dos pré-urbanistas e reformadores sociais.
Os novos conflitos capital-trabalho gerados nesse processo marcarão também o
aparecimento de uma classe operária consciente e determinada a obrigar a tematização de
questões cruciais a sua reprodução como moradia e salário dignos, para ficarmos com as
mais óbvias. Este será o caldo ideológico que alimentará a luta de classes durante a fase de
implantação do industrialismo e que deve ser considerado por quem pretenda entender o
universo político-social que envolve a gênese das demandas operárias da segunda metade
do século XIX. Essa compreensão se faz necessária para que possamos introduzir aqui
questões que dizem respeito a novas demandas sociais em curso e seus desdobramentos
notáveis no perfil de uso das áreas livres públicas de lazer. Tais demandas não menos
importantes se farão presentes na agenda de reivindicações populares relacionadas ao
clássico direito à cidade, entendido aqui como o direito a apropriação de espaços de
sociabilidade historicamente negados pelas administrações burguesas num contexto
marcado pelo estranhamento e o recorte de classe. Será o momento em que a história
aponta a emblemática tematização do “tempo livre” na dinâmica da ordem de trabalho
gerado e consolidado a partir da organização das forças produtivas do capitalismo.
Apontamos, ainda, o nascente ideal de salubridade e suas conseqüentes ações de higiene
pública aplicadas ao corpo e a mente do trabalhador e que virão a favorecer o
estabelecimento de medidas compensatórias que garantissem a preservação do tecido social
ou, segundo a ótica capitalista, da preservação da mão-de-obra operária. Novos saberes em
ascensão ligados a medicina do trabalho como a psicotécnica, a higiene mental, a fisiologia
e, num segundo momento, a psicologia social, farão com o que o lazer passe a ser visto
como uma necessidade à saúde física e mental do trabalhador industrial ganhando atenção
dos reformadores do final do século XIX, o que acabará por afasta-lo de qualquer
identificação com a perniciosa e indesejável ociosidade. Pesquisas divulgadas em
congressos e publicadas em revistas de época revelarão novidades científicas que
ultrapassarão fronteiras e mares chegando ao conhecimento de reformadores brasileiros
mais afetos a questão do lazer como o educador paulistano Fernando de Azevedo (1894-
1974) que assumirá publicamente posturas idênticas as de seus contemporâneos na
promoção dos usos do tempo livre em atividades físicas repercutindo aqui as tendências em
voga na Europa e nos EUA. Diretor de Instrução Pública do Estado de São Paulo nos anos
1930, Azevedo será figura irretocável na organização de políticas públicas voltadas a difusão
de um certo lazer “reformador” que contribuirá efetivamente para o surgimento dos Parques
Infantis.
Se a paisagem urbana ao longo do século XIX difundirá o parque romântico como antídoto
contra os males da insalubridade e fator pedagógico ligado a questões de reforma moral
presumidamente internalizadas no contato estimulante com a paisagem campestre segundo
apregoava a burguesia rural, se renderão naquele momento às novas evidências amparadas
pela ciência da época. A necessidade de favorecer uma maior acessibilidade aos espaços
de lazer virá condicionada nas novas teorias em voga no final do século XIX que assimilarão
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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o lazer operário como medida regressiva das tensões do mundo do trabalho, ganhando
adesão cada vez maior entre reformadores, urbanistas e mesmo setores patronais, ligados
tanto por motivações econômico-políticas quanto a questões subliminares decorrentes da
necessidade de se impor formas mais brandas de controle social.
A arquitetura responderá supletivamente aos objetivos da ordem institucional em vigor
promovendo a organização do tecido urbano e o conseqüente reequipamento edilício da
esfera pública com uma vasta genealogia de tipos arquitetônicos voltada a formas diversas
de apropriação social. A tipologia lúdico-pedagógica surgirá exatamente nesse contexto
voltada concomitantemente para o controle social através de um lazer catártico bem como
por objetivos eugênicos ligados ao adestramento de corpos e mentes a partir de
necessidades políticas e econômicas bem delineadas. A tipologia lúdico-pedagógica voltar-
se-á, essencialmente, ao público infanto-juvenil, considerado o grupo etário mais afetado
pelo ritmo das transformações sociais e urbanas impostas pelo industrialismo e que colocará
a rua como lugar inóspito e perigoso. A criança, vista pela pedagogia frobeliana em voga
como um ser cuja evolução sadia necessitava de cuidados e estímulos sensoriais através de
atividades lúdicas e, sendo o jardim público um espaço de lazer do adulto, espaço de
galanteria, para ver e ser visto para o qual o adulto apropriava-se egoisticamente, tornavam-
se, tais espaços, portanto, inadequados a sua permanência sob o ponto de vista lúdico. A
rua, degradada, não era mais um lugar de brincar em plena sociedade industrial. E pensar
num adequado ambiente lúdico-pedagógico torna-se, então, uma exigência no universo de
ação de educadores e reformadores europeus preocupados com a sociedade do amanhã.
Contudo, a gênese da proposta é ainda um enigma não solucionado. É certo, porém, que se
localiza em solo europeu a primazia da organização de espaços lúdicos constituídos a partir
de experiências pedagógicas autodesenvolvidas que num certo momento se fundirão com
outras vertentes criando as bases de uma peculiar tipologia arquitetônica voltada aos
folguedos infanto-juvenis. Referências historiográficas localizam o aparecimento de ações
médico-pedagógicas conduzidas pioneiramente na Alemanha por Froebel (1782-1827) vindo
a associar-se num segundo momento a tese inglesa então em voga que pregava a
“influência dos jogos sobre as emoções das pessoas”, o que concorrerá para a organização
de um equipamento lúdico-pedagógico de grande apelo popular na Europa a partir da
segunda metade do século XIX. Este equipamento, chamado Kindergaerten, será o primeiro
protótipo de uma tipologia de espaço lúdico-pedagógico a ser implantado sistematicamente
em jardins escolares europeus mais tarde alastrando-se em espaços livres públicos, e que
servirá de inspiração para o modelo paulistano, segundo nos revela Nicanor Miranda que
trabalhara ao lado de Mário de Andrade no Departamento de Cultura.
A apropriação do kindergaerten por educadores norte-americanos na metade do século XIX
também incorporada inicialmente ao universo escolar daquele país terá significativos
desdobramentos a partir de sua posterior inclusão nos espaços livres públicos inserida no
espírito de uma bem conduzida política de bem estar social assumida por grupos sociais na
virada do século XIX para o XX. É quando o kindergaerten ganhará contornos de um
importante equipamento de consumo coletivo ao ser introduzido pelas municipalidades no
âmbito do Parks Moviment. A consolidação desta tipologia de origem germânica no
urbanismo norte-americano introduz o elo de ligação com a experiência paulistana ao servir
de paradigma para o surgimento aqui de uma linhagem tipológica de equipamentos de lazer
que nossos reformadores e urbanistas absorverão nos anos 1920-30 face a influência
ideológica e cultural que havia com nação norte-americana.
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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O legado germânico no âmbito da apropriação lúdica dos espaços livres, contudo, vai muito
além da proposta dos kindergaerten frobelianos. Todo um debate de construção de espaços
de lazer ocorrerá na primeira década do século XX dentro de um sentimento de busca de um
novo estilo funcional que expressasse a modernidade social e desenvolvimentista da nação
alemã sem negar valores vernaculares oriundos de sua forte tradição naturalista. Um
sentimento de valorização dos espaços de permanência assentados nos propósitos globais
da higiene urbana emergirá nos primeiros anos do século XX definindo novos programas de
arquitetura paisagística, cabendo a conceituada Deutscher Volksparbund (Associação Alemã
de Parques para a População), fundada por Ludwig Lesser em 1913, estabelecer elementos
projetuais que determinarão uma qualificação lúdica e esportiva dos espaços livres. Uma
experiência que correrá paralela a experiência norte-americana certamente com mútuas
pertinências e influências projetuais. 1
A também notável trajetória do Parks Moviment, segundo periodização feita por Galen Cranz,
2
não finda no apogeu do Pleasure Garden iniciada em 1850 e esgotado em 1900, fase mais
conhecida pela construção dos grandes parques urbanos ao estilo paysage que consagrará
os trabalhos do arquiteto-paisagista Frederick Law Olmstead. O Pleasure Garden, fase inicial
do Parks Moviment, possivelmente inspirado no sucesso dos parques parisienses criados por
Hausmman na metade do oitocentos num renovado estilo paisagístico inglês receberá de
Olmstead, porém, um tratamento diferenciado assimilando questões conservacionistas e
uma evidente vocação para lazer de massa. Objetivos moralizantes supostamente
encontrados no contato estimulante com a natureza também farão parte de toda uma
pedagogia de sociabilidade e fruição contemplativa proporcionada pelo lazer semanal nos
arredores da cidade.
O kindergaerten fora um espaço lúdico inserido no universo escolar até
sua popularização nas áreas livres públicas na metade do oitocentos.
1
MICHELLIS, Marco De, A Revolução Verde: Leberechet Migge e a Reforma do Jardins no
Modernismo Alemão. In: MOSSER, Monique e, 1991.
2
CRANZ, Galen, The Reform Park in the United States (1900-1930). In: MOSSER, op. cit
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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Sob o ponto de vista projetual, os elementos de composição do Pleasure Garden segundo a
tratadística adotada não irão se distanciar muito da lógica pitoresca e romântica de
organização de espaços e cenários embora outros objetivos estivessem presentes nas
intenções de Olmstead, conforme já o dissemos. Entretanto será na fase seguinte, ainda
segundo Galen Cranz, que uma nova tipologia de lazer emergirá estabelecendo uma
funcionalidade apropriada as novas demandas sociais. A nova paisagem urbano-industrial
que se desenhava evidenciará demandas reprimidas por formas organizadas de recreação
vindo consequentemente a promover o esvaziamento das intenções moralizantes do lazer
contemplativo prenunciando o surgimento da próxima fase denominada de Reform Park que
se iniciará na virada do século XIX para o XX e que pretenderá resolver a delicada questão
da acessibilidade aos espaços de lazer. Algo importante se considerarmos o momento
crucial em que as forças produtivas do capitalismo começam a organizar e oferecer lazer
com propósitos de distensão social. Ao contrário dos grandes parques, estes pequenos e
bem aparelhados recintos de permanência situavam-se dentro dos limites da cidade
localizados nos arredores dos bairros operários numa distância que poderia ser percorrida
facilmente a pé revelando aí a gênese dos atuais parques de vizinhança. Esta tipologia
emergirá como alternativa aos parques urbanos situados geralmente longe dos bairros
populares vindo a complementar o sistema de lazer intra-urbano considerando a perspectiva
de uma permanência de uso diário.
A idéia do espaço lúdico, apropriada a partir da experiência do kindergaerten alemão
consolidar-se-á nos logradouros públicos a partir do final do século XIX dentro de propósitos
de reforma social. Tirar crianças da rua, estendendo-se num segundo momento aos demais
setores marginalizados da sociedade levando-os para local protegido onde encontrará
chuveiros, refeitório, biblioteca, gabinetes médico-odontológicos, e, ainda por cima uma série
de divertimentos organizados em forma de generosos playgrounds, quadras e piscinas sob
supervisão de recreadores e assistentes sociais será parte de uma bem delineada política de
bem estar social de forte apelo junto aos setores populares em geral imigrantes e emigrantes
recém chegados a cidade em busca de espaços de sociabilidade. Não escondiam outros
Central Park (Nova York, 1858), fase Pleasure Garden do
Movimento de Parques: lazer contemplativo e familiar.
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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propósitos subliminares ligados a “americanização” dos imigrantes e uma adaptação pela
via pedagógica aos padrões de civilidade e valores pátrios da nova terra. O Refom Park
ajudou a amenizar a crise social que se seguiu aos anos da depressão servindo como base
de ação para políticas inclusivas. Seu oferecimento tinha um duplo significado. Além de
afigurar-se no contexto de melhoria das condições de reprodução social o lazer ali
proporcionado agia como um fator regressivo das tensões no mundo do trabalho. Um certo
lazer pedagógico ou uma pedagogia do lazer começava a emergir respaldada no
conhecimento da ciência da época resultando em teorias difundidas pelas nascentes saberes
da psicologia e sociologia do trabalho em congressos e revistas especializadas do início do
século XX e que tinham no Reform Park um laboratório de ações práticas segundo propunha
os reformadores.
A tipologia Reform Park conseguirá assim inserir-se funcionalmente na ideologia utilitária
requerida pelos defensores do pragmatismo econômico onde o retorno aos propósitos
maiores do capitalismo dissipará qualquer imagem de caráter ambíguo que associasse lazer
a ociosidade dando-lhe uma conotação funcional plenamente aceita pelas forças
econômicas. Por outro lado, o simples fato de brincar no playground envolverá a presença de
profissionais da higiene – médicos, higienistas e recreadores - para os quais o componente
lúdico relacionava-se com o desenvolvimento físico e social da criança e do futuro
trabalhador. A alta taxa de ocupação e seu desenho racionalizado e extroverso projetado
para permitir um programa repleto de facilidades esportivas e culturais garantirão o uso
“adequado” do tempo livre segundo esperavam os reformadores mais receosos vindo a
transformar-se no núcleo central dos novos bairros operários para onde a população
convergirá nos momentos de folga na jornada de trabalho. Num contexto de urbanização
acelerada, os novos equipamentos recreativos tornavam-se, assim, uma positiva
externalidade que guiará a futura organização do tecido urbano a partir de uma centralidade
evoluída da localização desse equipamento.
O espaço do playground concebido inicialmente em alguns exemplares da fase Pleasure
Garden dentro de uma tentativa de zoneamento por sexo de atividades recreativas
(masculinas e femininas) apropriado do modelo funcional de organização industrial taylorista
ganhará importância a partir da introdução de brinquedos no final do século XIX como forma
de organizar e racionalizar as atividades lúdicas contestando de forma definitiva a hegemonia
do lazer contemplativo frente aos imperativos da moderna recreação urbana. O debate
envolvendo a questão do lazer ativo x passivo dividirá por muito tempo os reformadores
antes de sua apropriação nos espaços livres. Antes vistas com restrição nos parques
urbanos algumas décadas antes, os equipamentos recreativos eram agora estimulados no
padrão Reform. Concebidos inicialmente em madeira, de pouca durabilidade, aos poucos
serão substituídos por modelos em ferro, com design desenvolvido a partir da moderna
tecnologia industrial. Cartilhas explicativas serão distribuídas em escolas e institutos sociais
procurando difundir modelos de equipamento ergometricamente adequados aos propósitos
da recreação e da educação física.
A composição paisagística ali determinada com significativa presença de áreas
pavimentadas subverterá os padrões organicistas e introversos tradicionalmente encontrados
no Pleasure Garden estabelecidos ao gosto de uma elite rural anti-urbana. O espelho d´água
de grande valor bucólico e pitoresco no padrão Pleasure Garden transforma-se agora em
concorridas piscinas com seu uso relacionado a propósitos higiênicos. O espaço comportará
todo o programa em uma ou duas quadras contíguas situadas sempre próximas a bairros
operários tal qual o modelo paulistano.
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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Golden Gate Park (Chicago, 1890) e o início da fase Reform Park:
o playground se estabelece em decorrência da organização do
lazer e o estímulo à recreação nos espaços livres públicos.
Fonte: MOSSER 1991
Stanfor Park (Chicago, 1915): o Reform Park se consolida
junto aos bairros operários como proposta de inclusão social
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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Compreendido pela ciência e aceita pela classe patronal a partir do entendimento das suas
funções regressivas, o lazer, palavra proveniente do latim licere, significando “lícito”,
“permitido”, uma “pausa” socialmente aceita no mundo do trabalho, para onde uma nova
sociabilidade começa a se formar aproximando pessoas e grupos sociais, aliviando tensões
reprimidas, sublimando ansiedades, conferirá uma nova realidade às vivências humanas
humanizando a rigidez da urbanização capitalista e industrial. O espaço lúdico torna-se
assim emblemático e representativo de uma mudança de atitudes e de valores sociais que
acompanhará de perto o surgimento da moderna sociedade urbano-industrial materializada
na busca da coletivização dos espaços livres. Espaço este assimilado contemporaneamente
em São Paulo na década de 1930 como prova o aparecimento do Parque Infantil.
Arriscamos considerar o Parque Infantil como um divisor de águas no estabelecimento de
uma efetiva política de lazer em São Paulo, se considerarmos que o oferecimento de
parques urbanos na República Velha, enquanto espaços livres públicos de lazer, estavam
até então ligados a interesses maiores de preservação de mananciais e a higiene urbana.
Em geral, servindo bem as exigências de uma população tradicional já acostumada ao lazer
junto as várzeas dos rios, mas pouco empenhado em reunir e organizar equipamentos
recreativos voltados a difusão de um lazer de massas. Uma exceção a regra teria sido o
Parque D. Pedro II, se ali tivessem sido contemplados os equipamentos e outras atrações
lúdicas inicialmente previstas em projeto pelo paisagista francês Cochet quando entregue à
população em 1922 seguindo um padrão de projeto já consolidado na Europa e nos EUA.
Essa imperdoável exclusão parece ter sido motivo para o parque D. Pedro sediar um Parque
Infantil, obra, segundo consta, iniciada na curta gestão Anhaia Mello (1930-31) e inaugurada
por Fábio Prado (1934-36) o que mostra a proximidade de Anhaia Mello com o tema, algo
que certamente renderia frutos não fosse sua efêmera passagem pelo executivo municipal.
Seu nível de participação neste programa, quiçá na arquitetura é, todavia, algo que merece
ser investigado com maior profundidade.
O discurso progressista de Anhaia Mello cujos indícios preliminares apontam sua
participação na criação do Departamento de Cultura iluminam também a possível
participação do urbanista e ex-prefeito paulistano no planejamento do programa de
construção de Parques Infantis segundo apreendemos na sua postura frente as demandas
por recreação da qual era um defensor consciencioso:
O conceito de parque evoluiu. Não é mais o conceito puramente estético da primeira fase da
renascença do urbanismo: um tapete de relva, arbustos em desenhos simétricos, tufos de
árvores, o lago romântico para cisnes e para o enlevo de poetas. Cedo compreenderam os
urbanistas que tais espaços abertos bem podiam acumular as funções de reservatórios e
filtros de ar ou de pulmões das cidades com outras mais úteis, mais necessárias e que
melhor correspondem às exigências da cidade industrial moderna. Eles agora destinam-se
ao recreio ativo de todas as classes da população e de todas as idades, desde a
criança da idade pré-escolar até o adulto. O tapete de relva transformou-se no play-
ground, no play-field; o lago, na piscina ou no skatinpoun (sic) [MELLO, A, IESP, 1929].
Grifo meu.
Seu discurso carregado de conceitos apropriados da ideologia do modelo Reform como
playground ou play-field, elementos funcionais da moderna praça de recreio, revelam um
conhecimento de causa. Preocupações com a qualificação dos espaços livres públicos
exigiam, segundo Anhaia Mello, o repensar da cidade industrial moderna, algo que no caso
paulistano só será possível na década de 1930 ao lado de Mário de Andrade e Fernando de
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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Azevedo, na curta aura de progressivismo vivida no governo Fábio Prado antes do golpe
getulista. Será nesse governo que o discurso progressista tomará forma e as utopias urbanas
no campo da promoção de uma cultura do lazer finalmente poderão ser concretizadas com
respaldo político materializando-se em um equipamento arquitetônico sem precedentes.
A prefeitura paulistana já respaldada nos lucros da produção agro-exportadora do café
permitirá consolidar uma estrutura administrativa para atender as novas demandas urbanas
seguindo uma postura comum de “afirmação do urbanismo” nas cidades brasileiras enquanto
nova área de conhecimento e de prática profissional. Época que ficará marcada pela
circulação de idéias no campo do urbanismo e de gestão das cidades. Em São Paulo a
posse de Fábio Prado em 1934 representará esse momento de ruptura e afirmação da
modernidade estabelecido a partir da sua ambiciosa política cultural entregue a setores
modernistas. É quando se lançará o Parque Infantil, carro chefe da política de urbanização e
de urbanidade, uma antiga aspiração modernista por onde se extravasará toda uma
ansiedade que unirá intelectuais e elites ilustradas em torno do ideal de progresso social. A
visão que norteará a política cultural da prefeitura paulistana da qual emergirá os Parques
Infantis deverá muito a figuras irretocáveis como Mário de Andrade, Fernando de Azevedo,
Plínio Barreto, Paulo Duarte, Julio de Mesquita Filho, entre outros fundadores do
Departamento de Cultura. A postura nitidamente progressista daqueles personagens mostra
o alcance pedagógico e o forte componente cultural daquela política que os Parques Infantis
ajudarão a promover.
Sob o ponto de vista do espaço arquitetônico, trabalhamos com a hipótese da introdução em
São Paulo de uma categoria de equipamento urbano que revela grande sintonia com os
objetivos e os padrões encontrados no Reform Park ainda que os Parques Infantis evoquem
para si emulações auto-desenvolvidas em seu planejamento. Análises preliminares revelam
uma mesma raiz tipológica comum em face de uma articulação espacial firmada a partir de
uma igual relação de exigências práticas e ideológicas sedimentadas no mesmo plano
cultural. Tanto O Parque Infantil paulistano quanto o Reform Park pretendiam atingir um
mesmo público alvo na mesma expectativa de inclusão social
As condições para o oferecimento do Parque Infantil se traduzirão em ações integradas
pensadas desde a administração Antônio Carlos Assumpção (1933-1934) com o Ato no. 590
de 26 de março de 1934 onde se programará os primeiros alicerces para uma política de
lazer e recreação na cidade. Se complementará no Ato 1146/36 já no governo Fábio Prado
(1934-1936) onde se organizará a atividade dos “instrutores sanitários” formados pelo
prestigioso Instituto de Higiene de São Paulo responsável pela execução das políticas de
higiene para os estabelecimentos de ensino. Aos instrutores cabiam, segundo aquele Ato...
zelar pela saúde das crianças (...); investigar sobre as condições sanitárias do meio social de
que provenham (...); orientar as atividades recreativas da criança (...) sem lhes perturbar ou
ameaçar a liberdade e a espontaneidade nos jogos (...); aproveitar as oportunidades que lhes
proporcionar (sic) o interesse das crianças para lhes ministrar a educação física
sistematizada através de exercícios adequados.
Os Parques Infantis nascerão com forte vocação para parque de vizinhança quando se
propõem resolver a questão da acessibilidade ao lazer na escala do bairro, oferecendo
playgrounds, campos de jogos e todo um estilo de paisagem utilitária. Assim como seu
paradigma mais conhecido, o Parque Infantil também atingirá um ou dois quarteirões nos
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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arredores de bairros operários de forma a melhor atender as populações marginais
“economicamente desajustadas”, como propunha seus idealizadores. Mais tarde aparecerá
uma unidade mínima denominada “Recanto Infantil”, inserida na escala do lote, de qualidade
duvidosa merecendo críticas do urbanista Robert Moses em seu Relatório aludindo a
descaracterização do programa. 3
Vista do pioneiro Parque Infantil de Santo Amaro (década de
1930) destacando o playground em primeiro plano e o bloco
administrativo ao fundo. Notar a colocação do componente
vegetal junto as divisas preservando o espaço central para as
atividades lúdicas. Fonte: DC-PMSP, 1938.
Parque Infantil de Santo Amaro e o uso do playground sob
presença sempre constante das recreadoras.
Fonte: DC PMSP 1938
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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A planta padrão do PI comporá um programa arquitetônico de crescente atualização em face
das necessidades ampliadas de lazer e de assistência moral. Os modelos mais evoluídos da
primeira fase possuirão biblioteca, refeitório, oficinas para trabalhos manuais, palcos para
apresentações teatrais e musicais, gabinete médico-odontológico e instalações
administrativas e funcionais para direção, recreadores e higienistas. Não havia salas de aula.
A área coberta era mínima, em geral ocupando em torno de 15% do terreno deixava um
vasto espaço livre ocupado por um generoso playground. O plantio de árvores e arbustos em
linha junto às cercas divisórias buscava amenizar o calor do verão e caracterizava
espacialmente a praça. O componente vegetal e o extenso gramado oferecia tudo aquilo
que os manuais de higiene preconizavam representado na tríade sol, ar puro e vegetação.
Incorporar-se-á, ainda, ao programa arquitetônico num segundo momento pistas de corrida,
locais para jogos atléticos e esportivos, campos de ginástica e piscinas tornando-se um
precioso espaço de lazer numa época em que já se pressentia a ganância especulativa com
o solo urbano. Os blocos funcionais implantavam-se nas extremidades do terreno liberando
o gramado para as atividades lúdicas e eventos franqueados ao público. Exercícios de
ginástica ao ar livre, jogos e brincadeiras, banhos de piscina, propiciavam uso contínuo do
Vista do playground do Parque lnfantil D. Pedro II construído no
interior do parque de mesmo nome. A qualificação lúdica do
parque urbano dá-se somente com a construção do PI ao final da
década de 1930 o que, contudo, não evitará a lenta destruição do
parque urbano. Fonte: DC-PMSP, 1938.
3
Referimo-nos ao “Programa de Melhoramentos Públicos para a cidade de São Paulo” (1950) ou
simplesmente Relatório Moses, onde o urbanista norte-americano traçará, a convite da prefeitura
municipal, recomendações para políticas setoriais incluindo o lazer. Será levado a conhecer os
Parques Infantis os quais terá boa impressão apesar de apontar a necessidade de outros
equipamentos de lazer na escala urbana e regional.
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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Parque Infantil nos três turnos chegando a contar algumas unidades com centenas de
jovens em geral filhos de operários. Profissionais de recreação e higiene social revezavam-
se na organização e supervisão das atividades ali oferecidas as quais não contemplava
atividade escolar convencional. Apenas para alimentar a “cultura do espírito” como definiu
certa vez Mário de Andrade.
Fachada do PI da Barra Funda inaugurado na década de
1940 pertencente a fase pioneira iniciado no período em
que Mário de Andrade esteve a frente do DC. Notar sua
implantação de esquina impondo forte visibilidade ao
equipamento institucional.
Fonte: DC-PMSP, 1949.
Fachada do PI da Vila Romana inaugurada na década de
1940 em estilo mais despojado com o extenso gramado e a
piscina localizados na fachada. Fonte: DC-PMSP, 1949.
Detalhe da piscina do PI da Vila Romana sob supervisão das
recreadoras. Seu uso estava ligado a objetivos tanto lúdicos
quanto por questões “higiênicas”.
Fonte: DC-PMSP, 1949.
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
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O Departamento de Cultura durante a gestão Mário de Andrade se empenhará na construção
dos seis primeiros PI´s de uma série inicialmente prevista, segundo nos revela Paulo Duarte,
então chefe de gabinete de Fábio Prado, para algo em torno de 60 unidades a serem
construídas ainda naquele governo. 4
A proposta era estarem articulados aos propósitos de
planejamento paisagístico que vinha sendo estudado pela Comissão do Plano da Cidade no
interesse de proporcionar urbanidade e de “fixar paisagens municipais dignas de
preservação”. 5
Os Parques Infantis, ou um sistema de Parques Infantis, por este aspecto,
estariam sendo pensados como parte de um processo de planejamento integrado o que nos
faz pensar que num segundo momento se condensariam na malha urbana na forma de
parques de vizinhança tal qual ocorrera com o modelo Reform Park nas cidades americanas
se somando assim ao sistema de áreas livres públicas de lazer da cidade. 6
Parque Infantil da Lapa, inaugurado na década de 1940, com a implantação
característica ocupando toda uma quadra proporcionando grande visibilidade.
Notar sua vocação para Parque de Vizinhança que, ao contrário de seu paradigma
inspirador, não veio a se concretizar, contribuindo para o déficit de áreas livres
públicas de lazer em SP. Fonte: PMSP-Edif 2.4
As unidades entregues por Mário de Andrade foram os PI´s da Lapa, Parque D. Pedro II e
Santo Amaro, deixando semi-prontas as unidades do Tatuapé, Barra Funda, Catumbi e Vila
Romana. Excetua-se a unidade do Ipiranga inaugurada na gestão de Antônio Carlos Assumpção
(1933-34) a partir de uma proposta desenvolvida por Fernando de Azevedo.
5
DUARTE, Paulo, 1971:62.
6
A eclosão do golpe getulista inviabilizará a permanência de Mário de Andrade no Departamento
mesmo porque, segundo Paulo Duarte, o prefeito imposto, Prestes Maia, não dará prioridade ao
programa inviabilizando o plano inicialmente traçado para dotar a cidade de São Paulo de um
sistema de Parques Infantis que proporcionaria lazer e assistência social a toda população.
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
14
A preocupação da primeira geração de projetistas de PI´s, na sua totalidade funcionários da
prefeitura paulistana era a de favorecer visibilidade considerando que representava ali a
materialização de uma modernidade na gestão pública ainda que sua arquitetura se
afigurasse no máximo proto-moderna. Por isso eram construídos em quadras bem
localizadas formando atraentes pontos focais com a piscina e o playground defronte as
fachadas caracterizando um conjunto arquitetônico de forte apelo emocional e cívico. De
início uma arquitetura neocolonial, segundo consta, imposta por um romântico Fernando de
Azevedo, apoiado nas mãos hábeis do historiador e desenhista Wasth Rodrigues (1891-
1957) se sobressairá com seus frontões e telhados de amplas águas, tida pelo ilustre
educador como imagem de uma modernidade de raízes nacionais. Das permanências
tradicionalistas até a consolidação da arquitetura moderna após a assinatura do Convênio
Escolar em 1950 passarão quase duas décadas de empirismos e tentativas de engajamento
projetual nas posturas racionalistas. Contudo, importava a reformadores e educadores a
modernidade que o Parque Infantil inspirava enquanto equipamento voltado ao
desenvolvimento das estruturas urbanas e o alcance social que lhe era decorrente.
O lançamento do programa de construção de Parques Infantis iniciado nos anos 1930, com
certeza presenciou (e exigiu) a formação de uma estrutura técnica especializada nos órgãos
de planejamento da prefeitura para atender as suas necessidades operacionais. Sabemos,
nesse aspecto, como foi fundamental o intercâmbio cultural envolvendo arquitetos,
engenheiros e gestores públicos com instituições estrangeiras para onde procuravam
especialização ou atualização. Em alguns casos a contratação de especialistas estrangeiros
contribuiu para o aperfeiçoamento profissional como foi a consultoria dada por Robert Moses
em São Paulo nos anos 1940 quando avaliará positivamente o programa de construção de
Parques conduzido pela prefeitura.
Além das consultorias, muitos profissionais seguirão ao exterior em viagens de estudos ou
em visitas técnicas para depois ocuparem cargos públicos de destaque nas recém formadas
estruturas administrativas municipais. Esse parece ter sido o caso do jornalista Nicanor
Miranda, então Diretor da Divisão de Educação e Recreios do Departamento de Cultura entre
1937 e 1945. Pertencente a equipe pioneira dirigida por Mário de Andrade junto ao
Departamento, Miranda esteve diversas vezes aos EUA em missões de intercâmbio cultural
a convite da National Recreation Association, influente entidade centralizadora das atividades
de recreação daquele país. Artigos publicados em revistas do Departamento de Cultura e
matérias jornalísticas de sua autoria revelavam um notório conhecimento da temática do
lazer. Miranda que certamente conhecera de perto o Reform Park, possivelmente fora o
primeiro técnico especializado em lazer formado pela repartição pública a contribuir
imensamente para a organização dos Parques Infantis até sua aposentadoria do serviço
público na década de 1940. Junta-se a ele outros nomes, alguns já citados aqui, onde se
exigirá um aprofundamento da pesquisa para aferir o grau de envolvimento na concepção
programática dos Parques Infantis, e de uma pertinente legislação a que muitas tipologias
lúdico-pedagógicas atuais evoluídas dessa experiência devem crédito.
PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
15
BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Fernando de, Da Educação Física. São Paulo: Melhoramentos, 1960.
BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à História Contemporânea. São Paulo, 1978.
BENEVOLO, Leonardo, História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 1983.
CRANZ, Galen, Changing roles of urban parks: From pleasure garden to open space. In:
Landscape. Vol. 22, no. 3. Palo Alto (USA): The national Press, 1978:9-18.
, Galen, The politcs of Park Design. Cambridge: The Mit Press, 1982.
DUARTE, Paulo, Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971.
LEME, Maria Cristina et alli (org.). Urbanismo no Brasil; 1865-1965. São Paulo: Fupam /
Nobel, 1999.
MELLO, Luiz Anhaia. Problemas de Urbanismo. Boletins do Instituto de Engenharia de São
Paulo. São Paulo: IE, 1929.
MOSSER, Monique e, History of Garden Design. Thames and Hudson Ltd. 1992
NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa, Parques Infantis de São Paulo. São Paulo:
Annablume/ Fapesp, 2002.
REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL. Departamento de Cultura da PMSP. Anos 1930-40.
Nota dos Editores
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professores da FAU nem da equipe editorial da revista, sendo o conteúdo e a veracidade dos
artigos de inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores, inclusive quanto aos direitos
autorais de terceiros.
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uso e publicação dos mesmos por meios eletrônicos e outros pela Área de Paisagem e
Ambiente (eventualmente em parcerias com terceiros), com finalidades acadêmicas, de debate
e divulgação de informação. Ou seja, os artigos publicados passam a fazer parte do acervo da
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  • 1. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 1 artigo publicado em novembro/2005 UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A PESQUISA EM HISTÓRIA DO PAISAGISMO: OS PARQUES INFANTIS E AS RESSONÂNCIAS DA TIPOLOGIA REFORM PARK EM SÃO PAULO Carlos Augusto da Costa Niemeyer Arquiteto e Mestre pela FAU.USP Trabalho apresentado à disciplina AUP 5810-Paisagismo, ministrada sob responsabilidade dos professores Euler Sandeville e Hugo Segawa, no Programa de Pós-Graduação da FAU.USP, Área de Concentração Paisagem e Ambiente Introdução O presente trabalho baseia-se em hipóteses ainda em processo de investigação onde se pretende uma abordagem particularizada sobre um aspecto peculiar de apropriação cultural no campo do paisagismo e da gestão urbana em São Paulo. O estudo aqui esboçado tem o objetivo de ensaiar algumas referências teóricas e projetuais que permitam identificar nos Parques Infantis concebidos pelo Departamento de Cultura da prefeitura de São Paulo quando dirigido pelo poeta Mário de Andrade no início da década de 1930, além de um notável equipamento lúdico-pedagógico oferecido no interesse da promoção social, indícios de apropriação de uma tipologia funcional popularizada no âmbito do Parks Moviment norte- americano em sua fase Reform Park (1900-1930), momento este que aponta para o início de um aparelhamento institucional destinado à recreação de massa nos espaços livres urbanos. O oferecimento dos Parques Infantis descreve um percurso de idéias e de proposições ideológicas similares a que animou seu paradigma mais conhecido dentro de uma proposta de reprodução social com base no oferecimento de um bem sucedido programa de construção de equipamentos de lazer sem precedentes em São Paulo. Num outro aspecto, seu oferecimento relacionava-se com a construção de uma paisagem urbana até então marcada pela dualidade entre o discurso pragmático da atividade econômica para a qual os espaços de lazer eram vistos sob o rótulo da improdutividade e seus usuários como ociosos e de outro, aqueles que pleiteavam uma maior humanização da cidade no tocante a produção de espaços livres públicos qualificados aos interesses da sociabilidade e da cidadania. A história nos revela o prodigioso e dramático alcance das transformações sociais advindas da Segunda Revolução Industrial iniciada na Europa por volta de 1870 ao introduzir processos científicos de organização capitalista na perspectiva de maximização da produção com conseqüente repercussão no mundo do trabalho. O que irá consolidar as bases de uma sociedade urbano-industrial com todas as implicações em termos de perda da liberdade de iniciativa do trabalhador outrora autônomo na sua produção artesanal agora confinado a estressantes linhas de montagem padronizadas. Autores consagrados do oitocentos europeu como Victor Hugo, Dickens, Engels, Baudelaire, entre outros, se fizeram testemunhas sensíveis daqueles tempos deixando suas impressões em relatos amargos sobre os impactos do industrialismo negligente nas cidades e suas populações.
  • 2. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 2 Os impactos sobre a mancha urbana em decorrência do acentuado adensamento determinarão também uma progressiva perda da homogeneidade social e arquitetônica e o surgimento de uma nova paisagem urbana agora dominada pela fábrica e seus tentaculares bairros operários caracterizando um definitivo aspecto fabril aos centros urbanos. As clássicas gravuras de bairros pobres e apinhados de Londres feitas por Gustave Doré em 1872 retratam indeléveis impressões da insalubridade reinante a exigir toda uma sorte de demandas urbanas numa escala de atendimento desproporcional às possibilidades existentes vindo a fomentar iniciativas heróicas dos pré-urbanistas e reformadores sociais. Os novos conflitos capital-trabalho gerados nesse processo marcarão também o aparecimento de uma classe operária consciente e determinada a obrigar a tematização de questões cruciais a sua reprodução como moradia e salário dignos, para ficarmos com as mais óbvias. Este será o caldo ideológico que alimentará a luta de classes durante a fase de implantação do industrialismo e que deve ser considerado por quem pretenda entender o universo político-social que envolve a gênese das demandas operárias da segunda metade do século XIX. Essa compreensão se faz necessária para que possamos introduzir aqui questões que dizem respeito a novas demandas sociais em curso e seus desdobramentos notáveis no perfil de uso das áreas livres públicas de lazer. Tais demandas não menos importantes se farão presentes na agenda de reivindicações populares relacionadas ao clássico direito à cidade, entendido aqui como o direito a apropriação de espaços de sociabilidade historicamente negados pelas administrações burguesas num contexto marcado pelo estranhamento e o recorte de classe. Será o momento em que a história aponta a emblemática tematização do “tempo livre” na dinâmica da ordem de trabalho gerado e consolidado a partir da organização das forças produtivas do capitalismo. Apontamos, ainda, o nascente ideal de salubridade e suas conseqüentes ações de higiene pública aplicadas ao corpo e a mente do trabalhador e que virão a favorecer o estabelecimento de medidas compensatórias que garantissem a preservação do tecido social ou, segundo a ótica capitalista, da preservação da mão-de-obra operária. Novos saberes em ascensão ligados a medicina do trabalho como a psicotécnica, a higiene mental, a fisiologia e, num segundo momento, a psicologia social, farão com o que o lazer passe a ser visto como uma necessidade à saúde física e mental do trabalhador industrial ganhando atenção dos reformadores do final do século XIX, o que acabará por afasta-lo de qualquer identificação com a perniciosa e indesejável ociosidade. Pesquisas divulgadas em congressos e publicadas em revistas de época revelarão novidades científicas que ultrapassarão fronteiras e mares chegando ao conhecimento de reformadores brasileiros mais afetos a questão do lazer como o educador paulistano Fernando de Azevedo (1894- 1974) que assumirá publicamente posturas idênticas as de seus contemporâneos na promoção dos usos do tempo livre em atividades físicas repercutindo aqui as tendências em voga na Europa e nos EUA. Diretor de Instrução Pública do Estado de São Paulo nos anos 1930, Azevedo será figura irretocável na organização de políticas públicas voltadas a difusão de um certo lazer “reformador” que contribuirá efetivamente para o surgimento dos Parques Infantis. Se a paisagem urbana ao longo do século XIX difundirá o parque romântico como antídoto contra os males da insalubridade e fator pedagógico ligado a questões de reforma moral presumidamente internalizadas no contato estimulante com a paisagem campestre segundo apregoava a burguesia rural, se renderão naquele momento às novas evidências amparadas pela ciência da época. A necessidade de favorecer uma maior acessibilidade aos espaços de lazer virá condicionada nas novas teorias em voga no final do século XIX que assimilarão
  • 3. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 3 o lazer operário como medida regressiva das tensões do mundo do trabalho, ganhando adesão cada vez maior entre reformadores, urbanistas e mesmo setores patronais, ligados tanto por motivações econômico-políticas quanto a questões subliminares decorrentes da necessidade de se impor formas mais brandas de controle social. A arquitetura responderá supletivamente aos objetivos da ordem institucional em vigor promovendo a organização do tecido urbano e o conseqüente reequipamento edilício da esfera pública com uma vasta genealogia de tipos arquitetônicos voltada a formas diversas de apropriação social. A tipologia lúdico-pedagógica surgirá exatamente nesse contexto voltada concomitantemente para o controle social através de um lazer catártico bem como por objetivos eugênicos ligados ao adestramento de corpos e mentes a partir de necessidades políticas e econômicas bem delineadas. A tipologia lúdico-pedagógica voltar- se-á, essencialmente, ao público infanto-juvenil, considerado o grupo etário mais afetado pelo ritmo das transformações sociais e urbanas impostas pelo industrialismo e que colocará a rua como lugar inóspito e perigoso. A criança, vista pela pedagogia frobeliana em voga como um ser cuja evolução sadia necessitava de cuidados e estímulos sensoriais através de atividades lúdicas e, sendo o jardim público um espaço de lazer do adulto, espaço de galanteria, para ver e ser visto para o qual o adulto apropriava-se egoisticamente, tornavam- se, tais espaços, portanto, inadequados a sua permanência sob o ponto de vista lúdico. A rua, degradada, não era mais um lugar de brincar em plena sociedade industrial. E pensar num adequado ambiente lúdico-pedagógico torna-se, então, uma exigência no universo de ação de educadores e reformadores europeus preocupados com a sociedade do amanhã. Contudo, a gênese da proposta é ainda um enigma não solucionado. É certo, porém, que se localiza em solo europeu a primazia da organização de espaços lúdicos constituídos a partir de experiências pedagógicas autodesenvolvidas que num certo momento se fundirão com outras vertentes criando as bases de uma peculiar tipologia arquitetônica voltada aos folguedos infanto-juvenis. Referências historiográficas localizam o aparecimento de ações médico-pedagógicas conduzidas pioneiramente na Alemanha por Froebel (1782-1827) vindo a associar-se num segundo momento a tese inglesa então em voga que pregava a “influência dos jogos sobre as emoções das pessoas”, o que concorrerá para a organização de um equipamento lúdico-pedagógico de grande apelo popular na Europa a partir da segunda metade do século XIX. Este equipamento, chamado Kindergaerten, será o primeiro protótipo de uma tipologia de espaço lúdico-pedagógico a ser implantado sistematicamente em jardins escolares europeus mais tarde alastrando-se em espaços livres públicos, e que servirá de inspiração para o modelo paulistano, segundo nos revela Nicanor Miranda que trabalhara ao lado de Mário de Andrade no Departamento de Cultura. A apropriação do kindergaerten por educadores norte-americanos na metade do século XIX também incorporada inicialmente ao universo escolar daquele país terá significativos desdobramentos a partir de sua posterior inclusão nos espaços livres públicos inserida no espírito de uma bem conduzida política de bem estar social assumida por grupos sociais na virada do século XIX para o XX. É quando o kindergaerten ganhará contornos de um importante equipamento de consumo coletivo ao ser introduzido pelas municipalidades no âmbito do Parks Moviment. A consolidação desta tipologia de origem germânica no urbanismo norte-americano introduz o elo de ligação com a experiência paulistana ao servir de paradigma para o surgimento aqui de uma linhagem tipológica de equipamentos de lazer que nossos reformadores e urbanistas absorverão nos anos 1920-30 face a influência ideológica e cultural que havia com nação norte-americana.
  • 4. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 4 O legado germânico no âmbito da apropriação lúdica dos espaços livres, contudo, vai muito além da proposta dos kindergaerten frobelianos. Todo um debate de construção de espaços de lazer ocorrerá na primeira década do século XX dentro de um sentimento de busca de um novo estilo funcional que expressasse a modernidade social e desenvolvimentista da nação alemã sem negar valores vernaculares oriundos de sua forte tradição naturalista. Um sentimento de valorização dos espaços de permanência assentados nos propósitos globais da higiene urbana emergirá nos primeiros anos do século XX definindo novos programas de arquitetura paisagística, cabendo a conceituada Deutscher Volksparbund (Associação Alemã de Parques para a População), fundada por Ludwig Lesser em 1913, estabelecer elementos projetuais que determinarão uma qualificação lúdica e esportiva dos espaços livres. Uma experiência que correrá paralela a experiência norte-americana certamente com mútuas pertinências e influências projetuais. 1 A também notável trajetória do Parks Moviment, segundo periodização feita por Galen Cranz, 2 não finda no apogeu do Pleasure Garden iniciada em 1850 e esgotado em 1900, fase mais conhecida pela construção dos grandes parques urbanos ao estilo paysage que consagrará os trabalhos do arquiteto-paisagista Frederick Law Olmstead. O Pleasure Garden, fase inicial do Parks Moviment, possivelmente inspirado no sucesso dos parques parisienses criados por Hausmman na metade do oitocentos num renovado estilo paisagístico inglês receberá de Olmstead, porém, um tratamento diferenciado assimilando questões conservacionistas e uma evidente vocação para lazer de massa. Objetivos moralizantes supostamente encontrados no contato estimulante com a natureza também farão parte de toda uma pedagogia de sociabilidade e fruição contemplativa proporcionada pelo lazer semanal nos arredores da cidade. O kindergaerten fora um espaço lúdico inserido no universo escolar até sua popularização nas áreas livres públicas na metade do oitocentos. 1 MICHELLIS, Marco De, A Revolução Verde: Leberechet Migge e a Reforma do Jardins no Modernismo Alemão. In: MOSSER, Monique e, 1991. 2 CRANZ, Galen, The Reform Park in the United States (1900-1930). In: MOSSER, op. cit
  • 5. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 5 Sob o ponto de vista projetual, os elementos de composição do Pleasure Garden segundo a tratadística adotada não irão se distanciar muito da lógica pitoresca e romântica de organização de espaços e cenários embora outros objetivos estivessem presentes nas intenções de Olmstead, conforme já o dissemos. Entretanto será na fase seguinte, ainda segundo Galen Cranz, que uma nova tipologia de lazer emergirá estabelecendo uma funcionalidade apropriada as novas demandas sociais. A nova paisagem urbano-industrial que se desenhava evidenciará demandas reprimidas por formas organizadas de recreação vindo consequentemente a promover o esvaziamento das intenções moralizantes do lazer contemplativo prenunciando o surgimento da próxima fase denominada de Reform Park que se iniciará na virada do século XIX para o XX e que pretenderá resolver a delicada questão da acessibilidade aos espaços de lazer. Algo importante se considerarmos o momento crucial em que as forças produtivas do capitalismo começam a organizar e oferecer lazer com propósitos de distensão social. Ao contrário dos grandes parques, estes pequenos e bem aparelhados recintos de permanência situavam-se dentro dos limites da cidade localizados nos arredores dos bairros operários numa distância que poderia ser percorrida facilmente a pé revelando aí a gênese dos atuais parques de vizinhança. Esta tipologia emergirá como alternativa aos parques urbanos situados geralmente longe dos bairros populares vindo a complementar o sistema de lazer intra-urbano considerando a perspectiva de uma permanência de uso diário. A idéia do espaço lúdico, apropriada a partir da experiência do kindergaerten alemão consolidar-se-á nos logradouros públicos a partir do final do século XIX dentro de propósitos de reforma social. Tirar crianças da rua, estendendo-se num segundo momento aos demais setores marginalizados da sociedade levando-os para local protegido onde encontrará chuveiros, refeitório, biblioteca, gabinetes médico-odontológicos, e, ainda por cima uma série de divertimentos organizados em forma de generosos playgrounds, quadras e piscinas sob supervisão de recreadores e assistentes sociais será parte de uma bem delineada política de bem estar social de forte apelo junto aos setores populares em geral imigrantes e emigrantes recém chegados a cidade em busca de espaços de sociabilidade. Não escondiam outros Central Park (Nova York, 1858), fase Pleasure Garden do Movimento de Parques: lazer contemplativo e familiar.
  • 6. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 6 propósitos subliminares ligados a “americanização” dos imigrantes e uma adaptação pela via pedagógica aos padrões de civilidade e valores pátrios da nova terra. O Refom Park ajudou a amenizar a crise social que se seguiu aos anos da depressão servindo como base de ação para políticas inclusivas. Seu oferecimento tinha um duplo significado. Além de afigurar-se no contexto de melhoria das condições de reprodução social o lazer ali proporcionado agia como um fator regressivo das tensões no mundo do trabalho. Um certo lazer pedagógico ou uma pedagogia do lazer começava a emergir respaldada no conhecimento da ciência da época resultando em teorias difundidas pelas nascentes saberes da psicologia e sociologia do trabalho em congressos e revistas especializadas do início do século XX e que tinham no Reform Park um laboratório de ações práticas segundo propunha os reformadores. A tipologia Reform Park conseguirá assim inserir-se funcionalmente na ideologia utilitária requerida pelos defensores do pragmatismo econômico onde o retorno aos propósitos maiores do capitalismo dissipará qualquer imagem de caráter ambíguo que associasse lazer a ociosidade dando-lhe uma conotação funcional plenamente aceita pelas forças econômicas. Por outro lado, o simples fato de brincar no playground envolverá a presença de profissionais da higiene – médicos, higienistas e recreadores - para os quais o componente lúdico relacionava-se com o desenvolvimento físico e social da criança e do futuro trabalhador. A alta taxa de ocupação e seu desenho racionalizado e extroverso projetado para permitir um programa repleto de facilidades esportivas e culturais garantirão o uso “adequado” do tempo livre segundo esperavam os reformadores mais receosos vindo a transformar-se no núcleo central dos novos bairros operários para onde a população convergirá nos momentos de folga na jornada de trabalho. Num contexto de urbanização acelerada, os novos equipamentos recreativos tornavam-se, assim, uma positiva externalidade que guiará a futura organização do tecido urbano a partir de uma centralidade evoluída da localização desse equipamento. O espaço do playground concebido inicialmente em alguns exemplares da fase Pleasure Garden dentro de uma tentativa de zoneamento por sexo de atividades recreativas (masculinas e femininas) apropriado do modelo funcional de organização industrial taylorista ganhará importância a partir da introdução de brinquedos no final do século XIX como forma de organizar e racionalizar as atividades lúdicas contestando de forma definitiva a hegemonia do lazer contemplativo frente aos imperativos da moderna recreação urbana. O debate envolvendo a questão do lazer ativo x passivo dividirá por muito tempo os reformadores antes de sua apropriação nos espaços livres. Antes vistas com restrição nos parques urbanos algumas décadas antes, os equipamentos recreativos eram agora estimulados no padrão Reform. Concebidos inicialmente em madeira, de pouca durabilidade, aos poucos serão substituídos por modelos em ferro, com design desenvolvido a partir da moderna tecnologia industrial. Cartilhas explicativas serão distribuídas em escolas e institutos sociais procurando difundir modelos de equipamento ergometricamente adequados aos propósitos da recreação e da educação física. A composição paisagística ali determinada com significativa presença de áreas pavimentadas subverterá os padrões organicistas e introversos tradicionalmente encontrados no Pleasure Garden estabelecidos ao gosto de uma elite rural anti-urbana. O espelho d´água de grande valor bucólico e pitoresco no padrão Pleasure Garden transforma-se agora em concorridas piscinas com seu uso relacionado a propósitos higiênicos. O espaço comportará todo o programa em uma ou duas quadras contíguas situadas sempre próximas a bairros operários tal qual o modelo paulistano.
  • 7. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 7 Golden Gate Park (Chicago, 1890) e o início da fase Reform Park: o playground se estabelece em decorrência da organização do lazer e o estímulo à recreação nos espaços livres públicos. Fonte: MOSSER 1991 Stanfor Park (Chicago, 1915): o Reform Park se consolida junto aos bairros operários como proposta de inclusão social
  • 8. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 8 Compreendido pela ciência e aceita pela classe patronal a partir do entendimento das suas funções regressivas, o lazer, palavra proveniente do latim licere, significando “lícito”, “permitido”, uma “pausa” socialmente aceita no mundo do trabalho, para onde uma nova sociabilidade começa a se formar aproximando pessoas e grupos sociais, aliviando tensões reprimidas, sublimando ansiedades, conferirá uma nova realidade às vivências humanas humanizando a rigidez da urbanização capitalista e industrial. O espaço lúdico torna-se assim emblemático e representativo de uma mudança de atitudes e de valores sociais que acompanhará de perto o surgimento da moderna sociedade urbano-industrial materializada na busca da coletivização dos espaços livres. Espaço este assimilado contemporaneamente em São Paulo na década de 1930 como prova o aparecimento do Parque Infantil. Arriscamos considerar o Parque Infantil como um divisor de águas no estabelecimento de uma efetiva política de lazer em São Paulo, se considerarmos que o oferecimento de parques urbanos na República Velha, enquanto espaços livres públicos de lazer, estavam até então ligados a interesses maiores de preservação de mananciais e a higiene urbana. Em geral, servindo bem as exigências de uma população tradicional já acostumada ao lazer junto as várzeas dos rios, mas pouco empenhado em reunir e organizar equipamentos recreativos voltados a difusão de um lazer de massas. Uma exceção a regra teria sido o Parque D. Pedro II, se ali tivessem sido contemplados os equipamentos e outras atrações lúdicas inicialmente previstas em projeto pelo paisagista francês Cochet quando entregue à população em 1922 seguindo um padrão de projeto já consolidado na Europa e nos EUA. Essa imperdoável exclusão parece ter sido motivo para o parque D. Pedro sediar um Parque Infantil, obra, segundo consta, iniciada na curta gestão Anhaia Mello (1930-31) e inaugurada por Fábio Prado (1934-36) o que mostra a proximidade de Anhaia Mello com o tema, algo que certamente renderia frutos não fosse sua efêmera passagem pelo executivo municipal. Seu nível de participação neste programa, quiçá na arquitetura é, todavia, algo que merece ser investigado com maior profundidade. O discurso progressista de Anhaia Mello cujos indícios preliminares apontam sua participação na criação do Departamento de Cultura iluminam também a possível participação do urbanista e ex-prefeito paulistano no planejamento do programa de construção de Parques Infantis segundo apreendemos na sua postura frente as demandas por recreação da qual era um defensor consciencioso: O conceito de parque evoluiu. Não é mais o conceito puramente estético da primeira fase da renascença do urbanismo: um tapete de relva, arbustos em desenhos simétricos, tufos de árvores, o lago romântico para cisnes e para o enlevo de poetas. Cedo compreenderam os urbanistas que tais espaços abertos bem podiam acumular as funções de reservatórios e filtros de ar ou de pulmões das cidades com outras mais úteis, mais necessárias e que melhor correspondem às exigências da cidade industrial moderna. Eles agora destinam-se ao recreio ativo de todas as classes da população e de todas as idades, desde a criança da idade pré-escolar até o adulto. O tapete de relva transformou-se no play- ground, no play-field; o lago, na piscina ou no skatinpoun (sic) [MELLO, A, IESP, 1929]. Grifo meu. Seu discurso carregado de conceitos apropriados da ideologia do modelo Reform como playground ou play-field, elementos funcionais da moderna praça de recreio, revelam um conhecimento de causa. Preocupações com a qualificação dos espaços livres públicos exigiam, segundo Anhaia Mello, o repensar da cidade industrial moderna, algo que no caso paulistano só será possível na década de 1930 ao lado de Mário de Andrade e Fernando de
  • 9. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 9 Azevedo, na curta aura de progressivismo vivida no governo Fábio Prado antes do golpe getulista. Será nesse governo que o discurso progressista tomará forma e as utopias urbanas no campo da promoção de uma cultura do lazer finalmente poderão ser concretizadas com respaldo político materializando-se em um equipamento arquitetônico sem precedentes. A prefeitura paulistana já respaldada nos lucros da produção agro-exportadora do café permitirá consolidar uma estrutura administrativa para atender as novas demandas urbanas seguindo uma postura comum de “afirmação do urbanismo” nas cidades brasileiras enquanto nova área de conhecimento e de prática profissional. Época que ficará marcada pela circulação de idéias no campo do urbanismo e de gestão das cidades. Em São Paulo a posse de Fábio Prado em 1934 representará esse momento de ruptura e afirmação da modernidade estabelecido a partir da sua ambiciosa política cultural entregue a setores modernistas. É quando se lançará o Parque Infantil, carro chefe da política de urbanização e de urbanidade, uma antiga aspiração modernista por onde se extravasará toda uma ansiedade que unirá intelectuais e elites ilustradas em torno do ideal de progresso social. A visão que norteará a política cultural da prefeitura paulistana da qual emergirá os Parques Infantis deverá muito a figuras irretocáveis como Mário de Andrade, Fernando de Azevedo, Plínio Barreto, Paulo Duarte, Julio de Mesquita Filho, entre outros fundadores do Departamento de Cultura. A postura nitidamente progressista daqueles personagens mostra o alcance pedagógico e o forte componente cultural daquela política que os Parques Infantis ajudarão a promover. Sob o ponto de vista do espaço arquitetônico, trabalhamos com a hipótese da introdução em São Paulo de uma categoria de equipamento urbano que revela grande sintonia com os objetivos e os padrões encontrados no Reform Park ainda que os Parques Infantis evoquem para si emulações auto-desenvolvidas em seu planejamento. Análises preliminares revelam uma mesma raiz tipológica comum em face de uma articulação espacial firmada a partir de uma igual relação de exigências práticas e ideológicas sedimentadas no mesmo plano cultural. Tanto O Parque Infantil paulistano quanto o Reform Park pretendiam atingir um mesmo público alvo na mesma expectativa de inclusão social As condições para o oferecimento do Parque Infantil se traduzirão em ações integradas pensadas desde a administração Antônio Carlos Assumpção (1933-1934) com o Ato no. 590 de 26 de março de 1934 onde se programará os primeiros alicerces para uma política de lazer e recreação na cidade. Se complementará no Ato 1146/36 já no governo Fábio Prado (1934-1936) onde se organizará a atividade dos “instrutores sanitários” formados pelo prestigioso Instituto de Higiene de São Paulo responsável pela execução das políticas de higiene para os estabelecimentos de ensino. Aos instrutores cabiam, segundo aquele Ato... zelar pela saúde das crianças (...); investigar sobre as condições sanitárias do meio social de que provenham (...); orientar as atividades recreativas da criança (...) sem lhes perturbar ou ameaçar a liberdade e a espontaneidade nos jogos (...); aproveitar as oportunidades que lhes proporcionar (sic) o interesse das crianças para lhes ministrar a educação física sistematizada através de exercícios adequados. Os Parques Infantis nascerão com forte vocação para parque de vizinhança quando se propõem resolver a questão da acessibilidade ao lazer na escala do bairro, oferecendo playgrounds, campos de jogos e todo um estilo de paisagem utilitária. Assim como seu paradigma mais conhecido, o Parque Infantil também atingirá um ou dois quarteirões nos
  • 10. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 10 arredores de bairros operários de forma a melhor atender as populações marginais “economicamente desajustadas”, como propunha seus idealizadores. Mais tarde aparecerá uma unidade mínima denominada “Recanto Infantil”, inserida na escala do lote, de qualidade duvidosa merecendo críticas do urbanista Robert Moses em seu Relatório aludindo a descaracterização do programa. 3 Vista do pioneiro Parque Infantil de Santo Amaro (década de 1930) destacando o playground em primeiro plano e o bloco administrativo ao fundo. Notar a colocação do componente vegetal junto as divisas preservando o espaço central para as atividades lúdicas. Fonte: DC-PMSP, 1938. Parque Infantil de Santo Amaro e o uso do playground sob presença sempre constante das recreadoras. Fonte: DC PMSP 1938
  • 11. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 11 A planta padrão do PI comporá um programa arquitetônico de crescente atualização em face das necessidades ampliadas de lazer e de assistência moral. Os modelos mais evoluídos da primeira fase possuirão biblioteca, refeitório, oficinas para trabalhos manuais, palcos para apresentações teatrais e musicais, gabinete médico-odontológico e instalações administrativas e funcionais para direção, recreadores e higienistas. Não havia salas de aula. A área coberta era mínima, em geral ocupando em torno de 15% do terreno deixava um vasto espaço livre ocupado por um generoso playground. O plantio de árvores e arbustos em linha junto às cercas divisórias buscava amenizar o calor do verão e caracterizava espacialmente a praça. O componente vegetal e o extenso gramado oferecia tudo aquilo que os manuais de higiene preconizavam representado na tríade sol, ar puro e vegetação. Incorporar-se-á, ainda, ao programa arquitetônico num segundo momento pistas de corrida, locais para jogos atléticos e esportivos, campos de ginástica e piscinas tornando-se um precioso espaço de lazer numa época em que já se pressentia a ganância especulativa com o solo urbano. Os blocos funcionais implantavam-se nas extremidades do terreno liberando o gramado para as atividades lúdicas e eventos franqueados ao público. Exercícios de ginástica ao ar livre, jogos e brincadeiras, banhos de piscina, propiciavam uso contínuo do Vista do playground do Parque lnfantil D. Pedro II construído no interior do parque de mesmo nome. A qualificação lúdica do parque urbano dá-se somente com a construção do PI ao final da década de 1930 o que, contudo, não evitará a lenta destruição do parque urbano. Fonte: DC-PMSP, 1938. 3 Referimo-nos ao “Programa de Melhoramentos Públicos para a cidade de São Paulo” (1950) ou simplesmente Relatório Moses, onde o urbanista norte-americano traçará, a convite da prefeitura municipal, recomendações para políticas setoriais incluindo o lazer. Será levado a conhecer os Parques Infantis os quais terá boa impressão apesar de apontar a necessidade de outros equipamentos de lazer na escala urbana e regional.
  • 12. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 12 Parque Infantil nos três turnos chegando a contar algumas unidades com centenas de jovens em geral filhos de operários. Profissionais de recreação e higiene social revezavam- se na organização e supervisão das atividades ali oferecidas as quais não contemplava atividade escolar convencional. Apenas para alimentar a “cultura do espírito” como definiu certa vez Mário de Andrade. Fachada do PI da Barra Funda inaugurado na década de 1940 pertencente a fase pioneira iniciado no período em que Mário de Andrade esteve a frente do DC. Notar sua implantação de esquina impondo forte visibilidade ao equipamento institucional. Fonte: DC-PMSP, 1949. Fachada do PI da Vila Romana inaugurada na década de 1940 em estilo mais despojado com o extenso gramado e a piscina localizados na fachada. Fonte: DC-PMSP, 1949. Detalhe da piscina do PI da Vila Romana sob supervisão das recreadoras. Seu uso estava ligado a objetivos tanto lúdicos quanto por questões “higiênicas”. Fonte: DC-PMSP, 1949.
  • 13. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 13 O Departamento de Cultura durante a gestão Mário de Andrade se empenhará na construção dos seis primeiros PI´s de uma série inicialmente prevista, segundo nos revela Paulo Duarte, então chefe de gabinete de Fábio Prado, para algo em torno de 60 unidades a serem construídas ainda naquele governo. 4 A proposta era estarem articulados aos propósitos de planejamento paisagístico que vinha sendo estudado pela Comissão do Plano da Cidade no interesse de proporcionar urbanidade e de “fixar paisagens municipais dignas de preservação”. 5 Os Parques Infantis, ou um sistema de Parques Infantis, por este aspecto, estariam sendo pensados como parte de um processo de planejamento integrado o que nos faz pensar que num segundo momento se condensariam na malha urbana na forma de parques de vizinhança tal qual ocorrera com o modelo Reform Park nas cidades americanas se somando assim ao sistema de áreas livres públicas de lazer da cidade. 6 Parque Infantil da Lapa, inaugurado na década de 1940, com a implantação característica ocupando toda uma quadra proporcionando grande visibilidade. Notar sua vocação para Parque de Vizinhança que, ao contrário de seu paradigma inspirador, não veio a se concretizar, contribuindo para o déficit de áreas livres públicas de lazer em SP. Fonte: PMSP-Edif 2.4 As unidades entregues por Mário de Andrade foram os PI´s da Lapa, Parque D. Pedro II e Santo Amaro, deixando semi-prontas as unidades do Tatuapé, Barra Funda, Catumbi e Vila Romana. Excetua-se a unidade do Ipiranga inaugurada na gestão de Antônio Carlos Assumpção (1933-34) a partir de uma proposta desenvolvida por Fernando de Azevedo. 5 DUARTE, Paulo, 1971:62. 6 A eclosão do golpe getulista inviabilizará a permanência de Mário de Andrade no Departamento mesmo porque, segundo Paulo Duarte, o prefeito imposto, Prestes Maia, não dará prioridade ao programa inviabilizando o plano inicialmente traçado para dotar a cidade de São Paulo de um sistema de Parques Infantis que proporcionaria lazer e assistência social a toda população.
  • 14. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 14 A preocupação da primeira geração de projetistas de PI´s, na sua totalidade funcionários da prefeitura paulistana era a de favorecer visibilidade considerando que representava ali a materialização de uma modernidade na gestão pública ainda que sua arquitetura se afigurasse no máximo proto-moderna. Por isso eram construídos em quadras bem localizadas formando atraentes pontos focais com a piscina e o playground defronte as fachadas caracterizando um conjunto arquitetônico de forte apelo emocional e cívico. De início uma arquitetura neocolonial, segundo consta, imposta por um romântico Fernando de Azevedo, apoiado nas mãos hábeis do historiador e desenhista Wasth Rodrigues (1891- 1957) se sobressairá com seus frontões e telhados de amplas águas, tida pelo ilustre educador como imagem de uma modernidade de raízes nacionais. Das permanências tradicionalistas até a consolidação da arquitetura moderna após a assinatura do Convênio Escolar em 1950 passarão quase duas décadas de empirismos e tentativas de engajamento projetual nas posturas racionalistas. Contudo, importava a reformadores e educadores a modernidade que o Parque Infantil inspirava enquanto equipamento voltado ao desenvolvimento das estruturas urbanas e o alcance social que lhe era decorrente. O lançamento do programa de construção de Parques Infantis iniciado nos anos 1930, com certeza presenciou (e exigiu) a formação de uma estrutura técnica especializada nos órgãos de planejamento da prefeitura para atender as suas necessidades operacionais. Sabemos, nesse aspecto, como foi fundamental o intercâmbio cultural envolvendo arquitetos, engenheiros e gestores públicos com instituições estrangeiras para onde procuravam especialização ou atualização. Em alguns casos a contratação de especialistas estrangeiros contribuiu para o aperfeiçoamento profissional como foi a consultoria dada por Robert Moses em São Paulo nos anos 1940 quando avaliará positivamente o programa de construção de Parques conduzido pela prefeitura. Além das consultorias, muitos profissionais seguirão ao exterior em viagens de estudos ou em visitas técnicas para depois ocuparem cargos públicos de destaque nas recém formadas estruturas administrativas municipais. Esse parece ter sido o caso do jornalista Nicanor Miranda, então Diretor da Divisão de Educação e Recreios do Departamento de Cultura entre 1937 e 1945. Pertencente a equipe pioneira dirigida por Mário de Andrade junto ao Departamento, Miranda esteve diversas vezes aos EUA em missões de intercâmbio cultural a convite da National Recreation Association, influente entidade centralizadora das atividades de recreação daquele país. Artigos publicados em revistas do Departamento de Cultura e matérias jornalísticas de sua autoria revelavam um notório conhecimento da temática do lazer. Miranda que certamente conhecera de perto o Reform Park, possivelmente fora o primeiro técnico especializado em lazer formado pela repartição pública a contribuir imensamente para a organização dos Parques Infantis até sua aposentadoria do serviço público na década de 1940. Junta-se a ele outros nomes, alguns já citados aqui, onde se exigirá um aprofundamento da pesquisa para aferir o grau de envolvimento na concepção programática dos Parques Infantis, e de uma pertinente legislação a que muitas tipologias lúdico-pedagógicas atuais evoluídas dessa experiência devem crédito.
  • 15. PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP 15 BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Fernando de, Da Educação Física. São Paulo: Melhoramentos, 1960. BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à História Contemporânea. São Paulo, 1978. BENEVOLO, Leonardo, História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 1983. CRANZ, Galen, Changing roles of urban parks: From pleasure garden to open space. In: Landscape. Vol. 22, no. 3. Palo Alto (USA): The national Press, 1978:9-18. , Galen, The politcs of Park Design. Cambridge: The Mit Press, 1982. DUARTE, Paulo, Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. LEME, Maria Cristina et alli (org.). Urbanismo no Brasil; 1865-1965. São Paulo: Fupam / Nobel, 1999. MELLO, Luiz Anhaia. Problemas de Urbanismo. Boletins do Instituto de Engenharia de São Paulo. São Paulo: IE, 1929. MOSSER, Monique e, History of Garden Design. Thames and Hudson Ltd. 1992 NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa, Parques Infantis de São Paulo. São Paulo: Annablume/ Fapesp, 2002. REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL. Departamento de Cultura da PMSP. Anos 1930-40. Nota dos Editores Os artigos publicados em PAISAGENS EM DEBATE não refletem opinião ou concordância dos professores da FAU nem da equipe editorial da revista, sendo o conteúdo e a veracidade dos artigos de inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores, inclusive quanto aos direitos autorais de terceiros. Os autores ao submeterem os artigos a PAISAGENS EM DEBATE consentem no direito de uso e publicação dos mesmos por meios eletrônicos e outros pela Área de Paisagem e Ambiente (eventualmente em parcerias com terceiros), com finalidades acadêmicas, de debate e divulgação de informação. Ou seja, os artigos publicados passam a fazer parte do acervo da Área.