Seminário Saúde Mental na Atenção Básica: "Vínculos e Diálogos Necessários" - 04 e 05 de novembro de 2014
1. A ATENÇÃO BÁSICA COMO
ORGANIZADORA DO CUIDADO
EM SAÚDE MENTAL –
INSTRUMENTOS NORTEADORES
PARA A PRÁTICA PSICOSSOCIAL
Marcelo Pedra Martins Machado
São Paulo
Novembro de 2014
2. Concepção de Ser Humano
1. Como Indivíduo
Um, uno, indiviso em si mesmo, separado. Alguém que não nada a ver
com os outros. O outro está num pólo oposto, um simples apêndice. O
indivíduo é concebido como responsável pelo sucesso/fracasso.
2. Como parte de um Todo
Uma peça de uma máquina, o Todo. Concepção totalitária e coletivista
do mundo. Uma peça, uma coisa.
3. Como Relação
Alguém que é um, mas que não pode ser completo sem os outros.
Pessoa é relação.Nós somos o resultado de milhões de pessoas.
3. A Subjetividade em Bergson
Bergson concebeu a subjetividade como intervalo
de tempo entre um pedido (percepção) e a resposta
(ação) a este pedido.
Toda escolha, toda hesitação, supõe tempo.
Portanto, há um intervalo de tempo situado entre a
demanda e a resposta. Esse intervalo será
apresentado como subjetividade (Maciel, 2003).
A partir desta perspectiva de subjetividade
discutiremos agora quais seriam as possíveis
implicações desta concepção sobre os conceitos de
integralidade, acolhimento e vínculo.
4. Subjetividade - Michel Foucault
Na concepção de FOUCAULT, a subjetividade é uma
expressão de nossas relações com as coisas, através
da história, então o modo mais imediato que esta relação
se expressa é o corpo, entendido não apenas como
corpo orgânico, mas também pelo corpo construído
pelas relações com as coisas que se encontra
durante sua existência.
Esta relação com o tempo nos remete ao que Foucault
denominou de “Estética da Existência” .
5. Processos de Subjetivação - Deleuze
Os processos de produção de subjetividade obedecem a
formas de produção social que lhe são coextensivas, assistimos
à passagem de um modo de produção de subjetividade
disciplinar para outro, do controle.
Na sociedade disciplinar, a produção de subjetividade estava
submetida à lógica funcional de suas instituições fechadas,
a moldes institucionais rígidos, fixos, com suas regras de tempo,
espaço e comportamentos estritamente delimitados. As
instituições fornecem ainda um lugar (a sala de aula, a oficina, o
lar etc.) onde se opera a produção de subjetividade: “No decurso
de uma vida, um indivíduo entra nessas diversas instituições (da
escola à caserna e à fábrica) e delas saem de maneira linear,
por elas formado. Cada instituição tem suas regras e lógicas de
subjetivação (...)”.
6. Processos de Subjetivação - Deleuze
Os processos de subjetivação e a produção de
subjetividade perguntam, anteriormente, pelas
condições de produção desse sujeito.
Ou seja, estamos nos situando nos dispositivos e
agenciamentos (Deleuze,2000) que possibilitaram o
surgimento de determinados modos de subjetivação
Foucault, Deleuze e Guattari perguntam pelos
agenciamentos ou vetores de subjetivação, bem
como que tipo de subjetividades estão sendo
produzidas em função de tais agenciamentos
7. Assim os processos de subjetivação
são sempre coletivos.
“... Os processos de subjetivação não tem nada a
ver com a vida privada, mas designam a operação
pela qual os indivíduos se constituem como
sujeitos, à margem dos saberes constituídos e dos
poderes estabelecidos que passam dar lugar a
novos saberes e novos poderes.”
8. A Alteridade – Como podemos conceber
o outro ou a relação com o outro?
As práticas implicam em diferentes dimensões
éticas:
Empatia
Alteridade
9. O comum entre as equipes e serviços
TERRITÓRIO PROCESSO
LONGITUDINALIDADE
INTEGRALIDADE
10. Singularidades do Trabalho
Territorializado
Alto grau de exposição à dinâmica social e às condições e
modos de vida das pessoas nos territórios
Contato permanente com os usuários, famílias e grupos
sociais
Possibilidade de intervir nos modos de produção de vida
Atenção complexa: demandas e necessidades diversas x
articulação de variadas tecnologias de atenção individual e
coletivo (resolutividade)
Base da atenção integral em rede (único componente
sempre necessário)
11. Trabalho, o Trabalhador Publico
e sua Efetividade
Valorização das diversas dimensões do
trabalho e do trabalhador
Trabalha-se para outros (produção de
valor de uso, mirando necessidades
sociais);
Trabalha-se para si mesmo;
12. A prática e o trabalho em saúde
Componentes da prática/atenção/cuidado:
O cuidado de si mesmo;
A capacidade de autocuidado dos
coletivos (família, movimentos,
organizações, regras, normas e leis de
proteção à vida);
13. Ampliação do objeto (complexo)
da clínica e da saúde coletiva
O objeto de trabalho em saúde indica a
responsabilidade sanitária, o encargo;
Além da doença incorporar o conceito de
problema de saúde (risco) e vulnerabilidade,
sempre encarnados em sujeitos, indivíduo,
família e coletivos;
14. O que há de SM na AB?
A Política Nacional de Atenção Básica tem na Saúde da Família sua
estratégia prioritária para expansão e consolidação da atenção
básica.
Cobertura Nacional da ESF: 52%
Lógica (Ética) de Redução de Danos como diretriz na PNAB (2011)
Equipes para populações específicas, em especial as Equipes de
Consultório na Rua (123 eCR)
Presença de psicólogos em 85% das equipes NASF no Brasil, além
das demais categorias ligadas a SM.
3430 NASF no Brasil (Nasf 1: 2130 / Nasf 2: 665 / Nasf 3 : 635 -
1958 municípios)
15. Frequência dos profissionais no NASF I, II & III (2014)
Profissional
Percentual de NASF I
e II com o
Profissional na Equipe
PSICOLOGO 85,7
FISIOTERAPEUTA GERAL /LUDOMOTRICISTA CINESIOLOGO LUDOMOTRICISTA 85,3
NUTRICIONISTA NUTRICIONISTA SAUDE PUBLICA 82,1
ASSISTENTE SOCIAL 68,3
AVALIADOR FISICO ORIENTADOR FISIOCORPORAL / PREPARADOR FISICO / TECNICO DE DESPORTO
INDIVIDUAL E COLETIVO EXCETO FUTEBOL / PROFESSOR DE EDUCACAO FISICA NO ENSINO SUPERIOR /
PROFESSOR DE EDUCACAO FISICA NO ENSINO MEDIO / PREPARADOR DE ATLETA /TREINADOR PROFISSIONAL
DE FUTEBOL
61,1
FONOAUDIOLOGO 47,7
FARMACEUTICO BOTICARIO FARMACEUTICO COSMETOLOGO FARMACEU 41,9
MEDICO PEDIATRA 23,1
TERAPEUTA OCUPACIONAL 22,6
MEDICO GINECOLOGISTA E OBSTETRA 20,5
MEDICO PSIQUIATRA 7,7
PSICOLOGO DO TRANSITO PSICOLOGO SOCIAL 1,6
MEDICO HOMEOPATA 1
MEDICO CLINICO 0,4
MEDICO ACUPUNTURISTA 0,3
MEDICO VETERINARIO MEDICO VETERINARIO DE SAUDE PUBLICA ME 0,2
MEDICO GERIATRA 0,1
16. O que há de SM na AB?
Os sofrimentos psíquicos mais frequentes na AB são:
depressão, ansiedade, somatizações e abuso ou
dependência de álcool. No caso das psicoses, a
Atenção Básica colabora com os serviços
especializados para o reconhecimento precoce e
acompanhamento dos casos.
A formação generalista dos médicos e enfermeiros da
AB facilita a integração entre o discurso da SM e o da
AB na produção do cuidado integral.
A ESF opera um modo ativo de intervenção em saúde,
não esperando a demanda chegar para intervir, mas
agindo sobre ela preventivamente, o que representa um
instrumento de reorganização da demanda
17. Informações Preliminares
PREVALÊNCIA :
- HAS: 23% na população geral.
- DM: 6,4%, na população geral.
- Transtorno Mental Comum/Leve: 22,7 - 38% na população
geral.
- Transtorno Mental Severo: 9-12% na população geral.
Dados MS / OMS (2011)
18. NASF
• Dispositivo privilegiado para discussão da
Saúde Mental na AB;
• Equipes compostas por profissionais de diferentes
áreas de conhecimento, que devem atuar de
maneira integrada e apoiando os profissionais
das ESF, compartilhando as práticas e saberes
em saúde nos territórios, atuando diretamente no
apoio matricial às equipes da(s) unidade(s) na(s)
qual(is) o NASF está vinculado.
19. Apoio Matricial
Dimensão pedagógica na
gestão do trabalho;
Se dá sobretudo em ato, nos
“encontros”;
Pede porosidade, capacidade de
afetar e ser afetado;
Prática técnica e relacional;
Pode ampliar a potência de pensar, de
inventar, de (inter)agir, de cuidar.
20. Algumas Práticas Específicas
do Matriciamento
Discussão de casos clínicos;
Atendimento conjunto;
Capacitação sobre temas relevantes para as equipes
(demanda explícita ou percebida/pactuada);
Construção de protocolos com as equipes;
Suporte na implantação/incorporação de novas
práticas (ex: grupos terapêuticos e
educativos, técnicas de escuta);
Suporte na construção de projetos terapêuticos
singulares;
Suporte no manejo de questões do território.
21. Efeitos do NASF
• Integração da Rede de Atenção à Saúde e seus
serviços (ex.: CAPS, CEREST, Ambulatórios
Especializados, etc.), além de outras redes como SUAS,
redes sociais e comunitárias.
• Revisão da prática do encaminhamento /
responsabilização compartilhada.
• Contribui para a integralidade do cuidado principalmente
por intermédio da ampliação da clínica.
• Aumento da resolutividade / capacidade de cuidado
das equipes de saúde diante de necessidades individuais e
coletivas, clínicas e sanitárias;
• Alteração do lugar e da dinâmica das especialidades.
22. Acolhimento
“Compromisso ético, estético e político”.
Ética no que se refere ao compromisso com o
reconhecimento do outro, na atitude de acolhê-lo em
suas diferenças, dor , alegrias, modos de viver,
sentir e estar na vida.
Estética porque traz para as relações e encontros do
dia a dia a invenção de estratégias que contribuem
para a dignificação da vida e do viver e, assim, com
a construção de nossa própria humanidade.
Política porque implica o compromisso coletivo de
envolver-se neste “estar com”, potencializando
protagonismos e vida nos diferentes encontros.
23. Qual o sentido destas reflexões para as
práticas de produção de saúde?
Os processos de produção de saúde dizem
respeito, necessariamente, a um trabalho
coletivo e cooperativo, entre sujeitos, e se
fazem numa rede de relações que exigem
interação e diálogo permanentes.
Cuidar dessa rede de relações,
responsabilizando-se pela produção de
relações.
Afirmando, assim, a indissociabilidade entre a
produção de saúde e a produção de
subjetividades.
24. O Apoio como recurso para ampliar
a clínica e saúde coletiva
Co-construir capacidade de análise/ compreensão sobre
si mesmo (saúde e doença) e sobre relações com o
mundo da vida.
Ampliar capacidade de intervenção sobre si
mesmo e sobre organizações e contexto.
25. A organização produz, induz o quê?
Estrutura serviços de saúde organizados
segundo lógica das profissões e
especialidade;
Fragmentação da gestão e da atenção à saúde;
26. Autonomia como Horizonte
AUTONOMIA: capacidade da pessoa e coletividade
lidar com suas dependências;
coeficientes e graus, nunca como conceito absoluto(E.
Morin);
capacidade de compreender e de agir sobre si mesmo
e sobe o contexto.
Tradução: autocuidado + poder + capacidade reflexiva
+ capacidade estabelecer contratos com outros.
27. As Formações em Saúde
A formação em
saúde no Brasil não
prepara os
profissionais para o
trabalho no SUS, de
forma colaborativa
(interdisciplinar) e
territorializada.
Foco em uma
formação de caráter
individualizado
(clínico) e
desconectado da
lógica territorial e em
rede.
28. Pontos para Discussão
O território é o locus e conceito fundamental para o
trabalho na AB e SM;
A Clinica Protocolar instituída na Atenção Básica e
a Clínica Artesanal que acontece na Saúde Mental;
50% das eSF realizam de modo insatisfatório o
cuidado a hipertensão de diabetes (PMAQ-AB
2012);
Tradição da AB em se dedicar aos Programas
(hipertensão, diabetes, saúde da mulher, criança e
bucal ...).
34. Qual a freqüência que a equipe recebe o apoio matricial?
Abs. %
Semanal
4657 31,68
Quinzenal
946 6,44
Mensal
1950 13,27
Trimestral
112 0,76
Semestral
44 0,30
Sem periodicidade definida
6990 47,55
Total 14699 100,00
35. O protocolo de acolhimento à demanda espontânea
considera: Problemas relacionados à saúde mental
Abs. %
Sim 110 1,72
Não 6267 98,28
Total 6377 100,00
36. A equipe teve preparação para o atendimento dos
usuários com transtorno mental?
Abs. %
Sim 5428 32,8
Não 11143 67,2
Total 16571 100,0
37. A equipe de atenção básica possui registro do número
dos casos mais graves de usuários com transtorno
mental?
Abs. %
Sim 6740 40,7
Não 9836 59,3
Total 16576 100,0
38. A equipe de atenção básica possui registro dos usuários
com necessidade decorrente do uso de crack, álcool e
outras drogas?
Abs. %
Sim 3947 23,8
Não 12668 76,2
Total 16615 100,0
39. Integralidade (Mattos, 2001)
A
Integralidade
do olhar do
profissional
de saúde.
Evitar a
fragmentação
dos sujeitos
A Integralidade
dos serviços no
território.
A forma como os
serviços de
saúde são
organizados.
Clínica e
epidemiologia
deveriam andar
de mãos dadas
A Integralidade
das Políticas
Públicas.
Respostas
governamentais
a determinados
problemas de
saúde ou ás
necessidades de
grupos
específicos
40. O Deslocamento Necessário
Ao falar em SM na AB não se trata de
acrescentar mais uma linha de cuidado ou
“tarefa” a AB, mas sim incorporar na clínica da
AB um olhar a questão da formação dos
processos subjetivos que constituem os
sujeitos, assumir a transversalidade na AB;
Necessidade de transpor para a clínica na AB
um deslocamento do cuidado ao transtorno
mental (diagnóstico) para o cuidado ao
sofrimento psíquico;
41. O Deslocamento Necessário
Mais do que representar uma maior clareza dos diagnósticos é
propor uma clínica guiada por intensidades.
Abertura para reconhecer e valorizar os pequenos movimentos
no processo de cuidado (Pequenas Vertigens - Rolnik);
Fazer do cuidado espaço de produção de vida, em suas mais
variadas formas.
Produção
do
Cuidado
Produção
Produção
de Vidas
de
Relações
42. Se afirmamos em coro com Passos e
Benevides (2004) que “o sentido da clínica
não se reduz a um movimento de inclinação
sobre o leito do doente [...], de um acolhimento
de quem demanda tratamento [...], mas que se
configura positivamente enquanto ato [...]
como a produção de um desvio (clinamen)”,
torna-se necessário, ao pensar a clínica e o
cuidado em saúde hoje, compreender esse
desvio como uma resistência ao biopoder.
Clinicar aqui é uma biopolítica, isto é, uma
política da vida que resiste ao assujeitamento
imposto pelo biopoder,
43. O acesso a este plano da clínica se faz através
de um “ethos” que Foucault (1987) designa de
“experiência limite” uma atitude crítica em
relação a nós mesmos, ou seja, àquilo que nos
constituiu a partir do que pensamos, dizemos e
fazemos.
Além disso, a crise é a ruptura das cadeias do
hábito que força um processo de
diferenciação de si e conseqüentemente de
criação de novos territórios existenciais.
Com isso, atiça-se novos processos de
produção de subjetividade.