As inconstitucionalidades da constrição patrimonial administrativa
1. TRIBUTÁRIO
Renato Lopes da Rocha
Sócio
rlopes@cmalaw.com
Thales Saldanha Falek
thales.falek@cmalaw.com
As Inconstitucionalidades da Constrição Patrimonial
Administrativa pela Procuradoria da Fazenda
Nacional – Lei n°13.606/2018
Prezados Clientes,
No dia 10 de janeiro foi publicada a Lei n° 13.606/2018, que instituiu o Programa de Regularização
Tributária Rural – PRR, além de ter promovido alterações em outras Leis Federais, dentre as quais a
Lei n° 10.522/2002.
AsalteraçõesnaLein°10.522/02sederamapartirdainclusãoemseutextodosarts.20-Be20-E,
os quais instituíram espécie de prévia constrição patrimonial administrativa pela Procuradoria da
Fazenda Nacional, sem participação do Poder Judiciário, em relação aos valores inscritos em dívida
ativa da União.
Oartigo20-Cnãotemrelevânciacomopropósitodesteartigo,razãopelaqualnãoseráabordado.
Os artigos 20-B e 20-E padecem de evidentes inconstitucionalidades, por diversos aspectos formais
emateriais,sendocertoqueasentidadeslegitimadasjásepreparamparaproporAçãoDiretade
Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal, de modo a resguardar a eficácia de
preceitos constitucionais.
Os ‘privilégios’ instituídos pelos arts. 20-B e 20-E da Lei n° 10.522/02 ao crédito da Fazenda Pública
tornamarelaçãoFiscoeContribuintecadavezmaisconflituosa,incentivandoalitigiosidade.
O presente artigo aborda aspectos relacionados ao art. 20-B da Lei n° 10.522/02.
2. RenatoLopesdaRocha –SóciodoDepartamentoTributário doCamposMello Advogados
Thales Saldanha Falek – Associado do Departamento Tributário do Campos MelloAdvogados
A origem da Lei n° 13.606/2018 e suas alterações na Lei n° 10.522/02
O Projeto de Lei n° 9.206/2017, de autoria dos Srs. Deputados Federais Nilson Leitão e Zé Silva,
foipropostoemcaráterdesubstituiçãoaoProjetodeLeideConversãon°41/2017,oqualvisavaa
conversãoemLeidaMedidaProvisórian°793,de31dejulhode2017(MPn°793/17),cujoobjeto
se restringia à instituiçãodo Programa de Regularização Tributária Rural – PRR.
A justificação do Projeto de Lei n° 9.206/2017 1
não traz uma linha sequer acerca das alterações
pretendidas na Lei n° 10.522/02, mas apenas restringiu-se a tratar da questão do FUNRURAL e da
necessidade de instituição do PRR. Vê-se, desde já, que não houve a devida discussão democrática
sobre a pertinência das alterações na Lei n° 10.522/02.
O art. 25 da Lei n° 13.606/2018 acrescentou os arts. 20-B e 20-E à Lei n° 10.522/02:
“Art. 20-B.Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em
até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de
juros, multa e demais encargos nela indicados.
§1o
Anotificaçãoseráexpedidaporviaeletrônicaoupostalparaoendereçododevedore
seráconsideradaentreguedepoisdedecorridosquinzediasdarespectivaexpedição.
§ 2o
Presume-se válida a notificação expedida para o endereço informado pelo contribuinte
ou responsável à Fazenda Pública.
§3o
Nãopagoodébitonoprazofixadonocaputdesteartigo,aFazendaPúblicapoderá:
I - comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e
cadastros relativos aconsumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e
II - averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro
debensedireitossujeitosaarrestooupenhora,tornando-osindisponíveis.”
* * * * *
“Art. 20-E.A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editará atos complementares para o
fiel cumprimento do disposto nos arts. 20-B, 20-C e 20-D desta Lei.”
O inciso I do parágrafo 3° do artigo 20-B encontra respaldo na decisão do STF, proferida na ADI
n° 5.135/DF, que entendeu pela legitimidade do protesto de certidões de dívida ativa, pois “o
1
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=389D5D33580EFD192B640BB3060CEB94.
proposicoesWebExterno2?codteor=1627235&filename=PL+9206/2017
2
3. protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional legítimo, por não
restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e,
assim, não constituir sanção política.”
Deixando de lado as críticas à decisão do STF na ADI n° 5.135/DF, é evidente que direitos
fundamentais garantidos aos contribuintes foram desrespeitados pelo inciso II do parágrafo 3° do
art. 20-B da Lei n° 10.522/02.
O inciso II do parágrafo 3° do artigo 20-B prevê que a Procuradoria da Fazenda Nacional, de
formaunilateralesemautorizaçãodoPoderJudiciário,poderáaverbaracertidãodedívidaativa
nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.
Adiante apresentamos considerações acerca dos vícios que maculam o inciso II do parágrafo 3°
do art. 20-B da Lei n° 10.522/02.
A Inconstitucionalidade por vício formal: Afronta ao art. 146, III, ‘b’, da CF/88
O art. 146, III, ‘b’, da Constituição Federal de 1988 estabelece, in verbis:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;”
Em primeiro lugar, é importante destacar que os itens arrolados nas alíneas do inciso III são
exemplificativos, tendo em vista a utilização da expressão “especialmente sobre”, de modo que não
é adequado afirmar que o rol seria taxativo. A natureza exemplificativa do rol foi afirmada pelo STF
no RE n° 407.190/RS 2
.
O cuidado do Constituinte ao elencar, expressamente, tais itens ao crivo do processo legislativo
de aprovação de Lei Complementar revela sua preocupação em garantir que os temas sejam
discutidos com maior profundidade no Congresso Nacional, haja vista o caráter geral e nacional das
normas, conformadoras do sistema tributário brasileiro, portanto, de observância estrita pela
União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Ostermos‘obrigação’ e‘crédito’, por exemplo,devem ser compreendidos emsuaplenitude,
justamente em razão da função estruturante do sistema tributário brasileiro, de modo que estão
compreendidas dentro de seu espectro as hipóteses de responsabilidade tributária3
, garantias e
privilégios do créditotributário.
2
“TRIBUTO - REGÊNCIA - ARTIGO 146, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - NATUREZA. O princípio revelado no
inciso III do artigo 146 da Constituição Federal há de ser considerado em face da natureza exemplificativa do texto, na
referência a certas matérias. MULTA - TRIBUTO - DISCIPLINA. Cumpre à legislação complementar dispor sobre os
parâmetros da aplicação da multa, tal como ocorre no artigo 106 do Código Tributário Nacional. MULTA -
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - RESTRIÇÃO TEMPORAL - ARTIGO 35 DA LEI Nº 8.212/91. Conflita com a Carta da República -
artigo146,incisoIII-aexpressão"paraosfatosgeradoresocorridosapartirde1ºdeabrilde1977",constantedoartigo
35daLeinº8.212/91,comaredaçãodecorrentedaLeinº9.528/97,anteoenvolvimentodematériacuja disciplina é
reservada à lei complementar.” (Min. Marco Aurélio – Tribunal Pleno – DJ 13/05/2005)
3
Vejam-se os ensinamentos de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
3
4. A função estruturante destas normas gerais já foi captada pelo STF no julgamento do Agravo
Regimental no Recurso Extraordinário n° 433.352/MG, sob a relatoria do Min. Joaquim Barbosa,
cuja ementa tem a seguinte redação:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. ISS. ENTIDADES
AUTORIZADAS A FUNCIONAR PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL. LEI COMPLEMENTAR DE
NORMAS GERAIS QUE AFASTA A TRIBUTAÇÃO. DESCARACTERIZAÇÃO DE ISENÇÃO
HETERÔNOMA. CORRETO PAPEL DAS NORMAS GERAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA.
1. A Segunda Turma desta Corte firmou precedentes no sentido da não incidência do ISS
sobre as atividades desempenhadas por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco
Central do Brasil - BACEN.
2. A observância de normas gerais em matéria tributária é imperativo de segurança
jurídica, na medida em que é necessário assegurar tratamento centralizado a alguns
temas para que seja possível estabilizar legitimamente expectativas. Neste contexto,
‘gerais’ não significa ‘genéricas’, mas sim ‘aptas a vincular todos os entes federados e os
administrados’.
(...). Agravo regimental ao qual se nega provimento.”4
Vê-se queo imperativo de segurança jurídica é característica das normas gerais estruturantes.
Reconhecendo a natureza de normas gerais em matéria tributária e, portanto, submetidas ao
crivo específico de Lei Complementar, ajurisprudência do STF érepleta de arestos que reconhecem
a inconstitucionalidade de Leis Ordinárias que trataram de temas submetidos ao art. 146 da Carta
Magna, valendo lembrar, em especial, a hipótese do art. 13 da Lei n° 8.620/1993, que previa a
responsabilidade pessoal e solidária dos titulares de firmas individuais e de sócios de sociedades
limitadas por débitos junto a Seguridade Social.
Apreciando o RE n° 562.276/PR 5
, o Tribunal Pleno do STF, em síntese, decidiu que o art. 13 da
Lei n° 8.620/93 tratou da mesma situação regulada pelo art. 135, III, do CTN, de modo que não seria
admitido a edição de Lei Ordinária com esta função, razão pela qual haveria inconstitucionalidade
formal, por ofensa ao art. 146, III, da Constituição Federal de 1988.
Em relação ao art. 20-B, § 3°, II, da Lei n° 10.522/02, com a redação dada pela Lei n° 13.606/18,
esta mesma matéria já encontra regulamentação expressa no art. 185-A do CTN, incluído pela Lei
Complementar n° 118/2005, o que apenas tem o condão de referendar o entendimento de que se
“Responsabilidade tributária e solidariedade tributária são dois temas importantes que não foram explicitados no inciso
IIIdoart.146daCartadaRepública.OCódigoTributário Nacional (CTN),nãoobstante, contémrelevantesnormasgerais
a esse respeito. Nenhuma controvérsia existe quanto ao entendimento de que todas as regras existentes no CTN
acercadesolidariedade ederesponsabilidade tributária classificam-secomo ‘normas gerais em matériadelegislação
tributária’, ostentando – como, aliás, todas as normas vazadas no CTN – o status de lei complementar. Dessa forma,
qualquer regra que um ente federado pretenda estipular em lei ordinária sua sobre solidariedade ou responsabilidade
tributárias deverárespeitarasdisposições geraisdoCTN.”InDireitoTributárionaConstituiçãoenoSTF.Ed.Método.
16ª edição. p.70.
4
DJe27/05/2010.
5
DJe09/02/2011.
É importante destacar que a decisão reconheceu a inconstitucionalidade apenas em relação aos sócios de sociedades
limitadas. Também houve reconhecimento de inconstitucionalidade material, posto que não seria dado ao legislador
ordinário estabelecer confusão entre os patrimônios das pessoas físicas e jurídicas.
4
5. estádiantedenormageraldedireitotributário,quesomentepodemserveiculadaatravésdeLei
Complementar.
Portanto,nãohádúvidasemafirmarqueoart.20-B,§3°,II,daLein°10.522/02,comaredação
dadapela Lein°13.606/18,é inconstitucional porofensa aoart. 146,III,‘b’,da CF/88.
As Inconstitucionalidades materiais: afronta aos princípios do devido processo legal,
contraditório,ampladefesa,reservadejurisdiçãoeproteçãoàpropriedadeprivada
O Título II da CF/88 é denominado de “Dos Direitos e Garantias Fundamentais.”
Oprofessor J. J. Gomes Canotilho 6
ensina que aos direitos e garantias fundamentais cumprea
seguinte função em dupla perspectiva:
“... a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (i) constituem,
num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos,
proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (ii)
implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos
fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a
evitaragressõeslesivaspor partedosmesmos(liberdadenegativa).”
A liberdade negativa a que se refere o renomado constitucionalista consiste no direito subjetivo
potestativo do cidadão de exigir do Estado que atue em estrita observância aos princípios e
garantias fundamentais definidos pela Carta Magna, não os violando de maneira a causar prejuízos
aos administrados, a exemplo do respeito à propriedade privada, expressamente assegurado no
caput do artigo 5° e no inciso XXII da Constituição Federal de 1988.
O artigo 5°, inciso XXII, da CF/88 preceitua que:
“Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXII – é garantido o direito de propriedade.”
Empoucaspalavras, odireito depropriedade,quenãose resume apenasaosbensimóveis,
alçado à condição de garantia fundamental pela Constituição Federal de 1988 não é absoluto, tendo
em vista o dever decadacidadão contribuir para amanutençãodo Estado.O deverde contribuir
representa verdadeira mitigação da garantia de proteção à propriedade privada.
Veja-se a lição do Min. Alexandre de Moraes 7
a respeito do tema:
“(...) Dessa forma, a Constituição Federal adotou a moderna concepção de direito de
propriedade, pois, ao mesmo tempo em que o consagrou como direito fundamental, deixou
de caracterizá-lo como incondicional e absoluto.
6
Citação extraída da obra Direito Constitucional, Alexandre de Moraes, ed. Atlas, 28ª edição, p. 28.
7
In Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. Ed. Atlas. 8ª edição. p. 190.
5
6. A referência constitucional à função social como elemento estrutural da definição do
direito à propriedade privada e da limitação legal de seu conteúdo demonstra a
substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio
e disposição da propriedade por uma concepção social de propriedade privada, reforçada
pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade,
visando também à finalidade ou utilidade social que cada categoria de bens objeto de
domínio devecumprir.”
Uma das expressões da mitigação do direito à propriedade privada é o dever constitucional de
pagamento de tributos.
Por se tratarem de dois preceitos de estatura constitucional (proteção à propriedade privada x
dever de pagamento de tributos), a mitigação do direito à propriedade tem que se dar em harmonia
com os princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, sem olvidar da necessária
reserva de jurisdição.
O artigo 5°, incisos LIV e LV, da CF/88, estatuem, in verbis:
“Art. 5° (...)
LIV-ninguémseráprivadodaliberdadeoudeseusbenssemodevidoprocessolegal.
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
asseguradosocontraditórioeampladefesa,comosmeioserecursosaelainerentes.”
É importante pontuar que a expressão “de seus bens” na norma do inciso LIV do artigo 5° da
CF/88, não se restringe apenas aos bens tangíveis, mas, igualmente, aos bens intangíveis, de modo
queodireitodelivrementeexerceratividadeeconômicaprivada,nostermosdoart.170daCF/88,
está protegido.
É oportuno destacar que o STF, nos autos do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n°
608.426 8
assentou que “os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à
constituição do crédito tributário em desfavor de qualquer espécie de sujeito passivo, irrelevante sua
nomenclaturalegal(contribuintes,responsáveis,substitutos,devedoressolidáriosetc.).”
O Supremo Tribunal Federal assim já se manifestou sobre as facetas do princípio do devido
processo legal:
“(...) Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido
processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV do art.
5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo – substantive due
process – constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas
com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade
(rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o
objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual –
procedural due process – garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de
8
Min. Joaquim Barbosa – 2ª Turma – 04/10/2011.
6
7. defesa.” 9
Épatentequeoart.20-B,§3°,II,daLein°10.522/02violaoconteúdosubstantivodoprincípio
do devido processo legal, na medida em que transfere, unilateralmente, para a Fazenda Nacional a
prerrogativa detornarindisponíveisosbens edireitosdocontribuinte,oqueédesproporcionale
sem qualquer razoabilidade, na medida em que sequer demanda autorização judicial para tanto.
Areserva dejurisdição, naspalavrasdo Min. Celso de Mello,configura-secomo“opostulado de
reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos
magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação
constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros,
inclusive daqueles a quem haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais.” 10
Logo,o idealdareserva dejurisdição asseguraquea práticadeatosexcepcionaisem nosso
ordenamento jurídico, a exemplo da constrição e indisponibilidade de bens, se dê por intermédio do
Poder Judiciário,tendo em vistaanecessidade demitigação degarantiastrazidaspelaCartaMagna,
oquenãopodeserfacultadoaterceiros,sobpenadeesvaziar oconteúdodaquelasgarantiase,
mais do que isso, afastar ou dificultar o controle de legalidade dos atos.
Ora,seaConstituiçãoFederalde1988trazgarantiascomoosprincípiosdodevidoprocesso
legal, contraditório, ampla defesa e proteção à propriedade privada, é correto concluir que a
mitigaçãodessesprincípiossomentepodeserfeitapeloPoderJudiciário,oquefoicaptadopelo
racional do art. 185-A do CTN, in verbis:
“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem
apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz
determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão,
preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de
transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades
supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de
suasatribuições,façamcumpriraordemjudicial.(IncluídopelaLcpnº118,de2005)
§1o
Aindisponibilidadedequetrataocaputdesteartigolimitar-se-áaovalortotalexigível,
devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou
valores que excederem esse limite. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 2o
Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata ocaput deste
artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja
indisponibilidade houverem promovido. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)”
A leitura da norma do caput do art. 185-A do CTN revela que a indisponibilidade de bens e
direitos, além de ser medida excepcional, pois só pode ser requerida se não forem encontrados
outros bens penhoráveis do devedor devidamente citado, é de competência privativa do Poder
9
ADI n° 1.511‑ MC - voto do Min. Carlos Velloso – Plenário - DJ de 06.06.2003.
10
MS n° 23.452/RJ – Tribunal Pleno – DJ 12/05/2000.
7
8. Judiciário, em prol das garantias já citadas nesse breve artigo.
Cabe destacar, neste ponto, que a legislação pátria já prevê medidas de monitoramento do
patrimônio do sujeito passivo (procedimento administrativo de arrolamento de bens e direitos),
bem como a medida judicial denominada de Medida Cautelar Fiscal 11
, cabível para resguardar os
direitos patrimoniais da Fazenda Pública em situações específicas, de modo que a alteração na Lei
n° 10.522/02 pela Lei n° 13.606/18 se mostra ainda mais desproporcional ante ao fato de que já
existiam instrumentos legais à disposição da União.
A constrição patrimonial pretendida através do art. 20-B, § 3°, II, da Lei n° 10.522/02 caracteriza
verdadeira Sanção Política, posto que configura medida ilegítima e sem respaldo na Constituição
Federalde1988,comaestritafinalidadedecoagirocontribuinteaopagamentodetributoatravés
da indisponibilidade de seus bens12
. A título de exemplo pode-se citar o acórdão da 1ª Turma do STF
no Agravo Regimental no RE n° 936.702/SP:
“TRIBUTO – FISCALIZAÇÃO – REGIME ESPECIAL – ‘SANÇÃO POLÍTICA’ – INSUBSISTÊNCIA.
Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual por meio da qual são
impostasrestrições ao exercício da atividade econômicaou profissionaldo contribuinte,
quando este se encontra em débito para com o fisco, caracterizada forma oblíqua de
cobrança de tributos – Verbetes nº 70, 323 e 547 da Súmula do Supremo. Precedentes:
Recursos Extraordinários nº 413.782-8/SC e 565.048/RS, ambos por mim relatados no Pleno,
publicadosnoDiáriodeJustiça,respectivamente,em3dejunhode2005e9deoutubrode
2014. (...)” 13
Emsuma,oart.20-B,§3°,II,daLein°10.522/02,incluídopelaLein°13.606/18,violadeforma
clara os princípios constitucionais acima, de modo que se espera que o STF atue em favor da ordem
constitucional, declarando a sua inconstitucionalidade.
Conclusão
Oqueseinferecomaediçãodosarts.20-Be20-Eda Lein°10.522/02éainstauração deum
sistematributário,quealémdecomplexoecustoso,temsidovoltadoparapuniroscontribuintese
garantir a arrecadação tributária ao arrepio de garantias constitucionais.
O ambiente tributário no Brasil funciona como medida indutora da litigiosidade entre Fisco e os
Contribuintes, sobrecarregando ainda mais o Poder Judiciário, com reflexos negativos para toda a
sociedade, inclusive afastando investimentos na economia brasileira.
Caberá, novamente, ao Supremo Tribunal Federal restabelecer a ordem constitucional, em prol
da segurança jurídica, ante as evidentes inconstitucionalidades que permeiam o art. 20-B, § 3°, II, da
Lei n° 10.522/02, incluído pela Lei n° 13.606/18.
Enquanto o STF não der a palavra final sobre o assunto, os contribuintes deverão estar atentos
11
Lei Federal n° 8.397/1992.
12
A cobrança de tributos deve ser feita por meio de execução fiscal, nos termos da Lei n° 6.830/80.
13
Min. Marco Aurélio – DJe 06/04/2016. No mesmo sentido decisão na ADI n° 173/DF.
8