O documento resume uma Solução de Consulta da Receita Federal que desconsiderou um consórcio internacional entre empresas do mesmo grupo. A Receita entendeu que se tratava de um "arranjo" para encobrir uma prestação de serviços intercompanhia. Como resultado, a receita gerada no Brasil seria tributada integralmente e sujeita a regras de preços de transferência. O artigo analisa o impacto desta decisão para estruturas de cadeia de suprimentos.
A Desconsideração de Consórcio Internacional pela Receita Federal e o Impacto para Estruturas de Supply Chain
1. Alex Moreira Jorge - sócio
alex.jorge@cmalaw.com
Marcelo Gustavo Silva Siqueira
marcelo.siqueira@cmalaw.com
Artigos CMA
A Desconsideração de Consórcio Internacional pela
Receita Federal e o Impacto para Estruturas de
Supply Chain
Prezados Clientes,
Na Solução de Consulta COSIT nº 528/2017, a Receita Federal do Brasil (RFB) desconsiderou um
Consórcio internacional entre empresas do mesmo grupo econômico por entender que se tratava,
na realidade, de um “arranjo” para encobrir uma importação de serviços intercompany.
Diante dessa desconsideração, (i) a totalidade da receita auferida no pretendido Consórcio
Internacional seria da consorciada brasileira (“Consulente”) e tributada pelo IRPJ e CSLL, bem como
PIS e COFINS (ponto não questionado pela Consulente), e (ii) a remessa dos resultados para o
exterior seria receita da consorciada estrangeira sujeita ao IRFonte, PIS e COFINS-Importação e
CIDE, além da aplicação das regras de preços de transferência para fins de determinação da
dedutibilidade da despesa pela empresa brasileira.
O presente artigo baseia-se na Solução de Consulta COSIT nº 528/2017 e seus impactos para a
cadeia de supply chain.
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Alex Moreira Jorge – Sócio e Co-Head do Departamento Tributário do Campos Mello Advogados
Marcelo Gustavo Silva Siqueira – Associado do Departamento Tributário do Campos Mello
Advogados
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TRIBUTÁRIO
C
2. 2
Fatos
Uma empresa brasileira e outra estrangeira, do mesmo grupo econômico, constituíram um
consórcio para a aquisição, distribuição e venda de produtos de higiene pessoal, limpeza e
alimentos no Brasil (“Consórcio”), com a remuneração sendo divida entre ambas na proporção de
sua participação no Consórcio. O Consórcio visou a reestruturação de negócios e a padronização da
atividade operacional e estratégia empresarial do grupo.
A consorciada estrangeria, localizada na Suíça, assumiu os “riscos, funções e responsabilidades
do Consórcio em relação à estratégia e gerenciamento da cadeia de suprimentos.” Além disso, “terá
responsabilidade, inclusive econômica, pelos riscos relativos à aquisição de insumos da produção, à
fabricação dos produtos destinados à venda e à sua distribuição no mercado, devendo definir
estratégias afetas à cadeia de suprimentos ou distribuição de bens.” Não foi indicada a emissão de
qualquer invoice pela consorciada estrangeira para terceiros, com a consorciada brasileira devendo
providenciar a remessa de sua parcela da receita do Consórcio para o exterior com a retenção de
15% do IRFonte.
A consorciada brasileira “ficará responsável pela compra e posterior venda de produtos a seus
clientes, responsabilizando-se por sua qualidade, assim como também se encarregará da
administração da carteira de clientes e das estratégias de marketing, relacionadas ao atendimento
de clientes e ao desenvolvimento e à solidificação da marca.”
Com isso, somente a consorciada brasileira emitiria fatura/nota fiscal pela venda dos produtos
(com a indicação do Consórcio), apropriando a totalidade dessa receita como sua base tributável e
para fins dos eventuais créditos do PIS/COFINS não-cumulativo, tendo em vista que a consorciada
estrangeira não opera no Brasil, mas a parcela da consorciada estrangeira seria excluída da base de
cálculo do IRPJ/CSLL.
Em resumo, como a consorciada estrangeira não emitiria faturas, a Consulente aparentemente
indicou que a totalidade da receita do Consórcio obtida de terceiros no Brasil:
(i) Resultaria da venda dos produtos pela consorciada brasileira;
(ii) Seria tributada pelo PIS/COFINS devido pela consorciada brasileira, sem a redução da parcela
da consorciada estrangeira; e
(iii) Seria reconhecida para fins do IRPJ/CSLL devido pela consorciada brasileira, com a exclusão
(e não como dedução de despesa) da parcela da consorciada estrangeira, resultando na
tributação apenas da diferença.
Cada consorciada seria responsável pelos seus respectivos custos, com os custos comuns
devendo ser segregados igualmente.
Pelo que se depreende dos fatos, a consorciada estrangeira agiria como um estabelecimento
Principal, responsável pela maioria dos riscos e funções relacionadas às atividades de
comercialização de produtos do seu portfólio no Brasil. Já a consorciada nacional teria riscos
limitados.
3. 3
Análise da RFB
O Fisco considerou que o Consórcio em questão não tem as características de um consórcio
típico, considerando para tanto, em especial:
(i) O fato do Consórcio não ter um empreendimento específico, mas sim a própria atividade-fim
da empresa brasileira;
(ii) A empresa estrangeira apenas assumir atividades-meio com a empresa brasileira (e não com
terceiros) e anteriores à venda dos produtos;
(iii) o longo prazo para atividades de comercialização (20 anos, prorrogáveis); e
(iv) a distribuição de lucros entre as consorciadas, já que a estrangeira faz jus a uma divisão da
receita com base em critério que a favorece, “garantida a sua parcela de lucro no consórcio,
enquanto que a consorciada brasileira pode, em tese, até amargar um prejuízo (...)”. Enquanto a
receita de venda reflete o preço de venda dos produtos, a receita da empresa estrangeira é
obtida mediante a soma dos custos de suas atividades com determinada margem de lucro
(impendentemente do valor da receita de venda).
No entendimento da RFB, “embora tenha caráter mercantil, o consórcio não objetiva a
distribuição de lucros e sua duração tende a ser sempre curta, determinada e coincidente com o
término de sua finalidade específica.”
Assim, por não se tratar de consórcio típico, não se aplicaria a legislação tributária que conferiu
tratamento específico aos consórcios (Lei nº 12.402, de 2011, e IN RFB nº 1.199, de 2011), onde as
consorciadas “respondem pelos tributos devidos, em relação às operações praticadas pelo consórcio,
na proporção de sua participação no empreendimento.”
A RFB ainda indicou o art. 123 do CTN (convenções particulares sobre o pagamento de tributos
não são oponíveis ao Fisco) para justificar a impossibilidade da consideração do contrato de
Consórcio apresentado pela Consulente para fins fiscais.
Nesse contexto, o Fisco concluiu que o Consórcio reflete uma prestação de serviços
intercompany (e não cost sharing) sujeita aos preços de transferência e dedutíveis do IRPJ/CSLL,
além de tributadas pelo IRFonte, CIDE-tecnologia e PIS/COFINS-importação como serviços de
assistência administrativa e semelhantes.
Com relação ao PIS e COFINS, a Consulente havia indicado que a totalidade das receitas
auferidas pelas consorciadas seria tributada e questionava se poderia apurar créditos sobre as
aquisições de mercadorias para revenda, custos, despesas e encargos vinculados às suas atividades,
nos termos do artigo 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03. A RFB concluiu que a Consulente
poderia “apropriar os respectivos créditos a que fizer jus”.
Por fim, a RFB não analisou os questionamentos sobre tratamentos contábeis e obrigações
acessórias (i.e., emissão de notas fiscais e preenchimento da DIPJ – atual ECF), por entender que
não poderia dar consultoria privada sobre esses pontos.
4. 4
Comentários CMA
Muito comum na Europa e utilizada por empresas multinacionais norte-americanas e europeias,
as estruturas de Supply Chain Company são implementadas através de distribuidores de riscos
limitados (limited risk distributors – “LRD”) e uma Principal Trading Company, esta geralmente
localizada em um país ou jurisdição com regime fiscal privilegiado (i.e., Irlanda ou Suíça).
Neste modelo, em razão dos maiores riscos e funções assumidas, a maior parcela do lucro seria
tributado pelo estabelecimento Principal a uma alíquota preferencial, enquanto que o LRD teria
uma margem de lucro garantida, em razão de menores riscos (i.e., indenização por perdas nas
vendas para terceiros, a aquisição de produtos do estabelecimento Principal ocorre apenas em caso
de venda para terceiros, entre outros) e funções assumidas.
Todavia, a legislação de preços de transferência no Brasil não segue o padrão arm’s lenght da
OCDE baseado nos riscos e funções assumidas. O Brasil possui margens de lucro fixadas na
legislação independente dos riscos e funções da empresa brasileira, razão pela qual costuma ser
excluído ou desconsiderado das políticas globais de preços de transferência dos grupos
multinacionais estrangeiros.
Nesse contexto, o consórcio pode, inclusive, ter sido idealizado como uma forma de buscar
utilizar indiretamente o referido padrão OCDE no Brasil para limitar o efeito das normas de preços
de transferência brasileiras, tendo em vista que (para fins do IRPJ/CSLL):
(i) Ao evitar a prestação de serviços intercompany pela empresa estrangeira, evitaria a aplicação
da legislação brasileira de preços de transferência, o que possibilitaria uma alocação de lucro
maior para a empresa estrangeira (que reduzirá a base de cálculo do IRPJ/CSLL da consorciada
brasileira) do que a permitida pela referida legislação brasileira; e
(ii) No caso de mercadorias importadas, resultaria em um lucro menor para a empresa brasileira
do que a exigida pela legislação brasileira de preços de transferência (o ajuste ocorreria com a
posterior exclusão da parcela da receita atribuída à empresa estrangeira da base de cálculo do
IRPJ/CSLL da consorciada brasileira).
Independente do exposto, existe inegavelmente um pressuposto societário a ser observado
para que o Consórcio possa existir e, consequentemente, ser aceito para fins fiscais. Além da
intenção das partes, as atividades a serem consideradas no âmbito do Consórcio, em especial
aquelas que não resultam em cobrança autônoma perante terceiros, requerem uma análise
detalhada.
A impossibilidade dos consorciados realizarem a principal atividade do consórcio (i.e., aquisição,
venda e distribuição de produtos) assim como o faturamento e cobrança separada da atividade de
cada consorciado, parecem indicar um risco para a sua inclusão como atividade no âmbito do
Consórcio. Foi nesse contexto que as autoridades fiscais consideraram que um Consórcio deve
realizar atividades para terceiros, com as atividades-meio não cobradas de forma segregada, sendo
consideradas apenas transações internas (tributáveis) entre os consorciados.